Morrem os jornais zumbis: Que morram!
Os diários morreram realmente há uma geração
e agora são os seus cadáveres que por aí perambulam
Os títulos dos jornais e dos noticiários de TV soam a
obituários para o negócio do jornalismo, como se de repente a
indústria estivesse "de patas para cima" a morrer. Os grandes
diários dos EUA efectivamente sofrem grande agitação
financeira e alguns importantes recentemente fecharam as suas portas, enquanto
a maioria reduz pessoal. Alguns, como o
Wall Street Journal
e
Los Ángeles Times,
encolheram fisicamente a apertaram os seus cintos ao máximo, ao passo
que o
The Detroit News/Free Press
e o
Seattle Post-Intelligencer
afastam-se do papel impresso para converterem-se em diários virtuais.
Há pouco fecharam jornais como o
Rocky Mountain News,
de 150 anos, em Denver, o
Cincinnati Post,
de 128 anos, em Cincinnati; e o
Albuquerque Tribune,
de 87 anos. Agora engrossam o monte de diários que servem de
lápide à indústria.
Contudo, a história do colapso do jornalismo é uma notícia
velha, como muito do que lemos na imprensa diária. Os jornais já
morreram há bastante tempo. A única novidade é que os seus
corpos de zumbi continuam o jogo. Sei que isto parece cruel e, sem
dúvida, despertará a cólera de legiões de
cortadores de cupons, entusiastas das palavras cruzadas e outros que leram a
nota só até aqui.
O lucro e a cobiça matam os grandes diários
O colapso da indústria jornalística foi antecipado pela sua perda
da diversidade e do pluralismo. O modelo do monopólio chegou a dominar a
indústria até a metade do século XX. Quase em cada cidade
dos EUA houve um diário dominante, mantido a flutuar por uma economia de
escala cada vez maior, que afugentou a sua concorrência do
negócio. Antes do fim do século, aproximadamente 98% das cidades
estado-unidenses converteram-se em urbes de um só jornal.
Os monopólios ameaçaram a democracia, como os diários a
actuarem muitas vezes como porteiros das notícias regionais, cujo
controle lhes permitiu dominar a política local e alcançar um
poder sem limites. Poucos políticos atingido pelo diário local
viveram sabiamente para contar. E subiram os preços da publicidade e,
por vezes, ao ponto de ameaçar a própria existência do
negócio.
Com os seus monopólios regionais, os jornais geraram regularmente lucros
para os seus investidores da Wall Street, convertendo-se numa das
indústrias mais rentáveis do país. Contudo, mataram a
lenda romântica do jovem repórter que perseguia as notícias
quentes, lutava contra a corrupção, dava furos
jornalísticos e salvava a democracia. Os conglomerados controladores do
negócio converteram-no simplesmente numa fábrica de lucro,
assumido cada vez mais não para informar, educar ou agitar e sim para
fazer dinheiro.
O modelo do monopólio deu aos jornais bem-estar financeiro, mas este
resultou efémero porque a arrogância dos editores que engordaram
os seus lucros viram estes lucros mais como um direito do que como algo que
devessem conservar com algum trabalho. Sem competição, despediram
pessoal inclusive em épocas financeiras boas, impelidos pela
cobiça de margens de lucro cada vez maiores. As histórias
genéricas relatadas pelas agências de notícias
substituíram de maneira contundente a investigação de
situações noticiosas locais e os jornais perderam significado
fonte de informação local.
O modelo matou notícias... e leitores
O modelo do lucro prostituído significava que os jornais evitavam morder
as mãos dos que os alimentavam. Isto significava evitar histórias
que aborrecessem anunciantes, amigos de anunciantes e da gente que os
anunciantes bajulassem. Significava também evitar qualquer
controvérsia que pudesse de qualquer forma inquietar qualquer parte que
pudesse um dia pensar em fazer publicidade. Entre estas duas categorias
censuradas está a maior parte das matérias que tornam os jornais
tanto necessários como vibrantes.
