Excertos das declarações históricas que
Bradley Manning prestou em tribunal a 28 de Fevereiro de 2013, onde explica
as razões porque divulgou documentos através
da Organização WikiLeaks. O texto integral das declarações, com
35 páginas, encontra-se
aqui
.
Introdução
Escrevi este artigo na prisão, portanto
Os factos seguintes
são fornecidos em apoio do inquérito provisório para o meu
tribunal marcial, Estados Unidos vs, Pcf. Bradley E. Manning.
Sou um recruta de 25 anos no exército dos Estados Unidos actualmente a
prestar serviço na Headquarters and Headquarters Company, HHC, US Army
GarrisonUSAG, Joint Base Myer, Henderson Hall, Fort Meyer, Virginia.
Antes desta comissão, prestava serviço na HHC, Equipa da 2ª
Brigada de Combate, 10ª Divisão da Montanha (infantaria ligeira) em
Fort Drum, Nova Iorque. A minha especialidade militar principal é '35
fox-trot': analista de informações
[1]
. Entrei ao serviço activo em 2 de Outubro de 2007. Alistei-me na
esperança de obter experiência do mundo real e obter
benefícios ao abrigo da Lei G.I.
[2]
para prosseguir os meus estudos.
Como Bradley travou conhecimento com a WikiLeaks
A primeira razão para seguir a WLO [Organização da
WikiLeaks] no IRC
[3]
foi a curiosidade, especialmente em relação a como e
porquê eles obtinham as mensagens SMS acima referidas. Pensei que as
informações reunidas na WLO me ajudariam nesse objectivo.
Inicialmente, apenas observei as conversas no IRC. Queria saber como estava
estruturada a organização e como é que obtinha os seus
dados. As conversas que observei eram normalmente de natureza técnica
mas por vezes caíam num debate animado sobre questões em que as
pessoas eram muito sensíveis.
Durante algum tempo fui-me envolvendo mais nesses debates em especial quando as
conversas se viravam para acontecimentos geopolíticos e tópicos
de tecnologia da informação, como a ligação em rede
e os métodos de cifragem. Com base nessas observações,
descreveria a organização WLO [discussões?] como quase de
natureza académica.
Como escolher um veículo de comunicação social
Em casa de uma tia minha interroguei-me sobre o que devia fazer com as SigActs
[Actividades Significativas], em especial se devia retê-las ou
revelá-las a uma agência noticiosa. Nessa altura decidi que fazia
sentido revelar as tabelas SigActs a um jornal americano. Primeiro liguei para
o meu jornal local,
The Washington Post,
, e falei com uma mulher que disse ser jornalista. Perguntei-lhe se o
Washington Post
estaria interessado em receber informações que teriam um valor
enorme para o público americano. Embora tivéssemos falado durante
cinco minutos sobre a natureza geral do que eu possuía, acho que ela
não me levou a sério. Informou-me que o
Washington Post
poderia estar interessado, mas que essas decisões só eram
tomadas depois de verem as informações a que eu me referia e
depois da apreciação pelos editores seniores.
Então decidi contactar o maior e mais popular jornal,
The New York Times.
Liguei para o número do editor público na website do
New York Times
. O telefone tocou e fui atendido por uma máquina. Percorri o menu
à procura de novas pistas. Fui encaminhado para um gravador. Deixei uma
mensagem declarando que tinha acesso a informações sobre o Iraque
e o Afeganistão que considerava muito importantes. No entanto, apesar de
deixar o número do meu telefone Skype e o meu endereço pessoal de
email, nunca recebi resposta do
The New York Times.
Também pensei por momentos em passar pelos escritórios do
Politico,
um blogue de comentários políticos, mas as
condições do tempo durante a minha folga impediram os meus
esforços para viajar. Depois do fracasso desses esforços acabei
por decidir apresentar os materiais à WLO [Organização
WikiLeaks]. Não tinha a certeza se a WLO iria mesmo publicar as tabelas
SigActs. Receava que elas não servissem para chamar a
atenção dos meios de comunicação americanos. No
entanto, baseando-me no que tinha lido sobre a WLO durante a minha pesquisa
acima referida, pareceu-me ser o melhor meio ao meu alcance para divulgar essas
informações a todo o mundo.
