por Andre Gunder Frank
APRESENTAÇÃO DO TIO SAM, DESPIDO
O Tio Sam renegou e incumpriu mais de 40% do seu trilião (10
12
) de dólares de dívida externa, e ninguém disse uma
palavra excepto uma linha em
The Economist.
Em bom inglês isto significa que o Tio Sam defrauda o mundo inteiro
com o dólar que ele fabrica baseado na confiança pedida e
recebida dos outros espalhados por todo o planeta, e é também um
caloteiro
(deadbeat)
pois não honra nem devolve o dinheiro que recebeu.
Quanto da nossa aposta em dólar perdemos depende de quanto originalmente
pagámos por ele. O Tio Sam deixou o seu dólar cair, ou melhor,
através das suas políticas económicas deliberadas levou-o
a cair, em 40%, de 80 centavos por euro para 133 centavos. O dólar
está baixo numa proporção semelhante em
relação ao yen, ao yuan e a outras divisas. E ainda está
a declinar. Na verdade, tende a mergulhar totalmente.
Também houve um dilúvio de desvalorizações
competitivas na década de 1930, denominadas "enfraquece a
posição do teu vizinho", com a transposição de
custos para as costas dos vizinhos. Na verdade, como o dólar tem
declinado, também declina o valor real que os estrangeiros pagam pelo
serviço da sua dívida ao Tio Sam. Mas isto funciona só se
eles próprios puderem ganhar em divisas que aumentaram de valor em
relação ao dólar. Caso contrário, os estrangeiros
ganham e pagam nos mesmos dólares desvalorizados, e mesmo assim com
alguma perda devido à desvalorização entre o momento em
que obtiveram os seus dólares e o momento em que tiveram de
repagá-los ao Tio Sam. A China e outros países do Extremo
Oriente ganham em dólares, ao quais estão ligadas
(pegged)
as suas respectivas divisas, de modo que eles já perderam uma
porção substancial da sua aposta em dólares, de longe a
maior do mundo.
E, tal como todo os outros, eles também perderão o resto. Pois a
dívida do Tio Sam para com o resto do mundo já monta a mais de um
terço da sua produção interna anual e continua a crescer.
Isto só por si faz já faz com que a sua dívida seja
economicamente e politicamente impagável, mesmo se ele quisesse o
que não acontece. A dívida interna do Tio Sam, ex.:
cartões de crédito, é quase 100% do produto interno bruto
(PIB) e do consumo, incluindo o da China. A dívida federal do Tio Sam
é agora de US$ 7,5 triliões, dos quais quase US$ 1 trilião
foi erguida nas últimas três décadas, os últimos US$
2 triliões nos últimos oito anos, e o último US$ 1
trilião nos últimos dois anos. Infelizmente, isto custa mais de
US$ 300 mil milhões por ano em juros, o que pode ser comparado com, por
exemplo, os US$ 15 mil milhões gastos anualmente com a National
Aeronautics and Space Administration (NASA). Mas não se preocupem: o
Congresso acaba de aumentar o tecto da dívida para US$ 8,2
triliões. Para ajudar-nos a visualizar isto, US$ 1 trilião
atados de forma bem compacta em notas de US$ 1000 formaria uma pilha com 100 km
de altura.
Mas cerca da metade é possuída por estrangeiros. Toda a
dívida do Tio Sam, incluindo o consumo doméstico privado, os
cartões de crédito, as hipotecas, etc de cerca de US$ 10
triliões, mais as corporativa e financeiras, com opções,
derivativos e semelhantes, e a do Estado e governos locais chegam a um montante
invisualizável, na verdade inimaginável, de US$ 37
triliões, o que corresponde a aproximadamente quatro vezes do PIB do Tio
Sam. Somente alguma dela pode ser administrada internamente, mas com perigosas
limitações para o Tio Sam como se observa abaixo. Esta é
a única razão porque quero apresentá-lo ao Tio Sam, o
caloteiro, o qual pode recorda-lo do filme
Meet Joe Black
[1]
; mas quando nós o conhecermos melhor, mais abaixo, descobriremos que
ele também é um Shylock
[2]
, além de corrupto.
