Capitalismo: Uma história fantasmática
É
uma casa ou um lar? Um templo para a nova Índia ou um
armazém para os seus fantasmas? Desde que Antilha chegou a Altamont
Road, em Bombaim, com mistério e ameaça silenciosa, as coisas
não têm sido as mesmas. "Aqui estamos nós", disse
o amigo que me levou lá, "preste homenagem ao nosso novo
soberano".
Antilha pertence ao homem mais rico da Índia, Mukesh Ambani. Eu
já havia lido sobre desta casa, a mais cara já construída,
com 27 andares, três heliportos, nove elevadores, jardins suspensos,
salões de festas, salas de espera, ginásios, seis andares de
estacionamento e os seiscentos serviçais. Nada me tinha preparado para a
relva vertical um muro alto de 27 andares de relva presa a uma
grade de metal. A relva estava seca, em fragmentos; pedaços haviam
caído em retângulos agradáveis de ver. Claramente, o efeito
Gotejamento (
Trickle-Down
) não funcionou.
Mas o Jorro Ascendente
(Gush-Up)
certamente funcionou. É por isso que em uma nação de 1,2
mil milhões de pessoas, as 100 mais ricas da Índia possuem ativos
equivalentes a um quarto do seu PIB.
A notícia a circular na rua (e no
New York Times
) é, ou pelo menos era, a de que, depois de todo este esforço e
jardinagem, os Ambani não moram em Antilha. Ninguém sabe ao
certo, mas as pessoas continuam a falar sobre fantasmas e má sorte,
vaastu
e
feng shui
. Talvez seja tudo culpa de Karl Marx (toda aquela maldição). O
capitalismo, ele disse, "conjurou gigantescos meios de
produção e troca, que parece com o feiticeiro que já
não é mais capaz de controlar os poderes do submundo que
invocou com seus feitiços".
Na Índia, os 300 milhões de nós que pertencem à
nova classe média "pós-reformas" do FMI, o mercado,
vivem lado a lado com os espíritos do submundo, os espíritos de
rios mortos, poços secos, montanhas insignificantes e florestas
descobertas; os fantasmas de 250 mil agricultores endividados que se
suicidaram, e dos 800 milhões que foram empobrecidos e despojados a fim de
abrir caminho para nós e que sobrevivem com menos de vinte rúpias
por dia.
Mukesh Ambani vale, ele próprio, 20 mil milhões de dólares
americanos. Ele detém ações maioritárias na
Reliance Industries Limited (RIL), uma empresa com uma
capitalização de mercado de 47 mil milhões de
dólares e interesses comerciais mundiais que incluem
petroquímica, petróleo, gás natural, fibra de
poliéster, zonas econômicas especiais, venda a retalho de
alimentos frescos, escolas, pesquisa das ciências da vida e
serviços de armazenamento das células-tronco. Recentemente, a RIL
comprou 95% das ações na Infotel, um consórcio da TV que
controla 27 noticiários televisivos e entretenimento, incluindo a CNN
IBN, IBN Live, CNBC, IBN Loquilômetrosat e ETV, em quase todas as
línguas regionais. A Infotel possui a única licença
nacional para a banda larga 4G, um "cabo de transferência de
informações" em alta velocidade que, se a tecnologia
funcionar, poderá ser o futuro da troca de informações.
Sr. Ambani é também dono de uma equipe de críquete.
A RIL é apenas uma de um conjunto de empresas que gerem a Índia.
Algumas outras são a Tata, Jindal, Vedanta, Mittal, Infosys, Essar,
além da Reliance (ADAG), propriedade de Anil, irmão de Mukesh.
Sua corrida pelo crescimento espalhou-se por toda a Europa, Ásia
Central, África e América Latina. Suas redes são amplas;
são visíveis e invisíveis, na superfície bem como
no subsolo. Os Tata, por exemplo, gerem mais de 100 empresas em 80
países. São uma das mais antigas e maiores empresas privadas de
energia da Índia. Eles são donos de minas, campos de gás,
siderúrgicas, redes de telefonia, TV a cabo e redes de banda larga, e
gerem municípios inteiros. Fabricam carros e caminhões,
são proprietários do Grupo Taj Hotel, Jaguar, Land Rover, Daewoo,
Tetley Tea, uma editora, uma cadeia de livrarias, uma grande marca de sal
iodado e o gigante de cosméticos Laquilômetros.
Seu slogan publicitário poderia facilmente ser: "Tu não
podes viver sem nós".
De acordo com as regras do Evangelho do Gush-Up, quanto mais se tem, mais se
pode ter. A era da privatização de tudo fez da economia indiana
uma das que mais crescem no mundo. No entanto, como qualquer boa colônia,
um dos seus principais produtos de exportação são os seus
minérios. As novas megaempresas da Índia Tata, Jindal,
Essar, Reliance, Sterlite são as que conseguiram forçar a
passagem para a cabeça da torneira que está a expelir o dinheiro
extraído das profundezas da terra. É um sonho tornado realidade
para os empresários, serem capazes de vender o que não têm
para comprar.
A
outra grande fonte de riqueza corporativa vem dos seus bancos de terra. Em
todo o mundo, fracos e corruptos governos locais ajudaram os corretores da Wall
Street, as empresas de agronegócio e bilionários chineses a
acumular grandes extensões de terra (evidentemente isso implica comandar
a água também). Na Índia, a terra de milhões de
pessoas está a ser adquirida e entregue às empresas privadas de
"interesse público", para as Zonas Econômicas Especiais,
projetos de infraestrutura, barragens, estradas, fabricação de
automóveis, centros químicos e corridas de Fórmula Um (a
santidade da propriedade privada nunca se aplica aos pobres). Como sempre,
à população local promete-se que sua
deslocação das próprias terras e a
desapropriação de tudo o que tinham é, realmente, parte da
geração de emprego. Todavia, como agora sabemos, a
ligação entre o crescimento do PIB e do emprego é um mito.
Depois de vinte anos de "crescimento", 60% da força de
trabalho da Índia é autoempregada, e 90% desta está no
setor informal.
Depois da independência, até a década de 1980, os
movimentos populares, que vão desde os naxalitas aos Sampoorna Kranti de
Jayaprakash Narayan, lutavam por reforma agrária, pela
redistribuição de terras dos senhores feudais para os camponeses
rurais sem terra. Hoje qualquer discussão sobre
redistribuição de terras ou de riqueza seria considerada
não só antidemocrática, mas, também, louca.
Até mesmo os movimentos mais atuantes se reduziram a uma luta para
manter a pequena parcela de terra que a população ainda tem. As
milhões de pessoas sem terra, a maioria delas
dalits
e
adivasis
, expulsas das suas aldeias e que vivem em cabanas e colônias de cabanas
em pequenas e megacidades, não figuram no discurso radical.
Enquanto o Gush-Up concentra riqueza na ponta de uma agulha brilhante em que
nossos bilionários rodopiam, rios de dinheiro ruem nas
instituições da democracia os tribunais, o Parlamento, bem
como os meios de comunicação comprometendo seriamente sua
capacidade de funcionar nos moldes para os quais foram feitos. Quanto mais
barulhenta for a festa em torno das eleições, menos certeza temos
de que a democracia realmente existe.
Cada escândalo novo de corrupção que surge na Índia
faz o último parecer leve ou insignificante. No verão de 2011, o
escândalo do espectro 2G veio a tona. Conforme exposto, as empresas
tinham desviado 4 mil milhões de dólares de dinheiro
público colocando-os nas mãos do ministro da União de
Telecomunicações que ousadamente cedeu a preço de banana a
licença para o espectro 2G de telecomunicação e
ilegalmente dividiu-o entre os amigos. As conversas telefônicas gravadas
que vieram a público pela imprensa mostraram como uma rede de
empresários e suas empresas de fachada, ministros, jornalistas seniores
e uma âncora de TV estavam envolvidos na facilitação desse
roubo à luz do dia. As fitas eram apenas uma ressonância
magnética que confirmou o diagnóstico já feito pelas
pessoas há muito tempo. Contudo, enquanto a privatização e
a venda ilegal do espectro de telecomunicação não envolvem
guerra, deslocamento nem devastação ecológica, a das
montanhas, rios e florestas da Índia envolve. Talvez porque ela
não tem a evidência de um escândalo direto
considerável, ou talvez porque tudo está a ser feito em nome do
"progresso" da Índia. Ela não tem a mesma
repercussão entre as classes médias.
Apenas alguns dias após os governos de Chhattisgarh, Orissa e Jharkhand
assinaram centenas de Memorandos de Entendimento (ME) com uma série de
empresas privadas tornando milhões de milhões de dólares
de bauxita, minério de ferro e outros minerais em uma ninharia,
desafiando até mesmo a lógica distorcida de mercado livre (os
royalties para o governo variaram entre 0,5 e 7 %). Apenas alguns dias depois
de o governo de Chhattisgarh assinar um memorando de entendimento para a
construção de uma usina siderúrgica integrada, em Bastar,
com a Tata Steel, foi criado o Salwa Judum, uma milícia vigilante.
