O Brasil está maduro para o socialismo
Introdução
1. Traços essenciais da formação sócio-econômica brasileira
2. As décadas de 80 e 90 e as mudanças estruturais
3. O capitalismo monopolista atual
4. A necessidade de criação das condições subjetivas
Bibliografia
Notas
Introdução
Ao contrário da Rússia no período da
revolução bolchevique ou da revolução chinesa de
1949, cujas transformações foram realizadas em
nações atrasadas do ponto de vista econômico, o Brasil
possui uma economia moderna, com elevado nível de desenvolvimento das
forças produtivas, destacando-se uma industrialização
integrada e dinâmica, avançado processo capitalista no campo,
portanto maduro para o socialismo, muito mais maduro do que aquelas sociedades
que fizeram suas revoluções na primeira metade do século
XX. Quando os bolcheviques tomaram o poder em 1917 encontraram um país
com uma economia basicamente agrária e uma classe operária
restrita apenas a algumas franjas industriais nas grandes cidades. Os
revolucionários chineses, quando conquistaram o poder em 1949,
encontraram também um país agrário, com a absoluta maioria
dos trabalhadores no campo.
Portanto, tratava-se de países com baixo nível de desenvolvimento
econômico, nos quais não estavam ainda maduras as
condições materiais para a construção do socialismo
desenvolvido. Por isso, essas nações tiveram que construir o
processo industrial e modernização a agropecuária a partir
de bases muito precárias. Levaram muitos anos para consolidar o
desenvolvimento econômico com forças produtivas modernas. Isso
marcou profundamente a formação sócio-econômica
dessas revoluções, seus problemas, percalços e
singularidades.
Como os fundadores do marxismo costumavam afirmar, a construção
do socialismo é mais factível num país de base industrial,
com uma classe operária numerosa, concentrada nos locais de trabalho, do
que num país agrário, de maioria camponesa, com
relações de produção atrasadas. Ressalte-se ainda
que o desenvolvimento do capitalismo, na prática, destrói as
bases da velha sociedade camponesa e, sob seus escombros, constrói a
sociedade burguesa moderna e, assim, assenta as bases materiais para a
sociedade socialista, que é a produção desenvolvida na
cidade e no campo, capaz de suprir as necessidades de bens e serviços de
toda a população.
Grande parte dos problemas vividos pelos países daquilo que ficou
conhecido como
socialismo real
originou-se das condições objetivas atrasadas daquelas
sociedades. Sem a industrialização madura e a agropecuária
moderna e desenvolvida, a construção socialista foi realizada
apalpando pedras, com heroísmo e debilidades, mas acima de tudo sem as
condições materiais objetivas para a construção
socialista. Portanto, a tarefa de construção da nova sociedade
foi muito mais difícil do que seria se a revolução tivesse
sido feita, por exemplo, na Alemanha industrializada, como os marxistas
imaginavam.
As revoluções em nações economicamente atrasadas
cobram um alto preço ao processo revolucionário. A herança
camponesa da população, seus valores sociais ligados à
religiosidade, ao atraso cultural, às relações de
produção baseada na economia camponesa, a ausência de uma
classe operária organizada em grandes conglomerados econômicos,
além do cerco permanente do inimigo de classe, todos esses fatores
contribuíram para que as tarefas da revolução fossem
retardadas. Mesmo com todo o desenvolvimento científico e
tecnológico da URSS, essa herança cobrava um alto preço
à revolução.
A revolução socialista num país de base industrial, com a
maioria da população vivendo nas grandes cidades, com uma classe
operária concentrada nas grandes fábricas, com
relações de produção capitalistas na cidade e no
campo, reúne condições bem mais propícias para a
construção do socialismo. A construção da nova
sociedade já se inicia a partir de bases econômicas, sociais,
políticas e culturais desenvolvidas, o que permite avançar mais
aceleradamente para a construção da nova sociedade. Não
será necessário nenhuma NEP (Nova Política Econômica)
[1]
, nenhum comunismo de guerra, nenhum passo atrás. Uma vez derrotada a
velha classe dominante e consolidado o poder dos trabalhadores, a tarefa de
construção da nova sociedade já encontra as bases
objetivas para o socialismo desenvolvido.
O Brasil hoje reúne todas as condições para a
construção de uma sociedade socialista desenvolvida tanto do
ponto de vista material quanto cultural. Possui uma base material
sólida, avançada e diversificada. Trata-se da sexta economia
mundial, com um capitalismo maduro na cidade e no campo, monopolista e
hegemônico em todas as regiões, com uma classe operária
numerosa, concentrada nas grandes empresas fabris, com um nível de
integração nacional extraordinário, o assalariamento
generalizado no campo, sem disputas territoriais separatistas, uma só
língua, um povo miscigenado, uma cultura nacional diversificada e rica.
Portanto, com todas as condições objetivas para a
construção da sociedade socialista.
1. Traços essenciais da formação
sócio-econômica brasileira
Para compreendermos os fundamentos constitutivos da sociedade brasileira e as
perspectivas do socialismo no Brasil, é necessário estudarmos as
características fundamentais da nossa história e os traços
específicos da formação sócio-econômica do
País. Essa reflexão nos permite entender o momento
histórico, a economia e a dinâmica atual em que se movem as
classes sociais, seus interesses econômicos e políticos, as
tradições, as marcas e os vícios do passado, bem como as
vertentes complexas do presente. Somente com este diagnóstico baseado na
análise concreta da realidade concreta, poderemos traçar as
possibilidades de transformação futura de uma sociedade
dinâmica e mutante como a brasileira.
O Brasil pode ser considerado um caso singular no desenvolvimento do
capitalismo mundial, uma vez que, até o início dos anos 30 do
século passado, era um País agrário-exportador, com uma
economia que se estruturava a partir da exportação de uma
mercadoria especial, o café. Iniciou sua revolução
burguesa cerca de 300 anos após a revolução na Inglaterra,
cerca de dois séculos depois a revolução industrial e um
século após a formação do capitalismo monopolista
nos países centrais. Em outras palavras, até a terceira
década do século passado o Brasil era uma nação
economicamente agrária, com mais de quatro séculos de atraso
econômico, político e social.
Outra particularidade do desenvolvimento sócio-econômico
brasileiro é o fato de que, após 1930 e, especialmente, nos anos
50, 60 e 70, o País realizou um processo de construção
industrial em marcha forçada e em tempo recorde, processo que
transformou o Brasil numa nação industrial, com um parque
produtivo diversificado e integrado, elevado índice de
urbanização, concentração operária em
grandes unidades fabris, além do fato de que o capitalismo hegemonizou
as relações no campo e subordinou as pequenas economias rurais
às relações capitalistas de produção, muito
embora esse desenvolvimento tenha sido realizado com dramática
concentração da renda
[NR]
e desigualdade social.
O longo atraso sócio-econômico formou uma classe dominante
autoritária, arrogante e viciada na impunidade, fruto de cerca de
três séculos de escravidão, o que pode ser expresso no fato
de que esses setores sempre procuraram afastar as classes populares das
decisões econômicas e políticas do País. As classes
dominantes também se formaram num processo de dependência aos
circuitos do capitalismo internacional. Primeiro, ao colonialismo de Portugal,
depois ao imperialismo inglês e atualmente ao norte-americano, o que
marcou de maneira profunda a subordinação desses setores aos
centros capitalistas mundiais, quer como associados, quer operando em torno de
seus interesses.
1.1 A formação econômica e política
Como todos os países da América Latina, o Brasil teve um passado
colonial que deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Mesmo que
produção estivesse integrada ao circuito internacional do capital
mercantil, a economia brasileira nos três séculos de
colonização funcionou como espaço de
apropriação de recursos naturais e financeiros para a
Metrópole portuguesa e, desta, para a Inglaterra. A
produção interna era vigiada e controlada pela Coroa, os
portugueses monopolizavam o comércio, o País ainda estava
proibido de construir manufatura em qualquer região e o trabalho era
baseado na mão-de-obra escrava. Como
colônia de exploração
, não interessava a Portugal a construção de uma economia
interna, pois isso poderia representar no futuro a contestação
à dominação colonial.
[2]
Após a independência, em 1822, até a
proclamação da República, em 1889, o País foi
governado por uma monarquia absolutista e escravocrata, que manteve o
País no atraso e na dependência. Os proprietários rurais
eram a base de sustentação do regime, tanto que o Brasil foi o
último País a institucionalizar a libertação dos
escravos. A emergência da República, apesar de significar um
avanço político em relação à velha
monarquia, representou um novo pacto das elites agrárias do Rio de
Janeiro e de São Paulo com o capital inglês, o que deu
continuidade a uma economia agrário-exportadora, agora dependente das
exportações de café, fato que contribui para bloquear por
mais quase meio século as possibilidades de
industrialização do Brasil.
[3]
Quando o movimento abolicionista já estava às portas da
vitória e os escravos fugiam das fazendas sem que os
latifundiários tivessem condições de reprimi-los, a
princesa Isabel, filha do imperador, resolveu decretar a
libertação dos escravos (Lei Áurea, de 1888), bloqueando
assim um movimento popular que poderia não só derrubar a ordem
escravocrata mas, principalmente, contestar a estrutura fundiária do
País. A proclamação da República pelo comandante do
Exército, Marechal Deodoro da Fonseca, até anteriormente um velho
monarquista, também representou uma antecipação ao
movimento popular republicano e abriu espaço para que as classes
dominantes mantivessem o País no atraso econômico e social.
A possibilidade de uma mudança estratégica nos rumos da sociedade
brasileira só veio a ocorrer com a crise de 1929 e, posteriormente, com
a revolução de 1930, a partir da qual os setores
agro-exportadores foram subordinados e iniciou-se efetivamente uma
política de Estado no sentido da construção da
indústria nacional. Mesmo assim, a revolução de 1930
não realizou a fundo as tarefas clássicas da
revolução burguesa, uma vez que conciliou com a velha ordem ao
deixar intocadas as terras dos latifundiários. Essa debilidade fez com
que, até hoje, a sociedade brasileira continue pagando um enorme
tributo, em termos de desigualdade social e miséria nas grandes cidades
e no campo, em função da ausência da reforma agrária.
Além disso, outro fator que viria marcar a formação
econômica brasileira é o fato de que a construção
industrial foi realizada quando o capitalismo mundial já estava na fase
monopolista, o que dificultou a formação de uma burguesia com
interesse em um projeto nacional, quer em função da conjuntura
internacional, quer pelo fato de que o processo de acumulação
interno estava muito aquém das possibilidades financeiras de
construção de monopólios nacionais para rivalizar com os
grandes conglomerados das economias centrais.
Quando foi realizada a industrialização efetiva, com o
Plano de Metas,
na segunda metade da década de 50, os monopólios dos
países centrais já iniciavam o processo de internacional da
produção e ds finanças. Sendo assim, dado o papel de
liderança das transnacionais na industrialização
brasileira, grande parte da burguesia nacional já emergiu subordinada
aos centros internacionais do capital e passou a orbitar em torno da
lógica do grande capital internacional.
