A histeria do aquecimento global:
juízes holandeses substituem-se ao poder político
No dia 9 de Outubro o tribunal de recursos de Haia emitiu uma sentença
aterradora, espantosa e particularmente perigosa. Ele ordenou ao governo dos
Países Baixos que reduzisse as emissões de gás com efeito
estufa (GEE) ainda mais drasticamente do que inicialmente previsto.
Em França, este veredicto foi classificado como
"histórico" pelo coro quase unanimemente entusiasta das
forças políticas e dos media que se dizem "de
referência". Ele é "histórico"
efectivamente, não tanto pelas suas implicações
climáticas mas sim pelas jurídicas e políticas.
Em primeiro lugar, ele é de facto sem precedentes: em princípio,
os tribunais estão destinados a aplicar a lei (não a produzir
jurisprudência). Neste caso, os juízes não aplicaram o
direito nacional, eles o criaram. Pois não há nenhum texto
jurídico que prescreva uma obrigação quantificada de
redução dos GEE.
O Tribunal de Haia que confirmava um julgamento de primeira
instância de Junho de 2015 atenuou a ausência de texto
normativo pela acumulação de referências a uma
profusão de tratados e acordos internacionais: convenção
quadro da ONU, protocolo de Quioto, plano de acção de Bali,
acordos de Copenhague, Cancu e Durban. E, para fazer peso, até a
convenção europeia dos direitos do homem...
Os juízes holandeses têm portanto conhecimentos científicos
particularmente aguçados, a ponto de decidir que as emissões de
GEE deverão ser reduzidas em pelo menos 25% daqui até 2020 (base
em 1990). E isto, a fim de "proteger a vida e a vida familiar dos
cidadãos". A instituição judiciária
reivindicou princípios e declarações gerais para ela
própria fixar uma norma aplicável.
Em nome, por exemplo, desta mesma protecção da "vida
familiar dos cidadãos", um juiz poderia assim aumentar o
nível do salário mínimo se ele julgasse que o montante em
vigor não fosse suficiente para lutar contra a pobreza objectivo
que figura em muitos tratados internacionais... ou então decidir ao
contrário abolir o sistema de protecção social se, por
obediência ultraliberal, ele considerar que este último é
um prejuízo para o bem estar geral.
Portanto surge o segundo escândalo deste acontecimento: juízes que
se substituem aos poderes legislativo e executivo a fim de tomar
decisões eminentemente políticas. A sacrossanta
separação dos poderes é assim espezinhada, sem que os
habituais fanáticos do "Estado de direito" encontrem nada para
dizer.
Isto pode exemplificar-se concretamente: se, amanhã, uma nova maioria
parlamentar saída da urnas decidir não mais prosseguir no sentido
de tais imposições climáticas (hipótese
académica, infelizmente), o julgamento manter-se-ia em vigor. A
decisão política é assim transferida ao poder judicial.
Será preciso recordar que os juízes não são
responsáveis perante os eleitores?
É de notar que cerca de 900 acções semelhantes
estão a decorrer no mundo, das quais dois terços nos Estados
Unidos. Isto ilustra a tendência bem conhecida, saída do mundo
anglo-saxão, para uma judiciarização da vida colectiva.
Cento e vinte processos comparáveis foram iniciados na União
Europeia, dos quais 50 no Reino Unidos. Mas é exactamente o
espírito da UE que está em causa: fazer a criação
do direito por instâncias não eleitas e não politicamente
responsáveis, como ilustra o exemplo do Tribunal de Justiça
Europeu.
O fundo deste assunto
Terceiro aspecto, evidentemente não dos menores: o fundo deste assunto,
no caso o aquecimento climático (e mais geralmente as
"desregulamentações" ambientais), acusado de todos os
males, um "cataclismo" planetário representando "o maior
desafio da história da humanidade", segundo a fórmula
empregue por 200 personalidades do mundo da cultura há algumas semanas.
Não divagaremos aqui acerca da competência científica de
artistas, cineastas e cantores (certamente notáveis nas suas
próprias especialidades) que afirmam sem hesitar que "ao ritmo
actual, em algumas décadas, não restará mais nada",
nem, sobretudo, sobre a sua legitimidade política para apelar a
"medidas potencialmente impopulares" (sem entretanto ousar precisar
quais são).
