Parte 1: Ciência e tecnologia como o caminho para o progresso económico

por Kim Soobok

A introdução a este artigo encontra-se aqui .

Após o colapso da União Soviética e do Bloco do Leste, na década de 1990, a Coreia do Norte perdeu oitenta por cento do seu comércio e assistiu a um declínio drástico na sua capacidade de importar petróleo. Imagine tentar sobreviver após uma queda súbita de oitenta por cento do seu próprio rendimento. É uma analogia imperfeita mas pode nos dar uma ideia da situação pavorosa do país naquele tempo.

Em Julho de 1994, em meio a esta crise, Kim Il-sung, o líder supremo do povo norte-coreano desde os tempos da luta armada anti-japonesa, faleceu subitamente. Para coroar tudo isto, nos Verões de 1995 e 1997 uma série de grandes inundações devastou o país numa escala sem precedentes.

Oitenta por cento da Coreia do Norte é montanhosa e a extracção do carvão e minerais subterrâneos é a artéria vital da indústria norte-coreana. Era preciso bombear para fora rapidamente a água a fim de restaurar suas milhares de minas subterrâneas devastadas pelas inundações, mas a crise energética do país atingia o máximo e não havia electricidade para operar as bombas.

A fibra sintética vinalon, extraída do carvão, era a base material para a maior parte do vestuário da Coreia do Norte, mas sem o carvão o país já não podia produzir têxteis. Com o minério de ferro também submerso, a produção de aço chegou a um impasse. Mas a maior dificuldade era a incapacidade da agricultura para alimentar o povo. Sem combustível, o país não podia bombear água para irrigar os campos de arroz. E o declínio nas importações de petróleo significava que a Coreia do Norte já não podia produzir fertilizantes baseados na nafta, um subproduto da refinação de petróleo. Esta agricultura devastada e o congelamento da produção de cereais marcaram o início do período conhecido como "Marcha Árdua". Levou muitos anos para a Coreia do Norte restaurar suas minas de carvão e normalizar a produção.

Os leitores nos Estados Unidos recordam-se do Furacão Sandy, o qual varreu partes de Nova Jersey e Nova York em Outubro de 2012. Ele derrubou ramos de árvores que já estavam sobrecarregadas por uma queda de neve anterior. Um ramo arrancado caiu sobre numa linha de transporte de electricidade e isto provocou uma explosão numa subestação, a qual levou a um apagão numa vasta região que perdurou durante vários dias. A minha casa ficou sem electricidade durante onze dias. Não podíamos cozinhar e não tínhamos calor, de modo que todos na minha família ficaram doentes. Acendemos velas e passámos noites a tiritar debaixo de cobertores. Os postos de gasolina não tinham electricidade para operar as bombas. Os poucos que tinham geradores para ficarem abertos tinham filas infindáveis de pessoas.

Isto aconteceu nos Estados Unidos, os quais se consideram o país mais avançado, devido a um ramo de árvore caído após alguns dias de ventos fortes. Imagine o dano sofrido pelos norte-coreanos quando todo o país ficou submerso. Sem alimentos nem calor num país onde os invernos são longos e cruéis, o que terá experimentado o povo norte-coreano?

Enquanto isso, a Coreia do Sul ostentava o seu status como um dos dez países mais ricos do mundo e o seu povo gastava de maneira frívola seu rendimento disponível em férias além-mar. Os novos-ricos da Coreia do Sul deleitavam-se no laser ocioso em campos de golfe e bares na região autónoma coreana de Yanbian, na China. A administração do sul dessa época, de Kim Young-sam, aplicou todos os meios de pressão sobre o Japão para que abandonasse seu compromisso de enviar ao norte 50 mil toneladas de arroz como ajuda humanitária. Os Estados Unidos e a Coreia do Sul preparavam-se para o colapso da Coreia do Norte através dos seus numerosos exercícios militares conjuntos e os serviços de inteligência sul-coreanos encorajavam os media a divulgarem a previsão de que a Coreia do Norte entraria em colapso dentro de três semanas ou três meses, no máximo três anos.

Os norte-coreanos não falam muito acerca das suas dificuldades durante a Marcha Árdua. O que eles sofreram é inimaginável para o resto do mundo, mas têm grande orgulho no facto de que sobreviveram à beira do colapso e alcançaram o que consideram uma ressurreição tal como a fénix, através do próprio esforço e da adesão à sua filosofia nacional da auto-confiança. Eles têm grande fé na sua liderança e encaram a vitória na luta armada contra o Japão colonial, da geração anterior, como uma inspiração para a sua luta actual.

Após dezasseis longos anos de dificuldades, em 2008-2009 a Coreia do Norte finalmente começou a normalizar a produção em todas as indústrias nacionais. Ela declarou 2012, o qual assinalou o centenário do nascimento de Kim Il-sung, como o ano da "abertura da porta rumo a uma nação forte e próspera".

