Coreia do Norte:
Ciência e tecnologia como o caminho para o progresso económico,
Introdução
por Zoom in Korea
A Coreia do Norte é comprovadamente o país mais sancionado da
terra. As sanções estado-unidenses contra a Coreia do Norte
têm estado em vigor desde a década de 1950 e uma série de
resoluções da ONU na última década proibiu, entre
outras coisas, a exportação de carvão, ferro e marisco,
proibindo ainda de exportar têxteis, petróleo e efectuar
empreendimentos conjuntos
(joint ventures),
assim como os norte-coreanos de trabalharem em outros países. Por que,
então, o país até agora não entrou em colapso?
Há apenas duas décadas, imagens de macilentas crianças
norte-coreanas inundavam a Internet e a maior parte dos observadores previa a
morte iminente do país. Mas relatos recentes de pessoas que viajaram ali
antes da proibição de viagens feita por Trump
descrevem um quadro de crescimento económico implausível: altos
edifícios de apartamentos, supermercados plenamente abastecidos e
norte-coreanos a descansarem em praias ensolaradas, parques aquáticos e
estações de esqui.
Como é que o país foi capaz de desafiar o labirinto das
sanções internacionais e dos EUA para prosseguir a sua
"linha Byungjin", a política de buscar progresso paralelo da
dissuasão nuclear e do desenvolvimento económico?
A maior parte dos sabichões aponta a China como resposta. Se os Estados
Unidos pudessem persuadir a China a honrar as sanções
internacionais, queixam-se ele, então poderia controlar a beligerante
Coreia do Norte. Mas essa lógica assume que a China possui retém
todos os cordéis da economia norte-coreana e passa por alto o engenho e
os sacrifícios do povo norte-coreano na sua luta para construir um
sistema económico que possa aguentar as sanções.
A investigação de Kim Soobok sobre a ciência e a tecnologia
na Coreia do Norte baseada em múltiplas viagens ali efectuadas
entre 2012 e 2015, além de entrevistas com académicos e peritos
norte-coreanos dá-nos um vislumbre do recente desenvolvimento
económico do país e da proeminência dada à
ciência e tecnologia nesse processo. As descobertas de Kim também
nos dão uma perspectiva sobre a Coreia do Norte que é
impossível alcançar do retrato uni-dimensional do país
como pária internacional, apresentado pelos media corporativos.
Kim apresenta a sua investigação numa série de quatro
partes. A primeira discute o período de grave adversidade na Coreia do
Norte nas décadas de 1990 e 2000, habitualmente mencionada pelos
norte-coreanos como a "Marcha Árdua" e a importância que
o país atribuiu à ciência e tecnologia para reconstruir a
sua economia. A parte dois discute a solução inovadora da Coreia
do Norte para a sua crise energética e a sua luta de duas décadas
para irrigar suas terras agrícolas com consumo eléctrico
significativamente menor do que na era anterior. A parte três discute os
avanços do país na produção de fertilizantes e a
sua correlação directa com o progresso para alcançar a
auto-suficiência alimentar. E a parte quatro discute avanços na
hidropónica e na utilização da energia solar e
geotérmica para construir estufas colectivas a fim de alcançar
auto-suficiência alimentar e toda a sociedade.
Mas em primeiro lugar, uma palavra acerca do autor. Kim Soobok reside em Nova
Jersey e propõe desde há muito a reunificação
pacífica da península coreana. O seu interesse na ciência e
tecnologia da Coreia do Norte começou em 2009 quando fez parte de um
grupo de estudo sobre a história coreana. Ele e vários amigos
participam da divisão local do Comité 15 de Junho para a
Reunificação Pacífica e encontram-se de modo informal nas
casas uns dos outros para se conhecerem e reaprenderem a história
coreana. A primeira coisa que leram em conjunto foi "Duas Coreias, um
futuro"
("Two Koreas, One Future"),
um relatório publicado em 1986 pelo American Friends Service Committee
com capítulos dos historiadores Bruce Cumings e Jon Halliday. Kim
recorda-se de alcançar a compreensão do relatório, escrito
em inglês que não é a sua língua mãe
como um processo laborioso pois ele e os seus amigos tinham de procurar
praticamente cada palavra no dicionário inglês-coreano.