Consoante o governo disse, era uma revolta espontânea das
populações locais que estavam fartas da
"repressão" pelos guerrilheiros maoístas na floresta.
Acabou sendo uma operação de limpeza terrestre, financiada e
armada pelo governo e subsidiada pelas empresas de mineração. Nos
demais estados, foram criadas milícias semelhantes, com outros nomes.
Segundo o primeiro-ministro anunciou, os maoístas eram o
"único desafio maior de segurança na Índia". Foi
uma declaração de guerra.
No dia 2 de janeiro de 2006, em Kalinganagar, no estado vizinho de Orissa,
talvez para sinalizar a gravidade da intenção do governo, dez
pelotões da polícia chegaram no local da outra fábrica da
Tata Steel e dispararam contra moradores das vilas que se haviam reunido ali
para protestar sobre o que eles consideravam ser uma compensação
inadequada pela terra. Treze pessoas, incluindo um policial, foram mortas, e 37
feridas. Seis anos se passaram e, embora as aldeias permaneçam sob cerco
de policiais armados, o protesto continua.
Enquanto isso, em Chhattisgarh, o
Salwa Judum
queimava, estuprava e assassinava moradores de centenas de aldeias florestais,
causando a evacuação de 600 aldeias, obrigando 50 mil pessoas a
ir para os acampamentos da polícia e 350 mil a fugir. Como o
ministro-chefe anunciou, aqueles que não saíssem das florestas
seriam considerados "terroristas maoístas". Desta forma, em
algumas partes da Índia moderna, lavrar campos e semear passou a ser
definido como atividade terrorista. Na verdade, as atrocidades do Salwa Judum
só conseguiram fortalecer a resistência e aumentar as fileiras do
exército da guerrilha maoísta. Em 2009, o governo anunciou o que
chamou de Operação Caça Verde. Duas tropas paramilitares
lakh foram implantadas em Chhattisgarh, Orissa, Jharkhand e Bengala Ocidental.
Depois de três anos de "conflito de baixa intensidade", o
governo central, que não conseguiu "expulsar" os rebeldes da
floresta, declarou que iria mobilizar o exército indiano e a
força aérea. Na Índia não chamamos a isto de
guerra, chamamos de "criar um bom ambiente de investimento". Milhares
de soldados já se movimentaram para lá e estão a ser
preparados quartéis para a brigada do exército e a base
aérea. Um dos maiores exércitos do mundo está agora
preparando seus Termos de Combate para "defender-se" dos mais pobres,
mais famintos e das pessoas mais desnutridas do mundo. Estamos somente à
espera da declaração da Lei dos Poderes Especiais das
Forças Armadas (AFSPA), que vai dar ao exército imunidade legal e
o direito de matar "sob suspeita". Ao andar pelas dezenas de milhares
de sepulturas não identificadas e piras de cremação
anônimas em Caxemira, Manipur e Nagaland, o exército tem-se, na
verdade, revelado muito suspeito.
Enquanto estão sendo feitos os preparativos para a
implantação, as selvas da Índia Central continuam sob
cerco, com os moradores com medo de sair, ir ao supermercado e
farmácias. Centenas de pessoas foram presas acusadas de serem
maoístas, ficando sob leis antidemocráticas draconianas. As
prisões estão cheias de pessoas adivasi, muitas das quais
não sabem qual é o seu crime. Recentemente, Soni Sori, professora
numa escola adivasi de Bastar, foi presa e torturada sob a custódia
policial. Foram introduzidas pedras na sua vagina para levá-la a
"confessar" que era uma espiã maoísta. As pedras foram
removidas do seu corpo num hospital em Calcutá, onde, depois de um
protesto público, ela foi enviada para um check-up médico. Em
recente audiência no Supremo Tribunal, os ativistas apresentaram aos
juízes as pedras em um saco plástico, mas o único
resultado dos seus esforços foi que Soni Sori permanece na prisão
enquanto Ankit Garg, o superintendente da polícia que conduziu o
interrogatório, foi condecorado com a Medalha Policial do Presidente por
Cortesia no Dia da República.
Fala-se sobre a reestruturação ecológica e social da
Índia Central só por causa da insurreição em massa
e a guerra. O governo não dá nenhuma informação e
os memorandos de entendimento são um segredo dos deuses. Alguns setores
da mídia fizeram o que podiam para chamar atenção do
público para o que está a acontecer nesta parte da Índia.
No entanto, a maioria dos meios de comunicação indianos é
vulnerável pelo fato de a maior parte das suas receitas vir de
anúncios das empresas. Se isso não é ruim o suficiente,
agora a linha entre a mídia e as grandes empresas começou a
diluir-se perigosamente. Como vimos, a RIL possui 27 canais de TV. Mas o
inverso também acontece. Algumas agências midiáticas agora
têm negócios diretos e interesses empresariais. Por exemplo, um
dos principais jornais diários da região,
Dainik Bhaskar
(e é apenas um exemplo), tem 17,5 milhões de leitores em quatro
idiomas, incluindo inglês e hindi, em treze estados e é
também proprietário de 69 empresas com interesses na
mineração, geração de energia, imobiliário e
têxteis. Uma petição recente arquivada no Supremo Tribunal
de Chhattisgarh acusa a DB Power Ltd (uma das empresas do grupo) de usar
"medidas deliberadas, ilegais e de manipulação"
através de jornais de propriedade da empresa para influenciar o
resultado de uma audiência pública sobre uma mina de carvão
a céu aberto. Se tentou ou não influenciar o resultado não
é relevante. A questão é a seguinte: as empresas de
comunicação têm prestígio e possuem o poder de
fazê-lo. Diante das leis locais encontram-se num grave conflito de
interesses.
H
á outras partes do país de onde não chegam
notícias. No estado do nordeste de Arunachal Pradesh pouco povoado, mas
militarizado, estão sendo construídas 168 grandes barragens, a
maioria delas em propriedade privada. Barragens altas que vão submergir
bairros inteiros estão em construção em Manipur e
Caxemira, ambos altamente militarizados, onde as pessoas podem ser mortas
apenas por protestar contra os cortes de energia (isto aconteceu há
algumas semanas em Caxemira). Como podem eles parar a construção
de uma barragem?
A mais ilusória de todas as barragens é a de Kalpasar, em
Gujarat, a qual está projetada para ter 34 quilômetros de
comprimento ao longo do golfo de Khambhat com uma estrada de dez faixas e uma
linha férrea sobre ela. Ao manter fora a água do mar, tem-se a
ideia de criar um reservatório de água doce dos rios do Gujarat
(não importa se esses rios já foram represados a um gotejamento e
envenenados com efluentes químicos). A barragem Kalpasar, que elevaria o
nível do mar e alteraria a ecologia de centenas de quilômetros de
costa, foi abandonada dez anos atrás porque era considerada como uma
má ideia, mas teve um retorno repentino, com objetivo de fornecer
água para a Região de Investimento Especial de Dholera (SIR), uma
das zonas com mais escassez de água, não apenas na Índia,
mas no mundo. SIR é um outro nome para uma ZEE (Zona Econômica
Especial), uma distopia corporativa de autogoverno de "parques
industriais, municípios e megacidades". Conforme estabelecido, a
Dholera SIR vai ser ligada a outras cidades de Gujarat por uma rede de estradas
de dez faixas. De onde virá o dinheiro para tudo isso?
Depois de três anos de tentativas para expulsar os rebeldes, o centro
disse que vai implantar as forças armadas. Na Índia isto
não é guerra, é "Criação de um Bom
Ambiente de Investimento".
Em janeiro de 2011, em Mahatma (Gandhi) Mandir, o ministro-chefe de Gujarat,
Narendra Modi, presidiu uma reunião de 10 mil empresários
internacionais de 100 países. De acordo com relatos da mídia,
eles se comprometeram a investir 450 mil milhões de dólares em
Gujarat. A reunião foi programada para decorrer no início do ano
do décimo aniversário do massacre de 2 mil muçulmanos, em
fevereiro março de 2002. Modi é acusado não apenas
de tolerância, mas também de cumplicidade ativa na matança.
As pessoas que viram seus entes queridos serem estuprados, eviscerados e
queimados vivos, as dezenas de milhares de pessoas que foram expulsas das suas
casas ainda esperam por um gesto em direção à
justiça. Mas Modi negociou seu cachecol de cor de açafrão
e detalhe vermelho por uma cara roupa da moda, e espera que um investimento de
450 mil milhões de dólares funcione como dinheiro sangrento para
acertar as contas. Talvez consiga. Tem o apoio entusiástico das grandes
empresas. Ademais, a álgebra da justiça infinita funciona de
modos misteriosos.
A Dholera SIR é apenas uma das bonecas Matryoshka mais pequenas, uma das
mais interiores na distopia que está a ser planejada. Será ligada
ao Corredor Industrial Delhi Bombaim (DMIC), uma área industrial de 1.500
quilômetros de comprimento e 300 quilômetros de largura, com nove
zonas megaindustriais, uma linha de transporte de alta velocidade, três
portos marítimos e seis aeroportos, uma via rápida com seis
faixas sem interseção e uma central de energia de 4.000 MW.
