E agora? É hora de chutar o tabuleiro!
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"Marx disse certa vez que não se deve brincar com a
insurreição se não quiser levá-la até as
últimas consequências. Ao que parece o lulo-petismo espera que as
massas garantam que Lula não seja preso e dispute as
eleições, mas que depois saiam de cena para que tudo volte aos
trilhos da normalidade para que se possa remendar o pacto social
esgarçado pelo golpe."
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A confirmação da condenação de Lula seguiu o
script
esperado. Apesar da inconsistência de provas, fatos e fundamentos
jurídicos, era necessário retirar o ex-presidente da disputa
eleitoral de 2018 e seguir com um governo cuja única lealdade é
com as contra-reformas e os interesses do grande capital. O fim da democracia
de cooptação operada pelos governos petistas abriu espaço
para a barbárie explícita e a canalhice que presenciamos,
política, jurídica, cultural e comunicacional.
Os pesados ataques contra os trabalhadores, em especial a reforma trabalhista e
a ameaça da reforma da previdência, não tiveram a resposta
necessária porque o petismo e seus aliados ainda esperavam a
"marcha dos acontecimentos" que desembocaria nas
eleições de 2018, ainda que programaticamente isso não
garantisse a reversão das medidas aprovadas até aqui. Com a
condenação de Lula a conjuntura muda radicalmente em dois
sentidos.
Primeiro que a aposta nas eleições se transforma em um desafio
aberto à legalidade institucional estabelecida, uma vez que a
manutenção da candidatura do ex-presidente se torna uma
desobediência civil. Segundo que as frágeis aparências de
normalidade institucional podem se esvanecer rapidamente e abrir espaço
para medidas políticas mais duras de parte da classe dominante e do
segmento usurpador no comando do Estado.
Nesse cenário, a combinação de espaços
institucionais estabelecidos e ações por fora e além da
legalidade ganha relevo para os dois lados envolvidos na disputa. Da parte das
classes dominantes, isso não é uma novidade, porque diferente de
certo setor da esquerda, a classe dominante nunca acreditou na
institucionalidade democrática e sempre a utilizou pragmaticamente
segundo seus interesses. O Estado trata a todos de forma igual perante a lei,
mas nada que uma mala de dinheiro e um
lobby
eficiente não possam contornar. A burguesia pode operar no terreno da
democracia porque tem os instrumentos de coerção do Estado e do
domínio econômico à sua disposição. Assim,
pode alternar formas democráticas e autoritárias com mais
eficiência, o que não se dá com os trabalhadores.
Quando uma força política escolhe operar nos limites da
institucionalidade, fica muito difícil romper e operar com formas
abertamente insurgentes. A única força política que pode
criar as condições para tanto é a disposição
das massas em romper a legalidade no sentido da rebelião. Como todo bom
leitor de Lênin sabe, esta é uma condição objetiva
isto é, não está ao alcance desta ou daquela
força política colocar as massas em movimento, de certa forma
elas reagem a uma determinada situação política.
O que a burguesia talvez tenha feito, inadvertidamente ou não, é
dar o pretexto para que as massas entrem em cena numa dimensão que pode
ir além da institucionalidade dada. Entretanto, neste ponto
intervém a intencionalidade política dos sujeitos. Marx disse
certa vez que não se deve brincar com a insurreição se
não quiser levá-la até as últimas
consequências. Ao que parece o lulo-petismo espera que as massas garantam
que Lula não seja preso e dispute as eleições, mas que
depois saiam de cena para que tudo volte aos trilhos da normalidade para que se
possa remendar o pacto social esgarçado pelo golpe. De certa maneira a
rebelião das massas se converte em um instrumento de chantagem ou
ameaça para que os segmentos burgueses caiam em si e aceitem renegociar
os termos do pacto.
Esse é um jogo perigoso. Primeiro porque não se deve blefar
quando se trata de uma política revolucionária que se pretenda
séria. Parece que não se convoca as massas para que a classe
trabalhadora estabeleça as condições de seu próprio
poder, mas para que garanta a correlação de forças para
que se recomponha as condições que marcaram a
conciliação de classes que prevaleceu até 2016. O grande
problema dessa alternativa é que o petismo se assusta mais com a
rebelião das massas do que a burguesia: não há lugar para
a insurreição na estratégia democrática popular e o
PT não sabe o que fazer quando ela se apresenta, como ficou evidente em
2013. Por outro lado, a burguesia tem meios jurídicos, políticos
e repressivos para enfrentar um descontrole social alguns desses
instrumentos, aliás, gentilmente oferecidos pelos governos petistas como
a manutenção da Lei de Segurança Nacional, a Portaria
Normativa que estabelece as Operações da garantia da Lei e da
Ordem de dezembro de 2013 e a Lei Antiterrorismo, só para citar alguns
dispositivos , além, é claro, de um sistema
judiciário que se emancipou da tutela incomoda do Direito e da
Justiça.
