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							Bolsonaro será um Pinochet ou um populista?
						
							 A vitória da extrema-direita com Jair Bolsonaro, no país mais
							populoso da América Latina e co-fundador do bloco BRICS, causou
							compreensivelmente muita inquietação nos pombais de esquerda e de
							liberais por todo o globo. 
 Mas o que a vitória de Bolsonaro mostra é não tanto a
							força das ideias da extrema-direita e sim a fraqueza da esquerda.
 
 Primeiro, contudo, uma palavra acerca de fascismo.
 
 Ficou na moda para gente de esquerda assinalar todos à sua direita como
							"fascistas". Isso é não apenas errado como totalmente
							contraproducente. Como descobriu o famoso "Garoto que grita Lobo",
							ele pode acabar por ser comido quando as pessoas concluem que se todos
							são fascistas, então, para finalidades práticas,
							ninguém é.
 
 A ontologia é importante.
 
 Alguns loucos descrevem Theresa May como fascista e pensam que a
							Grã-Bretanha vive sob um governo fascista. Outros (com um pouco mais de
							justificação) pensam que Donald Trump é fascista. Nenhum
							dos dois o é, naturalmente  ambos podem ser deitados abaixo pelas
							instituições existentes do estado burguês mesmo antes de
							serem obrigados a ir ao sufrágio universal das eleições
							seguintes.
 
 Nem tão pouco, de qualquer forma, o novo presidente do Brasil é
							um fascista. Ter opiniões odiosas sobre gays  ele preferia que seu
							filho estivesse morto do que fosse gay, ou visões vis sobre mulheres
							 não o tornam um fascista. Na verdade, faz dele, tal como Trump,
							um reaccionário vulgar. Mas não faz do Brasil de 2018 uma
							réplica do Chile de 1973. Bolsonaro não é Pinochet. Ainda
							não.
 
 O presidente eleito é um nostálgico do antigo e real
							domínio militar fascista no Brasil no qual o assassínio em massa,
							a tortura, a limpeza étnica, o desastre ambiental e a supremacia branca
							eram as regras. Mas isso não significa que ele possa retornar à
							ditadura mesmo que assim deseje.
 
 Além disso, um número substancial de eleitores pobres, negros e
							de minorias étnicas deram-lhe os seus votos, contra o Partido dos
							Trabalhadores (PT) que teoricamente os defendia.
 
 Como dizia Bill Shankly, o lendário gestor de futebol do Liverpool:
							"o futebol não é jogado no papel e sim no relvado".
 
 No relvado, o registo do PT foi considerado em falta pelos mais pobres do
							país e por uma secção da classe trabalhadora 
							daí a derrota.
 
 E quando o medo da direita cresceu, Fernando Haddad, o candidato do PT mudou
							 mas para a direita!
 
 O medo do crime  o tipo de crime que receiam os eleitores, assaltos
							directos ao invés de roubos de colarinho branco ? foi uma das
							principais motivações. Um movimento de esquerda, especialmente
							quando detém o poder estatal, que não pode proteger seu povo de
							tais crimes, como fizeram os bolcheviques, como fez a revolução
							cubana, como fizeram os republicanos irlandeses, não manterá
							apoio por muito tempo, não importa quão vermelhas sejam as suas
							bandeiras.
 
 Um movimento de esquerda que aceita ortodoxias neoliberais de austeridade e que
							fracassa dramaticamente em redistribuir riqueza para as massas, e num
							país como o Brasil que nem mesmo mobiliza, ou mesmo militariza, as
							secções avançadas dos trabalhadores em defesa de uma
							transformação real (em oposição a uma
							retórica) será derrubado. E eles o foram.
 
 Mais de 30 anos atrás emprestei ao então pobre líder
							sindical brasileiro a grande quantia de US$200. Foi um bom investimento. Como o
							líder heróico do que se tornou o governo PT do Brasil, Lula tinha
							o que é preciso. Razão pela qual fizeram-lhe
							acusações forjadas de corrupção  ao
							invés de razões políticas  sem a mais ligeira base
							de veracidade.
 
 Aquele era o momento em que o movimento, se tivesse sido armado com recursos,
							deveria ter resistido. Ao invés disso, ocorreu uma longa dança
							para a derrota, aceitando a legitimidade dos tribunais da era fascista,
							curvando-se a polícias e a um parlamento oligárquico, todos eles
							inimigos dos trabalhadores e do seu partido.
 
 Ironicamente, se essa legitimidade tivesse sido contestada, teria levado, mesmo
							que houvesse fracassado, a um boicote à farsa do último fim de
							semana quando a candidatura de Lula fora judicialmente assassinada pelos
							tribunais. Nestas circunstâncias, Bolsonaro não teria sequer sido
							o candidato da direita, a oligarquia não teria precisado de um bruto
							tão feio.
 
 Pode ser que Bolsonaro venha a ser "meramente" um presidente
							"amistoso para com os negócios" 
							
								("business-friedly"),
							
							um fanático que não desbrava qualquer grande momento
							histórico duradouro. Por outro lado, a esquerda no Brasil precisa
							urgentemente de começar a preparar-se para combatê-lo caso se
							torne mais Pinochet do que populista.
 
 
								30/Outubro/2018
							[*]
								Foi membro do Parlamento britânico durante cerca de 30 anos, faz
								apresentações de TV e rádio, é realizador de
								filmes, escritor e orador reconhecido. 
 O original encontra-se em
								 www.rt.com/op-ed/442633-brazil-bolsonaro-pinochet-election/
 
 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info/
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