[4]
Entretanto, os três primeiros anos da década de 60, marcados por
grande politização dos setores populares e
intensificação da luta política e social nas cidades e no
campo, abriram possibilidades para a construção de um projeto
econômico e social onde os setores populares pudessem influir de maneira
efetiva. Nesse período, estavam em disputa dois projetos que buscavam
reorientar os rumos da economia e da sociedade brasileira
as Reformas de Base
e o
projeto dos setores ligados ao capital internacional.
[5]
O projeto das reformas de base visava um desenvolvimento econômico com
elevado grau de autonomia e reformas sociais, enquanto o outro projeto estava
ligado aos circuitos do capital internacional e a disciplina dos movimentos
sociais.
Como as
Reformas de Base
eram apoiadas pelos setores populares, partidos políticos ligados
à pequena burguesia, ao trabalhismo e a alguns setores da burguesia
nacional, além do fato de que o governo João Goulart apoiava
essas reformas, muitos setores políticos, especialmente o Partido
Comunista Brasileiro (PCB), principal organização política
de esquerda na época, acreditavam que era possível uma
frente única
(proletariado, setores médios, camponeses e burguesia nacional), onde a
burguesia nacional teria um papel protagonista, em função de suas
contradições com o imperialismo, como se afirmava na
época. Só numa etapa posterior, quando estivessem removidas as
causas que mantinham o País no atraso, é que se abririam os
caminhos para a revolução socialista, como assinalava a
Declaração de Março de 1958, do PCB:
[6]
"A sociedade brasileira está submetida, na etapa atual de sua
história, a duas contradições fundamentais. A primeira
é a contradição entre nação e o imperialismo
norte-americano e seus agentes internos. A segunda é a
contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento
e as relações de produção semi-feudais na
agricultura. A sociedade brasileira encerra também uma
contradição entre proletariado e a burguesia ... mas esta
contradição não exige uma solução radical na
etapa atual. Nas condições presentes de nosso País, o
desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de
todo o povo. A revolução no Brasil, por conseguinte,
não é ainda socialista, mas antiimperialista, anti-feudal,
nacional e democrática"
[7]
Esta etapa da revolução prepararia o terreno para as
mudanças mais profundas, quando então o proletariado, mais
fortalecido e organizado, passaria a hegemonizar o processo
revolucionário e iniciaria a de transição para o
socialismo:
"A solução completa dos problemas que ela apresenta (a
revolução, EC) deve levar à inteira
libertação econômica e política da dependência
para com o imperialismo norte-americano; à transformação
radical da estrutura agrária, com a liquidação do
monopólio da terra e das relações pré-capitalistas
de trabalho; ao desenvolvimento independente e progressista da economia
nacional e à democratização radical da vida
política. Estas transformações removerão as causas
profundas do atraso de nosso povo e criarão, com o poder das
forças antiimperialistas e anti-feudais, sob a direção do
proletariado, as condições para a transição ao
socialismo, objetivo não imediato, mas final, da classe operária
brasileira".
[8]
O desfecho desse processo foi o golpe militar de 1964, que veio sepultar as
últimas ilusões sobre o papel progressista da burguesia nacional,
uma vez que a maioria absoluta dessa classe apoiou o golpe. Ao longo dos 21
anos de ditadura (1964-1985), o governo militar construiu um modelo
econômico antinacional e antipopular, com a ampliação do
domínio do capital estrangeiro nos setores dinâmicos da economia;
implantou um arrocho salarial permanente que transformou o País numa
economia de baixos salários. Em contrapartida, consolidou um setor
estatal que cumpriu o papel de linha auxiliar do processo de
acumulação dos grandes grupos econômicos. Ao final da
ditadura, em função das dificuldades econômicas e
políticas, o governo militar ainda deixou como herança os acordos
com o Fundo Monetário Internacional, processo que levou à
desorganização da economia brasileira e ao ciclo de duas
décadas perdidas.
O fim do governo militar e o processo de transição
democrática não foram capazes de desmontar a estrutura
construída pela ditadura. Pelo contrário, com a vitória de
Fernando Collor, em 1989, o Brasil ingressaria nos anos 90 inteiramente
alinhado ao projeto neoliberal. No período de dois anos que durou seu
breve mandato, realizou-se severos cortes nos gastos públicos,
demissão de funcionários públicos, redução
dos salários, privatizações de várias empresas
estatais, desregulamentação, abertura da economia para o exterior
e ofensiva contra direitos e garantias dos trabalhadores.
No entanto, a corrupção generalizada levou ao
impeachement
de Collor e, em seguida, à implantação do Plano Real e,
posteriormente, eleição de Fernando Henrique Cardoso à
presidência da Republica, em 1994. Esse governo aprofundou de maneira
radical a política neoliberal no Brasil: privatizou a absoluta maioria
dos setores sob controle do Estado, como energia elétrica, a siderurgia,
as telecomunicações, o setor ferroviário, a
mineração, os bancos estaduais, entre outros. Reformou a
Constituição para favorecer o capital internacional, realizou a
reforma da previdência, ampliou o arrocho salarial e a ofensiva contra os
direitos dos trabalhadores.
[9]
O governo FHC significou não apenas a privatização
generalizada da economia brasileira, por grandes grupos nacionais e
internacionais, como também uma mudança de qualidade no processo
de acumulação no País, marcada pelo estreitamento das
relações entre o capital financeiro internacional e a burguesia
associada brasileira. O governo FHC articulou um projeto que colocou os
interesses do capital financeiro como norteador de sua política
econômica, unificou a burguesia associada, disciplinou eventuais setores
industriais prejudicados com a nova ordem, sucateou a infraestrutura e os
equipamentos sociais e fragilizou o poder regulador do Estado.
"Para os formuladores dessa nova política não era mais
necessário o velho Estado Nacional para organizar seus interesses: isso
seria feito a partir do mercado e da economia globalizada".
[10]
Essa política econômica viria sepultar as possibilidades de um
papel protagonista da chamada burguesia nacional em qualquer processo de
transformação social e política no Brasil, tanto porque a
grande maioria do setor estatal da economia foi entregue ao grande capital
internacional e à burguesia associada, quanto porque o neoliberalismo
reduziu severamente a participação do capital nacional na
economia. Em função da abertura econômica e da
valorização por longo período do
Real
, vários setores do capital nacional desapareceram ou ficaram muito
fragilizados, como o setor de autopeças, brinquedos,
eletroeletrônico, têxtil, entre outros, ou ainda se transformaram
em rentistas ou comerciantes de produtos internacionais, quando venderam suas
empresas ao capital estrangeiro.
1.2 A formação social
Do ponto de vista social, é importante também analisarmos os
aspectos históricos que marcaram nossa formação para
compreendermos a atual sociedade brasileira, as marcas permanentes que vinculam
as classes dominantes à impunidade, ao racismo, ao desrespeito aos
trabalhadores, à falta de democracia nas relações
capital-trabalho e aos baixos salários que se pagam no Brasil, bem como
às causas das debilidades organizativas e ideológicas dos
trabalhadores. Temos no Brasil uma classe dominante obtusa, autoritária,
viciada na baixa remuneração do trabalho e ao desrespeito aos
direitos e garantias dos trabalhadores. Ao mesmo tempo deve-se registrar um
baixo nível de sindicalização e organização
dos trabalhadores e uma massa enorme de subempregados que ao longo de nossa
história têm a sobrevivência como único horizonte de
suas preocupações.
Durante todo o período colonial, tanto no ciclo da economia
açucareira quanto no ciclo do ouro, todo o trabalho foi realizado com
mão-de-obra escrava, capturada na África e trazida ao Brasil nos
porões infectos dos navios negreiros, sendo que boa parte morria nesse
percurso e tinham seus corpos lançados no Atlântico
[11]
. Os sobreviventes, ao chegarem ao Brasil, eram vendidos como animais de carga
aos donos dos engenhos, das minas e das fazendas. Vivendo nas senzalas,
trabalhando de sol a sol no plantio, colheita e moagem da
cana-de-açúcar, nas minas de ouro ou nas fazendas de café,
tratados brutalmente, surrados e seviciados pelas conveniências dos
senhores escravagistas, seu tempo médio de vida útil era de cerca
de 10 anos. Os
senhores
dispunham não apenas da força de trabalho, mas da própria
vida dos escravos e não eram raras as mortes e assassinatos daqueles que
se rebelavam nas fazendas.
Mesmo com a independência e a libertação dos escravos, as
classes dominantes sempre encontraram uma maneira de disciplinar os
trabalhadores e reprimir suas manifestações, tanto que até
a década de 30 do século XX a questão social era tratada
como caso de polícia.
[12]
No período da economia cafeeira, os proprietários rurais ainda
conseguiram prolongar por cerca de meio século o trabalho escravo nas
fazendas de café. As pequenas economias rurais, o artesanato e a
mão-de-obra livre não puderam assim se desenvolver porque tanto a
Metrópole no período colonial quanto os imperadores herdeiros da
Coroa portuguesa não tinham interesse no desenvolvimento de uma economia
industrial.
No período de transição da mão-de-obra escrava para
o trabalho assalariado, as classes dominantes encontraram uma fórmula
para obstruir a constituição de um mercado de trabalho livre,
quando influenciaram o governo a subvencionar a imigração de
europeus ao Brasil numa quantidade muito maior do que a necessário para
as lavouras do café.
[13]
Com isso, formou-se um expressivo exército de reserva, o que
possibilitou às classes dominantes da época pagar baixos
salários aos trabalhadores livres. Não raro esses trabalhadores
entravam em conflito com os barões do café que os queriam tratar
com a truculência do período escravagista.
A revolução de 1930, apesar das conquistas sociais como o
salário mínimo, as férias e descanso semanal remunerado,
além de outros direitos, criou um sindicalismo vinculado ao Estado, no
qual os sindicatos só poderiam funcionar se fossem aprovados pelo
Ministério do Trabalho. Essa medida contribuiu para a
formação dos
sindicatos amarelos
(no Brasil chamado de pelegos), atrelado ao governo e aos patrões e
pouco dispostos à luta de classes. Esse tipo de sindicalismo criou
raízes tão profundas que até hoje a maior parte do
sindicalismo brasileiro pode ser considerado
pelego.
A ditadura militar decretou um conjunto de medidas não apenas
restritivas ao sindicalismo e aos direitos dos trabalhadores, mas
principalmente o confisco permanente dos salários. Ainda nos anos de
chumbo, o governo militar prendeu, torturou, perseguiu e assassinou dirigentes
sindicais, realizou intervenções nos sindicatos e, na
prática, proibiu o direito de greve, uma vez que a
legislação era tão restritiva que inviabilizava qualquer
movimento grevista. Isso sem levar em conta o fato de que organizar os
trabalhadores, tanto nas empresas quanto nos sindicatos, significava um enorme
risco de morte para os sindicalistas. Foi nesse ambiente que prosperou o
sindicalismo amarelo,
assistencialista, desligado das bases, o que contribuiu de maneira definitiva
para que a ditadura militar instituísse reajustes salariais abaixo da
inflação, cujo resultado foi a consolidação de uma
economia de baixos salários e a brutal concentração de
renda
[NR]
[14]
no País.
