Durante a ocupação da Coreia pelo Japão (1910-1945), o
governo colonial retirava todo o arroz da Coreia em benefício do
Japão, deixando quase nada para os coreanos. Ter arroz com caldo de
carne naquela época era um luxo pelo qual toda a gente ansiava.
Assim, imediatamente após a libertação, o aumento da
produção de arroz tornou-se a principal prioridade
agrícola da Coreia do Norte.
Segundo Jo Byeong-heon, sul-coreano perito em assuntos norte-coreanos, a
Coreia do Norte construiu 40 mil quilómetros de canais de
irrigação, bem como cerca de 1700 reservatórios e 25 mil
estações de bombagem no período a seguir à
libertação. No princípio da década de 1960, o
país construiu mais 50 mil estações de bombagem nas
áreas agrícolas e irrigou completamente toda a sua agricultura.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e Agricultura (FAO), a Coreia do Norte
sistematicamente
produziu
3,5 a 4,3 milhões de toneladas de cereais por ano durante a
década de 1960, bem como 5 a 6,5 milhões de toneladas nas
décadas de 1970 e 1980. Esse número ascendeu firmemente para as 9
milhões de toneladas/ano em 1993, mas decaiu para 2,6 milhões em
1996, na altura da Marcha Árdua.
Quando a alta súbita nas importações de
combustíveis e a escassez de electricidade no princípio da
década de 1990 paralisaram as estações de bombagem e a
água já não podia chegar às terras
agrícolas, a Coreia do Norte procurou respostas na ciência.
Ela precisava de meios de irrigar sua agricultura sem
depender da electricidade e chegou a uma ideia simples mas radical. A ideia
baseou-se no princípio da gravidade. Oitenta por cento da terra da
Coreia do Norte é constituída por montanhas e terras altas onde a
água da chuva se acumula naturalmente. Assim, os seus cientistas
consideraram: se se puder conduzir a água dos cumes das montanhas para
que fluam até as áreas agrícolas, já não
serão mais precisas as estações de bombagem que consomem
tanta electricidade.
Assim, a Coreia do Norte começou a construir barragens em cotas
altas, nas montanhas, e escavou centenas de quilómetros de canais a fim
de conduzir
a água para as planícies. Sem combustíveis para alimentar
equipamento pesado, a construção, sobretudo em terreno montanhoso
acidentado, foi toda feita por trabalho humano. Unidades voluntárias de
dezenas de milhares de trabalhadores, agricultores, jovens e mulheres das
províncias e cidades de todo o país vieram participar juntos
neste projecto massivo de construção.
A construção principiou em 1999 e um novo projecto de canal foi
completado em média a cada três anos. Transportar betão e
equipamentos por centenas de quilómetros para o local da
construção através de estradas más e com tempo
inclemente não foi uma façanha fácil. E alimentar, vestir
e abrigar dezenas de milhares de voluntários exigiu um nível de
organização notável.
As equipes de construção, sobretudo jovens, aguentaram
condições penosas nas montanhas, onde as temperaturas facilmente
caem para 40º Celsius negativos nos meses mais frios do inverno. Elas
cavaram túneis, centímetro a centímetro, para conduzir a
água através das montanhas. Empurraram vagonetas cheias de
entulho e rochas através de caminhos longos e estreitos, muitas vezes em
subida, e transportaram materiais pesados com água até à
cintura. Um vídeo norte-coreano de locais de construção
recentes mostra pessoas que parecem sólidas e bem equipadas, mas em
vídeos anteriores a maior parte dos trabalhadores parecia
esquelética e estava de mãos nuas. Muito longe das suas
famílias, eles cuidavam-se uns aos outros quando ficavam doentes.
O Estado cuidou dos filhos dos homens e mulheres que se voluntariaram para a
construção dos canais nos seus muitos infantários por todo
o país e nos centros de cuidados infantis próximos dos estaleiros
de
construção. Também estabeleceu áreas de
descanso e recreação para os tempos livres das equipes de
trabalho. Canções dedicadas à construção de
canais descreviam-nos como heróis nacionais e o governo central
homenageou aqueles que morreram a trabalhar nos canais como mártires
revolucionários, concedendo as mais altas honras às suas
famílias.
Se realmente entendermos o que custou ao povo da Coreia do Norte
construir os "canais de fluxo natural" sob as mais amargas
condições durante a Marcha Árdua, então
entenderemos a resiliência que hoje fortalece a sociedade norte-coreana.
Eis alguns dos canais que a Coreia do Norte completou nas últimas
décadas ou que estão actualmente em construção:
Canal Gaechon-Lago Taesong
A construção do canal Gaechon-Lago Taesong começou em
Novembro de 1999 e foi completada em Outubro de 2002. Ele estende-se por 100
milhas [160,9 km] e consiste de 90 canais em túnel e 21
reservatórios (ver Figura 1).