A GUERRA FRIA POR PROCURAÇÃO DO TIO SAM
Os Estados Unidos são o país mais privilegiado do mundo por terem
o monopólio de imprimir a divisa de reserva mundial à vontade e a
um custo nulo excepto quanto ao papel e à tinta de impressão.
Além disso, ao fazer isto, o Tio Sam pode exportar para fora a
inflação que ele gera através dos dólares extra que
imprime, dos quais já há pelo menos mais três vezes a
circularem no mundo do que aqueles que Tio Sam tem dentro de casa.
Adicionalmente, o seu país é também o único cuja
dívida "estrangeira" é denominada principalmente na
própria divisa mundial que ele pode imprimir à vontade, ao passo
que a maior parte da dívida externa dos estrangeiros também
é denominada nos mesmos dólares, mas eles têm de ser
comprados ao Tio Sam com a sua própria divisa e bens reais. Assim, ele
simplesmente paga aos chineses e aos outros fundamentalmente com estes
dólares que já principiam a não ter qualquer valor real
além do seu papel e da sua tinta. De modo que, especialmente a pobre
China, entrega por nada ao rico Tio Sam centenas de milhares de milhões
de dólares em bens reais produzidos internamente e consumidos pelo Tio
Sam. A seguir a China volta outra vez a comerciar estes mesmos dólares
de papel por mais papeis do Tio Sam, chamados títulos Certificados do
Tesouro
(Treasury Certificate),
os quais são ainda mais sem valor excepto pelo facto de pagarem uma
taxa de juros. Pois como notámos, eles nunca poderão ser
plenamente ou mesmo parcialmente resgatados, e de qualquer forma já
terão perdido muito do seu valor para o Tio Sam.
Num ensaio anterior argumentei que o poder do Tio Sam repousa apenas sobre dois
pilares: o dólar de papel e o Pentágono. Um apoia o outro, mas
a vulnerabilidade de cada um é também um calcanhar de Aquiles que
ameaça a viabilidade do outro. Desde então, o Iraque, para
não mencionar o Afeganistão, tem mostrado que a confiança
no Pentágono não é inabalável, assim como a
confiança na capacidade do Tio Sam para utilizá-lo no
financiamento das aventuras estrangeiras do Pentágono (ver
Coup d'Etat and Paper Tiger in Washington, Fiery Dragon in the Pacific
,
que também destaca o crescimento produtivo da China). Adicionalmente,
devemos perceber que todos os números do Tio Sam, acima e abaixo,
também são literalmente relativos. Até agora as
relações com outros países, em particular com a China,
ainda favorecem o Tio Sam, mas elas também ajudam a manter uma imagem
que é enganadora. Considere-se o seguinte:
Um brinquedo de US$ 2 ao sair de uma fábrica possuída pelos EUA
na China é um carregamento de US$ 3 a chegar a San Diego. Quando um
consumidor americano compra-o por US$ 10 na cadeia Wal-Mart, a economia
americana regista US$ 10 em vendas finais, menos US$ 3 do custo de
importação, com uma adição de US$ 7 ao PIB
americano (
Blaming 'undervalued' yuan wins votes
,
Asia Times Online
, 26/Fevereiro/2004)
Além disso, o sempre esperto Tio Sam arranjou as coisas de modo a ganhar
9% dos seus haveres económicos e financeiros no exterior, enquanto os
estrangeiros podem ganhar apenas 3% sobre os seus, e entre eles sobre os seus
Certificados do Tesouro há apenas 1% de retorno real. Note-se que esta
diferença de 6 pontos percentuais já é o dobro do que o
Tio Sam paga para fora, e o total de 9% que toma é o triplo dos 3% que
ele dá de volta. Portanto, embora os haveres estrangeiros e os do Tio
Sam sejam agora aproximadamente iguais, o Tio Sam ainda é o grande
vencedor líquido, tal como qualquer Shylock, mas nenhum outro fez alguma
vez tão grande negócio.
Mas o Tio Sam também ganha bastante bem, obrigado, dos outros haveres no
exterior, ex.: pelo pagamentos de serviços da maior parte dos pobres
devedores estrangeiros. As somas envolvidas não são amendoins
nem mesmo batatinhas. Só dos seus investimentos directos em propriedade
estrangeira os lucros do Tio Sam agora equivalem a 50%, e incluindo as suas
receitas dos outros haveres no exterior agora são plenos 100% dos lucros
derivados de todas as suas actividades internas próprias combinadas.