Outro aspecto peculiar das classes dominantes brasileiras, que marca seu
profundo autoritarismo, é o fato de que o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) foi obrigado a atuar na ilegalidade por cerca de 62 anos, tanto nos
período de ditadura quanto nos governos civis. Fundado em 1922, logo
depois passaria a atuar na clandestinidade e somente nos anos de 1946 e parte
de 1947 pode atuar legalmente. Em 1947 foi colocado novamente na ilegalidade,
seus parlamentares perderam o mandato em todo o País, e só veio a
conquistar existência legal novamente em 1986, com a
redemocratização. Como os comunistas são os principais
interessados na organização e educação dos
trabalhadores, a existência ilegal do PCB dificultou a
formação da consciência de classe dos trabalhadores no
Brasil, contribuindo assim para o atraso ideológico e organizativo ainda
hoje existentes.
Essa conjuntura se tornou mais complexa com a implementação do
neoliberalismo e da reestruturação produtiva nos anos 90 no
Brasil. Como ocorreu no mundo inteiro, o neoliberalismo, do ponto de vista
social, significou uma vingança de classe da burguesia contra os
trabalhadores. Sem a âncora soviética, o capital se sentiu
à vontade para avançar sobre direitos e garantias dos
trabalhadores, reduzir salários e pensões e praticar uma ofensiva
contra as liberdades sindicais.
Os empresários passaram a reduzir os salários, desestimular
abertamente a organização dos trabalhadores nos sindicatos e
praticar generalizadamente a cooptação de dirigentes sindicais.
Os meios de comunicação completaram esse processo semeando a
confusão ideológica, incentivando abertamente o individualismo e
a possibilidade quimérica dos trabalhadores terem no capitalismo a
oportunidade de montar o seu próprio negócio e, para
disfarçar o assalariamento e as contradições de classes,
os trabalhadores passaram a ser tratados como "colaboradores" e
não mais empregados, tudo isso como o objetivo de camuflar o
assalariamento, a exploração e as contradições de
classe.
Outra característica das classes dominantes brasileiras é seu
apego ao patrimonialismo. Mesmo com o desenvolvimento do capitalismo e a
constituição de monopólios em praticamente todos os
setores da economia, parcela expressiva dos grupos econômicos brasileiros
ainda possui controle familiar. O
Votorantim,
por exemplo, maior grupo privado brasileiro, pertence apenas a uma
família, os Ermírios de Moraes. Mas isso não é
exceção. Se observarmos os principais grupos privados, poderemos
constatar o quanto os grupos familiares ainda controlam o grande capital no
País.
[15]
Em outras palavras, esse conjunto de fatores econômicos e sociais, que se
acumulam desde o período colonial, deixou marcas profundas nas classes
dominantes brasileiras. Trata-se de um bloco social que se formou viciado na
impunidade e na prática de afastar o povo das decisões
econômicas e políticas. Essas classes também ganharam
enorme experiência em realizar acordos por cima (pacto das elites) como
forma de se antecipar às rupturas sociais e econômicas. Foi assim
na época da independência, quando o imperador que aqui ficara em
substituição ao monarca-pai que voltara a Portugal, proclamou a
independência, antecipando-se ao movimento nativista. Assim também
ocorreu com a libertação dos escravos, a
proclamação da República, revolução de 1930
e com o processo de redemocratização na segunda metade da
década de 80 do século passado.
Em função dessas características, as classes dominantes
brasileiras, que já orbitavam sob a lógica do grande capital
internacional, quer associadas, quer ligadas aos fluxos de comércio e
das finanças internacionais, perderam completamente a possibilidade
realizar sequer as reformas que já foram realizadas por seus
congêneres em outras partes do mundo. Copiam como papagaios os valores
dos países centrais e parcela significativa se envergonha até de
sua condição de brasileiro; preferiam ter nascido nos Estados
Unidos ou Europa. Apavoradas com qualquer possibilidade de mudanças no
Brasil, guardam parcela expressiva de seus recursos financeiros nos
paraísos fiscais espalhados pelo mundo a fora. Portanto, não
têm condições de cumprir nenhum papel nem contra o
imperialismo e muito menos nas futuras transformações
econômicas e políticas que o País necessita.
2. As décadas de 80 e 90 e as mudanças estruturais
Ao longo dos anos 30 até o início de 1980 o Brasil teve um longo
ciclo de crescimento econômico, com taxas superiores ao desempenho da
maioria dos países capitalistas. Para se ter uma idéia do
dinamismo da economia brasileira, nesse período de meio século as
taxas de crescimento anuais médias do PIB registraram índice de
cerca de 6%.
[16]
Se levarmos em conta que em 1929 registrava-se o início do processo da
grande depressão mundial e, no Brasil, em 1930 iniciava-se a
revolução burguesa tenentista e, posteriormente, a Segunda Guerra
Mundial, portanto um período de grande turbulência
econômica, a economia brasileira foi marcada por um longo período
de crescimento econômico continuado. Essa dinâmica pode ser melhor
observada a partir de meados dos anos 40. Por exemplo, entre 1947, quando foram
efetivamente iniciadas as aferições estatísticas no
País, pela Fundação Getúlio Vargas, e 1980, quando
se encerrou o longo ciclo sócio-econômico iniciado em 1930,
poderemos constatar que a economia brasileira teve um crescimento médio
acima de 7% ao ano.
Tratou-se, portanto, de um Kondratiev inteiro de crescimento econômico,
mas essa performance seria truncada bruscamente nos anos 80 e 90, quando a
economia marcou uma trajetória completamente diferente, com a
regressão de todos os indicadores econômicos e sociais.
Observou-se nos anos 80 e 90 uma queda impressionante no Produto Interno Bruto
(que registrou um crescimento anual médio nestas duas décadas de
apenas 2,5%), aumento do desemprego, redução nos rendimentos dos
trabalhadores e flexibilização de seus direitos, elevada
concentração de renda
[NR]
e uma queda visível no padrão de vida da
população, além da privatização de maior
parte do patrimônio público. O processo de
estagnação econômica destas duas décadas perdidas
foi um período atípico na economia brasileira moderna e só
pode ter ocorrido em função de circunstâncias muito
especiais, grande parte delas ligadas às relações de
subordinação da economia brasileira às economias centrais,
além dos percalços da própria dinâmica do modelo
econômico brasileiro.
2.1 Os anos 80, recessão e desorganização da economia
O final dos 70 e início dos anos 80 foi marcado por grave crise
econômica, em função da dívida externa. Com o
aumento brusco da taxa de juros nos Estados Unidos e a redução
dos refinanciamentos por parte dos credores internacionais, a economia
brasileira entrou em colapso, tendo em vista a incapacidade do País de
pagar ao serviço da dívida nas novas condições da
conjuntura internacional.
[17]
A situação se tornou tão grave que foi necessário
um
empréstimo ponte
do governo dos Estados Unidos para o Brasil não quebrar. Diante dessa
situação, ainda sob o jugo da ditadura militar, o governo
realizou um programa de ajustes predatórios, sob
orientação do Fundo Monetário Internacional, que
desorganizou a estrutura econômica do País, iniciando assim a mais
grave crise continuada da história contemporânea do País.
Entre as principais medidas implantadas pela ortodoxia monetarista constavam a
desvalorização da moeda e fortes estímulos à
exportação, o corte nos gastos e investimentos públicos, o
aumento das taxas de juros e a contração do crédito e um
violento arrocho salarial. Essas medidas visavam redirecionar a economia para o
mercado externo, de forma a gerar superávits comerciais, com os quais o
País deveria pagar os serviços da dívida externa. O
resultado dessa política foi a maior recessão da história
econômica brasileira, a retração do mercado interno e a
regressão de todos os indicadores econômicos e sociais.
A violenta recessão pode ser visualizada no crescimento médio
anual negativo do PIB de 2,1% entre 1981 e 1983 (-4,3, em 1981; 0,8% em
1982; e -2,9%, em 1983) um aumento acentuado do desemprego, queda nos
rendimentos dos salários e ampliação da barbárie
social. Nos outros anos da década de 80 os resultados não foram
melhores. Mesmo levando em conta que na segunda metade dos anos 80 (1986 e
1987) foi implantado um plano de estabilização (Cruzado) que
retomou por dois anos as taxas de crescimento históricas do País,
o crescimento médio anual do PIB da década foi de apenas 1,7%,
cerca de quatro vezes menor que a média do pós-guerra, um
desempenho medíocre que inverteu uma longa trajetória
histórica de crescimento desde a década de 30. (tabela 1).
Tabela 1- PIB a preços de mercado e PIB per capita, 1981 1990
Ano
|
A preços de 2011
(R$ milhões)
|
Variação real
(%)
|
Deflator implícito
(%)
|
A preços correntes
(US$ milhões)
|
População
(milhões)
|
PIB per capita
|
A preços de 2011
(R$)
|
Variação real
(%)
|
A preços correntes
(US$)
|
1981
|
1.802.452
|
-4,3
|
100,5
|
258.553
|
121.213
|
14.870
|
-6,3
|
2.133
|
1982
|
1.817.412
|
0,8
|
101,0
|
271.252
|
123.885
|
14.670
|
-1,3
|
2.190
|
1983
|
1.764.162
|
-2,9
|
131,5
|
189.459
|
126.573
|
13.938
|
-5,0
|
1.497
|
1984
|
1.859.427
|
5,4
|
201,7
|
189.744
|
129.273
|
14.384
|
3,2
|
1.468
|
1985
|
2.005.373
|
7,8
|
248,5
|
211.092
|
131.978
|
15.195
|
5,6
|
1.599
|
1986
|
2.155.576
|
7,5
|
149,2
|
257.812
|
134.653
|
16.008
|
5,4
|
1.915
|
1987
|
2.231.668
|
3,5
|
206,2
|
282.357
|
137.268
|
16.258
|
1,6
|
2.057
|
1988
|
2.230.329
|
-0,1
|
628,0
|
305.707
|
139.819
|
15.952
|
-1,9
|
2.186
|
1989
|
2.300.807
|
3,2
|
1.304,4
|
415.916
|
142.307
|
16.168
|
1,4
|
2.923
|
1990
|
2.200.722
|
-4,3
|
2.737,0
|
469.318
|
146.593
|
15.013
|
-7,1
|
3.202
|
Fonte: Banco Central, Relatório Anual, 2011.