Na sua forma mais extrema, o modelo do lucro prostituído significava
não só tentar não ofender como realmente bajular os
anunciantes. Portanto, os jornais substituíram notícias duras por
notícias suaves, historietas sem valor sugeridas por anunciantes e
secções inteiras do jornal orientadas por publicitários.
Pense acerca disto: Quando foi a última vez que leu uma notícias
na secção automobilística crítica de um carro, ou
uma notícia na secção imobiliária crítica de
padrões de desenvolvimento irresponsáveis?
A nível macro, o lema "beneficiem-se do poder e não
façam perguntas" a que os jornais aderiram deixou-nos com
praticamente todos os principais quotidianos nos Estados a papaguearem
vergonhosamente a propaganda desacreditada da administração Bush
nos preparativos de 2003 para a invasão do Iraque. De facto, muitos
críticos dos media agora argumentam que o viés pró guerra
dos jornais americanos foi um factor chave para permitir que a
administração Bush levasse o país à guerra. Fontes
de notícias alternativas, residentes sobretudo no ciberespaço,
contestaram esta falsa informação com o que se demonstrou serem
análises prescientes e informação mais precisa mas
elas não podia conter a desinformação disseminada pelos
jornais.
Olhe a contagem do Project Censored relativa às notícias mais
importantes mas menos relatadas dos últimos 20 anos. Eles escolhem 25
notícias impressionantes por ano matérias como a
Halliburton a vender tecnologia nuclear para o Irão, a Halliburton a
obter contratos para construir centros de detenção nos EUA e
acções da Halliburton de Dick Cheney a subirem 3000 por cento
durante a guerra do Iraque. Estas notícias vão desde
permissões do governo para carcinogénicos na nossa água e
comida à destruição do habeas corpus e das
protecções de direitos humanos básicos e a pilhagem
corporativa por atacado de recursos naturais.
Mas, em qualquer ano considerado, pode contar o número destas
notícias divulgadas pelos jornais diários pelos seus polegares
e muitas vezes deixando um polegar ou dois de fora. Os jornais
deixaram-nas cair. Eis porque nos voltámos para outras fontes para a
nossa informação.
Sucateando a marca
New York Times
Certo, o modelo papel de jornal de transformar florestas em polpa de papel
está datado na era digital, mas não é por essa
razão que estas organizações de notícias em massa
estão a morrer. Os principais jornais de hoje têm, em
média, um século ou mais de construção de marca sob
a sua cintura. Eles deveriam ser os reconhecidos jogadores mestres na
indústria das notícias, em todos os media. Deveriam ser marcas
fortes e bem colocadas para dominar a paisagem convergente dos media mas
após uma geração de auto-complacência, as suas
marcas, e portanto o seu valor na Wall Street, são lixo. Depois de
levar-nos à guerra com a pouco inteligente Judith Miller a torcer pela
administração Bush, porque deveríamos nós confiar
no
New York Times
para informação acerca do Iraque? E na verdade porque raios
deveríamos pagar pela sua desinformação?
Muitas das histórias que estamos a ler e assistir acerca do colapso dos
jornais são de autoria de jornais a choramingarem acerca da sua
própria morte auto-induzida, ou por organizações de TV
analogamente dirigidas e igualmente prostituídas, a alegrarem-se
prematuramente com o mal alheio, a morte dos jornais, como se elas não
seguissem estreitamente o mesmo caminho para a irrelevância. A faltar
nesta análise está a cobertura acerca do crescimento consequente
de organizações de media democráticos que realmente
desafiam o status quo e informam novas notícias realmente perturbantes.
Neste contexto, o noticiário não é uma corrida para a
geração de iliteracia e apatia e sim algo muito mais
esperançoso rumo à revolução dos media. Vamos
encarar isto como um ajustamento de mercado, com o valor do modelo propaganda a
cair em queda livre. Isto não é um desenvolvimento mau.
A lista de Craig e o fim da civilização
Contudo, os grandes media não morrem com elegância. Não.
Eles estão apinhados com um conjunto de gabarolas os chamados
peritos que nos dizem que os jornais foram liquidados pela Lista de
Craig
[1]
.