Estas receitas estrangeiras acrescentam mais de 4% ao produto nacional do Tio
Sam. Isto ajuda lindamente a compensar o fracasso dos lucros internos ainda
por recuperar do seu nível de 1972, porque o Tio Sam fracassou em
promover suficientemente a produtividade dentro de casa.
O alarde sobre a produtividade da "nova economia" do presidente Bill
Clinton na década de 1990 estava limitado a computadores e tecnologia da
informação (TI), e mesmo isso demonstrou-se ser uma impostura
quando estourou a bolha das dot-com. Além disso, não só o
aumento aparente dos "lucros" como também o da
"produtividade" repousavam, na base, nas costas dos do chão da
fábrica, dos escritórios e dos trabalhadores em vendas a
laborarem mais arduamente e durante mais horas e, no topo, resultou na
contabilidade criativa trapaceada pela Enron e assemelhadas. Tais factores
ainda compensam e permite grande parte do défice comercial de US$ 600
mil milhões do Tio Sam, que continua a aumentar, e o excesso de consumo
interno em relação ao que ele próprio produz. Foi isto
que resultou da dívida multitrilionária. O Tio Sam é
relutante em revelar quanto é exactamente esta dívida, mas o que
é seguro é que ela é de longe a maior do mundo, mesmo
considerando a dívida líquida dos estrangeiros, depois de o seu
débito para com ele ser deduzido.
TIO SAM NÃO PODE SALVAR-SE POR SI PRÓPRIO:
ESTÁ VICIADO NO CONSUMO E EM OUTRAS DROGAS
A resposta simples é que o Tio Sam, que está cada vez mais
viciado no consumo, sem mencionar o vício nas drogas duras, não
poupa mais do que 0,2% do seu próprio rendimento. O guru da Reserva
Federal. Alan Greenspan, observou recentemente que isto é assim porque
os 20% dos americanos mais ricos, que são os únicos que fazem
poupança, reduziram as suas poupanças para 2%. Ainda assim,
estas miseráveis poupanças (outros, países mais pobres,
poupam e até investem 20%, 30% e mesmo 40% do seu rendimento) são
mais do que contra-balançadas pelos 6% de défice gastos pelo
governo. É isto que traz a taxa de poupança média para
0,2%. Para manter este défice orçamental de mais de US$ 400 mil
milhões (mais de 3% do produto interno nacional), que na realidade
é de mais de US$ 600 mil milhões se contarmos, como devemos, os
mais de US$ 200 mil milhões que o Tio Sam "empresta" dos
excedentes temporários do seu próprio fundo Federal de
Segurança Social, que também está em bancarrota. (Mas
não importa, o presidente George W. Bush acaba de prometer privatizar
muito disto e deixar as pessoas comprarem a sua própria
"segurança" para a velhice no mercado cada vez mais inseguro).
Assim, com estes mais de US$ 600 mil milhões de défice
orçamental e o défice já mencionado de mais de US$ 600 mil
milhões, o rico Tio Sam, e primariamente os seus mais altos ganhadores e
maiores consumidores, bem como, naturalmente, o próprio Tio Grande,
vivem da gordura das terras do resto do mundo. O Tio Sam absorve as
poupanças dos outros que muitas vezes são muito mais pobres,
particularmente quando os seus bancos centrais colocam muitas das suas reservas
na divisa mundial dos dólares e portanto dentro das mãos do Tio
Sam em Washington, e alguns também em dólares internamente. Os
seus investidores privados enviam dólares ou compram activos em
dólares na Wall Street, sempre com a confiança de que
estão as colocar os seus recursos no paraíso mais seguro do mundo
(e isto, naturalmente, faz parte da já mencionada fraude na
confiança). Só da parte dos bancos centrais, estamos a olhar
para quantias anuais de mais de US$ 100 mil milhões da Europa, mais de
US$ 100 mil milhões da pobre China, US$ 140 mil milhões do
Japão super-poupador, e muitas dezenas de milhares de milhões de
muitos outros por todo o globo, incluindo o Terceiro Mundo. Mas além
disso o Tio Sam obriga-os, através dos bons ofícios dos seus
próprios estados, a enviar deste modo literalmente poupanças
forçadas para o Tio Sam bem como na forma do seu
"serviço" da sua dívida predominantemente em
dólares para com eles.
