Com a aproximação da Cimeira de Singapura entre os presidentes
Trump e Kim fomos submergidos sob um dilúvio de artigos de
opinião. A maior parte deles são desinformados, alguns
ignorantes. Sintomas são confundidos com problemas, consequências
com causas. A causalidade é frequentemente invertida. Exemplo: há
muita concentração sobre as armas nucleares da Coreia do Norte
(com pouca atenção prestada às dos EUA) sem que seja
examinada a razão para a sua existência. A Coreia do Norte
desenvolveu um dissuasor nuclear em resposta a uma ameaça dos Estados
Unidos. Sem a ameaça não haveria dissuasor. A questão
então não é porque a Coreia do Norte tem um dissuasor
isto é óbvio embora apologistas dêem-se a grandes
trabalhos para sugerir explicações bizarras mas, ao
invés, porque os EUA ameaçam a Coreia do Norte. Quais são
os impulsionadores da política americana? A chave para o entendimento do
que está em curso, e portanto para chegar a soluções,
é perguntar as questões certas.
Esta literatura florescente é emitida com
banalidades
e
trivializações
. De modo redundante, destacam camuflagens
óbvias como percepções;
Jimmy Carter
conta-nos que "A
prioridade principal dos líderes da Coreia do Norte é preservar o
seu regime e mantê-lo tão livre quanto possível do controle
externo". Bastante verdadeiro, mas não será isto o que
fazem, ou deveriam fazer, todos os governos? E a seguir temos jornalistas a
tropeçarem em clichés;
Eugene Robinson
no
Washington Post
pontifica que "a Coreia do Norte é uma das mais brutais ditadura
do mundo, um reino eremita dominado por um regime fanático e
paranóico. Sua liderança não é suicida, contudo, e
Kim é claramente invejoso da tecnologia e riqueza ocidental". Um
reino eremita por definição não desejaria tecnologia
estrangeira e muito menos estaria "invejoso" dela. Por que utilizar
apenas uma ideia cliché numa sentença se se pode condensar duas
na mesma?
Talvez a ideia mais imbecil seja exemplificada por David Ignatius:
"Trump e Kim Jong Un tem um bocado em comum. Será isso uma coisa boa?"
Sabemos um pouco mais acerca de Trump do que de Kim mas é evidente que
eles têm personalidades muito diferentes. E as suas
situações, as quais dão origem a motivações
e aspirações, dificilmente poderiam ser mais diferentes.
E assim por diante.
A fim de limpar o ar sobre um tema que é muito complexo mas
também uma situação tolamente simples é útil
declarar resumidamente uns tantos factos salientes e identificar algumas
ilusões.
Factos
Contexto histórico e geopolítico
Primeiramente os antecedentes históricos que apresentam o contexto para
a situação que se desenvolveu:
Em 1945, no fim da Guerra do Pacífico, os Estados Unidos dividiram a
Coreia. A União Soviética anuiu a esta iniciativa americana e
Staline foi criticado, razoavelmente ou não, por se inclinar a esta
divisão a qual teria consequências calamitosas. A península
coreana era muito inabitual por ser um beco sem saída geográfico
e ser racialmente homogénea. Não havia restos de invasões
e migrações tal como era comum em muitas partes do mundo.
Não era como os divididos Balcãs com tensões
étnicas a ferverem em fogo lento. Os EUA quiseram proteger seu botim de
guerra conquistado ao Japão de qualquer envolvimento, por ameaça
ou contágio, da União Soviética. A ocupação
da Coreia do Sul deu-lhe uma cabeça-de-ponte no nordeste do continente
asiático e estabeleceu uma "presença militar
avançada" para conter e ameaçar a União
Soviética e dominar a área. Ao longo do tempo o foco naturalmente
mudou-se para a China (em 1945 os EUA ainda "possuíam" a
China, ou grande parte dela sob Chiang Kai-shek). Entretanto este inquilino da
política dos EUA ainda se mantém; a península coreana
é um subconjunto de uma política mais geral. Quando os EUA olham
para a Coreia vêem a China. Embora o relacionamento americano com a
Coreia dividida se tenha desenvolvido por si próprio ao longo de
décadas, os coreanos ainda são vistos essencialmente como
piões a serem movidos, e talvez sacrificados, a fim de dar um cheque
mate à China.