Registos sobre a Guerra do Iraque e do Afeganistão
Enquanto analista, considerei as SigActs dados históricos. Creio que
esta opinião é partilhada por todos os analistas de todas as
origens. As SigActs dão uma primeira impressão de um
acontecimento específico ou isolado. Esse acontecimento pode ser um
ataque com um engenho explosivo improvisado, um confronto com uma força
hostil com armas de fogo ligeiras, ou qualquer outro incidente que uma unidade
específica tenha documentado e registado em tempo real. Na minha
perspectiva, as informações contidas numa única SigAct ou
num grupo de SigActs não são muito sensíveis. Os
acontecimentos encapsulados na maior parte das SigActs envolvem confrontos com
o inimigo ou baixas. A maior parte destas informações são
noticiadas publicamente pelo gabinete de relações
públicas), pelos meios de comunicação com ele ligados, ou
pelos meios de comunicação da nação hospedeira.
Para mim, as SigActs representavam a realidade no terreno dos conflitos no
Iraque e no Afeganistão. Sentia que estávamos a pôr em
risco muita coisa por causa de pessoas que não pareciam dispostas a
cooperar connosco, levando à frustração e [raiva,
ódio?] de ambos os lados.
Comecei a sentir-me deprimido com a situação em que nos
encontrávamos cada vez mais atolados. As SigActs documentavam isso com
grande pormenor e forneciam um contexto para o que estávamos a ver no
terreno. Ao tentar efectuar operações de contra-terrorismo e de
contra-rebelião, ficámos obcecados em capturar e matar alvos
humanos e suspeitar e evitar a cooperação com os nossos parceiros
da Nação Hospedeira, ignorando os efeitos de segunda e terceira
ordem para cumprir metas e missões a curto prazo.
Achei que, se o público em geral, especialmente o público
americano, tivesse acesso às informações contidas nas
tabelas CIDNE-I e CIDNE-A
[4]
, isso podia provocar um debate interno sobre o papel das forças armadas
e sobre a nossa politica externa em geral no que se refere ao Iraque e ao
Afeganistão.
Também achei que a análise pormenorizada dos dados durante um
longo período de tempo pelos diferentes sectores da sociedade poderia
levar a sociedade a reavaliar a necessidade ou mesmo o desejo de se envolver em
operações de contra-terrorismo e contra-rebelião que
ignoram a dinâmica complexa das pessoas que vivem diariamente no meio
afectado.
Anexei um texto que redigira enquanto me preparava para fornecer os documentos
ao
Washington Post.
Forneci umas linhas de orientação simples que diziam,
"Já estão limpos de qualquer fonte identificadora das
informações. Pode ser necessário reter estas
informações talvez 90 ou 100 dias para decidir como
divulgar melhor uma tão grande quantidade de dados e proteger as fontes.
Este é provavelmente um dos documentos mais significativos da nossa
época que elimina o nevoeiro da guerra e revela a verdadeira natureza da
guerra assimétrica do século vinte e um. Bom dia".
Depois de enviar isto, deixei o cartão de memória no estojo da
máquina fotográfica em casa da minha tia para a eventualidade de
voltar a precisar dele no futuro. Regressei da minha folga a 11 de Fevereiro de
2010. Embora as informações ainda não tivessem sido
publicadas pela WLO, tenho um sentimento de alívio por ela as possuir.
Sinto que cumpri uma coisa que me faz ter a consciência tranquila quanto
ao que vi e que li e que soube que estava a acontecer no Iraque e no
Afeganistão todos os dias.
Crimes colaterais
O vídeo apresentava vários indivíduos contratados por uma equipa de armas aéreas
. A princípio não achei que o
vídeo fosse muito especial, porque já havia observado
inúmeros outros vídeos tipo "guerra porno" descrevendo
combates. Porém, a gravação e os comentários
áudio da equipa de armas aéreas e o segundo confronto no
vídeo com uma camioneta de caixa aberta Bongo desarmada perturbaram-me.
