Pela protecção dos direitos individuais e comuns à água
– Iniciativa Legislativa de Cidadãos está em curso

por Luisa Tovar [*]

. 1. CONTEÚDO DO PROJECTO DE LEI
1.1. Direito á água e saneamento
1.2. Política e administração da água
1.3. Travar a privatização por concessões
2. PRINCIPAIS EFEITOS DA APROVAÇÃO DA LEI
3. ENQUADRAMENTO DA INICIATIVA
3.1. Lançamento
3.2. Processo, forma e lei de enquadramento
3.3. Condicionantes ao conteúdo da iniciativa legislativa
3.4. O boicote à informação
4. PONTOS DE FORÇA
5. COMO PARTICIPAR?
5.1. Ser proponente da iniciativa legislativa
5.2. Divulgar, esclarecer e mobilizar

Está aberto à subscrição, como Iniciativa Legislativa de Cidadãos, o Projecto de Lei para protecção dos direitos individuais e comuns à água, que reconhece o direito fundamental à água e ao saneamento e defende o carácter público da água e dos serviços de águas.

É necessária uma enorme mobilização, não só na recolha de assinaturas e na subscrição, como na divulgação, sensibilização e defesa deste projecto, para que se torne em Lei.

Um trabalho imenso, em que se empenharão as mais de cem organizações que já aderiram à Campanha Água é de todos que lançou a iniciativa.

Mas cada pessoa é indispensável.

E aqui se lança o apelo a todos e a cada um, para fazer chegar a oportunidade de subscrição a todas as pessoas, a fim de ser possível contactar, mobilizar e unir milhões de portugueses em defesa da água de todos e para todos.

O documento para subscrição, que transcreve o articulado do Projecto de Lei, pode ser descarregado do portal da Campanha em: www.aguadetodos.com/... ou do portal da Associação Água Pública .

1. CONTEÚDO DO PROJECTO DE LEI

Em linhas gerais o conteúdo do projecto de lei incide nos seguintes pontos:

1.1. Direito á água e saneamento

- Estabelecimento na lei portuguesa do direito à água e ao saneamento, reconhecido pelas Nações Unidas como direito humano fundamental.

1.2. Política e administração da água

- Alteração dos princípios gerais da política e administração da água, de uma visão exclusivamente mercantil e economicista, reorientando-os para a necessidade humana, segurança, interesse comum, equidade de benefícios, adequação ecológica e preservação a longo prazo
- Protecção dos direitos comuns ao domínio público hídrico [1]
- Exercício da autoridade pública sobre a água pelos órgãos públicos, impedindo a delegação em empresas.
- Impedimento da mercantilização da água da natureza, bem como dos monopólios e oligopólios privados da água.

1.3. Travar a privatização por concessões

A privatização da água em Portugal é feita sobretudo através de concessões [2] , de três formas:
a) Concessionando directamente a privados
b) Concessionando a empresas de capitais públicos ou maioritariamente públicos, mas de direito privado, ou seja, que funcionam com as regras de mercado e não orientadas para o serviço público e são "privatizáveis". Depois de feitas as concessões a essas empresas e engordadas com fundos públicos, elas são privatizadas por fases ou totalmente.
c) Concessionando a entidades públicas de direito público, que depois são transformadas em entidades de direito privado, geralmente S.A. , mais tarde privatizadas.

A Iniciativa legislativa impõe travões a esse tipo de privatização:
a) Impedindo novas concessões e renovações a entidades de direito privado
b) Obrigando as concessionárias de capitais exclusivamente públicos a tornar-se entidades de direito público, não privatizáveis.
c) Impedindo a alienação ou enfraquecimento das posições do Estado em concessionárias de capitais mistos e parcerias público-privadas.
Não é viável, nem se considerou desejável neste âmbito, reverter liminarmente as concessões existentes a privados, porque algumas têm clausulados que implicam multas enormes se houver cessação unilateral pelo concedente. Optou-se por uma formulação mais lata, "a revisão dos contratos à luz desta Lei".