COMO O TIO SAM CRIA E COLECTA A DÍVIDA DO TERCEIRO MUNDO
O seu secretário do Tesouro e o seu criado Fundo Monetário
Internacional (FMI) continuam alegremente a pavonear-se por todo o mundo a
insistir em que o Terceiro e o ex-Segundo, agora também Terceiro
Mundo continuem o serviço das suas dívidas externas,
especialmente para com ele. Não importa que com as taxas de juro
multiplicadas várias vezes pelo próprio Tio Sam depois do golpe
de Paul Volcker em Outubro de 1979, a maior parte da qual já foi paga
três a cinco vezes em relação ao seu empréstimo
original. Para pagar tudo às taxas de juro que Volcker disparou para
20% eles têm de emprestar ainda mais a taxas ainda mais altas até
com isso a sua considerável dívida externa ter duplicado e
triplicado, sem mencionar a sua dívida interna da qual parte dos
pagamentos estrangeiros foram elevados, particularmente no Brasil. A
privatização é o nome do jogo ali e por toda a parte,
excepto quanto à dívida. A dívida foi socializada depois
de ser sido assumida principalmente pelos negócios privados, mas
só o Estado tem o poder suficiente para espremer o grande volume de
pagamentos atrasados dos esconderijos dos pobres e das camadas médias e
transferí-los como "pagamento do serviço de
invisíveis" para o Tio Sam.
Quando disseram aos mexicanos para apertarem os cintos mais uma vez, eles
responderam que não podiam porque já haviam comido os seus
cintos. Só a Argentina e por um momento a Rússia declararam uma
moratória efectiva no seu "serviço" da dívida, e
isto só depois de políticas económicas que
destruíram as suas sociedades, graças aos conselheiros do Tio Sam
e ao braço forte do FMI. Desde então, o próprio Tio Sam
tem estado alegremente a incumprir
(defaulting)
a sua própria dívida externa, tal como já aconteceu
várias vezes antes durante o século XIX.
Por falar nisso, é bom recordar pelo menos dois conselhos dados naquele
tempo: Lord Cromer, que administrou o Egipto para os interesses imperiais
britânicos então dominantes, disse que o seu mais importante
instrumento para fazer isso foram as dívidas do Egipto para com a
Grã-Bretanha. Estas haviam-se simplesmente multiplicado quando o Egipto
foi obrigado a vender as suas acções do Canal de Suez à
Grã-Bretanha a fim de pagar as suas dívidas anteriores e o
primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli explicou e justificou a
compra do mesmo com o argumento de que fortaleceria os interesses imperiais
britãnicos. Hoje, isto é chamado "debt-for-equity
swaps", que é uma das políticas favoritas recentes do Tio
Sam: usar a dívida para adquirir recursos reais lucrativos e/ou
estrategicamente importantes, tal como era o canal no caminho da jóia do
Império Britânico, a Índia.
Outra peça de conselho prático veio do primeiro estrategista
militar, Carl von Clausewitz: fazer com que as terras que você conquiste
paguem a sua própria conquista e administração. É
claro que foi exactamente o que fez a Grã-Bretanha na Índia
através dos infames "Home Charges" remetidos para Londres como
pagamento pela administração britânica na Índia, os
quais mesmo os próprios britânicos reconheceram como
"tributo" e como responsável por grande parte do
"Drenagem" da Índia para a Grã-Bretanha. Torna-se mais
eficiente ainda deixar os próprios estados dos países
estrangeiros administrarem-se, mas através de um conjunto de regras
impostas pelo FMI do Tio Sam e então efectuar um dreno do serviço
da dívida. Realmente, também nisto os britânicos
estabeleceram no século XIX o precedente de contar com o
"imperialismo do livre comércio" com Estados
"independentes" tanto quanto possível e por tanto tempo quanto
possível, utilizando a diplomacia da canhoneira para fazer tal trabalho
(o que o Tio Sam aprendeu a copiar no princípio do século XX); e
se isto não fosse suficiente, simplesmente invadir, e se
necessário ocupar e então confiar na regra de Clausewitz.