Enquanto a economia permanecia estagnada, as exportações cresciam
de maneira extraordinária, chegando a fechar a década com
superávits comerciais superiores a US$ 10 mil milhões na
média anual entre 1983 e 1990 (Tabela 2). Esse fenômeno se explica
pelo fato de que os cortes nos gastos e investimentos públicos, o
aumento das taxas de juros e a redução do poder de compra dos
salários reduziram o mercado interno, o que forçou as empresas a
compensarem a queda no consumo nacional mediante as vendas externas, fato que
foi estimulado pelas políticas governamentais de incentivo às
exportações, como a desvalorização da moeda e os
créditos-prêmio aos exportadores. Com os superávits
comerciais, o governo passou a ter condições de pagar os
compromissos da dívida externa. Ou seja, o ajuste predatório da
economia brasileira na década de 80 foi feito única e
exclusivamente para satisfazer os interesses dos banqueiros internacionais,
credores do Brasil.
Tabela 2- Exportações brasileiras, 1980 1990
Ano
|
Exportações (FOB)
|
Importações (FOB)
|
Saldo Comercial
|
1980
|
20.132,4
|
22.955,2
|
-2.822,8
|
1981
|
23.293,0
|
22.090,6
|
1.202,4
|
1982
|
20.175,1
|
19.395,0
|
780,1
|
1983
|
21.899,3
|
15.428,9
|
6.470,4
|
1984
|
27.005,3
|
13.915,8
|
13.089,5
|
1985
|
25.639,0
|
13.153,5
|
12.485,5
|
1986
|
22.348,6
|
14.044,3
|
8.304,3
|
1987
|
26.223,9
|
15.051,9
|
11.172,0
|
1988
|
33.789,4
|
14.605,3
|
19.184,1
|
1989
|
34.383,0
|
18.263,0
|
16.120,0
|
1990
|
31.413,8
|
20.661,0
|
10.752,8
|
Fonte: IBGE
2.2 Os anos 90 e o neoliberalismo
Se a crise dos anos 80 foi grave, os anos 90 vêm marcar não
só a continuidade da estagnação econômica, mas
especialmente uma mudança de qualidade no processo de
acumulação do Brasil. Nos anos 90 construiu-se uma nova forma de
relacionamento entre o grande capital internacional, a grande burguesia
associada, especialmente as frações ligadas à
órbita financeira e vinculadas ao bloco no governo, e o próprio
Estado brasileiro. Influenciados pelo Consenso de Washington e buscando
recuperar o tempo perdido em função da impossibilidade de
implantar plenamente os ajustes neoliberais na década de 80,
[18]
os dois governos da década de 90 (Collor e FHC) realizaram a
fórceps, em tempo recorde e de maneira radical, a agenda neoliberal no
Brasil.
As modificações profundas ocorridas na economia brasileira nos
anos 90 estavam em sintonia com as mudanças que também aconteciam
no plano internacional, uma vez que, a partir dos governos Reagan e Tatcher,
consolidou-se nos países centrais o poder dos setores do grande capital
mais ligadas ao capital especulativo. De forma semelhante, também houve
no Brasil uma recomposição entre as classes dominantes, cujas
frações ligadas ao capital financeiro e articuladas com a nova
política do Estado, não apenas amealharam as principais empresas
públicas, como subordinaram os outros blocos de capitais à
política neoliberal.
As medidas neoliberais começaram a ser implementadas a partir de 1990,
com o governo Collor, que iniciou a abertura da economia brasileira ao
exterior, fez a reforma administrativa, extinguiu vários
órgãos públicos e demitiu funcionários, privatizou
várias empresas estatais e avançou contra direitos e garantias
dos trabalhadores.
[19]
No entanto, a corrupção generalizada daquele governo fez com que
a opinião pública se mobilizasse e, numa campanha de massas
histórica, conseguisse o
impeachment
do presidente, um fato sem precedentes na história do País.
Collor foi substituído por Itamar Franco, que deu continuidade de
maneira meio envergonhada, em função de seu passado nacionalista,
à política neoliberal.
Mas os ajustes neoliberais propriamente ditos foram realizados de maneira plena
a partir da implantação do Plano Real e da eleição
de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1994. O Plano Real conseguiu deter a
inflação, estabilizar a economia e fortalecer a moeda nacional
numa paridade igual ao dólar, o que possibilitou ao governo enorme
popularidade. Com o respaldo popular e apoio maciço da mídia
nacional e internacional, o governo FHC reuniu as condições
suficientes para realizar as reformas neoliberais e articular um projeto que
unificou a burguesia associada, disciplinou eventuais setores prejudicados com
a nova ordem e derrotou a resistência dos trabalhadores
[20]
e de vários setores da sociedade contrários a essa agenda.
Os dois mandatos de FHC representaram uma mudança radical na economia do
País: o governo reformou a Constituição para
ajustá-la à nova ordem neoliberal e favorecer ao capital
estrangeiro; aprofundou a abertura da economia ao exterior; impôs a Lei
de responsabilidade Fiscal, pela qual os governo só poderiam gastar
até 60% do orçamento com pagamento de pessoal; o regime de metas
de inflação e superavit primário, câmbio flutuante,
aumento das taxas de juros e independência do Banco Central, com o
objetivo de privilegiar o capital financeiro; retirou os entraves à
mobilidade de capitais oriundos do exterior; realizou a reforma administrativa,
que cortou direitos e garantias dos trabalhadores; a reforma da
previdência, que ampliou o tempo de trabalho para a aposentadoria e
reduziu os benefícios; flexibilizou as leis trabalhistas e realizou uma
cruzada contra os salários dos trabalhadores.
Um destaque especial deve ser dedicado à política de
privatizações: o governo FHC privatizou todo o setor
siderúrgico, o setor petroquímco, as
telecomunicações, o setor elétrico, setor de
fertilizantes, a marinha mercante, o setor ferroviário, os bancos
estaduais, quebrou o monopólio estatal do petróleo, envolvendo as
principais empresas públicas brasileiras, dentre elas as
empresas-símbolos do processo de industrialização
brasileiro.
[21]
O processo de privatização foi uma espécie de
operação selvagem: realizado em meio a comprovadas
denúncias de corrupção entre compradores e vendedores, os
preços das empresas foram subavaliados por consultorias internacionais,
o BNDEs (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, um banco
estatal) financiou parcela expressiva das privatizações e os
compradores ainda puderam pagar parte da dívida com
moedas podres
(títulos depreciados no mercado, mas que entravam no pagamento com valor
de face).
O resultado dos oito anos de governo neoliberal foi a continuidade da
estagnação econômica do País, com o Produto Interno
Bruto registrando um crescimento médio anual de apenas 2,5% (Tabela 3),
um aumento do desemprego a patamares próximos a 20% da
população nas regiões metropolitanas,
concentração da renda e profunda queda no padrão de vida
da população. Como herança ainda do Plano real, em
função da abertura econômica, vários setores
industriais desapareceram ou ficaram bastante fragilizados, como
autopeças, brinquedos, calçados, têxtil,
eletro-eletrônico, entre outros. A endividamento público do Estado
aumentou de R$ 62,5 mil milhões em 1994 para R$ 881 mil milhões
em 2002, último do governo FHC.
Tabela 3- PIB a preços de mercado e PIB per capita, 1991 2002
Ano
|
A preços de 2011
(R$ milhões)
|
Variação real
(%)
|
Deflator implícito
(%)
|
A preços correntes
(US$ milhões)
|
População
(milhões)
|
PIB per capita
|
A preços de 2011
(R$)
|
Variação real
(%)
|
A preços correntes
(US$)
|
1991
|
2.223.389
|
1,0
|
416,7
|
405.679
|
149.094
|
14.913
|
-0,7
|
2.721
|
1992
|
2.211.303
|
-0,5
|
969,0
|
387.295
|
151.547
|
14.592
|
-2,2
|
2.556
|
1993
|
2.320.205
|
4,9
|
1.996,1
|
429.685
|
153.986
|
15.068
|
3,3
|
2.790
|
1994
|
2.456.003
|
5,9
|
2.240,2
|
543.087
|
156.431
|
15.700
|
4,2
|
3.472
|
1995
|
2.559.740
|
4,2
|
93,9
|
770.350
|
158.875
|
16.112
|
2,6
|
4.849
|
1996
|
2.614.787
|
2,2
|
17,1
|
840.268
|
161.323
|
16.208
|
0,6
|
5.209
|
1997
|
2.703.044
|
3,4
|
7,6
|
871.274
|
163.780
|
16.504
|
1,8
|
5.320
|
1998
|
2.703.999
|
0,0
|
4,2
|
843.985
|
166.252
|
16.264
|
-1,5
|
5.077
|
1999
|
2.710.870
|
0,3
|
8,5
|
586.777
|
168.754
|
16.064
|
-1,2
|
3.477
|
2000
|
2.827.605
|
4,3
|
6,2
|
644.984
|
171.280
|
16.509
|
2,8
|
3.766
|
2001
|
2.864.735
|
1,3
|
9,0
|
553.771
|
173.808
|
16.482
|
-0,2
|
3.186
|
2002
|
2.940.882
|
2,7
|
10,6
|
504.359
|
176.304
|
16.681
|
1,2
|
2.861
|
Fonte: Banco Central. Relatório anual, 2011
Em resumo, as duas décadas de estagnação representaram
enorme regressão econômica e social e bloqueram uma
trajetória histórica de crescimento econômico que vinha se
realizando desde os anos 30, isso no momento em que a economia mundial
implantava novos ramos industriais que viriam a comandar a dinâmica da
indústria internacional, como a microeletrônica, a engenharia
genética e biotecnologia, as tecnologias da informação, a
robótica, a utilização de novos materiais, a
nanotecnologia. Foram severas perdas estratégicas para uma
nação que iniciara tardiamente seu processo de
industrialização. Estudo que realizamos sobre o período
demonstra que, caso o Brasil tivesse continuado a crescer a taxas médias
anuais de 7% ao ano, como ocorreu do pós-guerra até 1980, o
Produto Interno Bruto do País e a renda
[NR]
per capita teriam registrado crescimento de cerca de três vezes mais que
o PIB de 2002 (Tabela 4).
2.3 Lula e a consolidação dos grandes grupos econômicos
O início do século XXI colocaria novamente para a sociedade
brasileira uma disjuntiva sócio-econômica: continuar a ortodoxia
das duas últimas décadas ou buscar alternativas para o modelo
econômico. Estas duas opções se expressaram nas
candidaturas de Luis Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos
Trabalhadores e José Serra, pelo PSDB (Partido da Social-Democracia
Brasileira). Majoritariamente, a sociedade brasileira optou por um novo rumo no
modelo econômico, com a eleição de Lula. Pela primeira vez
na história brasileira um operário iria assumir a
presidência da República.
No entanto, quem esperava as mudanças há muito reivindicadas pela
sociedade e pelos trabalhadores deve ter ficado bastante frustrado, pois o
antigo operário, nos dois mandatos em que exerceu a presidência,
manteve na essência o modelo neoliberal na economia e fortaleceu e
consolidou os grandes grupos econômicos, mediante um processo de
fusões e aquisições articuladas e financiadas pelo Estado.
Como contraponto residual à governança para o grande capital,
Lula desenvolveu políticas de retomada do crescimento econômico, o
que incorporou ao emprego formal expressivo contingente de trabalhores,
aumentou o salário mínimo e realizou um conjunto de
políticas compensatórias, focadas na pobreza extrema.