Seria vão esperar compensar aqui em algumas frases os turbilhões
de propagandas quotidianas que visam impor a ideia de que, na falta de medidas
restritivas drásticas, o planeta corre a passos largos para as
catástrofes mais espantosas já vistas. O último
míssil até à data não é senão o
enésimo relatório do Grupo de Peritos Intergovernamentais sobre o
Clima (GIEC) descrevendo consequências ainda mais pesadas do que as
anteriormente anunciada, mas indicando oportunamente que, finalmente,
não é demasiado tarde para "agir". Recordemos que em
2009 a
Conferência de Copenhaga
(COP15) fora unanimemente avaliada como a "última
oportunidade" antes de, finalmente, fracassar.
Ninguém põe em dúvida a competência dos peritos do
GIEC mas este organismo, por natureza sob o controle dos Estados, exclui de
facto as vozes discordantes.
Ora, desde que se fala de clima, e mais especificamente de ambiente, o que
não faltam são peritos o que falta são debates. Uma
precisão útil neste contexto: um debate faz-se entre
interlocutores que não partilham o mesmo ponto de vista... Idealmente,
tais debates deveriam incluir todos os elementos do caso e não
somente os dos promotores. Pois o mínimo que se possa dizer é
que, quanto ao culpado do "aquecimento", a instrução do
processo é conduzida exclusivamente pela acusação. Que
este possa igualmente ter consequências positivas é uma
questão tabu.
Além disso, um elemento, entre muitos outros, merece ser mencionado:
todos os modelos e planos de redução das emissões de GEE,
mesmo considerados insuficientes pelos juízes holandeses, têm uma
coisa em comum: eles baseiam-se na estagnação, ou melhor num
fraco aumento do crescimento em países como os da UE, como tem sido o
caso desde há anos 2% a 2,5% no máximo, muitas vezes menos.
Se a aventura do crescimento fosse reiniciada com ritmos bem mais elevados,
isso abalaria todas as reduções de emissões planificadas.
Certamente, uma política económica austeritária inalterada
é uma hipótese improvável. Mas aqueles que ainda querem
combater em favor do progresso económico e social alta do
nível de vida, da protecção social e dos serviços
públicos, reindustrialização deveriam estar
conscientes de que isso passa por um crescimento consideravelmente mais forte
do que actualmente, o que implica evidentemente uma alta significativa do
consumo de energia, inclusive fóssil. Nesta perspectiva progressista
(para tornar a dar um sentido a esta palavra, que Emmanuel Macron tenta
inverter), um crescimento "à chinesa" é uma
condição certamente não suficiente, mas muito
necessária para responder às necessidades sociais.
Mas a realidade é que o chamado sistema a que Karl Marx chamou
capitalista chegou ao fim do seu papel histórico. Por longo tempo ele
permitiu o desenvolvimento das forças produtivas, ao preço da
exploração do homem pelo homem, para retomar as palavras do autor
de
O Capital.
A exploração continua presente, mas verifica-se que a
máquina, tendencialmente, tem sido cada vez menos capaz de produzir
riquezas, nomeadamente porque esta é fagocitada pela
proliferação das finanças.
Era portanto inevitável que um tal sistema em fim de curso segregasse
uma ideologia que justificasse o crescimento fraco ou mesmo o decrescimento, e
se trajasse com a vontade de impor aos povos a resignação
mediante um vestuário pós-moderno, que certas forças
"de esquerda", mesmo de "ultra-esquerda", envergam
senão com elegância, pelo menos com suficiência.
Para dizer tudo de uma vez, os actuais Torquemadas, vestidos de verde ou
adornados com uma toga da Batávia não têm nada a
invejar, em matéria de tolerância e cultura do debate, aos seus
ancestrais da Santa Inquisição.
11/Outubro/2018
[*]
Jornalista, redactor-chefe do jornal mensal
Ruptures,
ex-redactor do diário
L'Humanité
(1996-2001), antigo sindicalista da CGT francesa.
O original encontra-se em
ruptures-presse.fr/partages/jugement-pays-bas-rechauffement-climat-lahaye/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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