Observaremos vários exemplos recentes disto, e especialmente o do
Iraque, no segundo artigo desta série.
Depois de ter escrito o texto acima, recebi por email um excerto do
sítio web Democracy Now! intitulado
Confessions of an economic hit man: How the US uses globalization to cheat poor
countries out of trillions.
(Confissões de um pistoleiro económico: Como os EUA utilizam a globalização para trapacear países pobre em triliões de dólares)
.
Falámos com John Perkins, um antigo e respeitado membro da comunidade
bancária internacional. No seu livro "Confissões de um
pistoleiro económico" (Confessions of an Economic Hit Man) ele
descreve como na qualidade de profissional muito bem pago ajudou os EUA a
trapacearem países pobres por todo o globo em triliões de
dólares emprestando-lhes mais dinheiro do que alguma vez poderiam
repagar e a seguir tomando o controle das suas economias.
JOHN PERKINS: Basicamente aquilo para que somos treinados e aquilo a que o
nosso trabalho se destina é construir o império americano.
Provocar... criar situações em que a maior parte possível
dos recursos convirjam para este país, para as nossas companhias, e para
o nosso governo e, na verdade, temos sido muito bem sucedidos.
Construímos o maior império da história do mundo. ... Fui
recrutado inicialmente quando estava na business school, no fim da
década de 60, pela National Security Agency, a maior e menos entendida
organização de espionagem do país ... e então eles
nos enviaram para trabalhar em empresas privadas de consultoria, firmas de
engineering, companhias de construção, de modo que se fossemos
capturados não haveria qualquer conexão com o governo.
Tornei-me economista-chefe. Acabei por ter 50 pessoas a trabalharem para mim.
Mas o meu trabalho real era fazer negócios. Ela concedia
empréstimos a outros países, empréstimos enormes, muito
maiores do que eles possivelmente poderiam repagar. Uma das
condições do empréstimo digamos US$ 1000
milhões para um país como a Indonésia ou o Equador
e este país teria então de dar 90% daquele empréstimo de
volta a uma companhia americana, ou a companhias americanas ... uma
Halliburtou ou uma Bechtel ... Hoje um país como o Equador dedica mais
de 50% do seu orçamento nacional só para pagar a sua
dívida. E ele realmente não pode fazê-lo. Assim
nós literalmente os temos sobre um barril. De modo que quando queremos
mais petróleo vamos ao Equador e dizemos: "Olhe, você
não é capaz de repagar suas dívidas, portanto dê as
suas companhias de petróleo, a sua Amazonia, que estão cheias de
petróleo". E hoje estamos a destruir as florestas chuvosas da
Amazonia, forçando o Equador a dá-las para nós porque eles
acumularam toda esta dívida ... [Trabalhamos] muito, muito estreitamente
com o Banco Mundial. O Banco Mundial providencia a maior parte do dinheiro que
é utilizado pelo pistoleiros económicos, ele e o FMI.
TIO SAM CONSOME E CONTROLA O PETRÓLEO
Finalmente mas não menos importante, os produtores de petróleo
também colocam as suas poupanças no Tio Sam. Como o
"choque" petrolífero que restaurou o seu preço real
depois de o valor do dólar ter caído em 1973, o sempre
hábil pela metade Henry Kissinger fez um negócio com o maior
exportadores de petróleo do mundo, a Arábia Saudita, que
continuaria a apreçar o petróleo em dólares, e estes
rendimentos seriam depositado com o Tio Sam e parcialmente compensados por
equipamento militar. Aquele trato estendeu-se de facto a toda a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) e ainda está de pé, excepto que antes da guerra contra o
Iraque aquele país subitamente optou por comutar o apreçamento do
seu petróleo por euros, e o Irão ameaçou fazer o mesmo. A
Coreia do Norte, o terceiro membro do "eixo do mal", não tem
petróleo mas comercia inteiramente em euros. (a Venezuela é um
grande fornecedor de petróleo do Tio Sam e também fornece algum a
taxas preferenciais como comércio de permuta sem dólares a
países pobres como Cuba. Assim, Tio Sam patrocionou e financiou
comandos militares do seu Plano Colômbia do vizinho, promoveu um golpe
ilegal e, quando fracassou, pressionou por um referendo na sua tentativa de uma
outra "mudança de regime!, e agora juntamente com o Brasil todos os
três estão a ser baptizados como um outro "eixo do mal").
