Afeganistão: O pesadelo nuclear principia
Quando há um ano atrás foram feitas perguntas no Parlamento
britânico acerca da utilização de armas de urânio
empobrecido
(depleted uranium, DU)
nos ataques militares ao Afeganistão, a resposta do ministro da Defesa
Geoff Hoon's foi: "Não estão a ser utilizadas no
presente".
Uns poucos dias antes, Hoon também fora vago acerca da questão,
assegurando-nos que "Nenhuma força britânica actualmente
envolvida em operações relativas ao Afeganistão
está armada com munições de urânio empobrecido.
Contudo, não rejeitamos a utilização de
munições de urânio empobrecido no Afeganistão se a
sua capacidade de penetração vier a ser considerada
necessária".
O ministro da Defesa escondia o seu jogo, sem dúvida
por ter sido informado de que o DU ou outras armas de urânio estavam a
ser usadas pelos forças dos Estados Unidos (e sem dúvida pela
britânicas) a fim de penetrar as cavernas de Tora Bora e outros
objectivos (inclusive civis), sobretudo na vizinhança de Kabul.
A recusa do ministro da Defesa em admitir plenamente que perigosas armas de
urânio podem ter sido usadas no Afeganistão e nos conflitos nos
Balcãs (Bosnia e Kosovo), quando as evidências mostram o
contrário, ilustra quão sensível é o governo quanto
à possibilidade de que a utilização, ou a convivência
com a utilização, de armas de destruição em
massa possa ser descoberta.
Isto não se verifica só porque milhares de civis inocentes
virão a sofrer devido ao envenenamento radiológico (e por metais
pesados), mas também porque o governo está preparado para enviar
tropas britânicas e trabalhadores de apoio, possivelmente para uma longa
ocupação das zonas de guerra, mal equipados e vulneráveis
à contaminação.
Quando a crise afegã principiou, muitos de nós
acreditávamos que uma grande quantidade de urânio DU sujo seria
utilizada a fim de atingir os objectivos da campanha americano-britânica,
tanto para penetrar nos esconderijos da oposição em terreno
rochoso como para testar novos sistemas de armas (o urânio sujo ou DU
sujo contem contaminantes radiactivos, tais como os isótopos de
plutonio, derivados do combustível gasto em reactores de
potência). A quantidade utilizada no Afeganistão pode ter
excedido em várias centenas de toneladas o urânio DU sujo
utilizado na Guerra do Golfo de 1990-91 e nos conflitos dos Balcãs.
RELATÓRIO ASSUSTADOR
Um novo e assustador relatório baseado em investigações no
Afeganistão indica que os nossos piores temores concretizaram-se. O
estudo, elaborado pelo
Uranium Medical Research Centre
(UMRC), aponta para a probabilidade de uma grande parte da
população ter sido exposta a pó e resíduos de
urânio.
O Dr. Asaf Durakovic, professor de medicina nuclear e radiologia e antigo
consultor de assuntos científicos do Exército dos EUA, que fundou
a UMRC independente, tem estado a testar tropas e civis americanos,
britânicos e canadianos quanto a envenenamento por DU e urânio ao
longo dos últimos anos. As suas descobertas confirmaram quantidades
significativas na urina das pessoas mesmo nove anos após a
exposição.
Duas equipes científicas foram enviadas ao Afeganistão logo
após o conflito em 2001-02. A primeira chegou em Junho de 2002,
concentrando-se sobre a região de Jalalabad. A segunda chegou quatro
meses depois, ampliando o estudo de forma a incluir a capital (Kabul), que tem
uma população de 3,5 milhões de pessoas. A própria
cidade contem o mais elevado número registado de alvos escolhidos no
âmbito da Operação Liberdade Duradoura. Para as finalidades
do estudo, foram examinadas as vizinhanças dos três maiores
sítios de bombas.
Previa-se que as assinaturas do urânio empobrecido ou enriquecido
estariam presentes na urina e nas amostras de solo colhidas durante a
investigação. A equipe não estava preparada para o choque
das suas
descobertas, as quais indicavam tanto em Jalalabad como em Kabul que o DU
estava possivelmente a causar os altos níveis de doenças assim
como altas concentrações de urânio não-empobrecido.
Testes efectuados junto a um certo número de pessoas de Jalalabad
mostraram concentrações 400% a 2000% acima daquelas de
populações normais, quantidades que nunca haviam sido registadas
antes em estudos de civis.
As pessoas de Kabul que estiveram expostas directamente ao bombardeamento de
precisão americano-britânico apresentavam sinais de
contaminação extrema, consistentes com a exposição
ao urânio e a alguns tipos de armamento químico e
biológico. Isto incluía dores nas juntas, dores nas costas e nos
rins,
enfraquecimento dos músculos, problemas de memória,
confusão e desorientação. Muitos destes sintomas
são encontrados em veteranos e civis da Guerra do Golfo e dos
Balcãs. Os que foram expostos ao bombardeamento relatam sintomas de
doenças tipo resfriado, sangramento, gotejamento do nariz e mucosas
manchadas de sangue.