Quando Showman e outros analistas e oficiais no T-SCIF
[5]
começaram a comentar o vídeo e a discutir se a
tripulação violou as regras de batalha no segundo confronto,
afastei-me desse debate e decidi fazer uma investigação sobre o
incidente. Queria saber o que acontecera e se havia algum antecedente para os
acontecimentos do dia em que ocorreu o incidente, a 12 de Julho de 2007.
Usando o Google, procurei o incidente pela data e pela sua
localização geral. Encontrei vários relatos novos
envolvendo dois empregados da Reuters que tinham sido mortos durante o
confronto com a equipa de armas aéreas. Outra notícia explicava
como a Reuters havia pedido uma cópia do vídeo ao abrigo da Lei
da Liberdade de Informação. A Reuters queria ver o vídeo a
fim de perceber o que acontecera e melhorar as suas práticas de
segurança em zonas de combate. Citava-se um porta-voz da Reuters que
dizia que o vídeo podia ajudar a impedir a repetição da
tragédia e achava que era uma necessidade compulsiva a
divulgação imediata do vídeo.
Apesar da apresentação do pedido ao abrigo da Lei da Liberdade de
Informação, a notícia explicava que o CENTCOM [Comando
Central] respondera à Reuters, afirmando que não podiam
estabelecer um prazo para apreciação do pedido e que o
vídeo podia já não existir. Outra notícia que
encontrei, escrita um ano depois, dizia que apesar de a Reuters continuar a
insistir no pedido, ainda não tinha recebido uma resposta formal ou
qualquer determinação escrita de acordo com a Lei da Liberdade de
Informação.
O facto de nem o CENTCOM nem as Forças Multinacionais do Iraque terem
libertado voluntariamente o vídeo ainda me preocupou mais. Fiquei com a
certeza de que o incidente ocorrera porque a equipa de armas aéreas
identificara erradamente os funcionários da Reuters como uma
ameaça potencial e que as pessoas na camioneta Bongo estavam apenas a
tentar socorrer os feridos. As pessoas na camioneta não eram nenhuma
ameaça mas apenas "bons samaritanos". Mas, para mim, o aspecto
mais alarmante do vídeo era a sede de sangue aparentemente deliciada que
a equipa de armas aéreas parecia ter.
Desumanizaram os indivíduos que haviam atacado e pareciam não dar
valor à vida humana, e referiam-se a eles como, cito, "canalhas
mortos", e felicitavam-se pela sua capacidade de matar em grande
quantidade. A certa altura do vídeo há um indivíduo no
chão a tentar arrastar-se para se pôr a salvo. O indivíduo
está gravemente ferido. Em vez de chamar ajuda médica para o
local, um dos membros da equipa de armas aéreas pede verbalmente que a
pessoa ferida agarre numa arma para poder ter razão para agir. Para mim,
isto é o mesmo que uma criança torturar formigas com uma lente de
aumentar.
Embora entristecido pela falta de preocupação dos membros da
equipa das armas aéreas quanto à vida humana, fiquei perturbado
com a descoberta de crianças feridas no local. No vídeo, podemos
ver uma camioneta Bongo a chegar para ajudar o indivíduo ferido. Em
resposta os membros da equipa de armas aéreas assumem que os
indivíduos são uma ameaça. Pedem várias vezes
autorização para fazer fogo sobre a camioneta Bongo, e quando a
obtêm, atiram sobre o veículo pelo menos seis vezes.
Pouco depois do segundo ataque, chega ao local uma unidade de infantaria
mecanizada. Em breve os membros da equipa de armas aéreas ficam a saber
que havia crianças na carrinha. Apesar dos ferimentos, a equipa
não mostra qualquer remorso. Pelo contrário, minimizam o
significado das suas acções, dizendo, cito, "Bom, a culpa
é deles por trazerem crianças para uma batalha".
Os membros da equipa de armas aéreas, segundo parece, não sentem
qualquer simpatia pelas crianças ou pelos pais. Posteriormente, de modo
especialmente perturbante, os membros da equipa de armas aéreas
vocalizam a sua satisfação ao ver um dos veículos passar
por cima de um dos corpos.