Depois de escrever isto descobri que o bom pistoleiro, o sr. Perkins,
também esteve na Arábia Saudita:
AMY GOODMAN: No seu livro, fala de como ajudou a implementar um esquema secreto
para recambiar para a economia americana milhares de milhões de
dólares dos petrodólares da Arábia Saudita, e para
posteriormente cimentar a estreita relação entre a Casa de Saud e
as sucessivas administrações dos Estados Unidos. Explique isto.
JOHN PERKINS: Sim, foi uma época fascinante. Lembro-me bem ... o
Departamento do Tesouro, contrataram-me a mim e a outros homens de golpe
económico. Fomos para a Arábia Saudita. ... E trabalhámos
nesse negócio segundo o qual a Casa Real de Saud concordava em enviar a
maior parte dos seus petrodólares para os Estados Unidos e investi-los
nas acções do governo dos Estados Unidos. O Departamento do
Tesouro utilizava os juros destas acções para contratar
companhias americanas para a construção de novas cidades na
Arábia Saudita, de novas infra-estruturas... o que cumprimos. E a Casa
de Saud concordava em manter o preço do petróleo dentro de
limites aceitáveis para nós, o que eles têm feito durante
todos estes anos, e nós concordávamos em manter a Casa de Saud no
poder enquanto eles cumprissem isso, o que cumprimos, e que é uma das
principais razões por que entrámos em guerra com o Iraque. E no
Iraque tentámos implementar a mesma política que tinha sido
tão bem sucedida na Arábia Saudita, mas Saddam Hussein não
foi na conversa. Quando os homens de golpe económico falham neste
cenário, o passo seguinte são os chacais, como lhes chamamos. Os
chacais são pessoas sancionadas pela CIA que chegam e tentam fomentar um
golpe ou uma revolução. Se isso não resultar, passam aos
assassinatos ou tentam fazê-lo. No caso do Iraque, não conseguiram
chegar até Saddam Hussein. Ele tinha... Os guarda costas eram bons
demais. Ele tinha duplos. Não conseguiram chegar até ele.
Então, quando os homens de golpe económico e os chacais falham, a
terceira linha de defesa, a linha de defesa seguinte são os nossos
rapazes e raparigas que são enviados para morrer e para matar, que
é sem dúvida o que estamos a fazer no Iraque.
O MAIOR ESQUEMA DE PONZI DO MUNDO,
A DEFRAUDAÇÃO DA CONFIANÇA
Para retornar à questão principal e chamar as coisas pelo seu
nome, todo o acima é parte e parcela do maior esquema de Ponzi
[3]
do mundo desde sempre, uma fraude. Tal como todos os outros, a sua
característica mais essencial é que isto só pode continuar
a pagar dólares e ser mantido a flutuar enquanto continuar a receber
novos dólares na base, voluntariamente através da
confiança se possível e pela força em caso
contrário. (Naturalmente, as fórmulas de Clausewitz e Cromer
resultam em os mais pobres pagarem a maior parte, uma vez que eles
também são os mais indefesos: assim aqueles que se sentam sobre
eles passam muito do custo e do sofrimento para baixo, para eles.)
O QUE ACONTECE SE A CONFIANÇA NO DÓLAR SE ESGOTAR?
As coisas já estão a ficar mais instáveis na Casa do Tio
Sam. O declínio do dólar reduz o necessário influxo de
dólares, assim Greenspan precisa elevar as taxas de juros para manter
alguma atractividade para os dólares estrangeiros de que ele precisa
para colmatar a disparidade
(gap)
comercial. Como compensação por ser renomeado pelo presidente
George W. Bush, ele prometeu fazer isto só após a
eleição. Este momento chegou agora, mas ao fazer assim
ameaça colapsar a bolha interna que foi construída com base em
taxas de juros baixas e hipotecas e rehipotecas.