A relevância disto é vista no desconforto profundo que o
establishment de política externa dos EUA sente quanto ao acordo de
Trump para uma cimeira com Kim Jong Un. Eles temem que a sua ignorância e
o seu desejo narcísico de obter um Prémio Nobel possa
inadvertidamente por em perigo o que percebem como a pedra angular da
política dos EUA na Ásia. Assim, por exemplo, temos o antigo
responsável do Pentágono, Van Jackson, a escrever:
Será que a estratégia americana na Ásia a qual
necessita uma presença militar avançada em lugares como a Coreia
do Sul mais ou menos prioritária do que alcançar a
desnuclearização? Em suma, que futuros alternativos na Coreia
servem mais ou menos os interesses dos EUA? Não há sinal de que
Trump tenha lutado com estas questões...
Tweets recentes de Trump sobre a Coreia do Norte sugerem que ele está
desesperado por um acordo, o qual lhe traria muito precisadas manchetes
favoráveis em meio a muitos escândalos políticos internos.
Ele também continua a deixar pistas de que realmente quer afirmar que
é o homem que terminou a Guerra da Coreia, muito embora nunca tenha
parado para perguntar porque é que a Coreia do Norte, também,
sempre tenha desejado que os Estados Unidos anuíssem ao fim da guerra.
Com um tratado de paz na mão, Kim minaria o mais importante factor
único justificativo da presença de tropas dos EUA na Coreia e,
por extensão, a aliança com a Coreia do Sul. Kim não
precisa pedir a retirada imediata das tropas como parte do tratado de paz. Ao
primeiro sinal de fricção pós paz, Kim pode acenar com
aquele tratado na cara da América e dizer: "Yankee go home".
Isso imediatamente dispararia debates em Seul acerca do futuro da
aliança e, com um tratado de paz na mão, activistas
anti-americanos no Sul terão um argumento muito mais forte para
pressionar a saída dos Estados Unidos do que em décadas passadas.
Se Trump loucamente deixar irromper a paz na Coreia então os ianques
podem ser forçados a deixá-la e isso minaria a
contenção da China.
A mítica ameaça norte-coreana
Apesar do alarde e histeria implacáveis acerca da "ameaça
norte-coreana", trata-se claramente de um mito, um engendro para servir
outros propósitos, geopolíticos, para beneficiar o complexo
militar-industrial. Os Estados Unidos têm o mais poderoso poder militar
do mundo, como a história nos diz, e o seu próprio
orçamento militar e quase tão grande quanto o do resto do mundo
em conjunto. Com o seu sistema de alianças NATO, Coreia do Sul,
Japão, Austrália (e não esquecer a Nova Zelândia) a
sua vantagem sobre
qualquer possível adversário
é
incrível: maior do que a China sete vezes, do que a Rússia 15
vezes e do que a Coreia do Norte talvez mais de 1000 vezes.
A Coreia do Norte pode ameaçar retaliar contra um ataque dos EUA, embora
isto fosse uma
"opção Sansão"
suicida. Mas isso
é da natureza da
dissuasão
. Entretanto ela não pode
iniciar um ataque aos Estados Unidos; não há motivo
possível, nada a ser ganho, a derrota e destruição seria
certa. A Coreia do Norte não pode "ameaçar os Estados
Unidos" e nunca será capaz disso. Que a ameaça da Coreia do
Norte tenha ganho tal credibilidade apesar de ser obviamente ridícula
constitui um dos grandes golpes de propaganda do nosso tempo.
Há um certo número de consequências disto, mas duas merecem
menção especial.
