Afeganistão: O pesadelo nuclear principia

por Davey Garland [*]

Bombardeamento no Afeganistão Quando há um ano atrás foram feitas perguntas no Parlamento britânico acerca da utilização de armas de urânio empobrecido (depleted uranium, DU) nos ataques militares ao Afeganistão, a resposta do ministro da Defesa Geoff Hoon's foi: "Não estão a ser utilizadas no presente".

Uns poucos dias antes, Hoon também fora vago acerca da questão, assegurando-nos que "Nenhuma força britânica actualmente envolvida em operações relativas ao Afeganistão está armada com munições de urânio empobrecido. Contudo, não rejeitamos a utilização de munições de urânio empobrecido no Afeganistão se a sua capacidade de penetração vier a ser considerada necessária".

O ministro da Defesa escondia o seu jogo, sem dúvida por ter sido informado de que o DU ou outras armas de urânio estavam a ser usadas pelos forças dos Estados Unidos (e sem dúvida pela britânicas) a fim de penetrar as cavernas de Tora Bora e outros objectivos (inclusive civis), sobretudo na vizinhança de Kabul.

A recusa do ministro da Defesa em admitir plenamente que perigosas armas de urânio podem ter sido usadas no Afeganistão e nos conflitos nos Balcãs (Bosnia e Kosovo), quando as evidências mostram o contrário, ilustra quão sensível é o governo quanto à possibilidade de que a utilização, ou a convivência com a utilização, de armas de destruição em massa possa ser descoberta.

Isto não se verifica só porque milhares de civis inocentes virão a sofrer devido ao envenenamento radiológico (e por metais pesados), mas também porque o governo está preparado para enviar tropas britânicas e trabalhadores de apoio, possivelmente para uma longa ocupação das zonas de guerra, mal equipados e vulneráveis à contaminação.

Quando a crise afegã principiou, muitos de nós acreditávamos que uma grande quantidade de urânio DU sujo seria utilizada a fim de atingir os objectivos da campanha americano-britânica, tanto para penetrar nos esconderijos da oposição em terreno rochoso como para testar novos sistemas de armas (o urânio sujo ou DU sujo contem contaminantes radiactivos, tais como os isótopos de plutonio, derivados do combustível gasto em reactores de potência). A quantidade utilizada no Afeganistão pode ter excedido em várias centenas de toneladas o urânio DU sujo utilizado na Guerra do Golfo de 1990-91 e nos conflitos dos Balcãs.

RELATÓRIO ASSUSTADOR

Um novo e assustador relatório baseado em investigações no Afeganistão indica que os nossos piores temores concretizaram-se. O estudo, elaborado pelo Uranium Medical Research Centre (UMRC), aponta para a probabilidade de uma grande parte da população ter sido exposta a pó e resíduos de urânio.

O Dr. Asaf Durakovic, professor de medicina nuclear e radiologia e antigo consultor de assuntos científicos do Exército dos EUA, que fundou a UMRC independente, tem estado a testar tropas e civis americanos, britânicos e canadianos quanto a envenenamento por DU e urânio ao longo dos últimos anos. As suas descobertas confirmaram quantidades significativas na urina das pessoas mesmo nove anos após a exposição.

Duas equipes científicas foram enviadas ao Afeganistão logo após o conflito em 2001-02. A primeira chegou em Junho de 2002, concentrando-se sobre a região de Jalalabad. A segunda chegou quatro meses depois, ampliando o estudo de forma a incluir a capital (Kabul), que tem uma população de 3,5 milhões de pessoas. A própria cidade contem o mais elevado número registado de alvos escolhidos no âmbito da Operação Liberdade Duradoura. Para as finalidades do estudo, foram examinadas as vizinhanças dos três maiores sítios de bombas.

Previa-se que as assinaturas do urânio empobrecido ou enriquecido estariam presentes na urina e nas amostras de solo colhidas durante a investigação. A equipe não estava preparada para o choque das suas descobertas, as quais indicavam tanto em Jalalabad como em Kabul que o DU estava possivelmente a causar os altos níveis de doenças assim como altas concentrações de urânio não-empobrecido. Testes efectuados junto a um certo número de pessoas de Jalalabad mostraram concentrações 400% a 2000% acima daquelas de populações normais, quantidades que nunca haviam sido registadas antes em estudos de civis.

As pessoas de Kabul que estiveram expostas directamente ao bombardeamento de precisão americano-britânico apresentavam sinais de contaminação extrema, consistentes com a exposição ao urânio e a alguns tipos de armamento químico e biológico. Isto incluía dores nas juntas, dores nas costas e nos rins, enfraquecimento dos músculos, problemas de memória, confusão e desorientação. Muitos destes sintomas são encontrados em veteranos e civis da Guerra do Golfo e dos Balcãs. Os que foram expostos ao bombardeamento relatam sintomas de doenças tipo resfriado, sangramento, gotejamento do nariz e mucosas manchadas de sangue.