Pense acerca disso. Parece que a misteriosa perda de receita dos classificados
acabou por ser a bala de prata que põe o morto-vivo a descansar. Mas (e
raramente alguém pergunta) porque os diários perderam os seus
anúncios classificados? Por coincidência, esta perda veio nos
calcanhares da sua redução de leitores. E muitos daqueles
anúncios migraram não para a Lista Craig e sim para
semanários alternativos que têm estado a captar as omissões
de reportagem quando os grandes se esquivam às histórias
perigosas. Isto é o mercado em funcionamento Friedman, não
Marx. Onde é que você olha quando quer arrendar um apartamento? E
os semanários não herdaram estes anúncios dos parentes
mortos eles trabalharam por eles ao mesmo tempo que os diários
paravam de trabalhar.
Para o jornalismo prosperar, os jornalistas precisam ser pagos. Os
críticos dos media democráticos apressam-se a destacar que o
mercado não pode suportar um milhão de locais de
informação on line, e as pequenas organizações de
media podem apenas permitir-se pequenos salários para um punhado de
trabalhadores. Assim, prossegue a argumentação, precisamos de um
novo modelo para financiar a qualidade dos media.
É verdade, realmente. Mas este mesmo argumento muitas vezes opera com
base na premissa de que o velho modelo grandes jornais monopolistas
estavam a fazer isso e que a morte desses grandes significa agora o fim
do jornalismo como profissão.
O sistema de remuneração pelo qual os profissionais do jornalismo
são pagos tem sido louco deste há muito pois concede
prémios aos piores redactores, os mais invertebrados e lambe botas,
enquanto pune o trabalho árduo dos jornalistas que assumem riscos. Vamos
examinar o
New York Post,
por exemplo claramente um dos piores pasquins do país, o mais
sensacionalista, traficante do medo e xenofóbico. Eles empregam alguns
dos mais altamente pagos "jornalistas" na indústria. Enquanto
isso, na mesma cidade, o poderoso
Indypendent
(sim, grafa-se com um "y") que ganhou prémios confia em
redactores voluntários para algumas das melhores reportagens locais de
investigação do país.
Se cessarmos de premiar lacaios por liquidar a sua suposta profissão,
isso não é uma coisa má. Descobrir fluxos de receita para
pagar bons jornalistas e toda uma outra questão.
Não há lágrimas para o media corporativos
A questão de fundo aqui é que apesar de não haver um
futuro para os jornais sem alma, aqueles dos zumbis monopolistas, há um
futuro para o jornalismo. Recordo de uma reunião que tive há uns
poucos anos com uma delegação de jornalistas ucranianos. Eles
eram todos de meia-idade, o que significa que eram treinados como jornalistas
numa sociedade soviética totalitária onde não havia
jornalismo
[2]
. Entretanto, geração após geração,
jornalistas ambiciosos aprenderam qualificações de que foram
impedidos de usar. Então o império entrou em colapso e quando
isso aconteceu havia jornalistas à espera para sair da
hibernação.
Talvez esta seja a notícia aqui. Talvez o colapso dos jornais
monopolistas auto-censurados finalmente rompa o colete de força que a
mediocridade manteve sobre o jornalismo durante uma geração.
Talvez isto signifique que bons jornalistas não terão de se
manter em outras profissões para poderem sustentar-se. Talvez isto
signifique que os compadres não editem mais jornais.
Ou talvez não venha a mudar senão o canal pelo qual é
entregue a desinformação e a trivialidade. Em qualquer caso,
não vou derramar quaisquer lágrimas pelos media corporativos.
[*]
Professor de jornalismo e estudos de media no Buffalo Sate College, colaborador
de
Projecto Censurado
. Seus escritos estão disponíveis em
www.artvoice.com
, e
www.mediastudy.com
.
[1]
Craigslist
:
rede centralizada de comunidades online que apresenta anúncios
classificados gratuitos.
[2] É a opinião do autor. Resistir.info não tem
concordar
com tudo para publicar um artigo, mesmo quando o autor diz enormidades.
O original encontra-se em
http://www.medios.org.ar/?p=416
. Há versão em castelhano em
http://www.argenpress.info/search?q=Niman
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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