Dilemas da política econômica
Barco à deriva, ameaçado pelas ondas
tsunamis da inflação, o Brasil atracou, em 1999, no porto seguro
do FMI, confiando-lhe o comando de nossa política econômica. Faz
seis anos. Desde então, somos parecidos às antigas colônias
do Império Romano, governadas por cônsules que as visitam de
quando em vez. Volta e meia a mídia noticia que nova missão do
FMI desembarcou neste país colonial abençoado por Deus.
Desde 1999, após a intervenção
cirúrgica efeemista, quando o remédio quase matou o paciente,
elevando a taxa de juros para o índice estratosférico de 45% ao
ano, o Brasil entregou parte de sua soberania aos cardeais protetores do
mercado (entenda-se: mais remessas de lucros às nações
metropolitanas) que lhe impuseram o cinto de
gastidade:
o controle rígido das metas de inflação. Fizeram
até aprovar a lei de responsabilidade fiscal (ignorando a de
responsabilidade social). O médico passou a exibir os ótimos
resultados dos exames, embora o paciente agonizasse
Imaginem a alegria de um investidor estrangeiro diante
de um país-cassino que lhe assegura 45% de rendimento anual! A posologia
exagerada punha em risco a vida do doente, mas restava o consolo de lhe salvar
a alma as contas públicas.
Assim é a lógica da economia neoliberal.
As finanças do país figuram impecáveis no belo caderno de
dever de casa, embora o aluno tenha fome, malgrado seu aspecto
rechonchudo
de vermes! Obeso como pastel de feira.
Os rigores nas áreas fiscal e monetária,
e o câmbio mais liberado que baile funk, fazem o Brasil ficar muito bem
na foto emoldurada pelo mercado, apesar de a nação padecer brutal
desigualdade e a miséria irromper, precoce e circense, em cada esquina
de nossas médias e grandes cidades.
Aliás, liberada não é só a
política cambial. São também os preços. Se a
redução dos juros provoca a sem-vergonhice do aumento dos
preços (vide o aço), como a Lei Seca nos EUA enriqueceu a
máfia, por que o Ministério da Fazenda não coíbe os
que atiçam o dragão? Governo é para defender os interesses
da maioria da população, e não para fazer vista grossa
diante de uma minoria que lucra quando os juros estão altos, nadando de
braçada, como tio Patinhas, nos índices da
especulação financeira, e lucra também quando os juros
estão baixos, desatando as correias do dragão pelo aumento
abusivo dos preços.
Espelho meu, há em algum lugar do mundo
superávit primário tão generoso quanto o do Brasil? Como
investir em combate à fome, infra-estrutura, saúde,
educação, enfim, em desenvolvimento sustentável, se tantos
recursos são canalizados para amenizar a dívida e(x)terna? E por
que o capital estrangeiro, que monta o cavalo bravo da
especulação, não passa pela alfândega ao entrar e
sair do país? Por que o dinheiro merece uma liberdade de trânsito
negada aos viajantes nacionais e estrangeiros?
Um país que pensa seriamente em desenvolver-se
(não um simples vôo de galinha ou tucano) não pode admitir
juros de mercado de 49% para pessoas físicas e jurídicas. O
governo Lula tem acertado no aumento do salário mínimo, no
crédito às pessoas de baixa renda, no investimento em
políticas sociais, no aumento de nossas exportações. Mas
precisa equacionar juros e desenvolvimento: sem a queda do primeiro fica
difícil haver crescimento do segundo.
O próprio governo deu de esporas na
inflação em 2004 ao promover o aumento abusivo das tarifas
públicas: água, luz, gás etc. Ora, se nem ele se segura,
quem haverá de segurar essa gente que põe fogo no rabo do
dragão?
É, estamos literalmente naquela de se ficar o
bicho come, se correr o bicho pega. De um lado, o despertar do dragão
sem que haja quem se disponha a domá-lo. De outro, o leão, que
faz dos tributos a pedra de Sísifo que trazemos às costas. Assim,
fica difícil fazer do Brasil um país de todos.
[*]
Escritor, autor de Gosto de Uva (Garamond),
entre outros livros. O autor era, até data recente, apoiante do governo
Lula.
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