Proposto pelo McKinsey Global Institute, o DMIC é um empreendimento
conjunto entre os governos da Índia e do Japão, e suas
respectivas empresas parceiras.
De acordo com o website do DMIC, cerca de 180 milhões de pessoas
serão "afetadas" pelo projeto, mas não diz como
serão afetadas. Prevê a construção de várias
novas cidades e estima que a população da região venha a
crescer dos atuais 231 milhões para 314 milhões em 2019. Isso
é daqui a cinco anos. Quando foi a última vez que um governo
tirano ou ditador realizou uma remoção de população
de milhões de pessoas? Pode, realmente, ser um processo pacífico?
Neste caso, o exército indiano pode precisar de uma campanha de
recrutamento de modo a não ser apanhado de surpresa quando lhe for
ordenado implantar-se por toda a Índia. Em preparação para
seu papel na Índia Central, publicou sua doutrina atualizada em
Operações Psicológicas Militares, que delimita "o
processo planejado de disseminação da mensagem para um
público-alvo selecionado, para promover temas particulares que resultem
em atitudes e comportamentos desejados que afetam a realização
dos objetivos políticos e militares do país." Este processo
de "gestão da percepção", dizia a doutrina,
seria conduzido "usando a mídia disponível para os
serviços".
Contudo, o exército é experiente o bastante para saber que a
força coerciva por si só não pode realizar ou gerir a
reestruturação social na escala prevista pelos planeadores da
Índia. A guerra contra os pobres é uma coisa, mas para o resto de
nós a classe média, os trabalhadores de colarinho branco,
os intelectuais, "formadores de opinião" tem de ser
"a gestão da percepção". E para isso, devemos
voltar nossa atenção para a arte requintada de Filantropia
Empresarial.
Recentemente, os principais conglomerados de mineração têm
abraçado as artes/filme, instalações de arte e a corrida
pelos festivais literários que substituíram a obsessão dos
anos 1990 por concursos de beleza. Vedanta, atualmente explorando o
coração das terras da antiga tribo Dongria Kondh, patrocina uma
competição de filmes "Criando Felicidade" para jovens
estudantes de cinema, a quem incumbiram fazer filmes sobre o desenvolvimento
sustentável. O slogan da Vedanta é "Exploração
Mineira Feliz". Ademais, o Grupo Jindal edita uma revista de arte
contemporânea e oferece apoio a alguns dos grandes artistas da
Índia (os quais, naturalmente, trabalham com aço
inoxidável). Essar foi o patrocinador principal do Tehelka Newsweek
Think Fest que prometia "debates sobre o índice elevado de
octano" pelos melhores intelectuais de todo o mundo, entre estes, grandes
escritores, ativistas e até mesmo o arquiteto Frank Gehry (tudo isto em
Goa, onde ativistas e jornalistas descobriram enormes escândalos de
mineração ilegal, e a parte da Essar na guerra em curso em Bastar
estava emergindo). Tata Steel e Rio Tinto (que tem um historial sórdido
por si próprios) estavam entre os líderes patrocinadores do
Festival Literário de Jaipur (nome Latin: Darshan Singh Construction
Jaipur Literary Festival) anunciado pelos conhecedores da matéria como
"o maior espetáculo literário no mundo". Counselage,
"gestor de marca estratégica" da Tata, patrocinou a tenda para
a imprensa no festival. Muitos dos melhores e mais brilhantes escritores do
mundo reuniram-se em Jaipur para discutir o amor, a literatura, a
política e a poesia sufi. Alguns tentaram defender o direito de Salman
Rushdie à liberdade de expressão mediante leitura do seu livro
proscrito,
Os Versos Satânicos.
Em cada fotografia do jornal e programa de TV, o logotipo da Tata Steel (e do
seu slogan Valores mais fortes que o aço) aparecia atrás
deles, um benigno, benevolente anfitrião. Os inimigos da liberdade de
expressão foram os motins muçulmanos supostamente criminosos,
que, segundo disseram os organizadores do festival, poderiam ter prejudicado
até os estudantes que estavam lá (somos testemunhas de
quão impotentes o governo indiano e a polícia podem ser quando se
trata de muçulmanos). Sim, o seminário islâmico
fundamentalista Darul Uloom Deobandi protestou contra Rushdie ter sido
convidado para o festival. Sim, alguns islâmicos reuniram-se no local do
festival para protestar e, ousadamente, o governo não moveu nem uma
palha para proteger o local, isso porque todo o episódio teve tanto a
ver com a democracia, banco de votos
(votebanks)
e as eleições de Uttar Pradesh como fez com o fundamentalismo
islâmico. Mas a luta pela liberdade de expressão contra o
fundamentalismo islâmico fez com que isto aparecesse na imprensa mundial
e é bom que tal tenha acontecido, no entanto, quase não havia
relatos sobre o papel dos patrocinadores do festival na guerra nas florestas,
os corpos se acumulando e as prisões lotadas. Ou sobre a Lei para a
Prevenção das Atividades Ilegais e da Lei Especial de
Segurança Pública de Chhattisgarh, que fazem com que mesmo
pensar
num acto antigoverno uma ofensa reconhecida. Ou sobre a audiência
pública obrigatória para a fábrica da Tata Steel em
Lohandiguda, na qual a população local queixou-se, e que ocorreu
a centenas de quilômetros de distância em Jagdalpur, no complexo de
escritórios do chefe administrativo do distrito, com um público
contratado de cinquenta pessoas, sob proteção armada. Onde
estava, então, a tal liberdade de expressão? Ninguém
mencionou Kalinganagar, ou que a jornalistas, acadêmicos e cineastas que
trabalham em assuntos impopulares para o governo indiano como o papel
secreto que desempenhou no genocídio de Tamil, na guerra no Sri Lanka,
ou as sepulturas não identificadas recentemente descobertas na Caxemira
estava sendo negado o visto indiano ou eram deportados diretamente do
aeroporto.
No entanto, qual de nós pecadores atiraria a primeira pedra? Não
eu, que vive fora das regalias de editoras das empresas. Todos nós
assistimos ao Tata Sky, navegamos na internet com Tata Photon, subimos em
táxis Tata, hospedamo-nos em Hotéis Tata, saboreamos o nosso
chá Tata em porcelana Tata, mexendo com colheres de chá feitas de
Tata Steel. Nós compramos livros Tata nas livrarias Tata.
Hum Tata ka namak khate hain.
Estamos sob cerco.
Se a marreta de pureza moral é ser o critério para arremesso de
pedras, então, as únicas pessoas que se qualificam são as
que já foram silenciadas. Aqueles que vivem fora do sistema: os bandidos
nas florestas ou aqueles cujos protestos não são cobertos pela
imprensa, ou o bem comportado sem teto, os quais vão de tribunal em
tribunal, dando testemunho, dando depoimentos.
Mas o Litfest deu-nos o nosso momento Aha! Oprah veio. Ela disse que amou a
Índia e que viria novamente e novamente. Isso nos deixou orgulhosos.
Esta é apenas a paródia final da arte requintada.
Embora a Tata tenha estado envolvida com filantropia corporativa por quase cem
anos, doando bolsas de estudo e gerindo algumas excelentes
instituições de ensino e hospitais, só recentemente
é que as empresas indianas foram convidadas para o Star Chamber,
Camera stellata,
o mundo iluminado do governo corporativo global, mortal para os seus
adversários, mas de forma tão engenhosa que mal se sabe que
existe.
O
que se segue neste ensaio pode parecer, para alguns, uma crítica um
pouco dura, contudo, na tradição de honrar os adversários,
poderia ser lido como um reconhecimento da visão, flexibilidade,
sofisticação e determinação inabalável
daqueles que dedicaram suas vidas a manter o mundo seguro para o capitalismo.
Sua história fascinante, que desapareceu da memória
contemporânea, começou nos EUA no início do século
20, quando, equipada legalmente com fundações dotadas, a
filantropia corporativa começou a substituir a atividade
missionária como um caminho aberto do capitalismo (e do imperialismo) e
patrulha do sistema de manutenção. Entre as primeiras
fundações a serem criadas nos Estados Unidos estavam a Carnegie
Corporation, doada em 1911 com lucros da Companhia de Aço Carnegie
(Carnegie Steel Company) e a Fundação Rockefeller (Rockefeller
Foundation), doada em 1914 pelo J.D. Rockefeller, fundador da Standard Oil
Company. Os Tatas e Ambanis do seu tempo.
Algumas das instituições financiadas, apoiadas com capital
inicial ou pela Fundação Rockefeller são a ONU, a CIA, o
Conselho de Relações Exteriores, o Museu mais fabuloso de Arte
Moderna de Nova York, e, é claro, o Centro Rockefeller, em Nova York
(onde o mural de Diego Riviera teve de ser retirado da parede, pois
maliciosamente retratava os capitalistas réprobos e um Lênin
valente. A liberdade de expressão estava de folga).