Depois de um ano de encontros regulares, o grupo esgotou sua lista de leituras
e não conseguir encontrar novo material para estudar. Assim, decidiram
que cada pessoa deveria escolher uma área de interesse e fazer a sua
própria investigação sobre esse tópico a fim de
apresenta-la ao resto do grupo. Kim sabia o que queria estudar: a crise
alimentar e energética da Coreia do Norte.
A Coreia do Norte acaba de sair do período conhecido como a "Marcha
Árdua", marcado por escassez alimentar em massa. Muitos no ocidente
familiarizaram-se com as imagens de norte-coreanos famélicos que
circularam amplamente na Internet. "Naquele tempo, vídeos com
testemunhos de desertores norte-coreanos estavam a circular no Youtube",
explicou Kim. "Eles falavam acerca de famélicos norte-coreanos a
comerem carne humana e coisas assim. Não acrediteis naquelas narrativas
mas não sabia o que era verdade". Assim, ele decidiu investigar
mais profundamente e descobrir o que a Coreia do Norte estava a fazer para
alimentar o seu povo e gerar energia.
Kim pesquisou intensamente na Internet e acabou por saber do famoso
químico norte-coreano Ri Sung-gi, mais conhecido por inventar o tecido
sintético
Vinalon
.
O químico norte-coreano Ri Sung-gi
Durante a II Guerra Mundial o conglomerado estado-unidense Dupont inventou o
nylon, um tecido sintético feito de petroquímicos. Os militares
dos EUA, os quais consideravam o algodão dos paraquedas demasiado pesado
e incómodo, consideraram o nylon como o ideal para fabricar paraquedas
leves e duráveis. Em 1944 o Japão queria o mesmo e voltou-se para
Ri Sung-gi, um químico que trabalhava no desenvolvimento de fibras
sintéticas na Universidade de Quioto. O governo japonês pressionou
Ri a acelerar a sua investigação, mas Ri intencionalmente sabotou
o seu próprio trabalho pois uma vitória para o Japão
colonizador significaria a ocupação contínua da Coreia, a
sua pátria. Ri inadvertidamente confessou o seu dilema para um agente
disfarçado do governo e a seguir foi preso.
Após a rendição do Japão e a
libertação da Coreia, em 1945, Ri foi libertado da prisão
e retornou a Seul onde encabeçou o Departamento de Química da
Universidade de Seul. Contudo, sem apoio suficiente ou recursos do Governo
Militar do Exército dos EUA, o qual dominou a metade sul da Coreia
após 1945, Ri e sua equipe passavam a maior parte do tempo ociosos.
Quando estalou a Guerra da Coreia, em 1950, o então líder
norte-coreano Kim Il-sung apelou a cientistas do sul a que trabalhassem pela
causa nacionalista. Em meio aos bombardeamentos aéreos, muito
cientistas, inclusive Ri, que discordavam das políticas do governo
militar dos EUA, foram voluntariamente para o norte.
À Coreia do Norte, 80 por cento da qual é montanhosa, faltam
grandes extensões de terra plana propícia ao cultivo do
algodão. Kim Il-sung, a par do trabalho de Ri sobre fibras
sintéticas, montou um gabinete para ele junto ao seu próprio
gabinete e encarregou-o da tarefa de vestir o povo. Finalmente, com recursos
suficientes para continuar a sua investigação, Ri
arregaçou as mangas. A Coreia do Norte não tinha petróleo
para produzir nylon, mas as suas montanhas eram um vasto manancial de
carvão e outros minerais. Ri utilizou antracite e pedra calcária
para criar o vinalon, um tipo de fibra sintética a que os norte-coreanos
habitualmente chamam de "têxtil Juche", numa referência
à filosofia norte-coreana da auto confiança
(self-reliance).