A própria equipe de estudo queixou-se de sintomas semelhantes durante a sua permanência. A maior parte destes sintomas perdurou durante dias ou meses. A equipe também efectuou um exame preliminar, por amostragem, de crianças recém-nascidas e descobriu que pelo menos 25% pode estar a sofrer de problemas de saúde congénitos e pós-natais que podem ser associados à contaminação por urânio. Isto incluía músculos não desenvolvidos, cabeças grandes relativamente à dimensão do corpo, borbulhas na pele e letargia infantil. Considerando que as crianças tem acesso a níveis suficientes de alimentos, os sintomas não podiam ser devido à má nutrição.

Durakovic e a sua equipe investigaram possíveis causas alternativas, tais como fontes geológicas ou industriais, ou a possibilidade de a Al Qaeda ter reservas de urânio. Mas o urânio encontrado não é consistente com o cenário das "bombas sujas" proposto pelos EUA (em que a armazenagem de materiais radioactivos poderia explicar as descobertas), nem está conectado ao DU, ou a um pó de urânio do tipo enriquecido que foi encontrado no Iraque e no Kosovo).

A única conclusão é que as forças aliadas agora estão possivelmente a utilizar minério de urânio moédo nas suas ogivas para maximizar a efectividade e a força das suas armas, assim como para mascarar o urânio, esperando que isso possa ser considerado como parte de quaisquer depósitos naturais.

Contudo, diferenças nítidas entre urânio natural e urânio utilizado em fragmentos de metal achados no Afeganistão foram detectadas por meio de um microscópio electrónico. Este revelou a presença de pequenas partículas cerâmicas produzidas pelas altas temperaturas criadas com o impacto. Este método de disfarçar o urânio beneficiaria governos que estão sob a pressão crescentes dos grupos anti-DU.

Reiteradas advertências quanto a esta possível contaminação foram enviadas em Abril, tanto aos governos britânico como afegão, pelo investigador científico Dai Williams no seu relatório, "Mystery Metal in Afghanistan" . A advertência também foi enviada ao Programa das Nações Unidas para o Ambiente, à Organização Mundial de Saúde e à Oxfam. Todas elas ignoraram-no e nem sequer efectuaram as suas próprias investigações.

Recem-nascido no Iraque.  Os crimes nefandos do imperialismo americano afectam as gerações futuras. O Iraque apresenta informações e estudos que enfatizam as taxas de mortalidade crescentes entre os jovens, especialmente os recém-nascidos, indicando que a má nutrição e outras causas sociais não podem ser as únicas fontes atribuíveis deste fenómeno. Isto é confirmado por especialistas em saúde, observadores internacionais e uns poucos corajosos responsáveis de hospitais locais, os quais estão convencidos de que este aumento das doenças e das conformações defeituosas é devido às armas de urânio DU.

Em Outubro último Durakovic falou na estação de televisão al Jazeera, afirmando que a quantidade de urânio/DU utilizada no Afeganistão excedia de longe aquela dos conflitos passados. Ele também advertiu de que se a escala dos ataques no Afeganistão for alcançada ou excedida na próxima guerra no Iraque, então as consequências seriam de proporções aterradoras tanto para os civis como para as forças militares.

Este cenário tem substância, se o orçamento de US$ 393 mil milhões que o Congresso aprovou recentemente para defesa for levado em conta. Mais de US$ 15 milhões foram destinados a modificar bombas destruidoras de bunkers (bunker busters bombs) a fim de que tenham capacidade nuclear, o que dista muito do urânio que está a ser acrescentado a sistemas convencionais e destruidores de bunkers. O dinheiro também foi investido em outras armas de destruição em massa, incluindo armas termobáricas e electromagnéticas.

O movimento anti-guerra deve-se opor às armas radiológicas e às outras, bem como à investigação e ao acesso às fontes materiais. Muitos de nós viram fotografias de dilacerar o coração com deformidades e mortes no Iraque, e sabem da cada vez maior difusão do câncer na Bósnia e no Kosovo, para não mencionar os 80 mil americanos, 15 mil canadianos e milhares de britânicos, australianos, franceses e outras tropas que estão a suportar uma existência penosa com a Síndroma da Guerra do Golfo — além do número cada vez maior que sofre do seu equivalente balcânico.

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[*] Davey Garland é coordenador do Pandora DU Research Project, com sede na Grã-Bretanha. Sítio web em http:// www.pandoraproject.org . © Davey Garland, Green Left Weekly 2002. For fair use only. Tradução de J. Figueiredo.

Ver também Armas não-convencionais e estratégias de guerra dos EUA/NATO — O caso do urânio empobrecido , de Jorge Cadima.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

28/Dez/02