O discurso de Ano Novo de Kim Jong-un e a perspectiva para a paz
por Hyun Lee
"O ano de 2017 foi de luta heróica e de grande
vitória", disse o líder norte-coreano Kim Jong-un ao
começar o seu discurso do Novo Ano de 2018, muito esperado por
observadores da Coreia do Norte de todo o mundo. O seu país, disse ele,
cumpriu o feito de "aperfeiçoar as forças nucleares
nacionais" e "finalmente chegou a possuir um dissuasor poderoso e
confiável, o qual nada e nenhuma força pode reverter". Ele
então passou de imediato a discutir dois outros tópicos em grande
pormenor: o plano quinquenal do país para o desenvolvimento
económico e a necessidade da reconciliação entre a Coreia
do Norte e do Sul rumo à reunificação nacional.
Duas coisas destacam-se no discurso de Kim. Uma, que a Coreia do Norte recorda
2017 como um ano de luta no seu impulso para completar a
construção de um dissuasor nuclear eficaz contra os Estados
Unidos, determinados a impedir que isto acontecesse. E o que Kim Jong-un
disse foi simplesmente: "venci". A Coreia do Norte
testou com êxito em Setembro de 2017 o que chamou de bomba de
hidrogénio, a seguir, em Novembro de 2017, o Hwaseong 15, um um
míssil balístico intercontinental. Apesar da
retaliação da administração de Trump, incluindo
sanções
da ONU sem precedentes e exercícios militares, Kim no seu discurso
recente declarou: "Nossas forças nucleares são capazes de
frustrar e conter quaisquer ameaças nucleares dos Estados Unidos e elas
constituem um poderoso dissuasor que os impedem de começar uma guerra
aventurosa".
Dois, tendo ganho confiança na sua capacidade para defender-se de uma
agressão dos EUA, a Coreia do Norte mostra-se pronta para passar a
outras matérias importantes, como a construção da sua
economia e a melhoria de relações o Sul duas coisas que
provavelmente serão as prioridades da Coreia do Norte este ano.
Desenvolvimento económico
O discurso de Ano Novo de Kim entra em pormenores ínfimos acerca dos
objectivos do país em todos os aspectos da sua economia, tais como
indústria metalúrgica, indústria química,
agricultura e indústria leve. Os media ocidentais passam por alto esta
secção do discurso, talvez porque pareça ser acerca de
assuntos internos que não preocupam o ocidente. Mas para a Coreia do
Norte, construir uma economia auto-suficiente é crítico no seu
combate contra a agressão estado-unidense.
Como é que a Coreia do Norte é capaz de aguentar tantos anos de
sanções e resistir ao colapso? A única resposta que os
sabichões convencionais do ocidente podem imaginar é a China:
"Certamente, é porque a China não está a fazer o
suficiente para isolar a Coreia do Norte". Mas a resposta real está
no discurso de Kim, o qual esboça em grande pormenor como tornar
auto-suficientes todos os aspectos da economia do país: como, por
exemplo, treinar e apoiar cientistas de modo a que o país possa utilizar
os seus recursos e know-how internos para construir uma economia independente
das potências estrangeiras.
Se 2017 para a Coreia do Norte foi um ano de luta para completar a sua
força nuclear a fim de deter ameaças militares estado-unidenses,
2018, parece, será um ano de lutar para minar o poder dos EUA
efectuado através de sanções não
através do compromisso e de negociações mas, como diz Kim
no seu discurso de Ano Novo, concentrando "todos os esforços na
consolidação da independência e do carácter Juche da
economia nacional".