A aparentemente miraculosa recuperação da Coreia do Norte quando estava à beira do colapso resultou de decisões políticas chave tomadas pelo então líder norte-coreano Kim Jong-il o qual, em meio à sua própria batalha com o câncer, dirigiu o país no sentido de centrar-se no desenvolvimento da ciência e tecnologia na reconstrução das suas indústrias com base na filosofia da auto-confiança. Mesmo na altura da sua crise económica, a Coreia do Norte, pensando à frente, decidiu apertar o cinto e atribuir seus recursos limitados ao desenvolvimento tecnológico a invés de compras de alimentos a curto prazo. Numa inspecção local a uma fábrica subterrânea de tornos automáticos, em 1995, Kim anteviu não apenas a restauração das fábricas aflitas do país como também o seu redesenho e reequipamento com tecnologia de vanguarda.

A auto-confiança e a importância da Ciência e Tecnologia

O princípio da auto-confiança – de que se pode e deve resolver os problemas utilizando seus próprios recursos e aptidões e não se tornar dependente de potências estrangeiras – foi a filosofia condutora do líder fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung, desde a luta anti-colonial do povo coreano contra os japoneses. E esta tem sido a filosofia condutora do país desde então. A experiência da Coreia do Norte durante a Guerra Coreana – quando países que haviam prometido apoiá-la não cumpriram o fornecimento de armamentos no seu momento de necessidade desesperada – reafirmou a sua crença de que para garantir a sua sobrevivência ela não pode confiar em outros e precisa desenvolver os seus próprios recursos.

Kim Jong-un, seguindo os passos do seu pai e do seu avô, dá a mais alta prioridade ao desenvolvimento da ciência e tecnologia como o motor por trás da construção de uma "forte nação socialista" e encara os projectos dos cientistas como a chave para melhorar o sustento económico do povo. Em 2013, o comité central do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte anunciou um esboço dos seus planos para o "desenvolvimento da ciência e tecnologia na era de Kim Jong-un" e sua "Linha Byungjin", isto é, o desenvolvimento simultâneo da sua dissuasão nuclear e da economia. Esta delineou as seguintes prioridades principais que o país deveria resolver através da ciência e da tecnologia:

  • Aumentar a produção de cereais;
  • Atender as necessidades energéticas do país;
  • Utilizar recursos e know-how internos para criar uma "economia popular auto-susentada";
  • Modernizar a economia popular e alcançar a automação e integração da produção utilizando tecnologia de controle numérico por computador; e
  • Fazer da ciência a base de todos os aspectos da sociedade, tais como gestão económica, educação, cuidados de saúde, atletismo, administração da terra, etc.

O objectivo declarado da Coreia do Norte é tornar-se uma sociedade em que o povo não mais de suor e trabalho para conseguir um escasso mínimo mas sim para viver confortavelmente através dos frutos do avanço científico e tecnológico. Kim Jong-un, mantendo o lema do seu pai, "Ponha os pé na sua terra e os olhos sobre o mundo", instruiu os membros do partido a elevarem a ciência e tecnologia da nação a um "nível globalmente competitivo" e a adquirir know-how avançado em indústrias de alta tecnologia, tais como as da informação, nanotecnologia e bio-engenharia.

Os cientistas na Coreia do Norte são altamente valorizados pelo serviço que prestam ao país e recebem tratamento preferencial. Sob a liderança de Kim Jong-un, a Coreia do Norte construiu complexos residenciais completamente novas para o pessoal de ensino da Universidade Kim Il-sung e para o Instituto de Tecnologia Kim Chaek, tendo destinado ruas inteiras com complexos de apartamento a cientistas envolvidos no Unha Rocket e nos programas de lançamento de satélites. O país também construiu uma área de lazer reservada unicamente a cientistas no Lago Yeonpung, próximo da cidade de Gaechon.

"Tornar todo o povo em talentos científicos e técnicos" é uma palavra de ordem nacional na Coreia do Norte. O partido estimula todo o povo, incluindo trabalhadores e agricultores, a tornarem-se pensados e inovadores científicos nos seus respectivos campos. A Academia Nacional de Ciência, a Academia Nacional de Ciência da Agricultura e a Academia Nacional de Ciência Médica trabalham em estreita colaboração com produtores em indústrias básicas e essenciais para promoverem as suas capacidades tecnológicas e capacitarem trabalhadores e agricultores a inovar novas tecnologias.

Nas próximas três partes discutirei o papel da ciência no aumento da produção de cereais na Coreia do Norte. Os requisitos chave para a produção cerealífera são fertilizantes, água, sementes e terra. Realmente, a pessoa que cultiva a terra é a mais importante, mas isso é outra discussão. A parte dois centra-se na luta de duas décadas da Coreia do Norte para obter água para os campos e a parte três acerca de avanços na produção de fertilizante. Sementes e terra são assuntos para nova investigação se no futuro eu tiver a oportunidade de viajar à Coreia do Norte no futuro.

A seguir, Parte 2: Irrigar os campos – uma luta de duas décadas

O original encontra-se em www.zoominkorea.org/...


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

18/Fev/18