A mudança estratégica no programa do Partido dos Trabalhadores
(PT) fora se gestando lentamente à medida que o PT ia galgando postos na
institucionalidade e se consolidou às vésperas das
eleições de 2002, quando Lula divulgou a
Carta ao Povo Brasileiro,
na qual se comprometia a respeitar os contratos e manter a estabilidade
econômica, "hoje um patrimônio de todos os brasileiros";
as contas públicas sob controle; e "preservar o superávit
primário o quanto for necessário".
[22]
Ao mesmo tempo em que procurava acalmar o mercado (o grande capital), o texto
já prenunciava a nova política que deveria ser implementada no
governo, muito diferente das bandeiras históricas do Partido dos
Trabalhadores.
Ao longo do primeiro mandato, Lula não só manteve a
política neoliberal, como as metas de inflação,
câmbio flutuante, elevadas taxas de juros, autonomia operacional do Banco
Central, como ampliou ainda mais o superávit primário de 3,83% do
PIB para 4,84%,
[23]
para surpresa até mesmo do mercado financeiro, como renovou por mais
dois anos os acordos com o Fundo Monetário Internacional.
[24]
Realizou ainda a reforma da previdência, que aumentou ou o tempo de
trabalho para que os trabalhadores pudessem se aposentar, instituiu o fator
previdenciário,
[25]
reduziu os benefícios dos aposentados e aprovou a Lei das
Falências, que inverte as prioridade de pagamentos das massas falidas
agora a prioridade é o pagamento das dívidas ao sistema
bancário, em detrimento do pagamento aos trabalhadores, ao
contrário do que ocorria antes.
Mesmo mantendo o núcleo duro das medidas neoliberais, Lula iniciou
também um movimento visando reorientar a economia no sentido do
crescimento econômico, de forma a incorporar as frações a
burguesia industrial que foram alijadas das decisões econômicas e
políticas no governo anterior. Mesmo que ainda tenha existido alguns
resquícios secundários de privatições, como um
banco estadual que sobrara do governo FHC, concessões de rodovias,
além das parcerias público-privadas, as
privatizações selvagens do governo anterior foram contidas.
Além disso, o governo desenvolveu uma política externa mais
autônoma que possibilitou a prospecção de novos
espaços para atuação de grandes grupos econômicos
brasileiros no exterior, especialmente nas franjas da periferia, como
América Latina, Oriente Médio e África, muito embora tenha
enviado tropas ao Haiti na vã esperança de ganhar a simpatia dos
EUA e uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Além disso, contribuiu para o processo de
integração da América Latina, com a formação
da Unasul (União das Nações Sulamericnas), fortalecimento
do Mercosul, com a entrada da Venezuela, além da
consolidação do G-20, como contraposição ao antigo
G-7.
Ainda no primeiro mandato começou-se a verificar uma silenciosa mas
importante mudança na correlação de forças no
interior do bloco hegemônico, o que se consolidou no segundo mandato: o
setor produtivo da economia passou a exercer maior influência na
construção da política industrial do País. Essa
mudança foi marcada por uma nova política de Estado no sentido de
estabelecer uma parceria conflitiva entre os várias
frações das classes dominantes, com um aumento expressivo da
participação dos grandes grupos do setor produtivo industrial e
do agro-negócio nas decisões econômicas do governo, muito
embora o setor financeiro tivesse continuado a obter ainda lucros
extraordinários e com largas parcelas de poder na
formulação das políticas econômicas, especialmente
no Banco Central.
Mediante uma política de financiamentos e aporte de capitais
através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), da utilização dos fundos de pensão paraestatais e
das empresas públicas, o governo desenvolveu uma agressiva
ação no sentido de coordenar, financiar, articular e reunir
condições para o fortalecimento dos grupos privados e estatais
nacionais, de forma a constituir grandes
players globais
com capacidade de inserção na economia globalizada. Essa
política envolveu um processo de concentração e
centralização de capitais, mediante fusões e
aquisições entre as empresas de capital majoritariamente
nacional, visando criar as chamadas "campeãs nacionais" (Tbela
5), o que foi conseguido em vários segmentos da economia, bem como a
decisão das empresas estatais de comprar preferencialmente componentes e
equipamentos de empresas nacionais.
Tabela 4- PIB real, PIB potencial, renda per capita e população,
1980-2002
Ano
|
PIB a Preços de 2002
|
Variação real
|
Crescimento acumulado 1980=100
|
Crescimento acumulado com 7% ao ano
1980=100
|
PIB Potencial com 7% anual
|
PIB per capita a preços de 2002
|
Variação real
|
População em milhões
|
PIB per capita potencial
|
1980
|
845 387
|
-
|
100
|
100
|
845387
|
7 130
|
7
|
118,6
|
7128
|
1981
|
809 458
|
-4,3
|
95,7
|
107
|
904564
|
6 678
|
-6,3
|
121,2
|
7463
|
1982
|
816 176
|
0,8
|
96,47
|
114,49
|
967884
|
6 588
|
-1,3
|
123,9
|
7812
|
1983
|
792 262
|
-2,9
|
93,67
|
122,5
|
1035635
|
6 259
|
-5
|
126,6
|
8180
|
1984
|
835 045
|
5,4
|
98,73
|
131,08
|
1108130
|
6 460
|
3,2
|
129,3
|
8570
|
1985
|
900 587
|
7,8
|
106,43
|
140,26
|
1185699
|
6 824
|
5,6
|
132
|
8983
|
1986
|
968 041
|
7,5
|
114,41
|
150,07
|
1268698
|
7 189
|
5,4
|
134,7
|
9419
|
1987
|
1 002 213
|
3,5
|
118,41
|
160,58
|
1357507
|
7 301
|
1,6
|
137,3
|
9887
|
1988
|
1 001 612
|
-0,1
|
118,29
|
171,82
|
1452532
|
7 164
|
-1,9
|
139,8
|
10390
|
1989
|
1 033 263
|
3,2
|
122,08
|
183,85
|
1554210
|
7 261
|
1,4
|
142,3
|
10922
|
1990
|
988 316
|
-4,3
|
116,83
|
196,72
|
1663004
|
6 696
|
-7,8
|
147,6
|
11267
|
1991
|
998 495
|
1
|
118
|
210,49
|
1779414
|
6 660
|
-0,5
|
149,9
|
11871
|
1992
|
993 068
|
-0,5
|
117,41
|
225,22
|
1903973
|
6 524
|
-2
|
152,2
|
12510
|
1993
|
1 041 974
|
4,9
|
123,16
|
240,98
|
2037252
|
6 744
|
3,4
|
154,5
|
13186
|
1994
|
1 102 960
|
5,9
|
130,43
|
257,85
|
2179859
|
7 035
|
4,3
|
156,8
|
13902
|
1995
|
1 149 546
|
4,2
|
135,91
|
275,9
|
2332449
|
7 229
|
2,8
|
159
|
14669
|
1996
|
1 180 108
|
2,7
|
139,58
|
295,22
|
2495721
|
7 319
|
1,2
|
161,2
|
15482
|
1997
|
1 218 714
|
3,3
|
144,18
|
315,88
|
2670421
|
7 455
|
1,9
|
163,5
|
16333
|
1998
|
1 220 322
|
0,1
|
144,33
|
337,99
|
2857351
|
7 365
|
-1,2
|
165,7
|
17244
|
1999
|
1 229 907
|
0,8
|
145,48
|
361,65
|
3057365
|
7 325
|
-0,5
|
167,9
|
18209
|
2000
|
1 283 539
|
4,4
|
151,88
|
386,97
|
3271381
|
7 544
|
3
|
170,1
|
19232
|
2001
|
1 301 705
|
1,4
|
154,01
|
414,06
|
3500378
|
7 551
|
0,1
|
172,4
|
20304
|
2002
|
1 321 490
|
1,5
|
156,32
|
443,04
|
3745404
|
7 567
|
0,2
|
174,6
|
21451
|
Fonte: Banco Central. Projeções do autor
Tabela 5- Fusões e Aquisições no governo Lula, 2002-2010
2002
|
395
|
2003
|
337
|
2004
|
415
|
2005
|
389
|
2006
|
573
|
2007
|
721
|
2008
|
645
|
2009
|
643
|
2010
|
787
|
Fonte: PWC, Relatório Fusões e Aquisições. Dez. 2010
Também no segundo mandato o governo estimulou de maneira acentuada o
processo de internacionalização de grandes grupos
econômicos privados e estatais, com o objetivo de ocupar espaços
nas áreas da periferia em que o Brasil mantém influência
econômica e política. Esse conjunto de ações viria a
se completar com uma política externa com certo grau de autonomia
relativa nas relações internacionais, na qual o Itamaraty
não só se distanciava dos aspectos mais duros da política
norte-americana, mas principalmente buscava abrir espaço para
negócios dos grupos brasileiros na América Latina, Oriente
Médio e África. A política de concentração e
centralização de capitais também se estendeu para o campo,
onde o agronegócio ligado ao processamento industrial das
matérias-primas e à produção de
commodities
passou a hegemonizar as relações econômicas no campo.
Essa política foi praticada em função da pressão
dos grupos brasileiros diante da necessidade de sobrevivência num mundo
globalizado e altamente competitivo. No entanto, produziu uma
reestruturação quantitativa e qualitativa no capitalismo
brasileiro em praticamente todos os ramos da economia, cujo resultado foi a
formação de grandes conglomerados empresariais com
atuação monopolista não epanas no mercado interno, mas
também com presença forte em algumas áreas internacionais,
formando assim as chamadas multinacionais verde-amarelas.
[26]
Ressalte-se ainda a elevada concentração e
centralização de capitais no País: para se ter uma
idéia do grau de concentração da economia brasileira basta
dizer que o volume bruto de vendas dos 100 maiores grupos em 2010 foi de 56% do
PIB, um percentual semelhante ao verificado nos países centrais.
Em outras palavras, o governo Lula, conscientemente, contribuiu para a
mudança de qualidade do capitalismo brasileiro, com o fortalecimento dos
grandes grupos economicos industriais, financeiros e do agronegócio (o
que vem sendo seguido pelo governo Dilma); procurou estabelecer um novo
posicionamento do Brasil no cenário internacional para atuar nas novas
áreas de influência e de representação internacional
que possibilitasse ao Brasil ter voz nos principais centros de decisões
dos organismos internacionais, como o G-20, Unasul, Mercosul. Para realizar
esses objetivos, o governo desenvolveu uma estratégia forte no sentido
de capacitar instituições, empresas e bancos do Estado para
tornar realidade um novo papel do Brasil no cenário internacional.
3. O capitalismo monopolista atual
Em outros termos, as modificações profundas que ocorreram na
sociedade brasileira nas últimas sete décadas mudaram
profundamente o perfil sócio-econômico do País. O Brasil
transitou em tempo recorde de uma nação
agrário-exportadora para o capitalismo monopolista, onde os grandes
conglomerados empresariais dominam praticamente todos os ramos da economia.