Depois da divulgação, fiquei preocupado com o impacto do
vídeo e como seria recebido pelo público em geral. Tinha a
esperança de que o público ficasse tão alarmado como eu
quanto ao comportamento dos membros da equipa das armas aéreas. Queria
que o público americano soubesse que nem toda a gente no Iraque e no
Afeganistão era um alvo que tinha que ser neutralizado mas, pelo
contrário, pessoas que lutavam para viver no ambiente de panela de
pressão a que chamamos uma guerra assimétrica. Depois da
divulgação fui encorajado pela reacção dos meios de
comunicação e do público em geral que observaram o
vídeo da equipa das armas aéreas. Conforme eu esperava, os outros
ficaram tão perturbados ou ainda mais do que eu com o que
viram.
15 iraquianos detidos
A 27 de Fevereiro de 2010, foi recebido um relatório de um
batalhão subordinado. O relatório descrevia um incidente em que a
Polícia Federal detivera 15 indivíduos por imprimirem literatura
anti-iraquiana. A 2 de Março de 2010, recebi instruções de
um oficial da secção S3 na 2ª Brigada da Equipa de Combate,
do Centro de Operações Tácticas da Divisão de
Montanha [infantaria ligeira], para investigar a questão e descobrir
quem eram, cito, os "rapazes maus", e até que ponto esse
incidente era significativo para a Polícia Federal.
No decurso da minha investigação descobri que nenhum dos
indivíduos tinha ligações anteriores com
acções anti-iraquianas nem com grupos suspeitos de
milícias terroristas. Horas depois, recebi diversas fotos do local do
batalhão subordinado. Foram enviadas acidentalmente para uma oficial
duma equipa diferente na secção S2, e ela reencaminhou-as para
mim.
Essas fotos incluíam o retrato dos indivíduos, [paletes?] de
papel sem impressão e as cópias apreendidas dos documentos
impressos finais, e uma foto de alta resolução do material
impresso. Imprimi uma cópia da foto de alta resolução.
Laminei-a para facilitar a utilização e a transferência.
Depois fui ao Centro de Operações Tácticas e entreguei a
cópia laminada à nossa intérprete de Categoria 2.
Ela analisou as informações e cerca de meia hora depois
entregou-me uma tradução por alto para inglês na
secção S2. Li a tradução e falei com ela,
pedindo-lhe para ela a situar no contexto. Ela disse que lhe tinha sido
fácil uma tradução integral uma vez que eu havia ampliado
e laminado a fotografia. Disse-me que a natureza geral do documento era
inócua. O documento, como eu também já me apercebera, era
apenas uma crítica académica ao então primeiro-ministro
iraquiano Nouri-al-Maliki.
Dava pormenores sobre a corrupção no gabinete do governo de
al-Maliki e o impacto financeiro dessa corrupção no povo
iraquiano. Depois de descobrir esta discrepância entre o relatório
da Polícia Federal e a tradução da intérprete,
enviei essa descoberta para a chefia do OIC e para o NCOIC de batalha. A chefia
do OIC e o capitão de batalha [não disponível]
informaram-me que já não queriam informações dessas
nem precisavam delas. Disseram-me, cito, para "desligar" e para me
limitar a ajudá-los e à Polícia Federal a descobrir onde
podia haver mais dessas tipografias, cito, de "literatura
anti-iraquiana".
Não pude acreditar no que estava a ouvir, regressei ao T-SCIF e
queixei-me aos outros analistas da minha secção do NCOIC quanto
ao que tinha acontecido. Alguns mostraram-se compreensivos, mas ninguém
quis fazer nada quanto a isso.
Sou o tipo de pessoa que gosta de saber como funcionam as coisas e, enquanto
analista, isso significa que quero sempre descobrir a verdade. Ao
contrário de outros analistas na minha secção ou de outras
secções na Equipa da 2ª Brigada de Combate, não me
contento em arranhar a superfície e produzir análises enlatadas
ou "rotineiras". Queria saber porque é que uma coisa era o que
era, e o que é que podíamos fazer para corrigir ou minimizar a
situação.