J.D. Rockefeller foi o primeiro bilionário da América e o homem
mais rico do mundo. Ele era um abolicionista, um apoiador de Abraham Lincoln e
um abstêmio. Conforme acreditava, seu dinheiro foi-lhe dado por Deus, o
que deve ter sido bom para ele.
Pablo Neruda, em um dos seus primeiros poemas intitulado Standard Oil Company,
assim se expressa:
Os seus obesos imperadores
vivem em Nova Iorque, são polidos
e meigos, assassinos sorridentes
que compram seda, nylon, charutos,
tiranetes e ditadores
Compram países, povos, mares,
polícias, deputados,
de longínquas comarcas onde
os pobres guardam o seu trigo
como os avaros guardam o ouro:
a Standard Oil desperta-os
veste-lhes uniformes, designa-lhes
qual é o seu irmão ou inimigo
e o paraguaio faz a sua guerra
e o boliviano desfalece
com a sua metralhadora na selva
Um presidente assassinado
por uma gota de petróleo,
uma hipoteca de milhões
de hectares, um fuzilamento
rápido pela manhã
mortal de luz, petrificada,
um novo campo de presos
subversivos, na Patagônia,
uma traição, um tiroteio
durante um patrulhamento,
uma mudança subtil de ministros
na capital, um rumor
como uma maré de azeite
e logo a debandada, e verás
como brilham, sobre as nuvens,
sobre os mares, sobre a tua casa,
as letras da Standard Oil
iluminando os seus domínios.
Quando as fundações dotadas pelas corporações
surgiram nos EUA, houve
intenso debate sobre sua proveniência, a legalidade e a falta de
prestação de contas. Segundo pessoas sugeriram, se as empresas
têm tanto excedente de dinheiro, deveriam aumentar o salário dos
seus trabalhadores (houve quem fizesse essas sugestões ultrajantes
naqueles dias, mesmo nos Estados Unidos). A ideia dessas
fundações, tão comum hoje, era de fato um salto da
criatividade dos negócios. Entidades com isenção de
impostos, com grandes recursos e uma quase licença ilimitada
totalmente inexplicável, totalmente não transparente qual
é a melhor forma de transformar a riqueza econômica em capital
político, social e cultural, de transformar riqueza em poder? Qual
é a melhor forma de usurários empregarem uma porcentagem
mínima dos seus lucros para governar o mundo? De que outra forma Bill
Gates, que reconhecidamente sabe uma ou duas coisas sobre computadores,
encontrar-se-ia a desenhar políticas de educação,
saúde e agricultura, não apenas para o governo dos EUA, mas para
os governos de todo o mundo?
Ao longo dos anos, enquanto se testemunhava algumas das atividades boas das
fundações (gerindo bibliotecas públicas, erradicando
doenças), a conexão direta entre as empresas e as
fundações doadoras começou a se confundir. De repente
desapareceu por completo. Agora, até mesmo aqueles que se consideram de
esquerda não são tímidos para aceitar sua generosidade.
Por volta de 1920, o capitalismo dos EUA havia começado a olhar para
o exterior, por matéria-prima e mercados além-mar. As
fundações começaram a formular a ideia de
governança corporativa global. Em 1924, as fundações
Rockefeller e Carnegie criaram em conjunto o que é hoje o grupo mais
poderoso de pressão de política externa no mundo, o Conselho de
Relações Exteriores (CFR), que mais tarde veio, também, a
ser financiado pela Fundação Ford. Por volta de 1947, a
recém-criada CIA foi apoiada pelo CFR e trabalha em estreita
colaboração com o CFR. Ao longo dos anos, a
associação do CFR incluiu 22 secretários de Estado dos
EUA. Havia cinco membros do CFR no comitê da direção de
1943 que planeou a ONU, e uma doação de 8,5 milhões de
dólares de J.D. Rockefeller comprou o terreno onde está assentada
a sede da Organização em Nova York.
Todos os onze presidentes do Banco Mundial desde 1946 homens que se
apresentaram como missionários dos pobres são membros do
CFR (a exceção foi George Woods, o qual era um administrador da
Fundação Rockefeller e vice-presidente do Chase-Manhattan Bank).
E
m Bretton Woods, o Banco Mundial e o FMI decidiram que o dólar dos EUA
fosse a moeda de reserva mundial, e que, no intuito de aumentar a entrada do
capital global, isto seria necessário para universalizar e padronizar as
práticas de negócios em um mercado livre. É para esse fim
que eles gastam muito dinheiro na promoção da boa
governança (desde que controlem as rédeas), o conceito de Estado
de Direito (desde que tenham uma palavra a dizer ao se fazer as leis) e
centenas de programas anticorrupção (para agilizar o sistema que
eles criaram). Duas das mais discutíveis organizações no
mundo exigindo transparência e prestação de contas dos
governos dos países mais pobres.
Como o Banco Mundial tem mais ou menos dirigido as políticas
econômicas dos países do Terceiro Mundo, coagindo e abrindo os
mercados de país em país para as finanças globais, seria
possível dizer que a filantropia corporativa acabou por ser o
negócio mais visionário de todos os tempos.
Fundações doadas por empresas administram, comercializam e
canalizam o seu poder e colocam suas peças de xadrez no tabuleiro, por
meio de um sistema de clubes de elite e grupos de reflexão, cujos
membros se sobrepõem e entram e saem pelas portas giratórias. Ao
contrário das várias teorias de conspiração em
circulação, particularmente entre grupos de esquerda, não
há nada secreto, satânico, ou preferência pelo
franco-maçom sobre este programa. Não é muito diferente da
forma como empresas usam outras empresas de fachada e contas no exterior para
transferir e administrar seu dinheiro, exceto que a moeda é poder,
não o dinheiro.
O equivalente transnacional do CFR é a Comissão Trilateral,
criada em 1973 por David Rockefeller, o antigo assessor de Segurança
Nacional dos EUA Zbigniew Brzezinski (membro fundador do Mujahideen
afegão, antepassado dos Talibãs), o Chase-Manhattan Bank e
algumas outras eminências privadas. Seu objetivo era formar um
vínculo de amizade duradouro e de cooperação entre as
elites da América do Norte, Europa e Japão. Ela tornou-se uma
comissão penta-lateral, uma vez que inclui membros de China e
Índia (Tarun Das da CII; N.R. Narayanamurthy, antigo diretor executivo
da Infosys; Jamsheyd N. Godrej, diretor da Godrej; Jamshed J. Irani, diretor da
Tata Sons, e Gautam Thapar, oficial chefe do executivo do Grupo Avantha).
O Instituto Aspen é um clube internacional das elites locais,
empresários, burocratas, políticos, com franquias em
vários países. Tarun Das é o presidente do Instituto na
Índia. Gautam Thapar é presidente do conselho. Vários
oficiais superiores do McKinsey Global Institute (proponente do corredor
Industrial Delhi Bombaim) são membros do CFR, da Comissão
Trilateral e do Instituto Aspen.
A Fundação Ford (faz contraste liberal com a
Fundação Rockefeller mais conservadora, embora as duas trabalhem
juntas constantemente) foi instituída em 1936. Apesar de ser muitas
vezes subestimada, a Ford tem uma ideologia muito clara e bem definida e
funciona em conjunto com o Departamento de Estado dos EUA. Seu projeto de
aprofundamento da democracia e da boa governança é uma parte
muito importante do sistema de Bretton Woods de padronizar a prática de
negócios e promover a eficiência no mercado livre. Depois da
Segunda Guerra Mundial, quando os comunistas substituíram os fascistas
como inimigo número um do governo dos EUA, eram necessários novos
tipos de instituições para lidar com a Guerra Fria. A Ford
financiou a RAND (Organização para Investigação e
Desenvolvimento), um grupo de base militar que começou com a
investigação de armas para os serviços de defesa dos EUA.
Em 1952, para impedir "o esforço persistente comunista para
penetrar e perturbar as nações livres", criou-se o Fundo
para a República, transformado depois no Centro para o Estudo das
Instituições Democráticas, cuja missão consistia em
travar a Guerra Fria de forma inteligente sem excessos macarthistas. É
através desta lente que temos de ver o trabalho que a
Fundação Ford está a fazer com os milhões de
dólares que investiu na Índia o financiamento de artistas,
cineastas e ativistas, sua generosa doação de cursos
universitários e bolsas de estudo.
As "metas para o futuro da humanidade" publicadas pela
Fundação Ford incluem intervenções em bases de
movimentos políticos local e internacionalmente. Nos EUA forneceu
milhões em doações e empréstimos para apoiar o
Credit Union Movement (Movimento União de Crédito) fundado pelo
dono da loja de departamentos, Edward Filene, em 1919. Filene acreditava na
criação de uma sociedade consumista em massa de bens de consumo
dando aos trabalhadores o acesso ao crédito a preços
cômodos uma ideia radical na época. Na verdade, apenas a
metade de uma ideia radical, porque a outra metade do que Filene acreditava era
a distribuição mais equitativa do rendimento nacional.