Dentre os objectivos de desenvolvimento económico esboçados no
discurso de Kim estão:
-
"Dar um passo em frente no estabelecimento da indústria
química C1", a qual envolve a gaseificação do
carvão um recurso abundantemente disponível na Coreia do
Norte convertendo então o carvão gaseificado em outros
produtos utilizáveis, tais como combustível sintético e
produtos químicos industriais;
-
Modernizar a indústria de construção de maquinaria,
incluindo a Kumsong Tractor Factory e o Sugni Motor Complex, bem como
equipamento e linhas de produção em fábricas da
indústria ligeira;
-
Obter matérias-primas de uma maneira auto-suficiente;
-
Aumentar a pecuária e a produção de frutos, cogumelos e
peixe uma indicação de que a preocupação da
Coreia do Norte na área da agricultura foi além de apenas
produzir o suficiente para alimentar o seu povo e diversificar a sua dieta.
Melhoria de relações Norte-Sul rumo à
reunificação independente
"Os Estados Unidos e suas forças vassalas e as suas manobras
desesperadas para atear uma guerra" são obstáculos para a
reunificação nacional, segundo Kim Jong-un. E embora a anterior
administração conservadora na Coreia do Sul tenha sido expulso e
substituída por outra, graças à maciça
resistência do povo sul coreano, notou ele, "nada foi mudado nas
relações entre o norte e o sul". Ao contrário, disse
ele, autoridades sul coreanas estão a tomar o partido dos Estados Unidos
na sua política hostil em relação à Coreia do Norte
e ele procura "por um ponto final nesta situação
anormal".
Kim a seguir fez duas importantes aberturas para a Coreia do Sul. Declarou que
as portas da Coreia do Norte estão abertas "para qualquer pessoa do
sul da Coreia, incluindo o partido dominante e partidos da
oposição, organizações e personagens individuais de
todos os antecedentes, para diálogo, contacto e viagem". Quanto aos
Jogos Olímpicos de Inverno, disse: "Desejamos ardentemente um
êxito para os Jogos Olímpicos e estamos desejosos de enviar uma
delegação e as autoridades do norte e do sul podem reunir-se em
breve para discutir isto". O presidente sul coreano, Moon Jae-in, sempre
quis que as Olimpíadas de Inverno na Coreia do Sul, em Fevereiro, fossem
uma oportunidade para exibir a unidade Norte-Sul e pediu reiteradamente a
participação do Norte nos jogos vindouros.
O discurso de Kim parece indicar que com a nova confiança encontrada na
sua capacidade para defender-se contra a agressão dos EUA a Coreia do
Norte está pronta a dar prioridade ao compromisso com a nova
administração no Sul. Mas a sua oferta de detente não
é sem condições. A Coreia do Sul deveria, disse Kim,
"descontinuar todos os ensaios de guerra nuclear que ela encena com
forças externas" e "abster-se de quaisquer actos de promover a
entrada de armamentos nucleares e forças agressivas dos Estados
Unidos". Isto reflecte o espírito da
Declaração Conjunta Norte-Sul de 15 de Junho
, assinada em 2000 pelos antigos líderes Kim Dae-jung e Kim Jong-il
a qual declara que a questão da reunificação da
Coreia deveria ser resolvida "independentemente e através dos
esforços conjuntos do povo coreano" (Ler: sem os Estados Unidos).
A pedido de Moon Jae-in, os Estados Unidos
concordaram
hoje em adiar o exercício militar conjunto que normalmente se verifica
na Primavera a fim de evitar o irromper de tensões militares durante as
Olimpíadas. Na quarta-feira, a Coreia do Norte e do Sul
reabriram
um canal de comunicação na aldeia do armistício de
Panmunjom depois de ter estado encerrada durante dois anos desde que em
Fevereiro de 2016 o derrubado presidente sul coreano Park Geun-hye encerrou
unilateralmente a zona industrial inter-coreana em Kaesong.
Ao invés de celebar os desenvolvimentos recentes como grandes progressos
rumo à paz, sabichões nos EUA foram rápidos em mostrar
desprezo por eles. Se a Coreia do Sul "corre com a trela solta",
disse Daniel R. Russel, antigo secretário de Estado Assistente para
Assuntos do Leste da Ásia e do Pacífico da
administração Obama, ao
New York Times
, "isto exacerbará tensões dentro da aliança".