A Coreia do Norte é frequentemente acusada de trapacear acordos feitos
com os EUA. As
evidências
reais apontam em outra direcção
mas, mesmo se isto fosse verdade, realmente não importaria muito.
Não é possível trapacear o facto de que a Coreia do Norte
poderia alterar o equilíbrio de poder. Acumular algum plutónio ou
urânio, ou um míssil ou dois, não levaria a lugar algum; os
EUA ainda têm uma preponderância de poder esmagadora. O mesmo
não se aplica na outra direcção, naturalmente. Se os EUA
conseguem que a Coreia do Norte se desarme e a seguir rompe suas promessas e
ataca-a, como com a Líbia, então a Coreia do Norte poderia ser
destruída, como o foi a Líbia.
Também se segue que a dissuasão nuclear da Coreia do Norte ao
invés de ser uma ameaça ao mundo como se diz frequentemente
é de facto um reforço da paz. O cientista político dos EUA
Kenneth Waltz destacou que armas nucleares na posse de um pequeno país
ameaçado (ele estava a pensar no
Irão
) dissuadem um agressor
maior. O país poderoso não pode atacar o mais fraco por temor da
dissuasão e o mais fraco não pode atacar o mais poderoso pelas
razões acima discutidas. A paz, talvez inquieta, mas ainda assim nada
menos que a paz, prevalece.
Fantasias
Duas fantasias americanas inter-relacionadas são relevantes aqui
excepcionalismo e solipsismo.
Excepcionalismo
A noção de que os Estados Unidos são um país
"Excepcional" tem uma longa história que remonta à suas
origens. De facto o líder puritano
John Winthrop
utilizou a analogia
bíblica de uma "cidade sobre a colina" para a qual todo o
mundo olharia antes de realmente alcançar a costa de Massachusetts em
1630. Desde então o excepcionalismo tem sido um tema recorrente na
política americana e foi abraçado por
George W. Bush
, Hillary
Clinton e Barack Obama
"Acredito no excepcionalismo americano com cada fibra do meu ser"
.
Se a América é "excepcional" então está
acima das regras normais do direito internacional e pode, por exemplo, invadir
outros países ou interferir nos seus assuntos internos com impunidade.
Um artigo recente na revista do establishment
Foreign Policy
depois de a eleição venezuelana ter produzido um resultado que
não é do agrado de Washington ilustra esta mentalidade:
"Está na hora de um golpe na Venezuela"
. O excepcionalismo
facilmente transmuta-se em
imperialismo
. Os duplos padrões estão
no cerne do excepcionalismo e isto manifesta-se de vários modos, mas de
particular relevância aqui é a ideia de que é bastante
certo e adequado para os Estados Unidos terem armas nucleares mas não,
por exemplo, a Coreia do Norte. Como o Conselho Editorial do
Washington Post,
sem qualquer sentido de ironia e sem mencionar quaisquer concessões ou
compromissos americanos,
"Trump deve fazer com que a Coreia do Norte fique completamente limpa"
. As negociações e os seus resultados
não são encarados como algo que tenha qualquer elemento real de
reciprocidade. Don Balz, do
Washington Post,
descreve isto de forma bastante inconsciente:
[Um resultado com êxito da cimeira produziria]... um quadro que
incluísse um acordo explícito dos norte-coreanos para
desnuclearizar; uma disposição da sua parte para constranger seu
programa de míssil balístico (e não apenas mísseis
de longo alcance que pudesse alcançar os Estados Unidos mas
também aqueles que ameaçam seus vizinhos imediatos); e um
compromisso para um sistema de verificação intrusivo.
Em contrapartida, os Estados Unidos poderiam oferecer ajudar na
produção de um tratado de paz entre a Coreia do Norte e a Coreia
do Sul, comprometer-se a não invadir a Coreia do Norte, manter a
possibilidade de relações diplomáticas se a Coreia do
Norte cumprir suas promessas e provavelmente oferecer garantias de
assistência económica no futuro.