Capitalistas apoderaram-se da primeira metade da sugestão de Filene, e
desembolsando empréstimos "acessíveis" de dezenas de
milhões de dólares para as pessoas que trabalham, tornaram a
classe trabalhadora dos EUA em pessoas constantemente endividadas,
esforçando-se por recuperar o atraso nos seus estilos de vida.
Anos depois, essa ideia se expandiu para o interior pobre de Bangladesh, quando
Mohammed Yunus e o Grameen Bannk levaram microcrédito a camponeses
famintos com consequências desastrosas. Empresas de microfinanças
na Índia são responsáveis por centenas de
suicídios, 200 pessoas em Andhra Pradesh, só em 2010. Um
diário nacional publicou recentemente uma notícia de
suicídio de uma menina de 18 anos de idade, que foi forçada a
entregar suas últimas 150 rúpias, suas mensalidades escolares,
diante da intimidação de funcionários da empresa de
microfinanças. A notícia dizia: "Trabalhe duro e ganhe
dinheiro. Não tome empréstimos".
Há um monte de dinheiro na pobreza, e alguns prêmios Nobel
também.
Na década de 1950, as Fundações Rockefeller e Ford,
financiando várias ONGs e instituições de ensino
internacionais, começaram a funcionar como semi-extensões do
governo dos EUA, que na época estava derrubando governos
democraticamente eleitos na América Latina, no Irão e na
Indonésia (foi também por este período que entraram na
Índia, não alinhados, mas inclinados claramente para a
União Soviética). A Fundação Ford criou um curso de
economia no estilo dos EUA na Universidade da Indonésia. Estudantes
indonésios da elite treinados em contrainsurgência por oficiais do
exército dos Estados Unidos desempenharam um papel crucial no golpe de
1965 na Indonésia, apoiado pela CIA, que levou o general Suharto ao
poder, o qual reembolsou seus mentores matando centenas de milhares de rebeldes
comunistas.
Oito anos depois, jovens estudantes chilenos, que vieram a ser conhecidos como
os Chicago Boys, foram levados para os EUA para serem treinados em economia
neoliberal por Milton Friedman, na Universidade de Chicago (doada por J. D.
Rockefeller), em preparação para o golpe de 1973 apoiado pela
CIA, que matou Salvador Allende e trouxe o general Pinochet e um grupo de
esquadrões da morte, desaparecimentos e terror que duraram dezessete
anos (a morte de Allende foi por ser um socialista democraticamente eleito e
nacionalizar as minas do Chile).
Em 1957, a Fundação Rockefeller estabeleceu o Prêmio Ramon
Magsaysay para líderes comunitários na Ásia. Foi
instituído depois da morte de Ramon Magsaysay, presidente das Filipinas
e um aliado crucial na campanha dos EUA contra o comunismo no Sudeste
Asiático. Em 2000, a Fundação Ford criou o Prêmio de
Liderança Emergente Ramon Magsaysay. O Magsaysay é considerado um
prêmio de prestígio entre os artistas, ativistas e trabalhadores
comunitários na Índia. M. S. Subbulakshmi e Satyajit Ray ganharam
esse prêmio, assim como fizeram Jayaprakash Narayan e um dos melhores
jornalistas da Índia, P. Sainath. Mas eles fizeram mais para o
Prêmio Magsaysay do que este fez por eles. Em geral, tornaram-se
árbitros gentis do tipo de ativismo que é
"aceitável" e o que não é.
Curiosamente, o movimento anticorrupção de Anna Hazare no
último verão foi liderado por três vencedores do
Prêmio Magsaysay, Anna Hazare, Arvind Kejriwal e Kiran Bedi. Enquanto uma
das muitas ONGs de Arvind Kejriwal é generosamente financiada pela
Fundação Ford, a ONG de Kiran Bedi é financiada pela
Coca-Cola e Lehman Brothers.
Embora Anna Hazare autodenomine-se um Gandhi, a lei que ele invocou, o Jan
Lokpal Bill, foi anti-Gandhi, elitista e perigosa. A campanha permanente da
mídia associada proclamou-o como sendo a voz do "povo". Ao
contrário do movimento Occupy Wall Street, nos EUA, o de Hazare
não se pronunciou contra a privatização, o poder
associativo ou "reformas" econômicas. Ao contrário, os
seus principais apoiadores de mídia afastaram com sucesso os holofotes
dos grandes escândalos de corrupção associativa (onde
estavam também expostos jornalistas de alto nível) e usou os maus
tratos públicos dos políticos para pedir a redução
de poderes discricionários do governo, para mais reformas, mais
privatizações (em 2008, Anna Hazare recebeu um prêmio do
Banco Mundial por excelente serviço público). Este Banco divulgou
um comunicado de Washington dizendo que o movimento se "encaixou" na
sua política.
C
omo todos os bons imperialistas, o "filantropoides" atribuiram-se a
tarefa de criar e treinar um esquema internacional segundo o qual o
capitalismo, e, por extensão, a hegemonia dos Estados Unidos, favorecia
seu próprio interesse. E que iriam, portanto, ajudar a administrar o
Governo do Global Corporate na forma como as elites nativas sempre serviram o
colonialismo. Assim começou a incursão dos fundamentos para a
educação e artes, que se tornaria sua terceira esfera de
influência, depois da política econômica externa e interna.
Eles passaram (e continuam) a gastar milhões de dólares em
instituições acadêmicas e pedagógicas.
Joan Roelofs no seu maravilhoso livro
Fundações e Políticas Públicas: A Máscara do
Pluralismo (Foundations and Public Policy: The Mask of Pluralism)
descreve como fundações reformaram as velhas ideias de como
ensinar ciência política e moldaram as disciplinas de estudos
"internacionais" e de "área". Isso ofereceu à
inteligência dos EUA e aos serviços de segurança um
conjunto de conhecimentos em línguas estrangeiras e cultura exemplares.
A CIA e o Departamento de Estado dos EUA continuam a trabalhar com os alunos e
professores em universidades deste país, levantando sérias
questões sobre a ética académica.
A colecta de informação para controlar os governantes é
fundamental para qualquer poder dominante. Como a resistência à
aquisição de terras e às novas políticas
econômicas se espalha por toda a Índia à sombra de uma
guerra aberta na Índia Central, como técnica de
contenção, o governo deu início a um programa
biométrico maciço, talvez um dos projetos mais ambiciosos e caros
de colecta de informação no mundo, o Número Único
de Identificação (UID/NUI). Embora as pessoas não tenham
água potável ou instalações sanitárias, ou
alimentos ou dinheiro, elas irão ter cartões eleitorais e
números UID/NUI. É uma coincidência que o projeto UID/NUI
dirigido por Nandan Nilekani, ex-CEO da Infosys, ostensivamente destinado a
"prestar serviços aos pobres", vai injetar enormes quantidades
de dinheiro numa indústria de TI (Tecnologia de
Informação) pouco controlada? (Conforme indica uma estimativa
conservadora, o orçamento do UID/NUI excede as despesas públicas
anuais do governo indiano para a educação). Para
"digitalizar" um país com uma vasta população,
em grande parte ilegítima e "ilegível", pessoas que
são na sua maioria moradores de favelas, vendedores ambulantes, adivasis
sem cadastro de terra, serão criminalizadas, transformadas de
ilegítimas em ilegais. A ideia é conseguir uma versão
digital da
Enclosure of the Commons
e colocar enormes poderes nas mãos de uma polícia de estado cada
vez mais truculenta. A obsessão tecnocrática de Nilekani por
colecta de dados é consistente com a obsessão de Bill Gates por
bancos de dados digitais, "objetivos numéricos", "tabelas
de indicadores de progresso". Como se a causa da fome no mundo fosse a
falta de informação, e não o colonialismo, a dívida
e a política orientadas para o lucro e a política corporativa.
Fundações empresariais dotadas por corporações
são as maiores patrocinadoras das ciências sociais e artes,
oferecendo cursos e bolsas de estudo em "estudos de desenvolvimento",
"estudos de comunidade", "estudos culturais",
"ciências do comportamento" e "direitos humanos".
Como as universidades norte-americanas abriram suas portas a estudantes
internacionais, centenas de milhares de estudantes, filhos das elites do
Terceiro Mundo, aderiram. Àqueles que não podiam pagar as taxas
foram-lhes concedidas bolsas. Hoje, em países como a Índia e o
Paquistão, não há praticamente uma família entre as
classes médias altas que não tenha um filho que estudou nos EUA.
A partir das suas fileiras vieram bons estudiosos e acadêmicos, mas
também os primeiros-ministros, ministros das Finanças,
economistas, advogados de empresas, banqueiros e burocratas que ajudaram a
abrir as economias dos seus países às empresas globais.
Estudiosos de teoria económica e ciência política na
versão favorável às Fundações foram
recompensados com bolsas, fundos de pesquisa, subvenções,
doações e empregos. Aqueles com uma visão
desfavorável às Fundações viram-se sem
financiamento, marginalizados e confinados, e seus cursos interrompidos.
