Desde o primeiro dia estava claro que esta revolução não
era só acerca do pão, era também contra a ditadura e a
corrupção. A revolução foi apoiada por todos os
segmentos da sociedade. Pobres, classe média e mesmo a classe
média alta. Especialmente a classe média mostrou as suas unhas
nos últimos dias em Túnis. Muitos amigos meus que viviam ali e
que são estudantes universitários ou empregados em boas
posições estiveram nas ruas, também a apanhar gás
lacrimogéneo e balas. A juventude desempenhou um papel importante em
tudo isto e os telemóveis combinados com o Facebook conectados
através de serviços proxy foram os media da
revolução. A central sindical (
UGT
) desempenhou o papel do
regulador do momento e indicador político. Ficou claro que enquanto a
central sindical mantinha-se a declarar greves a batalha avançava e que
era o sinal para o povo ir às ruas. Mas não podemos dizer que a
central sindical liderou a revolução; ela ao invés
sincronizou-se com ela, especialmente nos últimos dois dias cruciais.
Ao nível político não havia nenhum partido ou corrente que
por si mesmo desempenhasse um papel principal. A oposição
tradicional que está principalmente no exílio tentou coordenar e
pensou mesmo num governo no exílio. Mas o momento da
revolução era demasiado rápido para que tais planos se
materializassem. O povo não tinham nenhum líder excepto a si
próprio. Isto entretanto colocou para a revolução o
problema de como organizar a transição do poder: quem o
tomará. Só havia três opções: governo no
exílio (mas isso seria só a longo prazo); golpe militar; ou
alguma figura institucional do regime a ocupá-lo. Agora parece que as
duas últimas opções ainda estão abertas. Ghanoushi,
o primeiro-ministro, é de dentro do establishment, mas é muito
provável que venha a estar no poder por pouco dias, alguns acreditam que
por poucas horas. Rumores acerca de o general Ammar tomar o comando e designar
o porta-voz da casa El Mbazaa como curador até que sejam organizadas
eleições em 60 dias estão agora a circular dentro das
fileiras do Exército e da cena política.
Quanto às possíveis tentativas do regime de regenerar-se, isto
talvez possa fazer-se através da criação de desordem e
caos nas ruas. Relatos de violência, saqueio e incêndios são
amplamente difundidos neste momento. Mas é muito improvável que
conduzam a um sentimento contra-revolucionário, porque o povo percebe
que são os aspectos negativos de qualquer revolução,
não há parto sem sofrimento...
Quanto às repercussões sobre o mundo árabe e para
além dele... Elas são espantosas. Todos os ditadores
árabes agora são sacudidos nos seus tronos. Especialmente nos
países do Magreb, mas também Mubarak terá uma noite de
insónia. Os povos árabes agora viram em sabem com certeza o que
um povo pode fazer. Viram um outro povo árabe deitar abaixo o mais
brutal dos ditadores em menos de um mês. Tudo o que foi necessário
foi a unidade e a determinação para ir até o fim. Isto
certamente levará à revitalização de sonhos
revolucionários entre as classes árabes oprimidas (classe
média e massas) e anunciará a aurora da democracia. Os americanos
e os sionistas e também a França hoje estão
nervosos: o seu melhor amigo na área foi chutado... E o povo está
em vias de governar-se na Tunísia com a sua própria agenda com
todos os elementos anti-imperialistas e anti-sionistas da mesma. Uma
Tunísia livre e democrática não será apenas um
modelo de democracia para todos os árabes, ela será também
um abrigo seguro para forças revolucionárias e um lugar de apoio
à resistência contra Israel e os EUA. A aliança
internacional contra a hegemonia do império terá um novo membro.
Agora finalmente, a Tunísia é um belo país que tem um povo
altamente educado, muito crítico e muito interventivo. Os tunisinos
são tanto Magreb como Mashrek, eles parecem como todos os árabes
e falam como todos os árabes, podem formar o núcleo do povo
árabe para a libertação. A Tunísia pode desempenhar
o papel que o Egipto já não é capaz de desempenhar. Na era
da democracia e da liberdade, a Tunísia deve exportar a sua
revolução, mas, antes de tudo, a Tunísia deve
consolidá-la e levá-la ao seu final feliz pela
construção de um sistema baseado na liberdade, igualdade,
diversidade e cidadania. Um real Estado legal e um modelo a seguir. Acredito
que os tunisinos estão entre todos os árabes para esta tarefa.
Observaremos e aprenderemos.