Milhares de trabalhadores voluntários construíram uma barragem
maciça em Daegak-ri na Cidade de Gaechon e escavaram canais
através de Sunchon, Pyongwon, Daedong e Jeungsan até o Lago
Taesong na Cidade Nampo. A barragem em Daegak-ri eleva o nível da
água do Rio Daedong e, deste modo, a água pode fluir naturalmente
para várias regiões na Província Pyongan Sul, a jusante,
através de canais feitos pelo homem, sem a utilização de energia eléctrica
O canal irriga 245 mil acres [99.147 hectares]. A província já
não precisa das 380 estações de bombagem e 530 bombas
de água que utilizava anteriormente e pode portanto poupar 60
megawatts-hora de electricidade por ano. O canal também proporciona
água potável e ajuda a província a cumprir seus objectivos
gerais de gestão da água, incluindo a prevenção de
inundações na bacia do Rio Jaeryong. A província
também construiu numerosas pequenas e médias
hidroeléctricas ao longo do canal.
Canal Baekma-Cholsan
O canal Baekma-Cholsan é constituído por uma barragem em Baekma
no Município Pihyun, Sinuiju e 174 milhas [280 km] de canais (ver Figura
1). A construção começou em Maio de 2003 e foi completada
em Maio de 2005. O canal irriga aproximadamente 112 mil acres [45.325 hectares]
e aumentou a produção anual de cereais em 100 mil toneladas por
ano.
Canal Rio Chongchon-Pyongan Sul
A construção começou em Fevereiro de 2016 e ainda
está em curso. Ele começa no Lago Yeonpung, bem conhecido como
área de repouso para os cientistas do país, próximo da
Cidade de Gaechon, 65 milhas [105 km] a norte de Pyongyang. Ele
conduzirá a água da região superior do Rio Chongchon para
regiões não alcançadas pelo canal Gaechon-Lago Taesong:
Gaechon, Sonam, Dokchon, etc (ver figura 1).
Canal Mirubol
A região Mirubol costumava bombar água do Rio Namgang, um
afluente do Rio Daedong, e do Rio Ryesong. Mas dizem que a terra nesta
região
era tão estéril que os seus aldeões estavam
sempre a adiar o seu cultivo. Assim, o lugar é chamado Mirubol, o que
significa "adiar". Isso agora mudou com a construção do
Canal Mirubol, uma formidável conduta de 137 milhas [220 km]
construída para redireccionar o caudal das cabeceiras do
lendário Rio Rimjin e criar canais em túnel através das
vastas e escarpadas Montanhas Ahobiryong. Ele conduz a água do
Reservatório Risang, de onde flui para várias regiões a
fim de irrigar 63 mil acres [25.495 ha] em três municípios
Goksan, Singye e Suan (ver Figura 2). Foram eliminadas 80 das 106 bombas de
água
anteriormente usadas para irrigar a região e assim o canal
poupa 27 MWh de electricidade por ano.
Canal 1 a Sul da Província Hwanghae
O canal começa no Lago Jangsu e flui através de Haeju, Gangryong
e Byoksong, acabando então em Ongjin (ver figura 3). A
construção começou em Janeiro de 2012 e foi completada em
Novembro de 2016. O canal estende-se por 76 milhas [122 km] e consiste de 30
túneis de água e mais de 400 estruturas, tais como pontes de
condutas subterrâneas. Irriga mais de 24 mil acres [9.712 ha].
Canal 2 a Sul da Província Hwanghae
Actualmente em construção, o Canal 2 a Sul da Província
Hwanghae começa em Cheongdan e acabará em Yonan (ver Figura 3).
Outros projectos de gestão da água
Os veios de água subterrâneos escoam entre camadas de rocha. A
Academia Nacional de Ciências da Coreia do Norte desenvolveu um aparelho
que pode detectar veios de água a 300 metros abaixo do solo.
Graças à localização destas fontes de água
profundas a Coreia do Norte construiu centenas de cisternas por todo o
país a fim de armazenar água para a prevenção de
secas.
Cientistas norte-coreanos também desenvolveram métodos
agrícolas que consomem menos água. Exemplo: utilizando
canteiros secos para arroz; plantando menos plantas mas com maiores
espaços entre sementes o que realmente rende mais grãos; e
transformando arrozais
(paddies)
onde a água é inacessível em campos para culturas de
sequeiro. Além da gestão da água, a Coreia do Norte
está também a reorganizar explorações agrícolas com
o objectivo de mecanizar a
agricultura.
Graças a estes esforços, a Coreia do Norte recuperou-se
decididamente da sua crise alimentar da década de 1990 e está a
progredir ano a ano rumo ao seu objectivo da auto-suficiência alimentar.
O país agora voltou sua atenção para a melhoria da
qualidade da dieta popular através da diversificação de
fontes de proteína, vegetais frescos e lacticínios.
Na parte 3 apresentarei o progresso da Coreia do Norte na
produção de fertilizantes e a sua correlação
directa com o aumento da produção alimentar.
07/Fevereiro/2018
A seguir, Parte 3: Enriquecer o solo Produzir para além da
subsistência