Gradualmente, uma imaginação especial, um pretexto superficial de
tolerância e multiculturalismo (que se transforma em racismo,
nacionalismo fanático, chauvinismo étnico ou islamofobia
belicista a qualquer momento) na base de uma única ideologia
econômica abrangente, muito pouco plural, começou a dominar o
discurso. Fê-lo de tal forma que deixou de ser percebido como uma
ideologia. Tornou-se a posição padrão, a maneira natural
de ser. Infiltrou a normalidade, colonizou a vulgaridade, e o desafio
começou a parecer tão absurdo ou esotérico como a
própria realidade desafiadora. A partir daqui foi um passo fácil
e rápido para o "não há alternativa".
É só agora, graças ao movimento Occupy, que uma outra
linguagem tem aparecido nas ruas e campus dos EUA. Para ver os alunos com
cartazes que dizem "Luta de classes" ou "Não nos
importamos que seja rico, mas nos importamos em que compre o nosso
governo", dadas as adversidades, é quase uma
revolução em si mesma.
U
m século depois do seu início, a filantropia empresarial é
tão parte das nossas vidas como a Coca-Cola. Existem hoje milhões
de organizações sem fins lucrativos, muitas delas ligadas por um
labirinto financeiro bizantino às fundações maiores. Entre
si, o setor "independente" tem ativos no valor de quase 450 mil
milhões de dólares. A maior delas é a
Fundação Bill Gates (21 mil milhões de dólares),
seguida pela Lilly Endowment (16 mil milhões) e pela
Fundação Ford (15 mil milhões).
Como o FMI impôs o Ajustamento Estrutural, e obrigou governos a cortar
despesas públicas em saúde, educação,
assistência a crianças, desenvolvimento, as ONGs entraram em cena.
A privatização de tudo também significou a
ONG-nização de tudo. Como empregos e meios de subsistência
desapareceram, as ONGs tornaram-se uma importante fonte de emprego, mesmo para
aqueles que veem aquilo que são. E certamente nem todas são
más. Dos milhões de ONGs, algumas fazem um trabalho
notável. Mas seria caricato pintá-las todas com o mesmo pincel.
No entanto, as ONGs dotadas por fundações são um meio de
financiamento global para a compra de movimentos de resistência,
literalmente como sócios compram ações de empresas, e em
seguida tentam controlá-las a partir de dentro. Elas situam-se como os
nós do sistema nervoso central, os caminhos ao longo dos quais fluem as
finanças globais. Elas funcionam como transmissores, receptores,
amortecedores, um alerta para cada impulso, cuidadosas para não irritar
os governos dos seus países de acolhimento (A Fundação
Ford exige das organizações que financia que assinem um
compromisso com essa finalidade). Inadvertidamente (e às vezes
advertidamente), elas servem como postos de escuta, seus relatórios,
workshops e outros dados de alimentação de atividade
missionária num sistema cada vez mais agressivo da vigilância do
endurecimento dos Estados-membro. Quanto mais conturbada uma área for,
maior será sua quantidade de ONGs.
Maliciosamente, quando o governo ou setores da mídia desejam levar a
cabo uma campanha de difamação contra um movimento genuíno
de pessoas, como o Narmada Bachao Andolan, ou protesto contra o reator nuclear
Koodankulam, acusam estes movimentos de serem ONGs que recebem
"financiamento externo". Eles sabem muito bem que a
obrigação da maioria das ONGs, em particular as bem financiadas,
é promover o projeto de globalização empresarial, e
não impedir isso.
Munidas dos seus milhares de milhões, essas ONGs penetraram no mundo,
transformando potenciais revolucionários em ativistas assalariados,
financiando artistas, intelectuais e cineastas. Ao atraí-los gentilmente
para fora do confronto radical, conduzem-nos em direção ao
multiculturalismo, gênero, desenvolvimento comunitário, discurso
expresso na linguagem da política de identidade e dos direitos humanos.
Portanto, a transformação da ideia de justiça para a
indústria dos direitos humanos tem sido um golpe conceptual no qual as
ONGs e fundações desempenham um papel decisivo. Assim, o foco
estreito dos direitos humanos permite uma análise baseada em atrocidades
onde a imagem maior pode ser bloqueada e ambas as partes no conflito, digamos,
por exemplo, os maoístas e o governo indiano, ou o exército de
Israel e o Hamas, podem ser admoestados como Violadores dos Direitos Humanos. O
roubo de terras por empresas de mineração ou a história da
anexação de terras palestinas por parte do Estado de Israel
tornam-se irrelevantes diante do discurso. Isto, no entanto, não
é sugerir que os direitos humanos não importam. Eles importam,
sim, mas não são um prisma suficiente através do qual se
pode ver ou remotamente compreender as grandes injustiças do mundo onde
vivemos.
Um outro golpe conceitual tem a ver com o envolvimento das
fundações com o movimento feminista. Por que é que a
maioria das organizações feministas "oficiais" e
organizações de mulheres na Índia mantém uma
distância segura entre elas próprias e organizações
como por exemplo a Krantikari Adivasi Mahila Sangathan
(Associação Revolucionária de Mulheres de Adivasi) com 90
mil membros, que combate o patriarcado nas suas próprias comunidades e o
deslocamento por empresas de mineração na floresta Dandakaranya?
Por que é que a expropriação e expulsão de
milhões de mulheres da terra que possuíam e trabalhavam
não é vista como um problema feminista?
A separação do movimento feminista liberal dos movimentos
populares anti-imperialistas e anti-capitalistas de base não
começou com o mau uso das fundações. Tudo começou
com a incapacidade desses movimentos de se adaptarem e se acomodarem à
rápida radicalização das mulheres ocorrida nos anos 1960 e
1970. As fundações mostraram-se geniais em reconhecer e se
aproximar para apoiar e financiar a crescente inquietação das
mulheres com a violência e o patriarcado nas sociedades tradicionais, bem
como entre os líderes supostamente progressistas dos movimentos de
esquerda. Num país como a Índia, a cisão também
aconteceu ao longo da divisão rural-urbana. A maioria dos movimentos
radicais, anti-capitalistas foi localizada no campo, onde, na maior parte das
vezes, o patriarcado continuava a governar a vida da maioria das mulheres. As
mulheres urbanas ativistas que se juntaram a esses movimentos (como o movimento
Naxalita) tinham sido influenciadas e inspiradas pelo movimento feminista
ocidental e suas próprias viagens para a libertação
estavam muitas vezes em desacordo com o que os seus líderes masculinos
consideravam seu dever: para se ajustar "às massas". Muitas
mulheres ativistas não estavam dispostas a esperar mais tempo para a
"revolução", a fim de acabar com a opressão
diária e discriminação nas suas vidas, inclusive dos seus
próprios companheiros. Elas queriam a igualdade de gênero como um
direito absoluto, urgente e não negociável do processo
revolucionário e não apenas uma promessa
pós-revolução. As mulheres inteligentes, impacientes e
desiludidas começaram a afastar-se e procurar outros meios de apoio e
sustento. Como resultado, no final dos anos 1980, na época em que os
mercados indianos foram abertos, o movimento feminista liberal num país
como a Índia tornou-se excessivamente ONG-nizado. Muitas dessas ONGs
têm feito um trabalho positivo sobre os direitos dos homossexuais,
violência doméstica, AIDS e os direitos das trabalhadoras do sexo.
Mas, significativamente, os movimentos feministas liberais não têm
estado na vanguarda para desafiar as novas políticas econômicas,
embora as mulheres tenham sido as mais afetadas. Ao manipular o desembolso dos
fundos, as fundações têm em grande parte conseguido
circunscrever o alcance do que a atividade "política" deve
ser. As instruções de financiamento das ONGs agora prescrevem o
que consideram como "problemas" das mulheres e o que não
é.
A ONG-nização do movimento das mulheres também fez do
feminismo liberal ocidental (em virtude de ser a marca mais financiada) o
porta-estandarte do que constitui o feminismo. Como de costume, os sinais da
batalha foram jogados sobre o corpo das mulheres, retirando botox num lado e
burcas noutro (E depois há aquelas que sofrem um duplo golpe, o botox e
a burca). Quando, tal como aconteceu recentemente na França, é
feita uma tentativa de coagir as mulheres a retirarem a burca em vez de criar
uma situação na qual ela possa escolher o que deseja fazer,
não se trata de libertá-la, mas, sim, de despojá-la. Isto
torna-se um ato de humilhação e de imperialismo cultural.
Não se trata de burca. Trata-se de coação. Forçar
uma mulher a livrar-se da burca é tão ruim como coagi-la a
aceitar o botox. Encarar o gênero, desta forma, despido do contexto
social, político e econômico, torna-o uma questão de
identidade, uma batalha de suporte e costumes. É o que permitiu ao
governo dos EUA usar grupos feministas ocidentais como cobertura moral quando
invadiu o Afeganistão em 2001. As mulheres afegãs estavam (e
estão) em apuros com os Talibãs. Mas lançar bombas sobre
elas não vai resolver seus problemas.