Ele acrescentou: "Está bem para os sul coreanos tomarem a
liderança, mas se eles não tiverem os EUA por trás, eles
não irão longe com a Coreia do Norte".
O senador republicano Lindsey Graham
tweetou
que os Estados Unidos deveriam ignorar os Jogos Olímpicos se a Coreia
do Norte comparecer: "Estou confiante em que a Coreia do Sul
rejeitará esta abertura absurda e acredito plenamente que se a Coreia do
Norte vai aos Jogos Olímpicos, nós não iremos". Scott
Snyder do Council on Foreign Relations fez eco e chamou a oferta de detente de
Kim Jong-un de "armadilha" em
The Atlantic
: "Agora [Moon Jae-in] enfrenta o problema acrescido de que os seus
próprios objectivos políticos de curto prazo poderiam
atá-lo a concessões que podem enfraquecer a aliança da
Coreia do Sul com os Estados Unidos".
Por que a perspectiva de paz na Coreia é tão ameaçadora
para aqueles investiram na manutenção da aliança
EUA-República da Coreia? A aliança dos EUA com a Coreia do Sul
e o Japão é crítica para os seus interesses
estratégicos na Ásia, uma região que a
administração anterior identificara como o centro da economia
global deste século na sua doutrina "Ásia como eixo".
No Nordeste de Ásia, os Estados Unidos investiram milhares de
milhões de dólares para construir um sistema de defesa de
mísseis trilateral com a Coreia do Sul e o Japão para restringir
o poder da China na região. Para os estrategas militares dos EUA, a
Coreia do Sul, com um "inimigo vivo real" no seu norte, proporciona
um terreno de treino ideal para a suas forças, as quais rotineiramente
efectuam exercícios maciços que simulam cenários de guerra
real e envolvem dezenas de milhares de tropas da região bem como dos EUA
continental.
A Coreia do Sul também está entre os principais compradores de
armas estado-unidenses, uma importante fonte de ganho para os Estados Unidos.
Na década passada, os EUA venderam mais de US$30 mil milhões de
armas à Coreia do Sul. Para o complexo militar industrial dos EUA, uma
Coreia dividida perpetuamente ameaçada pela guerra é uma
bênção. E a contínua divisão da
península é crítica para que se mantenha neste caminho. Em
suma, o que os Estados Unidos procuram, em nome da "aliança
EUA-ROK", é tornar a Linha de Demarcação Militar que
separa o Norte e o Sul da Coreia numa fronteira permanente. Mesmo quando Moon e
Kim tomam passos cautelosos para retomar o contacto Norte-Sul, podemos estar
certos de que as engrenagens em Washington já estão a girar para
minar este esforço.
O antigo advogado de direitos humanos Moon Jae-in
disse
que quer que Coreia do Sul "seja capaz de tomar a liderança nas
questões sobre a Península Coreana". O ano de 2018
será um teste para a sua determinação para ver a sua
visão consumada. O povo sul coreano, o qual, apenas um ano atrás,
tomou as ruas no mais amargo dos invernos para dizer "Já
basta" cumpriu algo que ninguém anteriormente havia imaginado
possível: a expulsão da filha do ditador, Park Geub-hye. Ele
pode, mais uma vez, conseguir o que outrora parecia fora de alcance
pressionando o governo Moon Jae-in a cumprir sua visão utilizar
as Olimpíadas de Inverno como uma oportunidade para um grande feito rumo
à paz duradoura e a reconciliação nacional em desafio ao
complexo militar industrial dos EUA. Para essa finalidade, as forças da
paz e anti-guerra nos Estados Unidos também precisam pressionar seu
próprio governo a dar à Coreia do Sul o espaço para
traçar o seu próprio rumo.
05/Janeiro/2018
O original encontra-se em
www.zoominkorea.org/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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