Não há qualquer sugestão de que os Estados Unidos possam
desnuclearizar-se ou mesmo reduzir seus próprios programas militares;
isso é para que façam os outros. Os Estados Unidos meramente
fazem algumas vagas promessas de que podem conformar-se à prática
internacional e estabelecer relações diplomáticas.
Não há percepção de que isto é uma
questão de força bruta, do forte a tentar impor a sua vontade ao
fraco, do mesmo modo como o patrão da Mafia faz exigências
semelhantes. Isto é visto como a ordem natural das coisas e nisto
há um perigo. Um estado conscientemente a aplicar a ameaça de
força para escorar exigências irrazoáveis pode fazer isso
de maneira racional e voltar atrás se os custos se verificarem demasiado
elevados. Um estado imbuído da mentalidade do excepcionalismo pode
não comportar-se tão racionalmente. Embora a mentalidade do
excepcionalismo deva ser intensamente satisfatória para a elite
americana há uma resistência crescente, tanto de
adversários como de aliados, ao excepcionalismo americano impulsionado
parcialmente, mas não exclusivamente, pela grosseria de Trump. Isto
está resumido na foto icónico de Angela Merkel, punhos sobre a
mesa, a olhar furiosamente um Donald Trump sentado na reunião do G7 no
Canadá.
Solipsismo
Filosoficamente, solipsismo significa considerar-se a si próprio como a
única realidade conhecida e que tudo o mais é incerto, mas
também, por extensão, significa ser auto-centrado em grau
extremo.
Bruce Cumings
descreveu o Juche como "o núcleo opaco do
solipsismo nacional norte-coreano". Ele não está sozinho
nisto mas de facto o solipsismo pode ser muito mais adequadamente aplicado aos
Estados Unidos, os quais não estão sob sítio do modo como
está a Coreia do Norte. Isto manifesta-se de muitos modos mas um de
especial relevância é que a forma como a cimeira Kim-Trump foi
formulada virtualmente exclusivamente em termos do que está a ser
exigido da Coréia do Norte, ao invés de [definir] quais
são as questões. Isso acontece mesmo com as
organizações que defendem a paz, como por exemplo, Philp Yun, do
Fundo Ploughshares, que escreveu
"A melhor opção de Trump para desnuclearizar a Coreia do Norte"
. Os EUA podem querer o desarmamento
unilateral da Coreia do Norte, mas a Coreia do Norte quer paz e
segurança. Negociações são, por
definição, um diálogo desafiante entre duas ou mais
partes, mas essa compreensão essencial é muitas vezes ofuscada
pelo solipsismo americano. O bom negociador tenta entender o que o outro lado
quer, mesmo que seja apenas para explorar esse conhecimento. A empatia é
um atributo chave.
Outro problema com o solipsismo americano é o privilégio dado a
aspectos internos. A política externa dos EUA é muitas vezes
joguete de conflitos internos. Exemplo: os principais do democratas do Senado
exigiram que Trump mantivesse a linha nas conversações com a
Coreia do Norte. Isso, é claro, tem a ver não com a Coreia mas
sim com Trump.
Nicholas Kristof
comentou com pesar no
New York Times:
Infelizmente, os democratas no Congresso estão respondendo de uma
maneira bastante trumpiana: eles parecem mais preocupados em solapá-lo
do que em apoiar um processo de paz com a Coreia do Norte. Eles estão do
mesmo lado do Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton,
subvertendo discretamente tentativas de buscar a paz.
Apesar de a segurança internacional ser complicada, há uma regra
de ouro: Quando você se encontra do mesmo lado de Bolton, recue e
reexamine sua posição.
Se fosse verdade, o que certamente não é, que todo país
tem o governo que merece, então seria considerado apropriado que o
solipsismo americano seja agora exemplificado pelo narcisismo de Trump.