Mas é nos valores das suas casas que a maior parte dos americanos
têm as suas poupanças, se é que eles têm alguma.
Eles e este efeito de riqueza imaginária apoiado no sobreconsumo e na
dívida aproximadamente tão alta quanto o PIB interno, e um
colapso da bolha dos preços imobiliários com taxas de juros e de
hipotecas acrescidas não só desvalorizaria os preços das
casas, pois através disso teria um efeito dominó sobre as enormes
segundas e terceiras rehipotecas dos seus proprietários e dos seu
cartões de crédito e outras dívidas, no seu consumo,
dívida corporativa e lucro, e no investimento. De facto, tais factores
seriam suficientes para mergulhar o Tio Sam dentro de uma recessão
profunda, se não uma depressão, e uma outra
deflação Big Bear das acções e de facto dos outros
preços, tornando o serviço da dívida ainda mais oneroso.
(Se o dólar declina, mesmo a inflação interna dos
preços é de facto deflacionária contra outras divisas, o
que os russos e latino-americanos descobriram à sua própria
custa, e que nós observamos abaixo).
Um ainda mais baixo investimento real americano reduziria ainda mais a sua
produtividade industrial e a sua competitividade provavelmente para um
grau mais baixo do que pode ser compensado por nova
desvalorização do dólar que tornassem as
exportações americanas mais baratas, como é a
esperança confiante de muitos, provavelmente incluindo o bom Doutor.
Até agora, a aparente inflação de preços no
exterior e rublos e em pesos e suas consequentes desvalorizações
foram de facto deflação em termos do dólar como divisa
mundial. O Tio Sam imprimiu então dólares para comprar a
preços de pechincha recursos naturais na Rússia (cuja economia
era então movimentada com notas de US$ 100), em companhias e até
bancos, como na Coreia do Sul. Na verdade, agora Greenspan e o Tio Sam
estão a tentar outra vez conseguir que bancos centrais ascendam as suas
próprias taxas de juro e mergulhem os seus próprios povos dentro
mesmo de uma depressão mais profunda.
Mas mesmo que eles possam, com isso eliminando também a relativa
atractividade do seu próprio aumento da taxa de juro, como poderia isto
salvar o Tio Sam? Aquilo que permanece a grande incógnita e talvez
ainda não possa ser conhecido é como um Tio Sam mais ferido com a
perda do esquema Ponzi reagiria com mais actos "patrióticos"
internamente, e no exterior com as armas incluindo as agora quase
prontas "pequenas" ogivas nucleares que ele ainda teria, mesmo
que as suas vítimas estrangeiras não pudessem mais pagar por
novas. Assim, para compensar por menos pão e menos direitos civis
internamente, e mesmo mais patrióticos, mais ainda chauvinista, o circo
à custa dos outros lá fora é o perigo real das actuais
políticas de "defesa da liberdade e da
civilização".
Assim, muito além de Osama bin Laden, da al-Qaeda e de todos os
terroristas juntos, a maior ameaça do mundo real para o Tio Sam é
que seque o influxo de dólares. Exemplo: bancos centrais estrangeiros
e investidores privados (diz-se que os "chineses do ultramar"
têm um trilião de dólares limpos) poderiam um dia destes
decidir colocar mais do seu dinheiro alhures ao invés do dólar
declinante e abandonar o pobre Tio Sam ao seu destino. A China poderia
duplicar o seu rendimento per capita muito rapidamente se efectuasse
investimentos reais internos ao invés de financeiros com o Tio Sam.
Bancos centrais, europeus e outros, podem agora colocar as suas reservas em
euros (em ascensão!) ou mesmo no yuan chinês, prestes a ser
revalorizado. Não muito adiante na estrada, poderá haver uma
divisa do Extremo Oriente, como por exemplo um cabaz dos primeiros da ASEAN + 3
(China, Japão, Coreia do Sul) e a seguir + 4 (Índia).