Ocorreu nesse período uma migração extraordinária
do campo para a cidade: em 1940 a maioria da população brasileira
vivia no campo, enquanto atualmente 80% da população residem nas
cidades. A classe operária e o proletariado em geral, que eram pouco
expressivos nesse período, cresceram também de maneira
extraordinária, concentrando-se nas grandes empresas da região
Sudeste.
O Brasil possui hoje um parque industrial desenvolvido, e uma agricultura com
elevado grau de inserção tecnológica. Possui ainda um
setor de serviços moderno, tanto na área do comércio
quanto das finanças; tem ainda uma vasta rede logística que
corresponde às necessidades do processo do acumulação e
uma estrutura de comunicação social (TV, rádio, internet,
jornais, etc.) que cobre todo o território nacional. Mesmo manipulados
diariamente pelas classes dominantes e a serviço de seus interesses,
podem ser importantes ferramentas para a difusão da
informação e do conhecimento voltado para os interesses
populares, bem como para a propaganda revolucionária quando o
País estiver sob o controle dos trabalhadores.
Com essas condições, a transição do sistema
capitalista para o socialismo encontrará um País em plenas
condições para construir a sociedade socialista desenvolvida a
partir de bases que nenhuma outra nação que fez a
revolução anteriormente possuía. Além de possuir
meios de produção em condições de abastecer a
sociedade de bens e serviços, o Brasil tem terra em abundância
ainda inexplorada; sol o ano inteiro, que permite a produção de
duas ou três safras anuais; água também em
abundância; todas as matérias-primas necessária ao processo
de produção, inclusive os metais raros utilizados nas tecnologias
da informação e outros ramos produtivos sofisticados, e uma
mão-de-obra jovem e disposta ao trabalho. É bem verdade que em
todos os processos revolucionários há um período de
transição entre a desagregação da velha ordem e
construção da nova sociedade, onde ocorre certa
desorganização da produção, reduzindo-se as
possibilidades de utilização de todo o potencial do País.
Mas tão logo os trabalhadores consolidem o poder, já encontram as
bases materiais para a construção da nova sociedade socialista.
3.1 A base material ou as condições objetivas
Em termos práticos, é importante detalharmos mais precisamente as
condições objetivas do capitalismo brasileiro para compreendermos
o grau de desenvolvimento sócio-econômico que possibilitará
a construção do socialismo desenvolvido. O Brasil alcançou
um Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de US$ 2,4 milhões de
milhões em 2010, desempenho que transformou o País na sexta maior
economia do mundo. Há elevada integração entre a
indústria de máquinas e equipamentos, a indústria
intermediária e a indústria de bens de consumo. As
relações capitalistas modernas consolidaram-se no campo,
modernizando as grandes propriedades, que se especializaram na
produção de
commodities
principalmente para o mercado externo. Hoje o Brasil produz 130 milhões
de toneladas de grãos, tornando-se um dos maiores exportadores na
área da agropecuária e possui ainda o maior rebanho bovino do
mundo. Mesmo tendo sido realizada em marcha forçada, com a
expulsão de milhares de camponeses de suas terras e
destruição de grande parte da pequena propriedade isolada, hoje a
agricultura brasileira está plenamente incorporada ao processo de
desenvolvimento capitalista.
A maior parte da população brasileira (cerca de 80%) vive nas
cidades, especialmente nas metrópoles e grandes
aglomerações com mais de 100 mil habitantes, portanto com um grau
de urbanização típico das sociedades industriais, muito
embora os níveis de pobreza sejam bastante acentuados em
função da perversa distribuição de renda. Para se
ter uma idéia do grau de metropolização da sociedade
brasileira basta dizer que as 20 maiores cidades brasileiras possuem uma
população de cerca de 40 milhões de habitantes, cerca de
um quinto da população nacional.
A classe operária brasileira é numerosa e concentrada,
especialmente na região Sudeste e Sul, que reúne mais de 70% dos
operários da indústria de transformação. Mas com o
desenvolvimento do capitalismo nas duas últimas décadas hoje
há vastos contingentes de operários fabris nas regiões
Norte e Nordeste, em função do deslocamento de centenas de
fábricas do Sudeste para essas regiões. Para uma
população economicamente ativa de 92 milhões de pessoas,
os trabalhadores ligados diretamente à produção
(indústria e construção) somam 20,5 milhões. A
esses trabalhadores podem ser adicionados aqueles que trabalham em atividades
auxiliares à produção (transporte, armazenagem,
comunicação), que são 4,4 milhões. Portanto, um
proletariado do setor produtivo de cerca de 26 milhões de trabalhadores.
(Tabela 6).
Do ponto de vista econômico, o capitalismo brasileiro atingiu elevado
grau de monopolização. Para termos uma idéia da
concentração do capital no País, basta analisar o perfil
dos 100 maiores grupos que atuam internamente. Em 2010 esses grandes
conglomerados obtiveram um faturamento bruto correspondente a cerca de 56% do
PIB, ou seja, os 100 maiores grupos econômicos faturaram no ano analisado
mais da metade de toda a economia brasileira. Se desagregarmos um pouco mais
esta análise, veremos que os 20 maiores grupos tiveram um faturamento
correspondente a 35% do PIB, enquanto os 10 maiores apresentaram um desempenho
correspondente a cerca de um quarto do PIB, cerca de 25% no mesmo
período.
[27]
Tabela 6- Trabalhadores com 10 anos ou mais, por setor de atividade principal e
grandes regiões, ocupados na semana de referência - 2009
Trabalho Principal
|
Brasil
|
(%)
|
Norte
|
Nordeste
|
Sudeste
|
Sul
|
Centro-Oeste
|
Agrícola
|
15 175
|
17
|
1 390
|
7 200
|
3 469
|
2 591
|
1 064
|
Indústria
|
13 598
|
14,7
|
792
|
2 277
|
6 941
|
2 759
|
829
|
Indústria de transformação
|
12 815
|
13,8
|
733
|
2 096
|
6 561
|
2 654
|
771
|
Construção
|
6 895
|
7,4
|
555
|
1 671
|
3 083
|
1 010
|
575
|
Transporte Armazenagem e Comunicação
|
4 438
|
4,8
|
293
|
894
|
2 256
|
687
|
306
|
Comércio e Reparação
|
16 484
|
17,8
|
1 318
|
4 151
|
7 077
|
2 647
|
1 292
|
Alojamento e Alimentação
|
3 623
|
3,9
|
289
|
889
|
1 700
|
472
|
274
|
Administração Pública
|
4 754
|
5,1
|
508
|
1 266
|
1 812
|
652
|
516
|
Educação, Saúde e Serviços Sociais
|
8 681
|
9,4
|
631
|
2 078
|
4 052
|
1 279
|
642
|
Serviços Domésticos
|
7 223
|
7,8
|
495
|
1 755
|
3 332
|
999
|
643
|
Outros Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais
|
3 928
|
4,2
|
252
|
876
|
1 927
|
576
|
298
|
Outras Atividades
|
7 150
|
7,7
|
322
|
1 221
|
3 893
|
1 114
|
599
|
Atividades Mal Definidas
|
202
|
0,2
|
44
|
89
|
52
|
16
|
2
|
Total
|
92 689
|
100
|
6 889
|
24 367
|
39 592
|
14 802
|
7 040
|
Fonte: PNAD, 2011
Em outros termos, a performance dos grandes grupos econômicos demonstra o
avançado estágio de concentração e
centralização do capital a que chegou o capitalismo brasileiro,
semelhante às economias dos países centrais. Além de
concentrado, o capitalismo brasileiro é integrado nacionalmente, como a
verticalização das cadeias produtivas (tanto na indústria
quanto na agropecuária), com a vantagem ainda de o país possuir
em seu subsolo a grande maioria das matérias primas necessárias
ao processo de produção, especialmente aquelas oriundas das
terras raras.
Outro dado importante a ser compreendido para aferir a maturidade do
capitalismo brasileiro, é o fato de que a dinâmica da economia
é puxada pelo setor industrial monopolizado. As vendas brutas dos grupos
industriais que atuam no País representaram em 2010 cerca de 50% de
faturamento bruto dos 100 maiores grupos. Mesmo que nos últimos anos a
política neoliberal de favorecimento ao sistema financeiro tenha sido
hegemônica e prejudicado o desenvolvimento industrial, o parque
industrial brasileiro têm plenas condições de suprir as
necessidades de toda população se construirmos um outro sistema
social.
Tabela 7- PIB brasileiro e faturamento dos 100 maiores grupos em 2010
|
PIB em R$ milhões
(Preços de 2010)
|
(%)
|
Produto Interno Bruto (1)
|
3.674.964
|
100,00
|
Faturamento dos 100 maiores Grupos
|
2.056.126
|
55,95
|
Indústria
|
1.024.876
|
27,89
|
Finanças
|
483.578,90
|
13,16
|
Serviços
|
398.100
|
10,83
|
Comércio
|
149.570
|
4,07
|
Fonte: Grandes Grupos:
Valor Econômico.
Banco Central. Reltório anual, 2011. (1) Elaboração do
autor
A agropecuária brasileira possui as distorções
típicas de um capitalismo retardatário, mas hoje está
plenamente integrada aos circuitos do capitalismo internacional. O Brasil
é o maior produtor mundial de café, açúcar, suco de
laranja, biodísel, além de carne bovina e de frango, o que coloca
o País entre os cinco maiores exportadores de alimentos do planeta. O
agronegócio, organizado em grandes propriedades, responde pela grande
maioria dessa produção, mas a agricultura familiar ainda é
responsável pelo abastecimento de parcela expressiva dos produtos
básicos, como arroz, feijão, mandioca e leite. As
relações de produção no campo, apesar de ainda
existirem traços arcaicos, como meieiros, arrendatários,
parceiros, e trabalho semelhante ao de escravo em regiões isoladas,
são hoje hegemonizadas pelo assalariamento agrícola,
ressaltando-se que as pequenas propriedades, a agricultura familiar, os
assentados e outras formas residuais de organização da
produção estão subordinados à lógica das
relações capitalistas e não têm
condições de sobrevivência fora do circuito do mercado
capitalista.
Do ponto de vista dos serviços, o País também reúne
as condições de uma economia desenvolvida. Possui um sistema
financeiro monopolista, onde os 10 principais grupos dominam os negócios
financeiros, além do fato de que esse sistema possui capilaridade
nacional. Trata-se de um sistema moderno, sofisticado, com elevado nível
de automação bancária. No entanto, esse sistema, apesar de
controlar as transações financeiras, não cumpre plenamente
as funções de intermediação do financiamento para o
setor industrial, uma vez que a grande maioria dos empréstimos é
realizada no curto prazo, com elevadas taxas de juros, o que termina
inviabilizando o investimento industrial. Quem cumpre o papel de financiador do
investimento industrial e da infraestrutura é um banco estatal, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que realiza
financiamento de longo prazo para a indústria, a taxas bem menores que
as taxas dos bancos comerciais. No entanto, esse imenso conglomerado
financeiro, ao passar para o controle dos trabalhadores, já reúne
todas as condições para desempenhar as funções de
ligação entre o sistema financeiro, a indústria, o Estado
e a população.