No universo das ONGs, que evoluiu de uma linguagem estranha anódina
própria, tudo tornou-se "matéria", um assunto
particular, profissionalizado, de interesse especial. Neste âmbito, o
desenvolvimento comunitário, liderança, direitos humanos,
saúde, educação, direitos reprodutivos, AIDS,
órfãos com AIDS têm sido hermeticamente marcados nos seus
próprios espaços com seu elaborado e preciso crédito de
financiamento. A pobreza também, a exemplo do feminismo, muitas vezes
é vista como um problema de identidade. Como se os pobres não
fossem obra da injustiça, mas uma tribo perdida que só se limitou
a existir, e pode ser resgatada em pouco espaço de tempo por um sistema
de alívio à injustiça (administrado pela ONG sobre um
indivíduo, pessoa a pessoa), e cuja ressurreição a longo
prazo virá de boa governança. Sob o regime do Capitalismo
Empresarial Global é evidente.
A
pobreza na Índia, depois de um breve período no deserto, quando
o país "brilhava", fez um retorno como uma identidade
exótica nas artes, lideradas por filmes como
Slumdog Millionaire
. Essas histórias sobre os pobres, seu espírito incrível e
resistência, não tem vilões, exceto os pequenos que
dão tensão narrativa e cor local. Os autores destas obras
são equivalentes aos do mundo contemporâneo dos primeiros
antropólogos, louvados e honrados por trabalhar no "terreno",
pelas suas viagens corajosas em terras estranhas. É raro ver o rico ser
examinado dessa maneira.
Depois de definir como dirigir governos, partidos políticos,
eleições, tribunais, a mídia e a opinião liberal,
houve mais um desafio para o estabelecimento neoliberal: Como lidar com a
crescente inquietação, a ameaça do "poder do
povo". Como domesticá-lo? Como transformar os manifestantes em
animais de estimação? Como aspirar a fúria da
população e redirecioná-la a becos sem saída?
Aqui, também, as fundações e suas
organizações aliadas têm uma história longa e
célebre. Um exemplo revelador é seu papel no desarmamento e
desradicalização do movimento dos Direitos Civis dos Negros nos
EUA na década de 1960 e a bem-sucedida transformação do
Poder Negro em Capitalismo Negro. Em consonância com os ideais de J. D.
Rockefeller, a Fundação Rockefeller tinha trabalhado em estreita
colaboração com Martin Luther King Sr (pai de Martin Luther King
Jr). Mas sua influência diminuiu com a ascensão das
organizações mais combativas, o Comitê de
Coordenação Contra a Violência aos Estudantes (SNCC) e os
Panteras Negras (Black Panthers). As fundações Ford e Rockefeller
avançaram. Em 1970, doaram 15 milhões de dólares para
"monitorar" organizações dos negros, dando às
pessoas subsídios, associações, bolsas de estudo,
programas de capacitação profissional para capitais de
financiamento para as empresas de propriedade de negros. Contudo, a
repressão, brigas internas e a armadilha dourada do financiamento
levaram à atrofia gradual das organizações negras
radicais.
Martin Luther King Jr fez as ligações proibidas entre o
capitalismo, o imperialismo, o racismo e a Guerra do Vietnã. Como
resultado, depois de ser assassinado, até sua memória se tornou
uma ameaça tóxica à ordem pública. As
fundações e empresas trabalharam arduamente para remodelar seu
legado a fim de que se ajustasse a um formato amigável para o mercado. O
Centro Martin Luther King Jr para a Mudança Social não Violenta,
com uma concessão operacional de 2 milhões de dólares, foi
criado pela Ford Motor Company, General Motors, Mobil, Western Electric,
Procter & Gamble, US Steel e Monsanto, entre outros. O Centro mantém a
Biblioteca de King e arquivos do Movimento dos Direitos Civis. Entre os muitos
programas de gestão do King Center há projetos que trabalham em
estreita colaboração com o Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, Capelães do Conselho das Forças Armadas e outros.
Ademais, "copatrocinou uma série de palestras de Martin Luther King
Jr, chamada 'O sistema de livre iniciativa: um agente para mudança
social de não violência'." Amém.
Um golpe semelhante foi executado na luta antiapartheid na África do
Sul. Em 1978, a Fundação Rockefeller organizou uma
Comissão de Estudos sobre Política dos EUA para a África
Austral. O relatório alertou para a crescente influência da
União Soviética sobre o Congresso Nacional Africano (ANC) e disse
que os interesses estratégicos e empresariais norte-americanos (ou seja,
o acesso aos minerais da África do Sul) seriam melhor servidos se
houvesse partilha genuína do poder político por todas as
raças.
As fundações começaram a apoiar o ANC. O ANC a seguir
virou-se para organizações mais radicais, como o movimento da
Consciência Negra de Steve Biko e mais ou menos eliminou-as. Quando
Nelson Mandela assumiu o cargo de primeiro presidente negro da África do
Sul, foi canonizado como um santo vivo, não só porque era um
combatente da liberdade que passou 27 anos na prisão, mas também
porque acedera completamente ao Consenso de Washington. O socialismo
desapareceu da agenda do ANC. A grande "transição
pacífica" da África do Sul, tão elogiada e louvada,
não significava reforma agrária, nem exigências de
indenização, nem nacionalização das minas da
África do Sul. Ao invés disso houve privatização e
ajustamento estrutural. Mandela concedeu a mais alta condecoração
civil da África do Sul, a Ordem da Boa Esperança, ao seu antigo
apoiante e amigo general Suharto, o assassino de comunistas na
Indonésia. Hoje, na África do Sul, uma ninhada de ex-radicais e
sindicalistas que conduzem Mercedes governa o país. Mas isso é
mais do que suficiente para perpetuar a ilusão da
Libertação Negra (Black Liberation).
A ascensão do Poder Negro (Black Power) nos EUA foi um momento de
inspiração para o surgimento de um movimento progressivo radical
dos Dalit na Índia, com organizações como os Panteras de
Dalit (Dalit Panthers) espelhando a política militante dos Panteras
Negras (Black Panthers). Mas também o Poder Dalit, não exatamente
da mesma forma, foi fraturado e desativado e, com muita ajuda de
organizações da direita hindu e da Fundação Ford,
está a caminho de se transformar em Capitalismo Dalit.
"Dalit Inc pronta a mostrar que os negócios podem superar a
casta", disse o
Indian Express
em dezembro de 2013. Prosseguiu a citar um mentor da Câmara de
Comércio e Indústria indiano da Dalit (DICCI). Ele disse ainda
"conseguir que o primeiro-ministro vá a uma reunião da Dalit
não é difícil na nossa sociedade. Mas para os
empresários da Dalit, tirar uma fotografia com a Tata e Godrej durante o
almoço e lanche é uma aspiração, e prova do que
alcançaram". Dada a situação na Índia moderna,
seria ingênuo e reacionário dizer que os empreendedores de Dalit
não deviam ter um lugar à mesa de honra. Mas se esta é a
aspiração, o quadro ideológico da política de
Dalit, seria uma grande pena. E é pouco provável que ajude o
milhão de dalits que ainda ganha a vida respigando no lixo
carregando fezes humanas sobre as suas cabeças.
Jovens académicos Dalit que aceitam doações da
Fundação Ford não podem ser julgados muito severamente.
Quem mais lhes oferece uma oportunidade de sair da fossa do sistema de castas
indiano? A vergonha, assim como uma grande parte da culpa por essa
sucessão de eventos também cabe ao movimento comunista da
Índia cujos líderes continuam a ser predominantemente a casta
superior. Durante anos, tentou-se colocar a ideia de casta em análise de
classe marxista. Falhou-se totalmente na teoria, bem como na prática. A
divergência entre a comunidade Dalit e a esquerda começou com uma
briga entre o líder visionário Dalit, Dr. Bhimrao Ambedkar, e SA
Dange, sindicalista e membro fundador do Partido Comunista da Índia. A
desilusão do Dr. Ambedkar com o Partido Comunista iniciou-se com a greve
dos trabalhadores têxteis em Bombaim em 1928, quando percebeu que, apesar
de toda a retórica sobre a solidariedade da classe operária, o
partido não considerou condenável que os
"intocáveis" fossem mantidos fora do departamento de tecelagem
(e qualificados só para o mal pago departamento de fiação)
porque o trabalho envolvia o uso de saliva nos fios, que outras castas
consideravam "poluente".
Conforme percebeu Ambedkar, numa sociedade onde os livros sagrados hindus
institucionalizam a impunidade e a desigualdade, a batalha pelos
"intocáveis", pelos seus direitos sociais e cívicos,
era demasiado urgente para esperar a prometida revolução
comunista. Assim, o fosso entre o ambedkarites e a esquerda trouxe um elevado
custo para ambos. Ele fez com que a grande maioria da população
de Dalit, a espinha dorsal da classe trabalhadora indiana, colocasse suas
esperanças de libertação e dignidade no
constitucionalismo, no capitalismo e nos partidos políticos, como o BSP,
que praticam uma importante marca estagnante de política da identidade.
