A Argentina, a dívida e o Clube de Paris

O que se paga e o que não se paga

por Roberto Navarro [*]

Cartoon de Langer. A equipe económica [da Argentina] acordou com o Clube de Paris o montante total que endivida o Estado nacional: são 8470 milhões de dólares. O acordo foi negociado directamente pelo ministro da Economia, Amadou Boudou. A disputa final foi por causa de dez empréstimos de mais de 100 milhões de dólares que correspondiam a créditos tomados pela última ditadura militar e a passivos das empresas de serviços públicos que foram privatizadas. O ministro negou-se a cancelar esses créditos e o Clube de Paris acabou por aceitar. No Ministério da Economia consideram que o acordo quanto à forma de pagamento – o último ponto que resta negociar – está próxima. A Argentina propõe, tal como nas negociações com os credores privados de 2005 e 2010, uma renegociação que permita que o Estado não dependa dos mercados internacionais de crédito para o seu cancelamento. Está disposta a pagar aproximadamente 1500 milhões de dólares por ano. Assim, o prazo de pagamento estender-se-ia a cinco anos e meio. O clube de potências estrangeiras, que começou por exigir um pagamento à vista, aproximou-se para aceitar um financiamento a três anos. Por causa dessa diferença se está a discutir. A Alemanha é o país mais renitente em aceitar a proposta.

A equipe económica está a negociar mais de 200 empréstimos, tomados junto a 50 empresas de 16 países. Uma alta fonte do Ministério da Economia explicou a Página/12 o processo de negociação: "A partir de 2010 reiniciou-se o processo de negociação com o Clube de Paris, para o efeito de cancelar as dívidas pendentes com os países membros. Paralelamente levou-se a cabo um processo de conciliação de dívidas, consistente em estabelecer quais são elegíveis para a sua negociação e reestruturação no âmbito do Clube, quais são os montantes de capital de cada uma, as taxas de juros aplicáveis e a metodologia estabelecida nos contratos para a aplicação de juros e punições, do que resultou o total de cada dívida numa data determinada".

Na pasta económica asseguram que todas as dívidas que se incluíram têm como fundamento contratos acordados aquando do 10 de Dezembro de 1983. Isto levou a recusar várias reclamações de credores, que somavam mais de cem milhões de dólares, que pretendiam incluir supostas dívidas baseadas em contratos efectuados durante a ditadura militar, não validadas por um governo democrático, as quais não se consideraram legítimas. "As discussões as respeito com a agências oficiais dos países reclamantes consumiram uma parte importante do processo, mas a decisão manteve-se firme no sentido de não admitir estas reclamações (ver nota )", assinalou uma fonte do Ministério da Economia.

NEGOCIAR SEM A PRESENÇA DO FMI

Pelo peso das suas economias e pelos montantes envolvidos em cada caso, há cinco países que estão a definir a negociação: Estados Unidos, Japão, Espanha, Itália e Alemanha. Os Estados Unidos foram o país que teve maior influência para que o Clube acedesse ao pedido da Argentina de negociar em o "guarda-chuva" do Fundo Monetário Internacional. O Japão e a Espanha têm um lobby forte das suas empresas para acordar com a Argentina e assim destravar a possibilidade de fazer negócios que hoje estão vedados devido ao incumprimento (default) com o Clube. A Alemanha, governada por uma administração em geral pouco flexível nas suas negociações, carrega o estigma de aceitar as condições excepcionais que propõe a Argentina no momento em que impõe severos processos de ajuste a países europeus que atravessam momentos difíceis. O governo italiano alinha-se com a Alemanha.

As negociações com o Clube de Partis estão padronizadas. O processo habitual assinala que uma condição necessária para começar a negociação é que o país devedor tenha um acordo standby com o FMI ou que cumpra com o artigo 4, que exige uma revisão anual das contas nacionais. Com este requisito cumprido, o Clube apresenta um menu de financiamento pré-estabelecido, segundo as condições de cada país. O devedor só pode escolher uma opção desse menu.

A Argentina apresentou-se para negociar depois de permanecer nove anos sem manter contactos oficiais para reabrir a negociação, não aceitou a inclusão do FMI na negociação e apresentou a sua própria proposta, sem aceitar um menu pré-estabelecido unilateralmente. "Esta situação incomoda os integrantes do Clube: estão a percorrer um caminho desconhecido e custa-lhes validá-lo", assinalou a Página/12 uma fonte do Ministério da Economia. "Uma das preocupações é que a Argentina estaria a criar um precedentes para casos futuros", acrescentou. Apesar disto, as posições não são homogéneas entre os países com maior peso na negociação: há os que vêem que a Argentina vem pagando a sua dívida, que apresenta uma proposta razoável e que querem voltar a fazer negócios.