No setor de distribuição dos bens e serviços, há
também elevado processo de monopolização. Ficou para
trás o tempo em que os bens eram vendidos nas pequenas unidades
distribuidoras (mercearias, quitandas ou nas padarias). Hoje, as principais
cadeias de supermercados e lojas de departamento cobrem todo o
território nacional e são responsáveis pela
distribuição da grande maioria das mercadorias vendidas para a
população. Do ponto de vista da superestrutura, o País
conta com uma rede e telecomunicações moderna, que possibilitou a
construção de meios de comunicações estruturados
em cadeias nacionais, com a televisão do rádio e da internet
alcançando todo o território nacional. O País possui
autonomia energética no que se refere ao petróleo e energia
hidroelétrica, é o maior produtor de biodiesel e um dos maiores
produtores de álcool.
No que se refere às universidades e centros de pesquisa, há no
País um conjunto de universidades de excelência internacional, que
vem formando uma massa crítica de pesquisadores com imenso potencial
para o desenvolvimento científico e tecnológico do País.
Mesmo levando em conta que os recursos destinados à
educação são insuficientes, pois não chegam a 10%
do PIB, o Brasil possui um imenso potencial científico. No setor de
pós-graduação conta com 2,7 mil cursos, 1,5 mil dos quais
são programas de mestrado e doutorado das universidades públicas.
Nos últimos dez anos, o País dobrou o número de mestres e
doutores formados nas universidades. Em 2001 formavam-se anualmente 26 mil
mestres e doutores, em 2010, esse número aumentou para 53 mil mestres e
doutores, o que significa uma massa crítica em condições
de desenvolver a pesquisa científica no País.
[28]
Além disso, existem ainda centros de pesquisa de qualidade
internacional não só nas universidades como em institutos de
pesquisa autônomos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), responsável por grande parte do
desenvolvimento da agropecuária brasileira, e o INPE (Instituto Nacional
de Pesquisa Espacial), que já detém a tecnologia para a
construção e lançamento de satélites. Esse
contingente de cientistas e pesquisadores, numa outra perspectiva de ordem
social, poderá alavancar de maneira impressionante a pesquisa no
interesse dos trabalhadores.
A este conjunto de fatores, recentemente veio aliar-se as descobertas de
petróleo nas bacias do pré-sal, o que transformará o
Brasil num grande exportador de petróleo, semelhante aos países
árabes, uma vez que o País já possui a
autosuficiência nesse setor. A renda do petróleo do pré
sal, administrada por um governo socialista, acelerará de maneira
extraordinária a construção do socialismo desenvolvido no
País.
4.1 Um país rico com um povo pobre
A construção industrial do Brasil nos últimos 70 anos,
realizada em marcha forçada, com uma classe dominante refratária
à incorporação das massas ao mercado de bens e
serviços e ao exercício de seus direitos políticos, com
dois longos períodos de ditadura aberta do capital, criou no País
uma sociedade profundamente desigual, com dramática
concentração da renda, uma economia de baixos salários e
imensos bolsões de miséria e pobreza nas várias
regiões do País, configurando um modelo
sócio-econômico bárbaro, cuja expressão são
as legiões de miseráveis que vivem das migalhas oferecidas pelo
governo, como o Bolsa Família, ou dos trabalhadores pobres,
desempregados ou com trabalho precário nas grandes metrópoles.
O nível de concentração de renda do Brasil é
semelhante ao dos países mais pobres do mundo, apesar do País ser
a sexta economia do planeta em termos de Produto Interno Bruto. Para se ter uma
idéia, os 10% mais ricos da população obtiveram, em 2009,
42,5% da renda nacional, enquanto os 5% mais ricos da população
brasileira amealharam um percentual de renda acima de 30% e os 1% mais ricos do
País possuíam 10 vezes mais renda que 50% mais pobres (Tabela 8).
São esses dados que explicam a estreiteza do mercado interno, a
violência urbana, a marginalidade social e a imensa desigualdade da
sociedade brasileira.
Tabela 8- Distribuição pessoal da renda
[NR]
, 1999-2009
Grupo
|
1999
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
10% mais pobres
|
1,0
|
1,0
|
1.0
|
1,0
|
1,0
|
1,0
|
1,0
|
1,1
|
1,2
|
1,2
|
20% mais pobres
|
3,3
|
3,3
|
3,4
|
3,4
|
3,5
|
3,6
|
3,6
|
3,9
|
4,0
|
4,0
|
50% mais pobres
|
14,5
|
14,8
|
14,9
|
15,5
|
16,0
|
16,3
|
16,5
|
17,2
|
17,6
|
17,8
|
10% mais ricos
|
45,7
|
46,1
|
46,1
|
45,3
|
44,6
|
44,7
|
44,5
|
43,3
|
42,7
|
42,5
|
5% mais ricos
|
33,1
|
33,4
|
33,0
|
32,7
|
31,7
|
32,0
|
31,7
|
30,7
|
30,4
|
30,3
|
1% mais ricos
|
13,2
|
12,5
|
13,3
|
12,9
|
12,7
|
13,0
|
12,8
|
12,4
|
12,3
|
12,4
|
Fonte:PNAD/Dieese
Para se ter uma idéia do grau de miséria de vastos contingentes
da população brasileira, basta constatar que no Brasil existem
cerca de 53 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, 23
milhões dos quais em miséria extrema. Além da pobreza,
existe um grande contingente, especialmente nas grandes
aglomerações urbanas, que moram em habitações muito
precárias. Há no País 16,5 milhões de
residências em favelas e habitações precárias, nas
quais residem 52,3 milhões de pessoas, sem infraestrutura e com
má qualidade de vida.
Só mesmo um modelo econômico bárbaro pode ter produzido um
quadro social tão dramático. Não é
concebível um país com terra em abundância, água em
abundância, sol o ano inteiro, detentor de praticamente todas as
matérias primas para o processo de produção, sem
terremotos, tufões, maremotos ou grandes catástrofes naturais,
não tenha condições de proporcionar uma vida digna para
toda a população. Um dos principais desafios da nova ordem
socialista a ser construída no Brasil é exatamente reverter em
tempo rápido esse quadro social, extinguindo a miséria,
construindo uma sociedade próspera, desenvolvida e com elevado
padrão de vida para todos. As bases materiais para essa nova sociedade
já existem, o que está faltando é o controle
político dos trabalhadores sobre a riqueza da nação.
4. A necessidade de criação das condições subjetivas
Antes que alguém atire a primeira pedra, é importante ressaltar
que a existência das condições objetivas, da base material
avançada, não significa que estamos às vésperas da
revolução socialista. As condições materiais
significam muito, porque representam o lastro sob o qual vai se desenvolver a
luta de classes no País, as bases materiais nas quais a classe
operária e o proletariado vão construir a nova sociedade, mas
isso é apenas uma parte da questão, porque sem que as
condições subjetivas estejam maduras não haverá
revolução.
As condições objetivas são dadas pelo desenvolvimento das
forças produtivas e da sociedade, portanto independem da vontade das
pessoas, das organizações políticas e sociais, mas as
condições subjetivas fazem parte de um estatuto mais complexo,
requerem um conjunto de condições que são
construídas no terreno da luta de classes, no grau de
conscientização dos trabalhadores e na ação da
vanguarda revolucionária, bem como na crise do capital. Ao longo do
processo de calmaria, a luta de classes fica restrita às
reivindicações específicas, os trabalhadores vão se
exercitando na luta por seus interesses objetivos, na atuação
sindical, em greves localizadas. Trata-se de um aprendizado importante, mas se
ficar apenas no terreno das conquistas parciais, há a possibilidade real
de se cair no reformismo, se contentar com as migalhas oferecidas pelo capital,
uma vez que a classe operária não adquire a consciência
espontaneamente.
Como dizia Lenin, a consciência do proletarido não é
produto mecânico de sua condição de classe, pois na
sociedade burguesa os trabalhadores são influenciados pela cultura
dominante que, com seus meios de comunicação e seu aparato
ideológico diariamente procura manipular as informações, o
ensino e a cultura no sentido de manutenção da ordem burguesa.
Nesse conjuntura, o proleriado é influenciado pelos valores da sociedade
capitalista. Lenin explica que a supremacia da sociedade burguesa no
capitalismo se consolida porque a ideologia burguesa é muito mais antiga
que a ideologia proletaria, e, principalmente, porque possui meios de
difusão incomparáveis maior e mais numeroso que a do
proletariado.
Nas condições espontâneas d luta de classe, a
consciência proletária não vai além da luta pelos
interesses imediatos, que se expressam na luta sindical e nas lutas
específicas por maiores salários e melhores
condições de vida. Portanto, a consciência
revolucionária só pode ser adquirida de fora, mediante o trabalho
ideológico do partido revolucionário no sentido de educar e
orientar o proletariado para a revolução socialista."A
consciência política de classe não pode ser levada ao
operário senão do exterior, isto é, de fora da luta
econômica, de fora das relações entre operários e
patrões. A única esfera de onde se poderá extrarir esses
conhecimentos é o das relações de todas as classes e
camadas com o Estado e o governo, na esfera das relações de todas
as classes entre si ... A história de todos os países comprova
que a classe operária, valenbdo-se exclusivamente de suas forças,
só é capaz de elaborar uma consciência trade-unionista, ou
seja uma convicção de que é preciso reunir-se em
sindicatos, lutar contra os patrões, cobrar do governo a
promulgação de umas e outras leis necessárias aos
operários."
[29]
Por isso, é fundamental e imprescindível a ação da
vanguarda revolucionária para organizar os trabalhadores, elevar seu
grau de consciência política, educá-los no sentido
classista, organizá-los para a superação do capitalismo. A
organização revolucionária possui um papel
estratégico na construção das condições
subjetivas da revolução, pois o partido condensa todo o
aprendizado da luta de classes realizada ao longo de vários anos. Por
sua experiência, tem mais capacidade de transformar as lutas
econômicas em lutas políticas, elaborar uma estratégia e
tática para a revolução e formar no proletariado a
consciência da necessidade de tomada do poder político, como
condição imprescindível para a emancipação
do conjunto dos trabalhadores.
Em outras palavras, o papel do Partido como vanguarda estratégica do
proletariado, como operador político coletivo dos trabalhadores, como
síntese dos objetivos da classe operária continua com uma
atualidade extraordinária, apesar dos modismos teóricos e
fetiches ideológicos dos escribas pós-modernistas. Isso porque as
entidades sociais, por mais combativas que sejam, têm limites
políticos, sociais e de representatividade, não possuem a
densidade totalizante dos partidos políticos.
"Um sindicato, por mais combativo que seja, deve representar os interesses
dos trabalhadores que representa. Da mesma forma que uma entidade estudantil,
uma organização de moradores, de mulheres ou de homosexuais tem
como objetivo defender os interesses específicos de seus representados,
atuam nos limites institucionais da ordem burguesa. Somente o partido
político revolucionário, que se propõe a derrotar a ordem
capitalista e que junta em suas fileiras todos esses segmentos sociais, possui
condições para entender a totalidade da luta política e
lançar propostas globais para a transformação da
sociedade."