Perspectivas
Na véspera da cimeira o establishment político dos EUA o
Blob
, como tem sido chamado está a ficar com medo. Há
medos de guerra, mas também há um medo maior da paz. Eles
estão preocupados que Trump, no seu desejo de um Prémio Nobel,
pela publicidade e índices de audiência, irá sucumbir
à astúcia e bajulação de Kim Jong Un e concordar
com um acordo que ponha em perigo a hegemonia americana.
Os três
consiglieri
americanos
O perigo de guerra ainda existe mas é menor do que há um ano.
Têm sido manifestadas preocupações de que Trump iria
à cimeira esperando rendição incondicional e quando
descobrisse não ser o caso precipitar-se-ia e reactivaria planos para um
ataque à Coreia do Norte. Felizmente Trump parece ter sido algo
corrigido em relação ao seu antigo falso optimismo (talvez por
Pompeo?) e assim o choque será menor. Ele ainda pode sair, mas isso
é cada vez mais improvável pois daria o mérito da paz a
Kim.
A argumentação militar contra a guerra é tão forte
quanto no ano passado (e a argumentação política ainda
mais forte); como Mattis admitiu as consequências seriam
"catastróficas". Contudo, Mattis e os militares não
desejam a paz como indicam as suas observações no
Diálogo de Shangrilá
(ironicamente Singapura) "Nosso objectivo
permanece a completa, verificável e irreversível
desnuclearização (CVID) da Península Coreana". A CVID
é uma exigência consagrada dos EUA e apesar de poder representar
uma lavagem cerebral ela tem sido utilizada habitualmente como uma
exigência inaceitável para parar negociações. Isto
provavelmente é o que Mattis quer, nem guerra nem paz mas a
continuação do impasse que serve muito bem a política
asiática dos EUA.
Bolton é uma questão. Ele não quer o impasse mas sim a
crise. Ele tentou descarrilar a cimeira e quase teve êxito quando em 24
de Maio persuadiu Trump a cancelá-la. Além de sussurrar aos
ouvidos de Trump o seu maior truque tem sido advogar uma
"solução Líbia". O ponto chave acerca disso
não foi a mecânica da desnuclearização, como
é frequentemente sugerido, mas algo muito mais significativo. A
secretária de Estado Condoleezza Rice persuadiu Kadhafi a desarmar-se
com promessas de que os EUA não iriam derrubar seu governo. A
secretária de Estado Hillary Clinton, com a aprovação de
Obama, renegou aquelas promessas. Kadhafi foi brutalmente assassinado e a
Líbia virtualmente destruída. Essa
lição
não foi perdida em Pyongyang. Ao levantá-la de forma tão
destacada,
Bolton tentava forçar a Coreia do Norte a se afastar da cimeira.
Parece ter sido Pompeo quem persuadiu Trump a retornar às
conversações. Pompeo é mais difícil de decifrar do
que Mattis (impasse) ou Bolton (crise). Diz-se que ele tem
ambições
de se tornar presidente de modo que um acordo com
êxito como secretário de Estado lhe asseguraria um ponto de
partida importante. Ao mesmo tempo, ele desejará que a culpa por
qualquer fracasso ou por consequências não pretendidas seja
atribuída a Trump, não a ele.
A desnuclearização aspiracional é a chave para a paz
A administração Trump recusou o pedido de Moon Jae-in de
comparecer à cimeira e participar na assinatura de um acordo. Chega de
aliados.
Resta Kim Jon Un e sua equipe. O seu objectivo empurrar Trump rumo
à coexistência pacífica enquanto retém capacidade
suficiente para deter um ataque dos EUA é bastante claro. O que
não se sabe é que êxito terá Kim ao negociar com
Trump. Onde se comprometerá e onde traçará a linha?
