A NSA e os seus prestativos ajudantes
por Edward Snowden
entrevistado por Jacob Appelbaum e Laura Poitras
Numa entrevista efectuada através de emails encriptados, o denunciante
Edward Snowden discute o poder da NSA, como está "na cama junto com
os alemães" e o vasto âmbito da espionagem da Internet
efectuada pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha.
Pouco antes de se tornar um nome familiar em todo o mundo, como denunciante,
Edward Snowden respondeu a uma lista abrangente de perguntas. Elas foram feita
por Jacob Appelbaum, 30, um programador de software de
encriptação e segurança. Appelbaum proporciona treino a
grupos internacionais de direitos humanos e jornalistas sobre como utilizar a
Internet de modo anónimo.
Appelbaum tornou-se mais conhecido do público depois de falar em nome do
fundador da WikiLeaks, Julian Assange, numa conferência hacker em Nova
York em 2010. Juntamente com Assange e outros co-autores, Appelbaum divulgou
recentemente uma compilação de entrevistas em forma de livro sob
o título
Cypherpunks: Freedom and the Future of the Internet
.
Appelbaum caiu no radar das autoridades americanas no decorrer da sua
investigação das revelações da WikiLeaks. Desde
então elas apresentaram ordens legais à Twitter, Google e Sonic
para transferirem informação acerca das suas contas. Mas
Appelbaum descreve seu relacionamento com a WikiLeaks como
"ambíguo" e explica aqui como conseguiu apresentar perguntas a
Snowden.
"Em meados de Maio, a autora de filmes documentários Laura Poitras
contactou-me", disse Appelbaum. "Contou-me que estava em contacto com
uma possível fonte anónima da National Security Agency (NSA) que
havia concordado em ser entrevistado por ela".
"Ela estava em vias de apresentar as perguntas e pensou que colocar
algumas questões técnicas específicas era uma parte
importante do processo de verificação da fonte. Um dos objectivos
era determinar se estávamos realmente a tratar com um denunciante da
NSA. Eu tinha profundas preocupações com armadilhas estilo
COINTELPRO. Enviámos nossas perguntas encriptadas de forma segura
à nossa fonte. Eu não tinha conhecimento da identidade de Edward
Snowden antes de ele a revelar ao mundo em Hong Kong. Ele também
não sabia quem era eu. A minha expectativa era que quando o anonimato
fosse removido encontraríamos um homem com cerca de 60 anos".
"As perguntas a seguir são fragmentos de uma entrevista maior que
cobriu numerosos tópicos, muitos do quais são de natureza
altamente técnica. Algumas das perguntas foram reordenadas a fim de
proporcionar o contexto necessário. As perguntas concentram-se quase
inteiramente nas capacidades e actividades da NSA. É crítico
entender que estas perguntas não foram feitas no contexto de
reacção aos acontecimentos desta semana ou mesmo deste mês.
Foram feitas num período relativamente tranquilo, quando Snowden
provavelmente desfrutava seus últimos momentos num paraíso
hawaiano um paraíso que ele abandonou a fim de que toda pessoa no
planeta possa vir a entender a situação actual tal como ele".
"Posteriormente, também tive contacto directo com Edward Snowden em
que revelei a minha própria identidade. Naquela ocasião, ele
exprimiu o desejo de ter os seus sentimentos e observações sobre
estes tópicos publicados quando eu pensasse que fosse o momento certo.
Nota do editor: Os excertos a seguir são retirados da entrevista
original em inglês. Potenciais diferenças de linguagem entre as
versões em alemão e inglês podem ser explicada pelo facto
de que preservámos muito os termos técnicos utilizados por
Snowden nesta transcrição. Explicações de uma parte
da terminologia utilizada por Snowden bem como notas do editor são
apresentadas em notas de rodapé.
Entrevistador:
Em que consiste a missão da National Security Agency (NSA) da
América e como é que este trabalho se compatibiliza com a regra a
lei?
Snowden: Eles querem saber tudo de importante que acontece fora dos Estados
Unidos. Isso é um desafio significativo. Quando se dá a
impressão que se deve saber tudo sobre todo o mundo, começa-se a
acreditar que se pode evadir as regras. Uma vez que as pessoas o odeiam por
evadir aquelas regras, rompê-las torna-se uma questão de
sobrevivência.