Sabia que, se continuasse a ajudar a Polícia Federal de Bagdad a
identificar os opositores políticos do primeiro-ministro al-Maliki,
essas pessoas seriam presas e entregues à Unidade Especial da
Polícia Federal de Bagdad e muito provavelmente torturadas e
desaparecidas por muito tempo ou mesmo para sempre.
Em vez de ajudar a Unidade Especial da Polícia Federal de Bagdad, decidi
agarrar nas informações e denunciá-las à WikiLeaks,
antes das eleições seguintes de 7 de Março de 2010, na
esperança de que pudessem aparecer rapidamente na imprensa e impedissem
essa unidade da Polícia Federal de continuar a abafar os opositores
políticos de al-Maliki.
Ficheiros Guantanamo
Comecei a peneirar as informações do
SOUTHCOM [Comando do
Sul dos Estados Unidos] e da Força Operacional Conjunta de Guantanamo,
Cuba (JTF-GTMO). Ocorreu-me essa ideia, embora não fosse
provável
que os indivíduos detidos pela Polícia
Federal pudessem ficar livres da guarda dos EUA, para acabarem por ficar
à guarda da Força Operacional Conjunta de Guantanamo.
Enquanto digeria as informações sobre a Força Operacional
Conjunta de Guantanamo, depressa encontrei os Resumos de
Avaliação dos Detidos (RADs). Já anteriormente, em 2009,
havia deparado com esses documentos mas não lhes dera muita
atenção. Mas desta vez estava mais curioso nesta
investigação e voltei a encontrá-los.
Os RADs estavam escritos em formato de memorando standard DoD [Departamento de
Defesa] e dirigidos ao comandante do SOUTHCOM dos EUA. Cada memorando dava
informações básicas sobre os antecedentes dos detidos
à guarda da Força Operacional Conjunta de Guantanamo. Sempre me
interessei pela questão da eficácia moral das nossas
acções relacionadas com a Força Operacional Conjunta de
Guantanamo. Por um lado, sempre compreendi a necessidade de deter e interrogar
indivíduos que podem desejar prejudicar os Estados Unidos e os nossos
aliados, mas, quanto mais me aprofundava neste tópico, mais me parecia
que nos encontrávamos a deter indefinidamente um número crescente
de indivíduos que julgávamos ou sabíamos estar inocentes,
soldados rasos que não tinham informações úteis e
teriam sido libertados se fossem detidos no teatro.
Também me lembrei que, no início de 2009, o então
recém-eleito presidente, Barack Obama, afirmou que iria fechar a
Força Operacional Conjunta de Guantanamo e que as suas
instalações comprometiam a nossa situação e
diminuíam, cito, a nossa "autoridade moral". Depois de me
familiarizar com os RADs, concordei com ele.
Ao ler os Resumos de Avaliação dos Detidos, reparei que
não eram produtos analíticos. Em vez disso, continham resumos de
versões [não disponíveis] de relatórios de
informações intercalares que eram antigas ou não
confidenciais. Nenhum dos RADs continha nomes de fontes nem
citações de relatórios de interrogatórios
tácticos. Como os RADs estavam a ser enviados para o comandante do
SOUTHCOM dos EUA, deduzi que se destinavam a fornecer informações
genéricas de antecedentes sobre cada detido e não uma
avaliação pormenorizada.
Para além do modo [em que] os RADs estavam escritos, reconheci que
tinham pelo menos vários anos, porque falavam de detidos já
libertados da Força Operacional Conjunta de Guantanamo. Com base nisto,
concluí que os RADs não eram muito importantes quer como
informações quer do ponto de vista da segurança nacional.
A 7 de Março de 2010, durante a minha conversa 'jabber'
[6]
com Nathaniel, perguntei-lhe se ele achava que os RADs podiam ser úteis
a alguém. Nathaniel deu a entender que, embora não acreditasse
que eles tivessem qualquer significado político, acreditava que podiam
ser usados para serem inseridos no relato histórico geral do que ocorreu
na Força Operacional Conjunta de Guantanamo. Também achava que os
RADs podiam ser úteis para conselho legal dos que continuam detidos em
Gitmo [Base Naval da Baía de Guantanamo].
