Que voto?
por Correio da Cidadania
O
Correio da Cidadania
é uma publicação de esquerda, que
circula em meios políticos e sociais de socialistas, progressistas,
nacionalistas e pessoas de mentalidade democrática todas
críticas da situação atual do país.
O jornal é absolutamente rígido no tocante à veracidade
das matérias que estampa, mas procura dar espaço a
interpretações divergentes sobre a conjuntura, desde que se
mantenham no campo da esquerda. A opinião do jornal se expressa no
editorial.
Nestes dez anos, esta política pôde ser aplicada sem maiores
dificuldades. Neste momento, contudo, ela está a exigir uma
explicação minuciosa, porque estamos diante de uma conjuntura
eleitoral inédita: é que, embora não haja, no segundo
turno,
nenhum candidato que represente o interesse da classe trabalhadora,
essa realidade não está sendo percebida pela maioria do
eleitorado popular e das organizações e movimentos populares
combativos.
Entendem estes que o decepcionante desempenho de Lula no primeiro mandato
deveu-se à dificuldade que encontrou para pôr em ordem a casa,
depois de oito anos de desmandos do tucanato, de modo que, no segundo mandato,
essa conduta será alterada.
Não estamos convencidos da possibilidade desta reconversão,
mas não podemos deixar de levar em consideração os
argumentos de organizações importantes do campo da esquerda,
cujas reivindicações o Correio invariavelmente apoiou.
Neste segundo turno, a esquerda dividiu-se entre duas posições:
os que, de plano, decidiram anular o voto; e os que, também de plano,
decidiram apoiar Lula.
Ambas posições merecem reparos. Proclamar o voto nulo sem um
debate com o candidato que recebeu maior número de votos das classes
populares deixa esse eleitorado sem uma explicação de tal atitude
e, portanto, não politiza o segundo turno. Apoiar Lula, sem exigir dele
a prova de que está de fato disposto a mudar sua política, deixa
o eleitorado popular na ilusão de que está havendo mudança
estrutural no país.
O que justifica o voto em um candidato é a concordância do eleitor
com a política que ele previsivelmente adotará no governo. Ora,
só mediante uma negociação política madura
tal como a que Lula estabeleceu com Brizola em 1989 pode-se conseguir
alguma indicação de que o segundo mandato não será
a simples repetição do primeiro.
A rigor,
a iniciativa desse diálogo deveria ter partido do próprio Lula.
Não o tendo feito, cabe às esquerdas questioná-lo, a
partir da pergunta que, para a esquerda, deve ser sempre central: nas
circunstâncias concretas da conjuntura, o que é melhor para o
povo?
Deixá-lo seguir sua tendência de votar em Lula, na ilusão
de que este vai mudar sua política, ou dizer claramente que Lula
não vai mudar e, portanto, é correta a posição dos
que pretendem anular o voto?
Ainda há tempo para comprovar se Lula tem mesmo a intenção
de mudar a política do seu governo no segundo mandato. Para tanto, basta
pedir-lhe
alguns gestos simbólicos nesta semana que precede o pleito.
Por exemplo:
Lula pode perfeitamente ordenar aos ministros de Agricultura e de Reforma
Agrária que publiquem a Portaria que atualiza os índices de
produtividade dos imóveis rurais
uma providência que, por força de lei, deve ser tomada
periodicamente, mas que nem FHC nem Lula tiveram coragem de tomar. Os
índices atualmente em vigor estão trinta anos defasados, pois se
baseiam nos censos agropecuários de 1970 e 1975. Por isso,
imóveis visivelmente improdutivos conseguem anular, na justiça,
decretos desapropriatórios, emperrando a marcha da reforma
agrária.
A atualização, fundada em dois levantamentos coincidentes
realizados pela Unicamp e pela Embrapa, em 1999, foi a principal
reivindicação que o MST fez ao presidente, por ocasião da
Marcha a Brasília, realizada pelo movimento em 2004, e está
pronta na mesa do presidente. Só não foi publicada até
agora em razão do veto do latifúndio e do agronegócio.
Publicando-a agora, antes do dia 29, Lula indicará claramente sua
intenção de acelerar a reforma agrária.
Gestos concretos similares a este, em relação às promessas
que Lula vem fazendo de manter intocados os direitos trabalhistas e
securitários, abolir as privatizações, executar
políticas de emprego, justificariam o voto nele, pois deflagrariam
imediatamente um confronto com os interesses que se opõem à
solução dos problemas do povo e gerariam uma dinâmica
política nova, bem mais favorável à
participação popular.
Se, contudo, nem essa prova de sinceridade ele conseguir dar, o voto nulo se
evidenciará como uma opção concreta colocada pelo quadro
político ao povo.
Apontando-a, as esquerdas e os movimentos populares combativos podem
não ser compreendidos no primeiro momento. Mas, quando os fatos se
encarregarem de mostrar a correção desse voto, o povo
saberá identificar as forças efetivamente comprometidas com a
transformação do país e o confronto de classe
mudará de qualidade.
21/Outubro/2006
Nota: Os sublinhados no texto são da responsabilidade de resistir.info.
Este editorial encontra-se em
http://www.correiocidadania.com.br/ed522/editorial.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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