Portanto, trata-se de definir até onde as forças políticas
estão dispostas a tensionar a legalidade. Estou convencido de que a
burguesia mantém suas apostas, mesmo se for necessário romper
(como tem feito no governo do usurpador) qualquer base legal, política e
institucional. O PT está disposto a fazer o mesmo? Não sei.
Quais são os próximos passos indicados pelo o segmento dominante?
Tentar tocar as eleições sem Lula, diante do risco da extrema
direita e da ausência de uma candidatura que possa retomar a estabilidade
que a burguesia precisa, ou, cancelar as eleições e constituir
alguma espécie de transição, uma junta provisória
que prepare as condições políticas de uma alternativa mais
estável nos termos da ordem, como o semi-presidencialismo, o
parlamentarismo ou outra forma qualquer.
Volto a dizer: a burguesia pode cancelar as eleições de 2018. E
pergunto: as forças populares estão dispostas a colocar o
enfrentamento diante das contrarreformas e o arbítrio burguês
acima das eleições, inclusive agindo no sentido de
inviabilizá-las?
O ponto obscuro é o próximo passo do petismo. Será que ele
está mesmo disposto a resistir e enfrentar a decisão
judiciária com todos os meios necessários, ou é mais um
blefe? A moderada e elegante presidente nacional do PT afirmou recentemente que
a única maneira de reagir à consolidação de um
cenário político no qual Lula vai preso e é impedido de
disputar as eleições é a greve geral. Vejam vocês! A
esquerda já sabia que a única maneira de evitar a
consolidação do golpe contra os trabalhadores, a reforma
trabalhista e da previdência é a greve geral, mas o PT discordava
disso, pois acreditava que existia outra possibilidade: a candidatura de Lula.
Agora que essa alternativa saiu de cena
então, vamos à
greve!
Marx e Engels, em um famoso texto de 1850, diziam que os trabalhadores
não podem evitar que a pequena burguesia aja como o segmento social
vacilante que está condenado a ser, mas os trabalhadores devem, em suas
palavras, "agir no sentido de contrapor-se às dissuasões
burguesas" contemporizadoras e "obrigar os democratas a concretizar o
seu fraseado terrorista atual" ("Mensagem do Comitê Central
à Liga [dos comunistas]", em: Karl Marx e Friedrich Engels,
Lutas de classes na Alemanha
, Boitempo, 2010, p. 67). Querem um Greve Geral? Certo, então vamos
fazê-la até que as medidas contra os trabalhadores sejam revogadas
e até que o governo Temer caia. Aí discutiremos o que fazer.
Certamente alguns irão propor que tudo volte ao "normal" e que
volte a se convocar eleições "limpas" (como as de 2014,
na qual o financiamento privado jogou R$ 5 mil milhões nas mais
diferentes candidaturas, menos nas do PCB, do PSTU e do PCO). Nós
manteremos nossa proposta de estabelecer um Poder Popular Revolucionário
fundado em uma nova forma de governabilidade na classe trabalhadora da cidade e
do campo, na juventude e nas massas urbanas.
Não importa agora que uns se mobilizem em torno de um líder cujos
interesses no fundo, ao nosso juízo, são contrários aos da
classe trabalhadora porque quer recompor o pacto desfeito. Neste momento se
produz uma aproximação interessante na qual o interesse do
lulopetismo em enfrentar a decisão que tira Lula das
eleições coincide com o interesse da esquerda em enfrentar as
contrarreformas reacionárias com uma Greve Geral. Se os interesses forem
os mesmos (derrotar o governo Temer e suas contrarreformas), ótimo! Caso
contrário, os caminhos se bifurcarão e nós, como temos
feito, tomaremos a caminho da esquerda.
27/Janeiro/2018
[*]
Professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ,
pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP
13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.
O original encontra-se em
blogdaboitempo.com.br/...
e em
pcb.org.br/portal2/18524/e-agora-e-hora-de-chutar-o-tabuleiro
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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