Entrevistador:
Estão as autoridades ou os políticos alemães envolvidos no
sistema de vigilância da NSA?
Snowden:
Sim, naturalmente. Nós
[1]
estamos na cama junto com os alemães assim como com a maior parte dos
outros países ocidentais. Por exemplo, nós
[2]
lhe damos a dica de quando alguém que queremos está a voar
através dos seus aeroportos (o que soubemos, por exemplo, através
do telefone celular da namorada de hacker suspeito num terceiro país
totalmente não relacionado e eles entregam-no para nós.
Eles
[3]
não pedem para justificarmos como soubemos alguma coisa e vice-versa,
para isolar os seus líderes políticos da reacção
adversa
(backlash)
de saber quão gravemente estão a violar a privacidade global.
Entrevistador:
"Mas se agora forem revelados pormenores acerca deste sistema, quem
será acusado?
Snowden:
Frente a tribunais dos EUA? Acho que você não está a ser
sério. Diante de uma investigação que descobrisse as
pessoas específicas que autorizaram a intercepção sem
permissão de milhões e milhões de
comunicações, o que em consequência resultaria nas maiores
sentenças da história mundial, os nossos mais altos
responsáveis simplesmente pediriam que a investigação
fosse suspensa. Quem "pode" ser levado à
acusação é irrelevante quando a regra da lei não
é respeitada. As leis são significativas para você,
não para eles.
Entrevistador:
O NSA faz parceria com outros países, como Israel?
Snowden:
Sim. O tempo todo. A NSA tem um corpo maciço responsável por
isto: é o FAD, o Foreign Affairs Directorate.
Entrevistador:
A NSA ajudou a criar o Stuxnet?
(Stuxnet é o verme de computador utilizado contra o programa nuclear
iraniano).
Snowden:
A NSA e Israel escreveram-no em conjunto.
Entrevistador:
Quais são alguns dos grandes programas de vigilância que hoje
estão activos e como os parceiros internacionais ajudam a NSA?
Snowden:
Em alguns casos, os assim chamados Five Eye Partners
[4]
vão além do que faz a própria NSA. Por exemplo, a General
Communications Headquarters (GCHQ) do Reino Unido tem um sistema chamado
TEMPORA. Na comunidade da inteligência de sinais o TEMPORA é
primeiro buffer de Internet que é "tomador total"
("full-take")
não se importando com o tipo de conteúdo e prestando apenas
atenção marginal à Lei de Direitos Humanos. Ele rouba
tudo, num buffer constante para permitir investigação retroactiva
sem que falte um único bit. Exactamente agora o buffer pode guardar
três dias de tráfego, mas isso está a ser melhorado.
Três dias pode não parecer muito, mas lembre-se que não se
trata de metadados. "Full-take" significa que não perde nada e
engole a totalidade de cada capacidade de circuito. Se você enviar um
único pacote ICMP
[5]
e ele andar através do Reino Unido, nós o obtemos. Se você
descarregar alguma coisa e acontece o CDN (Content Delivery Network) ter o
servidor no Reino Unido, nós o obtemos. Se os registos médicos da
sua filha doente forem processados num call center de Londres ... bem,
você fica com a ideia.
Entrevistador:
Haverá uma maneira de contornar isso?
Snowden:
Como regra geral, desde que tenha qualquer outra opção,
você nunca deveria fazer
routing
ou
peer
(conexões) com o Reino Unidos sob nenhumas circunstâncias. Suas
fibras são radioactivas e mesmo retratos
(selfies)
da Rainha [enviados] para o rapaz da piscina ficam registados.
Entrevistador:
Será que a NSA e seus parceiros por todo o globo colhem na rede a
colecção completa de chamadas telefónicas, textos e dados?
Snowden:
Sim, mas quanto eles obtêm depende das capacidades dos sítios
individuais de acumulação
(collection)
isto é, alguns circuitos têm tubagens grandes mas pequenos
sistemas de acumulação, de modo que têm de ser selectivos.
Isto é mais um problema para sítios de armazenagem
além-mar do que os internos
[6]
, o que torna a acumulação interna tão terrífica. A
NSA não está limitada por constrangimentos de energia,
espaço e arrefecimento.
Entrevistador:
A NSA está a construir um novo centro de dados maciço no Utah.
Qual é a sua finalidade?