2. PRINCIPAIS EFEITOS DA APROVAÇÃO DA LEI

  • Reforço da fruição universal do direito à água e ao saneamento, proporcionando instrumento jurídico de protecção de qualquer pessoa ou colectividade face a ataques à sua fruição e obrigando as políticas públicas da água a orientar-se para assegurar esse direito.
  • Reorientação da política e da administração da água para satisfação da necessidade humana, segurança, interesse comum, equidade de benefícios, adequação ecológica e preservação a longo prazo.
  • Desencadeamento do processo de retorno das concessões de serviços de águas e das concessões de uso exclusivo do domínio público hídrico a entidades públicas não passíveis de privatização, nomeadamente, pela alteração da natureza das concessionárias de capitais públicos, pelo congelamento das concessões a privados e pela proibição da alienação de participações públicas em concessionárias.
  • Cessação da privatização da autoridade pública sobre os recursos hídricos, nomeadamente impedindo a sua delegação a empresas.
  • Administração dos recursos hídricos e serviços de água como condomínio comum e impedimento de tornar a água e o domínio público hídrico numa mercadoria transacionável.
  • Reforço e consolidação do carácter público de diversas Sociedades Anónimas de capitais públicos, em que se contam empresas do grupo Águas de Portugal como as concessionárias de sistemas multimunicipais e a EPAL, e outras concessionárias, como a EDIA SA, que detém a concessão do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva.

3. ENQUADRAMENTO DA INICIATIVA

3.1. Lançamento

A Iniciativa foi lançada no Fórum realizado no âmbito da Campanha Água é de todos , no último sábado, 29 de Outubro, em Lisboa.

3.2. Processo, forma e lei de enquadramento

A Iniciativa legislativa de cidadãos é um Projecto de Lei a ser apresentado à Assembleia da República.
Tem de obedecer, na forma, no processo e no conteúdo, à Lei nº 17/2003, de 4 de Junho , que a regula.
Tem de ser subscrito pelo menos por 35 mil cidadãos eleitores, com nome completo, nº do BI e do Cartão de eleitor, após o que é apresentado à Assembleia da República.
O processo inclui outros textos e documentos além do articulado da Lei, que vos apresentamos agora e que é o que se pretende tornar vinculativo.
Nomeadamente, uma "exposição de motivos e fundamentação" muito detalhada, que, entre várias outros requisitos, tem de demonstrar que o Projecto de Lei é conforme à Lei de enquadramento. Isso, ainda não temos pronto, mas vamos finalizá-lo brevemente e disponibilizá-lo no portal da campanha.
É necessário também ter uma comissão de representantes dos subscritores, constituída por um número mínimo de cinco e máximo de dez cidadãos eleitores; cada uma das dez entidades promotoras da Campanha Água é de Todos indicará uma pessoa para essa comissão de representantes.

Quando a Assembleia da República recebe o processo, examina a conformidade com a Lei nº 17/2003 e faz a verificação das subscrições (em princípio por amostragem).
O Projecto de Lei só é admitido se houver plena conformidade com o estipulado na Lei nº 17/2003.
Este é um dos pontos críticos e muito difíceis, porque não podemos "deixar pontas" de inconformidade. E a Lei 17/2003 mais parece feita para dificultar a iniciativa legislativa de cidadãos e a sua admissão, do que para incentivá-la.
Sendo o Projecto de Lei admitido, é agendada a sua discussão em plenário, é discutido e é votado pelos Deputados.

Naturalmente, a força da iniciativa legislativa de cidadãos é essencialmente uma força política, uma força de pressão política.
E essa força é a que conseguirmos mobilizar, nas subscrições e também em todo o processo, em defesa do nosso projecto de lei.

3.3. Condicionantes ao conteúdo da iniciativa legislativa

Estamos limitados ao permitido pela Lei 17/2003, muito restritiva, nomeadamente no que se refere a dinheiros, e proibitiva em relação a taxas e impostos.
Estamos limitados a uma folha de papel A4 inteligível pelos signatários, como limite viável para a recolha de assinaturas.
E estamos condicionados por uma emaranhado legislativo em redor destas questões da privatização da água.