Telegramas diplomáticos
Tomei conhecimento pela primeira vez dos telegramas diplomáticos durante
o meu período de treino no AIT. Posteriormente ouvi o capitão
Steven Lim, da Equipa S2 da Brigada de Combate 2/10, falar do portal
netcêntrico de Diplomacia do Departamento de Estado (DoD). Em finais de
Dezembro de 2009, o capitão Lim enviou um email a nível da
secção aos outros analistas e oficiais, que continha uma
ligação SIPRnet para o portal, juntamente com as
instruções para procurar os telegramas nele contidos e para os
incorporarmos no produto do nosso trabalho.
Pouco depois disso também reparei que os telegramas diplomáticos
estavam a ser referidos em produtos das Forças dos EUA no Iraque ou
EU-I. Com base na directiva do capitão Lim para nos familiarizarmos com
os seus conteúdos, li praticamente todos os telegramas publicados
relacionados com o Iraque.
Também comecei a percorrer a base de dados e a ler ao acaso outros
telegramas que despertaram a minha curiosidade. Foi por essa altura, em
princípios ou meados de Janeiro de 2010, que comecei a pesquisar a base
de dados à procura de informações sobre a Islândia.
Interessei-me pela Islândia devido a conversas IRC que observei no canal
da WLO discutindo uma questão chamada Icesave. Nessa altura, não
estava muito familiarizado com o tópico, mas pareceu-me ser uma
questão importante para todos os que participavam na conversa. Foi
quando decidi investigar e efectuar algumas pesquisas sobre a Islândia
para encontrar mais coisas.
Na altura, não encontrei nada que discutisse a questão Icesave
quer directa quer indirectamente. Depois efectuei uma pesquisa a fontes abertas
para Icesave. Soube assim que a Islândia estava envolvida numa disputa
com o Reino Unido e com a Holanda relacionada com o colapso financeiro de um ou
mais dos bancos da Islândia. Segundo as notícias de fonte aberta,
grande parte da controvérsia pública envolvia o uso de
legislação anti-terrorista do Reino Unido contra a Islândia
a fim de congelar o acesso islandês ao pagamento das garantias para
depositantes do Reino Unido que tinham perdido o seu dinheiro.
O telegrama, publicado a 13 de Janeiro de 2010, tinha mais de duas
páginas de comprimento. Li o telegrama e rapidamente concluí que,
essencialmente, a Islândia estava a ser violentada diplomaticamente pelas
duas maiores potências europeias. Pareceu-me que a Islândia estava
sem opções viáveis e se virava para os EUA para ajuda.
Apesar deste pedido de ajuda, segundo parecia, nós não
íamos fazer nada.
Na minha perspectiva pareceu-me que não nos íamos envolver,
devido à falta de benefícios geopolíticos a longo prazo
que o justificasse. Depois de digerir o conteúdo de '10 Reiquiavik 13',
fiquei na dúvida se aquilo era uma coisa que devia enviar para a WLO.
Nessa altura a WLO não tinha publicado nem acusado a
recepção das tabelas CIDNE-I ou CIDNE-A. Apesar de não
saber se as SigActs eram uma prioridade para a WLO, decidi que o telegrama era
uma coisa que podia ser importante. Senti que podia corrigir um erro se este
documento fosse publicado.
Quanto mais lia os telegramas, mais depressa chegava à conclusão
de que era o tipo de informações que se deviam tornar
públicas. Uma vez li uma citação [não
disponível] sobre a diplomacia aberta, escrita depois da Primeira Guerra
Mundial [sobre como] o mundo seria um sítio melhor se os estados
evitassem fazer pactos e acordos secretos uns com os outros ou uns contra os
outros. Achei que estes telegramas eram um exemplo acabado da necessidade de
uma diplomacia mais aberta.