Snowden:
Repositórios maciços de dados.
Entrevistador:
Por quanto tempo os dados coleccionados são armazenados?
Snowden:
A partir de agora, a armazenagem completa envelhece rapidamente (uns poucos
dias) devido à sua dimensão a menos que um analista tenha
"assinalado"
("tasked")
[7]
um alvo ou comunicação, caso em que as comunicações
assinaladas ficam armazenadas "para todo o sempre", sem
preocupação de política, porque você sempre pode
obter uma dispensa
(waiver).
Os metadados
[8]
também envelhecem, embora menos rapidamente. A NSA quer estar no ponto
em que pelo menos tudo dos metadados seja armazenado permanentemente. Na maior
parte dos casos, o conteúdo não é tão valioso
quanto os metadados porque você pode ou re-buscar conteúdo com
base nos metadados ou, se não, simplesmente programar
(task)
todas as futuras comunicações de interesse para
acumulação permanente uma vez que os metadados contam-lhe o que
realmente quer obter do seu fluxo de dados.
Entrevistador:
Há companhias privadas que ajudam a NSA?
Snowden:
Sim. A prova definitiva disto é a parte difícil porque a NSA
considera as identidades de colaboradores telecom serem as jóias na sua
coroa de omnisciência. Como regra geral, não se deveria confiar em
multinacionais com base nos EUA até que elas provem o contrário.
Isto é triste, porque elas têm a capacidade para proporcionar o
melhor e os mais confiáveis serviços do mundo se realmente
desejassem fazê-lo. Para facilitar isto, organizações de
liberdades civis deveriam utilizar esta divulgação a fim de
pressioná-las a actualizar seus contratos de modo a incluir
cláusulas forçosas indicando que não o estão a
espionar e elas precisam implementar mudanças técnicas. Se
puderem obter a colaboração mesmo de uma só companhia,
isto mudará a segurança das comunicações globais
para sempre. Se não o fizerem, considere abandonar aquela companhia.
Entrevistador:
Haverá companhias que se recusam a cooperar com a NSA?
Snowden:
Sim, também, mas não tenho conhecimento de qualquer lista. Esta
categoria ficará um bocado maior se os colaboradores forem punidos no
mercado pelos consumidores, o que deveria ser considerado Prioridade Um para
todos os que acreditam na liberdade de pensamento.
Entrevistador:
Que sítios web uma pessoa deveria evitar para não ser alvo
da NSA?
Snowden:
Normalmente você será seleccionado especificamente como alvo com
base, por exemplo, no seu Facebook ou no conteúdo do seu webmail. O
único que sei pessoalmente que pode apanhá-lo resultando em
não alvo são fóruns jihadi.
Entrevistador:
O que acontece depois de a NSA visar um utilizador?
Snowden:
Eles ficam simplesmente possuídos. Um analista obterá um
relatório diário (ou planeado com base no sumário de
exfiltração) sobre o que mudou no sistema, PCAPS
[9]
dos dados restantes que não foram entendidos pelos dissecadores
(dissectors)
automatizados e assim por diante. O analista está preparado para fazer
seja o que for que eles queiram nesta altura a máquina do alvo
já não lhes pertence mais, pertence ao governo dos EUA.
Notas:
1. "Nós" refere-se à NSA
2. "Nós" refere-se ao aparelho dos serviços de
inteligência dos EUA
3. "Eles" refere-se às outras autoridades
4. Os "Parceiros de cinco olhos" ("Five Eye Partners")
é uma referência aos serviços de inteligência dos
Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia e
Canadá.
5. "ICMP" é uma referência ao Internet Control Message
Protocol. A resposta de Snowden aqui era altamente técnica, mas era
claro que estava a referir-se a todos os pacote de dados enviado para ou da
Grã-Bretanha.
6. "Interno" é uma referência aos Estados Unidos.
7. Neste contexto, "tasked" refere-se ao pleno coleccionamento e
armazenagem de metadados para quaisquer identificadores combinado pela NSA ou
seus parceiros.
8. "Metadados" pode incluir números de telefone,
endereços IP e tempos de conexão, dentre outras coisas. A revista
Wired
apresenta uma boa introdução aos
metadados
.
9. "PCAPS" é uma abreviatura da expressão "packet
capture".
O original encontra-se em
www.spiegel.de/...
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
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