3.4. O boicote à informação

Todas as acções consequentes em defesa da água pública, a informação e o esclarecimento, deparam com uma barreira intransponível de silenciamento pelos meios de comunicação de grande disseminação.
Mesmo quando são feitas reportagens de iniciativa desses próprios media, quase nunca as publicam. Há uma censura férrea ao trabalho jornalístico nesta área.
Esta barreira existe há anos. Os privatizadores da água trabalham no secretismo e escondem-se atrás de nuvens de obscurecimento e mistificação.
É preciso usar outras formas de dar conhecimento da iniciativa legislativa a cada eleitor e cada eleitora, informar dos objectivos e conteúdo, dar-lhe oportunidade de ser proponente e de defendê-la.
A divulgação e informação, por todos os meios, nomeadamente os menos convencionais, são frentes de luta essenciais e indispensáveis para o sucesso desta iniciativa.
Estão a ser preparados materiais de divulgação específicos, que vão ser disponibilizados no portal da campanha, bem como cartazes e folhetos de divulgação da iniciativa legislativa para distribuição.
Apela-se assim, para além da subscrição, à divulgação e propaganda da Campanha Água é de Todos, e muito em especial, neste momento, da Iniciativa Legislativa de Cidadãos.

4. PONTOS DE FORÇA

Esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos reorienta o regime jurídico-administrativo da água para o cumprimento de princípios fundamentais de direito e para a efectivação da vontade dos cidadãos.

  • O direito à água e ao saneamento foi reconhecido em 28 de Julho de 2010 pela Assembleia das Nações Unidas, através da Resolução A/RES/64/292 "como um direito humano, que é essencial à plena fruição da vida e de todos os direitos humanos" ( ver mais );
  • O Projecto de Lei enquadra-se muito claramente no espírito e na letra da Constituição da República Portuguesa, tanto nos aspectos de reconhecimento e formulação dos direitos individuais e comuns à água e aos serviços de água, como nas responsabilidades e deveres prioritários do Estado, nomeadamente em relação à água, ao domínio público hídrico e à orientação para o bem estar dos cidadãos.
  • A defesa da água pública tem demonstrado ser uma das questões actuais mais mobilizadora e unitária, registando-se numerosíssimas lutas locais em todos os continentes, e casos de impressionantes mobilizações conjuntas de mais de metade da população nacional, como na Bolívia, Uruguai e, mais recentemente, em Itália.
  • Nos últimos anos têm vindo a multiplicar-se por todo o mundo as reversões de privatização da água, as remunicipalizações e a cessação de concessões de águas, por exigência das populações; a remunicipalização do abastecimento de água a Paris em 2009, paradigmático por envolver as duas maiores transnacionais da água, de sede em França, e serviços concessionados desde o século XIX, é apenas um entre muitíssimos exemplos. Também por pressão dos cidadãos, vários países instituíram leis vedando ao sector privado a exploração de serviços de água, como o Uruguai e a Holanda, em 2004.
  • Há numerosíssimos casos de oposição das populações à privatização da água e dos serviços de água. Não há um único registo (nem um só!) de privatização por revindicação dos cidadãos.
  • Em Portugal também tem vindo a crescer a sensibilidade e a mobilização em defesa da água pública. É sintomático o aumento do número e actividade da organizações locais, como comissões de utentes, bem como o aumento de adesões ao relançamento da Campanha "Água é de todos", face às adesões em 2008/2009. Sondagens de opinião, uma em 2009 e outra de 2011 mostram que uma larguíssima maioria de portugueses se pronuncia pela propriedade e gestão pública da água.

Esta iniciativa de cidadãos propõe uma Lei que restitui direitos fundamentais reconhecidos pelas Nações Unidas e pela Constituição, cumprindo a vontade da enorme maioria da população portuguesa.
Esta é uma força "moral". A força factual será a das pessoas que se unirem na defesa desta vontade.

5. COMO PARTICIPAR?

5.1. Ser proponente da iniciativa legislativa


1. Registe os contactos da Sede da Campanha:
"Campanha Água é de todos" ; Rua D. Luis I, nº 20-F, 1249-126 Lisboa.
Telefone 21 095 8400 Fax 21 095 8469
correio electrónico: geral@aguadetodos.com
Portal: http://aguadetodos.com

2. Obtenha a folha de subscrição
Se tem acesso à internet e a uma impressora, descarregue o documento para subscrição aqui ou aqui ; imprima frente e verso (as assinaturas não podem ser feitas em folha diferente do texto)
Caso contrário, contacte a sede da campanha pedindo que lhe enviem uma folha.

