Para além do terrorismo mediático
por Luis Britto García
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Em criança, assistia a uma série do Super-Homem no balcão
do cinema Boyacá quando alguém gritou que saia fumo da tela.
Centenas de pessoas investiram rumo às portas, apesar de não
haver qualquer fumarada.
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Numa Sexta-feira Santa, na basílica de Santa Teresa, alguém
gritou que uma vela havia incendiado um véu. Houve mortos e centenas de
feridos, apesar de não se ter encontrado nenhum trapo chamuscado.
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Em 1939 Orson Welles difundiu pela rádio que os marcianos invadiam a
Terra. Centenas de milhares de estado-unidenses fugiram em pânico pelas
ruas, apesar de nem a polícia nem o exército terem localizado um
só extra-terrestre.
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Em 2002 George W. Bush jurou que Sadam Hussein acumulava armas de
destruição maciça. Para impedi-lo mandou matar mais de um
milhão de iraquianos, ainda que de bomba atómica não se
tenha encontrado nem o mais mínimo sinal.
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Pelo exposto, o leitor verifica que o risco inexistente anunciado pode causar
mais danos que o perigo real efectivo. Se o terrorismo for a
manipulação de condutas mediante a difusão de
ameaças de uma violência ou um dano ilegítimo, o terrorismo
é uma operação mediática.
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Se o terrorismo for mediático, os media podem ser terroristas. Quando
há um terrorismo de Estado, as maiores potências potenciam o maior
terrorismo.
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Os media representam o terrorista como membro de uma pequena seita que
ocasionalmente atenta contra os grande poderes da terra. Ocultam que os
grandes poderes da terra são uma seita colossal que se mantém
graças ao exercício permanente do terror.
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O sector terciário, que ocupa mais de 60 por cento das economias dos
países desenvolvidos, compreende indústrias que manejam
representações e signos do ponto de vista do gerenciamento do
pânico. Finanças e seguros estimulam a poupança como
prevenção contra a miséria, moda e cosméticos
exploram o horror ao envelhecimento e à solidão; o governo
imperial legitima seus atropelos como prevenção contra a
agressão interna e externa; a publicidade e as
comunicações multiplicam suas mensagens como arautos e panaceias
do espanto.
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Recordemos que a comunicação global é monopolizada por
cinco transnacionais. Tenhamos em conta que os media capitalistas defendem o
capitalismo tanto por sua condição de negócio como porque
existem graças à publicidade que os negócios lhes
proporcionam.
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Admitamos que o capitalismo subordina toda consideração de
ética e de veracidade ao lucro. Concluamos que os seus media subordinam
ao lucro toda consideração de veracidade e de ética.
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A primeira operação do terrorismo mediático é a
culpabilização da vítima. A grande potência
terrorista acusa de terrorista o pequeno país invadido; o Estado
terrorista classifica como terrorista o insurgente que lhe resiste; a
transnacional saqueadora desestabiliza o governo que não se lhe submete.
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Na medida em que as comunicações são indispensáveis
para a administração, a economia ou a vida habitual, sua
interferência ou utilização ilegítima pode ser
terrorista. O corte do sinal da televisão do Estado e sua
substituição por mensagens golpistas instaurou a ditadura [na
Venezuela] a 11 de Abril de 2002. O corte maciço de telemóveis
do 13 de Abril poderia ter sido terrorista.
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Na Venezuela os media promovem de forma consistente a anti-política;
tentam suplantar os partidos; incitam de maneira pertinaz à
discriminação étnica e racial, a guerra civil, o
magnicídio e a deposição violenta do governo
legítimo; executaram materialmente um golpe de Estado ao cortar as
comunicações do governo e apoiar a instauração de
uma ditadura; violaram o direito do público à
informação ao ocultar com um apagão mediático a
recusa popular à autocracia; exortam à desobediência
tributária e à destruição da indústria
petrolífera e exercem quotidianamente o veto contra notícias e
comunicadores.
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Em 2 de Dezembro de 2007 o povo votou contra um projecto de Reforma
Constitucional que eliminava todo tipo de propriedade, arrebatava as
crianças aos pais e instaurava uma ditadura absolutista. Esse falso
projecto só existiu nas mensagens dos meios de comunicação
privados, o que não impediu que os votos contra ele bloqueassem o
projecto real, que ampliava a propriedade, aumentava a protecção
à família, fortalecia a democracia.
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A informação é uma arma. A arma mediática é
a única que pretende actuar acima de toda norma: o terrorismo
mediático é a única disputa na qual se supõe que o
agredido não tem direito à legítima defesa.
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Ao uso ilegítimo de uma arma responde-se com as armas da legitimidade.
Para ir mais além do terrorismo mediático requerem-se normas que
o penalizem; meios que o contrariem; educação do público
e sanção dos infratores.
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Na Venezuela as normas tornam obrigatória a informação
verídica, oportuna e equilibrada, penalizam a difamação, a
injuria, a calúnia e o vilipêndio, e os media de serviço
público avançam uma campanha de educação da
cidadania. Na Venezuela existe um sistema administrativo e judicial competente
para sancionar o terrorismo mediático, mas que não cumpre suas
funções.
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O terrorismo procura, mais do que causar pânico ou dor na
população, infundir-lhe o convencimento de que as autoridades
não podem nem prevenir, nem impedir nem emendar um dano anunciado. O
terrorismo persegue o assassinato simbólico de uma ordem como
prelúdio ao assassinato real dos seus integrantes.
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A inércia ou a falta de resposta instila a convicção de
que as autoridades estão derrotadas ou perderam a capacidade ou a
vontade de defender-se. Quando a população se convence disso,
corta-se o vínculo entre governante e governado, e para todos os efeitos
o governo deixa de existir.
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Governo que não for para além do terrorismo mediático
é enviado pelo terrorismo mediático para o além.
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Narrador, ensaista, dramaturgo, desenhista e explorador submarino. Autor de
mais de 60 títulos. Nasceu em Caracas, 1940.
O original encontra-se em
http://luisbrittogarcia.blogspot.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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