Nos Estados Unidos, como já vimos, fundações empresariais
dotadas por corporações geraram a cultura de ONGs. Na
Índia, a filantropia empresarial direcionada começou a
sério na década de 1990, a era das novas políticas
econômicas. A condição de membro da Star Chamber não
custa barato. O Grupo Tata doou 50 milhões de dólares para aquela
instituição carente, a Harvard Business School, e outros 50
milhões de dólares para a Universidade de Cornell. Nandan
Nilekani da Infosys e sua esposa doaram 5 milhões de dólares como
uma oferta inicial para a Iniciativa da Índia na Yale. Agora, o Centro
de Humanidades Harvard é o Centro de Humanidades da Mahindra depois de
ter recebido sua maior doação de 10 milhões de
dólares do Anand Mahindra do Grupo Mahindra.
No país, o Grupo Jindal, com uma grande participação na
mineração, metais e energia, administra a Escola de Direito de
Jindal Global e, em breve, irá abrir a Escola Governamental de Jindal e
Políticas Públicas. Enquanto a Fundação Ford dirige
uma escola de Direito no Congo, a Fundação New India,
instituída pela Nandan Nilekani e financiada pelas receitas da Infosys,
dá prêmios e bolsas de estudo para cientistas sociais. Já a
Fundação Sitaram Jindal, suportada pela Jindal Aluminium,
anunciou cinco prêmios em dinheiro a serem atribuídos aos que
trabalham para o desenvolvimento rural, redução da pobreza,
educação ambiental e elevação moral. A The Reliance
Group's Observer Research Foundation (ORF), atualmente mantida por Mukesh
Ambani, é projetada nos moldes da Fundação Rockefeller.
Conta com agentes de inteligência reformados, analistas
estratégicos, políticos (que fingem estar uns contra os outros no
Parlamento), jornalistas e políticos como seus "companheiros"
de pesquisa e consultores.
Os objetivos da ORF parecem bastante simples: "Ajudar a desenvolver um
consenso em favor das reformas econômicas." E para moldar e
influenciar a opinião pública, criando,
"opções políticas alternativas viáveis em
áreas tão diferentes como a geração de emprego nos
distritos menos desenvolvidos e estratégias de tempo real para combater
ameaças nucleares, biológicas e químicas".
Inicialmente fiquei intrigada com a preocupação com a guerra
"nuclear, biológica e química" nos objetivos definidos
da ORF. Mas muito menos quando na longa lista dos seus "parceiros
institucionais" encontrei os nomes de Raytheon e Lockheed Martin, dois dos
principais fabricantes de armas do mundo. Em 2007, Raytheon anunciou que toda a
sua atenção estava voltada para a Índia. Será que
pelo menos parte dos 32 mil milhões de dólares do
orçamento de defesa da Índia serão gastos em armas,
mísseis guiados, aeronaves, navios de guerra e equipamentos de
vigilância feitos pela Raytheon e Lockheed Martin?
Será que precisamos de armas para lutar contra as guerras? Ou
será que precisamos de guerras para criar um mercado para as armas?
Afinal de contas, as economias da Europa, EUA e Israel dependem grandemente da
sua indústria de armas. É a única coisa para a qual eles
não subcontrataram a China.
Na nova Guerra Fria entre EUA e China, a Índia prepara-se para
desempenhar o papel do Paquistão como um aliado dos EUA na Guerra Fria
com a Rússia (E neja o que aconteceu ao Paquistão). Muitos desses
comentaristas e analistas "estratégicos" que estão a
publicitar as hostilidades entre a Índia e a China, irá se ver,
podem ser rastreados direta ou indiretamente aos grupos de reflexão e
fundações indo-americanos. Ser um "parceiro
estratégico" dos EUA não significa que os chefes de Estado
fazem ligações telefônicas amigáveis uns com os
outros de vez em quando. Isso significa colaboração
(interferência) em todos os níveis. Isso significa
acomodação das Forças Especiais dos EUA em solo indiano
(um comandante do Pentágono confirmou recentemente isso à BBC).
Significa partilha de inteligência, alteração de
políticas, agricultura e energia, abrindo os setores de saúde e
educação ao investimento global. Significa abertura a retalho.
Significa uma parceria desigual na qual a Índia se mantém
próxima de um abraço de urso e cumpre as ordens de um parceiro
que irá descartá-la no momento em que se recusar a obedecer.
N
a lista dos "parceiros institucionais" da ORF, também se
encontra a RAND Corporation, a Fundação Ford, o Banco Mundial, a
Brookings Institution, cuja missão declarada é fornecer
recomendações práticas e inovadoras que promovam
três objetivos gerais: fortalecer a democracia americana, promover o
bem-estar econômico e social, segurança e oportunidade de todos os
americanos, e garantir um sistema internacional mais aberto, seguro,
próspero e cooperativo. Encontra-se ainda a Rosa Luxemburg Foundation da
Alemanha (Pobre Rosa, que morreu por causa do comunismo, para ter o seu nome
numa lista como esta)!
Embora o capitalismo pretenda basear-se na competição, os que
estão no topo da cadeia alimentar também se têm mostrado
capazes de adotar a inclusão e a solidariedade. Os grandes capitalistas
ocidentais têm feito negócios com fascistas, socialistas,
déspotas e ditadores militares. Eles podem se adaptar e inovar
constantemente. Eles possuem capacidade de raciocínio rápido e
imensa esperteza tática.
Mas apesar de se terem alimentado com sucesso por meio de reformas
econômicas, apesar de terem guerras travadas e países militarmente
ocupados, a fim de colocar no lugar as "democracias" de mercado
livre, o capitalismo atravessa uma crise cuja gravidade não se revelou
ainda por completo. Marx disse: "Portanto, o que a burguesia produz, acima
de tudo, são os seus próprios coveiros. A sua queda e a
vitória do proletariado são igualmente inevitáveis."
O proletariado, como Marx viu, tem estado sob ataque contínuo.
Fábricas foram fechadas, empregos desapareceram, sindicatos foram
dissolvidos. Ao longo dos anos, o proletariado tem sido colocado numa
posição onde uns lutam contra os outros em todos os sentidos
possíveis. Na Índia são hindus contra muçulmanos,
hindus contra cristãos, dalit contra adivasi, casta contra casta,
região contra região. E, no entanto, em todo o mundo, há
resistência. Na China, há inúmeras greves e revoltas. Na
Índia, as pessoas mais pobres do planeta têm-se revoltado para
travar algumas das empresas mais ricas nos seus caminhos.
O capitalismo está em crise. O Gotejamento fracassou. Agora o Jorro
Ascendente também está com perturbações. Como
referido, o colapso financeiro internacional está a aproximar-se. Na
Índia, a taxa de crescimento caiu para 6,9%. O investimento estrangeiro
retrai-se. As principais corporações internacionais sentam-se
sobre enormes acumulações de dinheiro, mas não sabem onde
investir, como terminará a crise financeira. Trata-se de um enorme rombo
estrutural do cilindro compressor do capital global.
Os "coveiros" reis do capitalismo podem acabar por ser os seus
próprios cardeais delirantes, que transformaram a ideologia em
fé. Apesar do seu brilhantismo estratégico, eles parecem ter
dificuldade em apreender um simples fato: o capitalismo está destruindo
o planeta. Os dois truques antigos que usaram para superar as crises passadas
guerra e compras simplesmente não funcionarão.
Permaneci longo tempo frente a Antilhas, a ver o por do sol. Imaginava que a
torre fosse tão profunda quanto alta. Que houvesse uma planta trepadeira
de 27 andares de altura, serpenteando em torno debaixo do solo, sugando
avidamente o sustento da terra, transformando-a em fumaça e ouro.
Por que os Ambanis escolheram chamar seu prédio de Antilhas? Antilhas
é o nome de um conjunto de ilhas míticas, cuja história
remonta a uma lenda ibérica do século VIII. Quando os
muçulmanos conquistaram a Espanha, seis bispos cristãos
visigóticos e seus paroquianos embarcaram em navios e fugiram. Depois de
alguns dias, ou talvez semanas no mar, chegaram às ilhas de Antilhas,
onde decidiram se estabelecer e criar uma nova civilização.
Então, eles queimaram seus barcos para cortar permanentemente
relações com sua pátria dominada por bárbaros.
Ao chamar suas torres de Antilhas, será que os Ambanis esperam romper
suas relações com a pobreza e a miséria da sua
pátria e criar uma nova civilização? Será este o
ato final do movimento separatista de maior êxito na Índia? A
secessão das classes média e alta para o espaço sideral?
Quando a noite caiu sobre Bombaim, guardas em camisas de linho, com
rádios de comunicação, apareceram do lado de fora dos
portões proibidos de Antilhas. As luzes brilhavam, talvez para espantar
os fantasmas. Os vizinhos queixam-se de que as luzes brilhantes de Antilhas
roubaram a noite.
Talvez seja tempo de recuperarmos a noite.
26/Março/2012
Da mesma autora em resistir.info:
A que chamamos paz?
Movimento pela Justiça Global Uma arma que necessita ser afiada
[*]
Escritora, indiana.
O original encontra-se em
www.outlookindia.com/magazine/story/capitalism-a-ghost-story/280234
e a tradução em
www.tensoesmundiais.net/index.php/tm/article/view/356/394
(foram efectuadas pequenas alterações)
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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