3. Subscreva e recolha outras subscrições
Escreva o nome completo, em maiúsculas, bem legível; a assinatura, conforme o documento de identificação; o nº do BI ou Cartão de Cidadão; o nº de eleitor; a data de nascimento (dia/mês/ano).
ATENÇÃO! Os dados têm de estar completos e legíveis, passíveis de verificação pelos serviços Administrativos da Assembleia da República. Só podem subscrever "os cidadãos regularmente inscritos no recenseamento eleitoral em território nacional"

4. Envie para a sede da Campanha
Envie a folha ou folhas com as assinaturas de proponentes para a sede da Campanha. Tem de ser os originais, não pode ser por via electrónica nem fax. As folhas não precisam de estar completamente preenchidas com assinaturas, envie as que conseguiu.
Se quiser, junte o seu contacto, indicando que está interessado em receber notícias e/ou participar em eventos da campanha.

5. Alternativa
A obtenção e entrega de documentos pode também ser feita através de organizações aderentes à Campanha, cuja listagem actualizada está disponível no portal http://aguadetodos.no.sapo.pt ; mas confirme primeiro, por contacto à entidade que escolheu, se esta está de facto a fazer recolha de subscrições e se assegura o encaminhamento à sede da Campanha.

5.2. Divulgar, esclarecer e mobilizar

a) Disseminação e distribuição
É crucial toda a divulgação, informação e propaganda possível, por todos os meios disponíveis: portais, blogs, e-mail, facebook, distribuições de rua, cartazes e jornais de parede, conversa e contactos informais, notícias em publicações associativas, jornais locais...
Priorizando a divulgação da iniciativa legislativa, mas também outra informação sobre a campanha, os direitos à água, a política da água, as privatizações e os seus efeitos, casos em Portugal e noutros países – a informação que não chega a ninguém pelos "meios convencionais".
Principais fontes:

Haverá distribuições de documentos, acções de recolha de assinaturas, eventos e outras iniciativas em que poderá participar ou simplesmente divulgar. Através de organizações aderentes ou da Sede da Campanha pode ser informado das acções próximas da sua área de residência.

b) Divulgação dos endereços na internet c) Criação
Pode enriquecer a comunicação da Campanha com um folheto, um artigo, um cartaz, uma imagem, um vídeo, um conto, um poema, um desenho, uma música?
São diferentes as sensibilidades e os "ouvidos", para chegar a todos temos de falar em muitas vozes...
02/Novembro/2011

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[1]O "Domínio público" refere-se a coisas que, por sua natureza, são públicas e não podem ser propriedade privada, não é permitido transaccioná-las, arrendá-las ou comercializá-las. Tem o sentido de "condomínio", de ser "para uso comum". O domínio público relativo às águas (interiores ou costeiras) designa-se por domínio público hídrico. No direito português a água subterrânea não se inclui no domínio público. Ver artigo 84º da CRP e, para a listagem do que se inclui no domínio público hídrico, a Lei 54/2005. (discussão: ver artigo )

[2] Concessão é o privilégio de exploração de uma coisa pública para benefício próprio; diverge da venda por ser a prazo, assemelhando-se a um arrendamento de longo prazo. A Lei da Água (Lei 58/2005) permite a concessão por 75 anos. Utiliza-se a "concessão" para contornar as restrições de direito à comercialização do domínio público, bem como de outras coisas públicas que, não sendo explicitamente definidas como domínio público, têm natureza semelhante, não podendo ser transaccionadas, nem arrendadas, nem ter outro tipo de contratualização comercial. A concessão é uma privatização. Não pode ser confundida com a contratação de serviços, que não é privatização. Na contratação de serviços o Estado mantém a capacidade de decisão, gere e explora a actividade e paga a um privado para execução de determinados trabalhos. Na concessão são entregues a gestão, exploração e direitos de propriedade (temporários, mas por prazos longuíssimos) ao privado e é esse que paga ao Estado, "compra" ou "arrenda" uma coisa pública; há uma transposição de direitos e funções do Estado para um privado, em benefício desse e privando todos os outros, é uma privatização.


[*] Engenheira. Texto elaborado com base na apresentação da Iniciativa Legislativa de Cidadãos no Forum "A água é de todos, não à privatização", em 29/Outubro/2011.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
05/Nov/11