A própria equipe de estudo queixou-se de sintomas semelhantes durante a
sua permanência. A maior parte destes sintomas perdurou durante dias ou
meses. A equipe também efectuou um exame preliminar, por amostragem, de
crianças recém-nascidas e descobriu que pelo menos 25% pode estar
a
sofrer de problemas de saúde congénitos e pós-natais que
podem ser associados à contaminação por urânio.
Isto incluía músculos não desenvolvidos, cabeças
grandes relativamente à dimensão do corpo, borbulhas na pele e
letargia infantil. Considerando que as crianças tem acesso a
níveis suficientes de alimentos, os sintomas não podiam ser
devido à má nutrição.
Durakovic e a sua equipe investigaram possíveis causas alternativas,
tais como fontes geológicas ou industriais, ou a possibilidade de a Al
Qaeda ter reservas de urânio. Mas o urânio encontrado não
é consistente com o cenário das "bombas sujas" proposto
pelos EUA (em que a armazenagem de materiais radioactivos poderia explicar as
descobertas), nem está conectado ao DU, ou a um pó de
urânio do tipo enriquecido que foi encontrado no Iraque e no Kosovo).
A única conclusão é que as forças aliadas agora
estão possivelmente a utilizar minério de urânio
moédo nas
suas ogivas para maximizar a efectividade e a força das suas armas,
assim como para mascarar o urânio, esperando que isso possa ser
considerado como parte de quaisquer depósitos naturais.
Contudo, diferenças nítidas entre urânio natural e
urânio utilizado em fragmentos de metal achados no Afeganistão
foram detectadas por meio de um microscópio electrónico. Este
revelou a presença de pequenas partículas cerâmicas
produzidas pelas altas temperaturas criadas com o impacto. Este método
de disfarçar o urânio beneficiaria governos que estão sob a
pressão crescentes dos grupos anti-DU.
Reiteradas advertências quanto a esta possível
contaminação foram enviadas em Abril, tanto aos governos
britânico como afegão, pelo investigador científico Dai
Williams no seu relatório,
"Mystery Metal in Afghanistan"
. A advertência também foi enviada ao Programa das
Nações Unidas para o Ambiente, à Organização
Mundial de Saúde e à Oxfam. Todas elas ignoraram-no e nem sequer
efectuaram as suas próprias investigações.
O Iraque apresenta informações e estudos que enfatizam as taxas
de mortalidade crescentes entre os jovens, especialmente os
recém-nascidos,
indicando que a má nutrição e outras causas sociais
não podem ser as únicas fontes atribuíveis deste
fenómeno.
Isto é confirmado por especialistas em saúde, observadores
internacionais e uns poucos corajosos responsáveis de hospitais locais,
os quais estão convencidos de que este aumento das doenças e das
conformações defeituosas é devido às armas de
urânio DU.
Em Outubro último Durakovic falou na estação de
televisão al Jazeera, afirmando que a quantidade de urânio/DU
utilizada no Afeganistão excedia de longe aquela dos conflitos passados.
Ele também advertiu de que se a escala dos ataques no
Afeganistão for alcançada ou excedida na próxima guerra no
Iraque, então as consequências seriam de proporções
aterradoras tanto para os civis como para as forças militares.
Este cenário tem substância, se o orçamento de US$ 393 mil
milhões que o Congresso aprovou recentemente para defesa for levado em
conta. Mais de US$ 15 milhões foram destinados a modificar bombas
destruidoras de bunkers
(bunker busters bombs)
a fim de que tenham capacidade nuclear, o que dista muito do
urânio que está a ser acrescentado a sistemas convencionais e
destruidores de bunkers. O dinheiro também foi investido em outras
armas de destruição em massa, incluindo armas termobáricas
e electromagnéticas.
O movimento anti-guerra deve-se opor às armas radiológicas e
às outras, bem como à investigação e ao acesso
às fontes materiais. Muitos de nós viram fotografias de
dilacerar o coração com deformidades e mortes no Iraque, e sabem
da cada vez maior difusão do câncer na Bósnia e no Kosovo,
para
não mencionar os 80 mil americanos, 15 mil canadianos e milhares de
britânicos, australianos, franceses e outras tropas que estão a
suportar uma existência penosa com a Síndroma da Guerra do Golfo
além do número cada vez maior que sofre do seu equivalente
balcânico.
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[*]
Davey Garland é coordenador do Pandora DU Research Project, com sede na
Grã-Bretanha. Sítio web em
http:// www.pandoraproject.org
. © Davey Garland, Green Left Weekly 2002. For fair use only.
Tradução de J. Figueiredo.
Ver também
Armas não-convencionais e estratégias de guerra dos EUA/NATO — O caso do urânio empobrecido
, de Jorge Cadima.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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