Os "entraves" para o desenvolvimento, segundo o presidente Lula

por Comissão Pastoral da Terra [*]

Clique para ampliar. A Comissão Pastoral da Terra só agora, mais de uma semana depois, vem a público manifestar-se sobre as infelizes declarações do presidente Lula quando, em plena Amazônia, elencou "os entraves para o desenvolvimento" que o Brasil enfrenta. E entre os "entraves" citados estão o meio-ambiente, os quilombolas [1] , os índios brasileiros e o Ministério Público.

Não imaginávamos que o presidente Lula, que fez questão de colocar um negro e um índio entre os apresentadores de sua campanha eleitoral, no horário gratuito de Rádio e Televisão, pudesse considerar que indígenas, quilombolas e as questões ligadas ao meio-ambiente fossem entraves para o desenvolvimento. Por isso acreditávamos que esta fala teria sido um deslize e estávamos aguardando uma explicação. Como até hoje o presidente não se manifestou, julgamos que este é realmente o seu pensamento. As elites brasileiras desde sempre consideraram os povos indígenas como entraves para o progresso. Ultimamente, depois da Constituição de 1988, com o início do reconhecimento de suas áreas, também os quilombolas passaram a ser vistos por esta mesma ótica. A nossa biodiversidade que é a fonte da riqueza do futuro deste país e que é defendida valentemente por ambientalistas de diversos matizes também é considerada entrave para o progresso. Com a fala do presidente, sentiram-se apoiados e contemplados os grileiros de terra, os madeireiros e os latifundiários travestidos de empresários do agronegócio que depredam as nossas riquezas naturais, invadem reservas indígenas, de quilombos e áreas de preservação ambiental e exploram os trabalhadores deste país submetendo-os, muitas vezes, a condições análogas a de escravo. Sua ação sim é que traz "desenvolvimento" para este país, na concepção do presidente.

O presidente pode muito facilmente eliminar os entraves jurídicos para realizar as obras que deseja. É só reconhecer e fazer demarcar todas as áreas indígenas e dos quilombolas Com isso só estará cumprindo o que determina a Constituição Federal nos artigos 67 e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Quanto ao meio-ambiente cabe-lhe cumprir o que a mesma Constituição estabelece no artigo 225.

A Comissão Pastoral da Terra, que desenvolve sua missão junto aos camponeses de todo este Brasil e às comunidades tradicionais, apoiando suas ações de resistência e suas reivindicações pela preservação dos seus direitos usurpados, continuará nesta luta. Com os bispos e pastores, no seu pronunciamento "Os pobres possuirão a terra", "Não reconhecemos a opção pelo agronegócio como saída para o campo brasileiro".

Conclamamos também a sociedade brasileira a se envolver com a Campanha da Fraternidade do próximo ano que tem como tema a Amazônia. É um convite para conhecer a riqueza da vida e da cultura das comunidades tradicionais de índios, quilombolas, ribeirinhos e tantas outras que convivem há séculos com a natureza e a preservam e podem nos dar lições de sabedoria e vida.

Goiânia, 01 de dezembro de 2006

      Dom Xavier Gilles de Maupeou d'Ableiges
      Presidente da Comissão Pastoral da Terra

[*] Nota pública emitida pela Assessoria de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra - Secretaria Nacional

[1] Quilombos eram aldeias de escravos fugidos, tanto no período colonial como posteriormente (no Brasil o regime escravocrata só acabou em 1888, muito após a independência). Ficavam habitualmente em lugares remotos e pouco acessíveis. Quilombolas são os seus habitantes. Há mais de 1000 comunidades quilombolas no Brasil e os seus habitantes vivem geralmente em condições paupérrimas.

Esta nota pública encontra-se em http://resistir.info/ .
02/Dez/06