A posição argentina é que o acordo é útil para o país só nas condições propostas. "Um acordo difícil de cumprir geraria desconfiança nos mercados e acabaria por ser negativo para o país", é a opinião do governo nacional. No Ministério da Economia querem acordar com o Clube de Paris não só o encerramento definitivo do capítulo do default nacional, também para que possam chegar ao país investimentos directos com financiamento a longo prazo e taxas de juros baixas.

Devido ao forte crescimento da economia nos últimos oito anos, o país requer obras de infraestrutura de alto preço. Há empresas internacionais que se estão a financiar a 20 anos a taxas de 2 por cento ao ano e que poderiam oferecer prazos semelhantes uma taxa de juros de cerca de 4 por cento ao ano. Mas essas empresas só conseguem as condições adequadas de crédito com a garantia de entidades oficiais dos países do Clube de Paris. Há agências de garantias, como Ermes, Coface, Securitas eJVIC, entre ouras, que esperam o acordo do Clube para fazer negócios com as empresas que querem despejar capital na Argentina para realizar obras de infraestrutura.

Outro elemento que o governo considera é que o acordo dispararia mudanças na nota que as classificadoras de risco decidem para o país. Uma subida na qualificação permitiria a alguns fundos de pensão habilitar créditos para empresas argentinas e investir em títulos públicos nacionais, facto que redundaria numa baixa de juros no país. Contudo, afirmam na equipe económica, o país não prevê acelerar o acordo. "A bola está com eles, a Argentina já definiu a sua posição; agora há que esperar que os mesmos lobbies dos interessados em investir no país desbloqueiem as últimas resistências".

15/Maio/2011
[*] robertodnavarro@gmail.com

O original encontra-se em http://www.pagina12.com.ar/diario/economia/2-168182-2011-05-15.html


Três dívidas da ditadura

Quando começou esta ronda de negociação com o Clube de Paris, a quinta desde o retorno à democracia, o Clube reclamou dez empréstimos dentre os quais se contavam dívidas da ditadura militar sem documentar e passivos das empresas privatizadas no anos noventa, que deviam absorver as companhias compradoras. No total somavam mais de 100 milhões de dólares.

O caso que envolveu mais discussões gira em torno de um contrato de construção de uma gasoduto na Patagónia, contratado por Gas del Estado. O empreiteiro era uma empresa estrangeira, que tinha um seguro concedido pela agência oficial de exportações do seu país. O contrato, celebrado em 1978, previa a realização de uma arbitragem na Câmara Internacional de Comércio e, quando surgiram diferenças em torno do cumprimento do contrato por parte da Gal del Estado, a empresa activou esta cláusula. O laudo arbitral, datado de Setembro de 1982, foi favorável à empresa, a qual sobre essa base reclamou e obteve o pagamento reclamado por parte da agência seguradora oficial. Tendo em conta que o Estado nacional se encarregou dos passivos da Gas del Estado, esta agência solicitou a inclusão da soma paga no âmbito da negociação com o Clube de Paris.

Contudo, o governo argentino não reconheceu a validade da arbitragem, sobre a base de que o procedimento para a constituição do tribunal não se ajustou ao direito e que existe uma causa na Justiça argentina que ainda deve dirimir-se sobre esta questão. A posição é que a reclamação é ilegítima e que o governo argentino não vai reconhecer dívida alguma derivada do mesmo.

Outros dois casos envolveram reclamações de dívida efectuadas ao Ministério da Defesa, por contratos firmados em Dezembro de 1977 e em Fevereiro de 1979, por fornecimento de material estratégico, com a garantia de uma seguradora oficial. As referidas reclamações foram apresentadas oportunamente nas negociações do Clube de Paris realizadas entre 1985 e 1992 e a seguradora oficial pretendeu incluí-los nesta instância. Foi-lhe respondido que não nos era possível verificar a legitimidade da reclamação, pelo que não se tornava aceitável a sua inclusão.

O original encontra-se em http://www.pagina12.com.ar/diario/economia/subnotas/168182-53597-2011-05-15.html


Esta notícia encontra-se em http://resistir.info/ .
16/Mai/11