A hecatombe de Uribe

por Iván Márquez [*]

Encurralado na sua própria hecatombe, chegou a hora de responder perante a justiça. Não mais cortinas de fumo, não mais tontices como essa do efeito teflon [1] , não mais jornalistas lambões ou mercenários a perfumarem com as suas campanhas mediáticas as apodrecidas emanações do Palácio de Nariño. Esgotaram-se os artifícios que encobriam a portentosa ilegitimidade das instituições da Colômbia. O Presidente Uribe deve renunciar.

O seu governo é o mais vergonhoso arquétipo da ilegitimidade em todo o âmbito das nações latino-americanas. Que renuncie para que responda diante das autoridades judiciais e da consciência ética do país pelas suas actividades delituosas anteriores à Presidência e no decorrer dela.

Francisco Enrique Villalba Hernández, cabecilha paramilitar, preso em La Picota e testemunho de excepção, acaba de acusar o Presidente Uribe de haver planificado, enquanto governador de Antioquia, o terrível massacre da povoação de El Aro, em 1997. A reunião dos "Doze Apóstolos" do paramilitarismo – aqueles que davam o visto bom para tais massacres –, teve lugar em La Caucana e nela participaram Álavaro Uribe e seu irmão Santiago, os generais do exército Ospina e Manosalva, o general da polícia Roso José Serrano e o capo narco-paramilitar Salvatore Mancuso, entre outros. As casas queimadas e fumegantes de El Aro e os gemidos dos moribundos devem varar-lhe a consciência. Que a cadeira presidencial converta-se no banco dos acusados!

O governo do senhor Uribe está erguido sobre milhares de fossas comuns e massacres, milhões de deslocados e terras roubadas..., sobre os piores crimes de lesa humanidade. Suas duas campanhas presidenciais foram financiadas generosamente com os dólares da cocaína do paramilitarismo. Entrou pela segunda vez no Palácio de Nariño com conversas sobre a fraude eleitoral organizada pelo director do DAS e o chefe paramilitar Jorge 40.

Mario Uribe. Todo o seu círculo e a grande maioria dos seus capitães políticos já estão atrás das grades ou a fugir da justiça acusados de paramilitarismo. A mais recente e espectacular destas apreensões foi a do senador Mario Uribe Escobar, primo do Presidente no sangue, nas campanhas políticas e na concertação para delinquir. Quis escapar à justiça solicitando asilo na embaixada da Costa Rica, esquecendo o protuberante pormenor de que não era um perseguido político do Estado e sim o primo do chefe de Estado, o Presidente Uribe, o qual exprimiu a sua dor por esta detenção. Já está a bom recato e no passo em que vão as coisas alguém terá que apresentar um Projecto de Lei que converta a prisão de La Picota em sede alternativa ou sede principal do Congresso desta pobre República.

E já estão na longa lista de espera da Corte Suprema de Justiça a presidenta do Congresso Nancy Patricia Gutiérrez, outros "honrados pais da pátria", Luis Camilo Osorio, ex Promotor Geral do paramilitarismo e embaixador de Uribe no México, a ex ministra Sandra Suárez, o actual ministro da Fazenda, os altos comandos militares, alguns empresários e pecuaristas. E há por aí um vice-presidente de apelido Santos entre os fundados do denominado Bloco Capital dos paramilitares, e outros Santos ministro da Defesa que se reunia com o chefe paramilitar Carlos Castaño a conspirar para a derrubada do governo do Presidente Samper. E que dizer do Procurador Geral da Nação, Edgardo Maya, que recebia directamente do seu irmão os requerimentos dos sanguinários e mafiosos paramilitares da Costa? Quem não se recorda do senador Uribe Vélez como patrocinador no salão vermelho do Hotel Tequendama de um pouco comum desagravo ao carneiro de Urabá, o general paramilitar Rito Alejo del Rio? E ainda têm o descaramento de dizer que se trata de casos isolados de responsabilidades individuais.

A ilegitimidade e a ilegalidade sempre foi o cenário natural das acções políticas do senhor Uribe. Seu segundo mandato consecutivo nasceu do delito do suborno. Compraram o voto que necessitavam para torcer o pescoço à Constituição que proibia taxativamente a reeleição presidencial na Colômbia, deixando como marca inapagável do delito um monumento faraónico à ilegitimidade: o Acto Legislativo reformador da Constituição que finalmente satisfez sua ambição.

Com este panorama de afundamento não é difícil entender que a incursão militar de tropas colombianas na Equador, com a consequente tensão internacional, as infundadas acusações do governo de Bogotá aos presidentes da Venezuela e do Equador, a teimosa recusa à evacuação militar de Pradera e Florida para o intercâmbio militar, ou a missão médica francesa impulsionada com tambores mediáticos, eram densas cortinas de fumo e estratagemas para tapar a criminalidade e da imoralidade de um governo que merece todo o desprezo dos colombianos e o isolamento do mundo civilizado.

Um enrouquecido grito social de indignação está a levantar-se a partir de baixo. O povo não quer uma solução da crise a partir das alturas ou surgida do consenso das elites apodrecidas que só procuram "borrador e conta nova" para que tudo continue igual sob o império tirânico da impunidade. Quer a revogação do Congresso ilegítimo. Novas eleições. Renúncia do presidente ilegítimo. Não quer mais reformas políticas cosméticas nem demagógicas. Quando Uribe, contrariando o povo, pede na sua incerteza o fortalecimento das instituições fá-lo porque sabe que se chegar a cair o Congresso deverá cair também o cabecilha da ilegitimidade que é o próprio Presidente. Quer a impunidade e por isso pede por interpostas pessoas a criação de um super tribunal que se ocupe de julgar os congressistas, os magistrados das cortes e o Presidente numa tentativa arrevesada de iludir a sua responsabilidade. "Impunidade para todos ou para ninguém". Que morram Sansão e todos os filisteus, parece ser a chantagem da sua palavra-de-ordem. Agora está a pedir respeito à presunção de inocência, mas nunca se recordou deste direito universal quando encarcerava mais de 150 mil cidadãos acusando-os de serem auxiliadores da guerrilha no âmbito ilegal das suas rusgas fascistas.

Com o Manifesto das FARC e com a bandeira programática da Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia apelamos às organizações populares do país, às forças que aspiram protagonizar as mudanças, para um Grande Acordo Nacional orientado para a construção de um novo governo verdadeiramente democrático, cuja primeira urgência será a paz com justiça social. Um novo governo que convoque o diálogo de paz com a guerrilha. Que uma vez conseguido o acordo com a insurgência e a opinião pública referende o referido acordo com uma Assembleia Nacional Constituinte que dote o país de uma nova Carta Política que lhe permita navegar rumo à Nova Colômbia, com a bandeira política e social do Libertador, bem aberta.

Montanhas da Colômbia, 26 de Abril de 2008.

[1] Efeito teflon: nada se cola, nada o afecta.

[*] Membro do Secretariado das FARC-EP

O original encontra-se em http://www.abpnoticias.com e em http://www.resumenlatinoamericano.org


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
11/Mai/08