Em 1960, a Coreia do Norte estabeleceu o complexo Vinalon 8 de Fevereiro, uma
fábrica em escala comercial em Hamhung dedicada à
produção em massa de vinalon.
|
"O entendimento do trabalho de Ri Sung-gi sobre o "têxtil
juche" abriu os meus olhos para a filosofia da
auto-confiança", disse Kim Soobok. Ele queria aprender mais e
começou então a sua trajectória de estudo da ciência
e tecnologia na Coreia do Norte.
Kim visitou a Coreia do Norte múltiplas vezes de 2012 a 2015 e viajou
por muitas regiões, incluindo Nampo, Pyongsong, Anju, Namhung, Wonsan,
Geumgangsan, Gaesong e a municipalidade de Saepo County, ao norte da DMZ [zona
desmilitarizada]. Ali, ele visitou o Instituto de Ciência Vegetal
Pyongyang, o Complexo Siderúrgico Chollima, o Complexo Químico da
Juventude Namhung, a Fábrica de Telhas Chollima, os Pomares do Rio
Daedong, o departamento de biologia da Academia Nacional de Ciências, a
Rua dos Cientistas de Satélites e um centro de pecuária na
Municipalidade de Saepo. A cada ida visitou também a feira internacional
de comércio efectuada duas vezes por ano em Pyongyang e entrevistou
peritos da Grande Sala de Estudos do Povo e da Academia Nacional de
Ciências, bem como várias universidades, para aprender acerca dos
sectores alimentar e energético da Coreia do Norte.
"Podem-se encontrar vídeos na Internet acerca destes lugares, mas
aprendi muito mais por realmente estar ali pessoalmente e conversar
directamente com as pessoas", diz Kim. "Cada dia era tão
interessante que o tempo voava". Kim nunca estudou ciência, a qual
sempre considerou como campo especializado reservado a peritos. Mas na Coreia
do Norte ele descobriu que a ciência não é algo fora do
alcance de pessoas comuns e ficou surpreendido pelo modo como aplicavam
conhecimento científico simples para melhorar suas vidas quotidianas.
"Se cientistas fossem à Coreia do Norte teriam muito a aprender e a
fazer ali", afirmou. "Quero partilhar o que vi com pessoas daqui e
ampliar o nosso entendimento do país".
Devido à proibição de viagens de Trump, Kim já
não pode mais viajar à Coreia do Norte. No ano passado ele
planeara comparecer à Feira Comercial Internacional de Rason e à
Feira Comercial Internacional de Pyongyang e desejara aprender mais acerca do
"fluxo em canais naturais" (os quais discute em profundidade na parte
um desta série). Ele também planear comparecer ao Chuseok, o
feriado nacional que celebra o fim da colheita, juntamente com os prisioneiros
políticos repatriados que sofreram longas penas (os quais haviam sido
aprisionados na Coreia do Sul durante as ditaduras de Syngman Rhee, Park
Chung-hee e Chun Doo-hwan, sendo libertados e repatriados para o norte por
ocasião da histórica cimerica Kim Dae-jung-Kim Jong-il, em 15 de
Junho de 2000).
O mais recente conjunto de sanções de Trump à Coreia do
Norte impediu Kim de estudar o país sob outros aspectos. Relatos no
Youtube de vídeos educacionais sobre a Coreia do Norte foram encerrados.
"Dois anos de colecta de vídeos desapareceram da noite para o
dia", disse Kim. Ele arrepende-se de não ter tido a
previdência de guardar os ficheiros no seu disco duro.
As descobertas que Kim apresenta nesta série de artigos fazem parte de
um trabalho que estava em andamento quando a proibição de viagens
de Trump o forçou a pô-lo em suspenso por tempo indefinido. Embora
incompleta, a sua investigação, espera ele, pode contribuir para
um melhor entendimento da Coreia do Norte e do seu povo.
06/Fevereiro/2018
A seguir, Parte 1: Ciência e tecnologia como o caminho para o progresso
económico
O original encontra-se em
www.zoominkorea.org/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|