"Desnuclearização da península coreana" é
uma frase infeliz herdada dos dias de Kim Il Sung quando a mais provável
potência nuclear na península coreana, além dos EUA, era a
Coreia do Sul. Ela concentra a atenção sobre sintomas
(dissuasão nuclear) ao invés de concentrá-la nas
questões substantivas (a hostilidade política dos EUA). No
entanto tem a virtude da imprecisão e da ambiguidade e isso pode ser a
sua graça salvadora.
Se a cimeira está destinada a romper o impasse actual e abrir uma
resolução no futuro ela precisa colocar a questão da
desnuclearização dentro de uma ambígua cápsula do
tempo aspiracional. O modelo aqui pode ser o Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP). Assinado cinquenta anos atrás
foi um acordo entre os Estados Nucleares Existentes (ENE) e o resto.
Signatários não nucleares não desenvolveriam armas
nucleares e em contrapartida os ENE os assistiriam com energia nuclear e,
crucialmente, movimentar-se-iam rumo ao seu próprio desarmamento
nuclear. Cinquenta anos depois ainda estamos à espera, ainda com
esperança.
Se a desnuclearização norte coreana pode ser analogamente tornada
aspiracional (e não vamos esquecer que a nuclearização dos
EUA não está na agenda, embora Kim possa levantá-la)
então progressos podem ser feitos. Isto pode ser suplementado por
entusiasmos de relações publicas a assinatura de sublimes
declarações de paz, anúncios de normalização
de relações diplomáticas, novos gestos tais como estender
a moratória quanto a testes nucleares e de mísseis, até
mesmo a abertura de um McDonald's em Pyongyang mas a base essencial da
dissuasão deve permanecer por enquanto. Os chineses têm uma
política sábia de colocar problemas difíceis em adiamento
para as gerações futuras resolverem. Algo como esta abordagem
é exigida aqui. Se, ao longo do tempo, os EUA abandonarem sua
política de hostilidade, aceitarem a coexistência pacífica,
abandonarem a guerra económica e diplomática contra a Coreia do
Norte, então a necessidade de dissuasão nuclear da Coreia do
Norte se desvaneceria. Exactamente como isso ocorreria é difícil
de prever, mesmo de encarar; os Estados Unidos afinal de conta têm uma
má reputação quando se de trata de honrar acordos.
A questão chave é saber se Trump aceitará isto. Ele pode
muito bem aceitar. Está interessado num Prémio Nobel (um bocado
de bajulação aí, presidente Moon!) e no que aparece nos
écrans de TV. Ele não está interessado nos pormenores, ou
no texto geral. Ele veio directamente de uma desastrosa reunião do G7 no
Canadá e pode estar particularmente ansioso para ter um triunfo em
Singapura.
Além de Kim Jong Un, o actor chave aqui é Mike Pompeo, presidente
à espera. Qual será o seu papel?
Paz no ar
No entanto, mesmo que a cimeira se desfaça, muito progresso foi feito
desde que o
Discurso de Ano Novo
de Kim Jong Un pôs o processo em
andamento; a paz está no ar. As relações da Coreia do
Norte com a China e a Rússia melhoraram muito e ambas estão cada
vez mais relutantes em aceitar as exigências americanas de
"pressão máxima". As relações
inter-coreanas avançaram (a velocidade com que os dois líderes se
uniram após o abortado cancelamento de Trump foi notável). Se os
apoiantes de Moon Jae-in se saírem tão bem quanto o esperado nas
eleições de 13 de junho, no que é encarado como um
referendo
sobre suas políticas, então a detente Norte-Sul
ganhará um novo ímpeto.
A paz pode não estar ali na esquina mas os sinais são nitidamente
esperançosos.
11/Junho/2018
[*]
Académico neo-zelandês, investigador da geopolítica
asiática. Ensina em universidades da Grã-Bretanha, China, Coreia
do Sul, Indonésia e Nova Zelândia. Escreveu
North Korea: The Struggle against American Power
(2005) e
Crisis in Korea: America, China and the Risk of War
(2011).
O original encontra-se em
www.zoominkorea.org/...
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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