[30]
As condições subjetivas amadurecem no aprendizado da luta de
classes, mas podem emergir surpreendentemente nas crises prolongadas do
capital, quando vêem à tona todas as contradições do
capitalismo e quando torna-se mais claro o papel do Estado como organizador
coletivo das classes dominantes. Nesse processo, o aprendizado no teatro de
operações da luta de classes é rápido: os
trabalhadores ganham consciência mais rapidamente nos períodos de
crise que em longos anos de calmaria. A consciência e a
disposição para a luta desenvolvem-se aceleradamente. Nesse
período, a vanguarda revolucionária joga um papel determinante,
com sua experiência e orientação junto aos trabalhadores no
sentido da tomada do poder.
Por isso, a tarefa dos revolucionários no Brasil é construir
cotidianamente as condições subjetivas para a
revolução socialista brasileira, fazer a denúncia do
capitalismo, a propaganda do socialismo junto às massas, preparar-se
para assumir a direção política da sociedade. O socialismo
no Brasil poderá nascer a partir de bases econômicas
desenvolvidas, mas especialmente porque nosso socialismo terá uma
série de particularidades e singularidades políticas,
econômicas e sociais que poucos possuem. Será um socialismo com
sotaque carioca, paulista, mineiro, nordestino, gaúcho, pantaneiro, com
carnaval, samba, MPB, uma vasta cultura popular e uma sociedade
construída a partir da fusão de todas as raças.
Essa é a tarefa de todos os revolucionários brasileiros!
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www.ibge.gov.br
www.ipeadata.gov.br
Notas
1. Política econômica lançada por Vladimir Lênin no
início da revolução bolchevique na URSS, com o objetivo
aumentar a produção do País.
2. Para melhor compreensão do período colonial, consultar as
obras clássicas sobre a formação econômico do
Brasil. PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. São
Paulo Brasiliense, 1976; FURTADO, Celso. Formação Econômica
do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SODRE, Nelson Werneck.
Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil. Belo Horizonte:
Oficina de Livros, 1990.
3. Um dos aspectos desse pacto de elites era a chamada política do
café com leite, pela qual São Paulo tinha direito de eleger um
presidente da República por um mandato, sendo que o mandato seguinte
deveria ser exercido por um presidente oriundo de Minas Gerais.
4. Um exemplo típico desse processo foi a criação das
empresas brasileiras de autopeças (na época, a grande maioria de
capital nacional), que nasceram umbilicalmente ligadas ao processo de
fornecimento de peças e componentes para as multinacionais da
indústria automobilística, o setor mais dinâmico da
economia no período, portanto inteiramente subordinadas à
lógica do capital multinacional.
5. Para maior informação sobre as lutas sociais e
políticas desse período, consultar: MONIZ BANDEIRA. O Governo
João Goulart As lutas Sociais no Brasil, 1961-1964. Sobre os dois
projetos, consultar: COSTA, Edmilson. A Política Salarial no Brasil.
São Paulo: Boitempo Editorial, 1997.
6.
Declaração sobre a Política do PCB, março de 1958,
pg. 5. Essa Declaração rompia com o Manifesto de Agosto de 1950,
considerado pela então direção do PCB como sectário
e esquerdista, pois propunha o sindicalismo paralelo e a resistência
armada quando necessário, dependendo da região do País.
7. Idem, pg. 5
8. Idem, pg. 5
9. O processo de privatizações do governo FHC foi eivado pela
corrupção generalizada, desde a subavaliação de
preços das empresas, negociatas entre dirigentes governamentais e
compradores das empresas públicas, além do fato de que o governo,
através do BNDEs, financiou grande parte das aquisições
dessas empresas pelo capital privado. Ressalte-se ainda que parte do pagamento
dessas empresas foi realizado com as chamadas
moedas podres
(títulos depreciados no mercado, mas recebidos pelo valor de face no
pagamento ao governo). Para conhecimento do processo de
privatizações, consultar: Biondi, Aloysio.
O Brasil Privatizado,
Vol. I e II. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. E
A privataria tucana.
São Paulo: Geração Editorial, 2011.
10. Costa, Edmilson. A conjuntura e a luta política no Brasil
contemporâneo. www.economes.info
11. Nesses três séculos de escravidão vieram ao Brasil
cerca sete milhões de africanos e cerca de um ou dois milhões
morreram na viagem em consequência das más condições
de vida nos porões dos navios.
12. Tornou-se famosa a frase do ex-presidente Washington Luis (1926-1930), que
resumia bem seu entendimento sobre os conflitos sociais no Brasil. Referindo-se
aos movimentos rebeldes na segunda metade da década de 20, ele
afirmaria: "A questão social é um caso de
polícia".
13. Os trabalhadores eram recrutados numa Europa com promessas de que aqui no
Brasil teriam emprego garantido e a possibilidade de se transformarem em
proprietários rurais.
14. Rui Mauro Marini levanta uma hipótese teórica que pode ser
aplicada como uma luva a esse período da ditadura militar. Ele afirma
que a dependência faz com as classes dominantes da periferia sejam
obrigadas a transferir parte de seus lucros para o capital estrangeiro,
mediante uma série de canais de dependência do País com o
exterior, como remessas de lucro, royalties, etc. Para compensar esse processo,
a burguesia paga salários internamente abaixo do valor da força
de trabalho.
15. Dos 100 principais grupos econômicos do País, parcela
expressiva é formada por grupos de controle familiar.
16. A taxa anual média de crescimento, entre 1930 e 1980, foi de 6% (
www.ipeadata.gov.br
). Acesso em 30 de setembro de 2012.
17. Na primeira metade da década de 70 os empréstimos brasileiros
foram contratados a taxas de juros muito baixas e em alguns anos negativas. Mas
como as clásulas previam o pagamento dos serviços da
dívida a taxa de juros flutuantes, vinculados à
prime
norte-americana, o aumento brusco dos juros nos Estados Unidos significou a
inviabilidade do pagamento do serviço da dívida brasileira.
(Costa. Edmilson. Um projeto para o Brasil. São Paulo:
Tecnocientífica, 2008).
18. Os ajustes monetaristas-neoliberais que estavam sendo implantados nos
países capitalistas desde o final da década de 70, com Reagan e
Tatcher, não puderam ser implantados no Brssil em função
de circunstâncias muito especiais. Na primeira metade dos anos 80 a
ditadura estava nos estertores e não tinha condições
políticas de implantar a política neoliberal. A segunda metade da
déca foi marcada pela redomocratização e pela
eleição da Assembléia Nacional Constituinte,
período no qual era impossível também prosperar os
postulados neoliberais.
19. Fernando Collor de Melo foi eleito presidente da República em 1989,
ao derrotar Luis Inácio Lula da Silva, o candidato do Partido dos
Trabalhadores. Apesar de ser um político desconhecido, a burguesia
brasileira, sem opções viáveis contra Lula, cerrou
fileiras em torno de Collor para evitar o mal maior, a eleição de
Lula, na época um combativo líder metalúrgico que
disputava a presidência com um amplo programa de reformas.
20. Um marco na derrota dos trabalhadores foi a greve dos petroleiros de 1995.
A exemplo de Tatcher e a repressão contra os mineiros ingleses e Reagan
e o endurecimento contra os controladores de vôo nos EUA, Fernando
Henrique Cardoso colocou todo o aparato repressivo contra os petroleiros, uma
das categorias mais organizadas do País e que atuava num setor
estratégico da economia, o petróleo. Apesar de todas as
ameaças e pressões, a greve continuava forte. Então FCH
convocou o Exército e invadiu as refinarias, prendeu os dirigentes
grevistas e realizou intervenção nos sindicatos, de forma a
quebrar a resistência dos trabalhadores e servir como exempo para outras
categorias. Com a derrota da greve no setor mais organizados dos trabalhadores,
foi aberto caminho para a disciplina do movimento sindical.
21. Em função das características históricas do
Brasil, onde o Estado foi o comandante-em-chefe do processo de
industrialização, as empresas públicas representavam cerca
de 40% da formação do Produto Interno Bruto do País.
22.
www2.fpa.org.br
. Carta ao Povo Brasileiro, junho de 2002. Acesso em 23 de
outubro de 2012.
23. O superávit primário é percentual do orçamento
(em relação ao PIB) que o governo se compromete a economizar para
pagar os juros do endividamento interno. Quanto maior o superávir
primário, maiores garantias terão os os detentores dos
títulos de que receberão seus pagamentos.
24. Souza, Nilson Araújo. Economia Brasileira Contemporâneo. Pgs.
299 e 300, São Paulo: Atlas, 2008
25. A reforma previdenciária de Lula completa a primeira Reforma da
Previdência realizada por FHC. Entre outros pontos, estabeleceu um teto
máximo para as aposentadorias (na época R$ 2.400,00), eliminou a
integralidade dos benefícios aos funcionmários públicos,
introduziu a taxação aos inativos e criou o fator
previdenciário, instrumento que define uma idade mínima para o
trabalhador se aposentar. Mesmo que a pessoa já tenha completado os 35
anos de tempo de trabalho, se não tiver completado 65 anos terá
seus rendimentos reduzidos mediante complexo cálculo baseado
esperança de vida do País.
26. De acordo com levantamento de publicações especializadas (as
Multinacionais Brasileiras
(Valor Econômico)
e Ranking das transnacionais brasileiras 2010: repensando as
estratégias globais (Fundação Dom Cabral) as
multinacionais brasileiras atuam em todos os continentes e as cinco maiores
delas têm a seguinte posição: Vale está presente em
33 países; Petrobrás, em 25; WEG, em 22; Camargo Corrêa, em
17; e Odebrecht, 16.
27. Grandes Grupos
Valor Econômico.
Ano 10, No. 10. Dez. 2011.
28. Dados divulgados pela Agência Brasil, a partir de Relatório da
Coodenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).
29. Lenin, Wladimir. Que fazer. Problemas candentes do nosso movimento. Pgs. 89
e 145. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
30. Costa, Edmilson. Os movimentos sociais e os processos
revolucionários na América Latina Uma crítica ao
pós-modernismo. Esse ensaio foi publicados em vários sites
internacionais em português e espanhol.
[NR] No Brasil chamam de renda a qualquer espécie de rendimento,
inclusive o salarial.
[*]
Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com
pós-doutorado na mesma
instituição. É autor, entre outros, de
A globalização e o capitalismo contemporâneo
(Expressão Popular, 2009),
Um projeto para o Brasil
(Tecno-Científica, 2008),
A política salarial no Brasil
(Boitempo, 2007) e
A crise econômica mundial, a globalização e
o Brasil
(Edições ICP). Professor universitário, é
diretor de pesquisa do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista
Novos Temas.
É também membro da Comissão Política
do Comitê Central do PCB. Este ensaio faz parte do seu último
livro.
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
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