Dada toda a informação DoS que li, e dado o facto de a maior
parte destes telegramas não ser confidencial, e de todos os telegramas
terem uma legenda SIPDIS
[7]
, considerei que a divulgação pública desses telegramas
não prejudicaria os Estados Unidos. Tinha a consciência de que os
telegramas podiam ser embaraçosos visto que representam opiniões
e declarações muito honestas nas costas de outras
nações e organizações. Achei que denunciar estas
informações podia aborrecer alguém no interior do DoS, e
outras entidades governamentais.
Massacre de Garani
No final de Março de 2010, descobri uma lista do CENTCOM dos EUA sobre
um ataque aéreo no Afeganistão em 2009. Estava a pesquisar o
CENTCOM para informações que pudesse usar enquanto analista. Isso
é uma coisa que eu e outros oficiais fazíamos frequentemente.
Quando analisei os documentos, recordei-me do incidente e do que tinha
acontecido. O ataque aéreo ocorreu na aldeia Garani na província
Farah, a noroeste do Afeganistão. Foi objecto de uma cobertura da
imprensa a nível mundial na altura em que foi noticiado que tinham sido
mortos acidentalmente durante o ataque aéreo mais de 100-150 civis
afegãos, na maioria mulheres e crianças.
Depois de percorrer o relatório e os anexos, comecei a analisar o
incidente como semelhante aos ataques da equipa de armas aéreas em 12 de
Julho de 2007 no Iraque, embora este incidente tenha sido nitidamente diferente
por ter envolvido um número significativamente maior de
indivíduos, mais aviões e munições muito mais
pesadas. As conclusões do relatório eram mais perturbadoras do
que as do incidente de Julho de 2007. Não vi nada no relatório
15-6 ou nos seus anexos que prestasse informações delicadas. Pelo
contrário, a investigação e as suas conclusões
ajudam a explicar como ocorreu o incidente e o que os envolvidos deviam ter
feito para evitar que voltasse a ocorrer um incidente como aquele.
NT
[1]
Um '35 Foxtrot' é um analista de informações nas
forças armadas dos Estados Unidos. Os analistas de
informações usam observações humanas, aparelhos
electrónicos e fotografias aéreas para determinar
conclusões específicas para informações.
[2]
A Lei de Reajustamento de Veteranos de 1944, conhecida informalmente pela Lei
G.I., foi uma lei que proporcionava um vasto conjunto de benefícios aos
veteranos que regressavam da II Guerra Mundial (normalmente referidos por
G.I.'s). Esses benefícios incluíam hipotecas e empréstimos
a juros baixos, para iniciar um negócio ou uma exploração
agrícola, pagamentos em dinheiro para propinas e despesas de
sobrevivência para a frequência de escolas, faculdades ou para
educação vocacional, assim como um ano de subsídio de
desemprego.
[3]
IRC (
Internet Relay Chat
) protocolo para mensagens interactivas de texto na Internet ou
conferências sincronizadas. É destinada principalmente para
comunicação de grupo em fóruns de discussão, mas
também permite comunicação individual via mensagens
privadas, assim como transferência de dados, incluindo partilha de
ficheiros.
[4]
CIDNE (
Combined Information Data Network Exchange
) sistema de computador usado pelas forças armadas dos EUA, usado
para coligir informações tácticas a partir das tropas.
[5]
TSCIF (
Tactical sensitive compartmented information facility
) Instalações de informações tácticas
sensíveis compartimentadas
[6]
Jabber,org Serviço de mensagens público, livre e
instantâneo.
[7]
SIPDIS termo aplicado para documentos a DIStribuir na SIPRNet, a Rede
de Protocolo Secreto na Internet.
Ver também:
http://wikileaks.org/
http://www.bradleymanning.org/
[*] Bradley Edward Manning é um soldado do exército dos EUA que
foi preso em Maio de 2010 no Iraque, por suspeita de ter transmitido material
confidencial ao website WikiLeaks. Foi acusado de uma série de crimes,
incluindo a comunicação de informações de defesa
nacional a uma fonte não autorizada e de ajudar o inimigo, um crime
capital, embora os acusadores tenham dito que não pediam a pena de morte.
O original encontra-se em
www.bradleymanning.org/...
. Tradução de Margarida Ferreira.
Esta declaração encontra-se em
http://resistir.info/
.