Enquanto o total das exportações da Índia nos
últimos cinco anos aumentou 73%, o da Associação dos
Países do Sudeste Asiático (ASEAN) aumentou o dobro daquela taxa
e seis vezes para a China. A Índia tornou-se uma parceiro cimeiro da
ASEAN e suas ambições estendem-se ainda mais em
direcção a uma zona económica que vai desde a Índia
até o Japão. Não é por acaso que, na crise de
divisas seguida de crise económica plena verificada em 1997 no Leste da
Ásia, o Tio Sam advertiu fortemente o Japão para que não
aceitasse um fundo de divisas do Leste Asiático que fora proposto e que
teria pelos menos evitado o pior da crise. Tio Sam beneficiou-se com isto ao
comprar divisas desvalorizadas do Leste Asiático e utilizá-las
para comprar recursos reais nestes países, e na Coreia do Sul
também bancos, numa base de preços de verdadeira
liquidação. Mas agora a China já dá passos em
direcção a um tal acordo, só que com muito mais grandeza
financeira e agora também com escala económica.
Depois de ter escrito o texto acima li em
The Economist
(11-17/Dezembro/2004) um relato acerca da cimeira do ASEAN +3 na semana
anterior, na Malásia. O primeiro-ministro daquele país anunciou
que esta cimeira deveria estabelecer o terreno para uma Comunidade do Leste
Asiático (East Asian Community, EAC) que "construiria uma
área de livre comércio, cooperaria em finanças e assinaria
um pacto de segurança ... o que transformaria o Leste Asiático
num bloco económico coeso ... De facto, alguns destes esquemas
já estão em movimento ... A China, como a potência
económica e militar proeminente da região, irá sem
dúvida dominar ... e abrigará a segunda Cimeira do Leste
Asiático". O relato avança para recordar que em 1990 o Tio
Sam derrubou uma iniciativa semelhante por temer perder influência na
região. Agora é um caso de "Ianque fica em casa".
Ou o que aconteceria se, muito antes disto acontecer, os exportadores de
petróleo simplesmente cessarem de apreçar em dólares
sempre a desvalorizar e, ao invés disso, efectuarem uma mudança
comutando para o euro em ascensão e/ou um cabaz de divisas do Leste
Asiático? Isto de repente diminuiria muito a procura mundial por
dólares e o preço dos dólares ao obrigar quem quisesse
comprar petróleo a comprar e a aumentar o preço de procura do
euro ou do yen/yuan ao invés do dólar. Isto esmagaria o
dólar e derrubaria o Tio Sam numa queda fatal, pois os possuidores
estrangeiros -- e mesmo internos -- de dólares venderiam tanto quanto
pudessem e tão rápido quanto possível, e bancos centrais
de outros países substituiriam as suas reservas em dólares e
não mais considerariam o Tio Sam como um abrigo seguro. Isto levaria o
dólar a cair ainda mais e, naturalmente, a interromper qualquer influxo
de mais dólares para o Tio Sam por parte dos estrangeiros que têm
estado a financiar a sua farra de consumo. Uma vez que vender petróleo
por dólares em queda ao invés de euros em ascensão
é evidentemente um mau negócio, os maiores exportadores de
petróleo na Rússia e na OPEP têm estado a considerar
exactamente isso. Nesse ínterim, eles apenas aumentaram o preço
em dólar do petróleo, de modo que em termos de euros ele tem
permanecido aproximadamente estável desde 2000. Até agora,
muitos exportadores de petróleo e outros ainda colocam o seu montante
acrescido de dólares no Tio Sam, apesar de agora ele oferecer um abrigo
cada vez menos atraente e menos seguro, mas a Rússia agora está a
comprar mais euros com alguns dos seus dólares.
Assim, bancos centrais de muitos países também começaram a
colocar cada vez mais das suas reservas no euro e em outras divisas que
não sejam o dólar do Tio Sam. Agora mesmo o Banco Central da
China, o maior amigo do Tio Sam em necessidade, começou a comprar alguns
euros. A própria China também começou a utilizar alguns
dos seus dólares enquanto eles ainda são aceitos na
compra de bens reais de outros países asiáticos e milhares de
toneladas de minério de ferro e aço do Brasil, etc. (o
presidente do Brasil levou recentemente uma enorme delegação de
negócios à China e uma delegação chinesa acaba de
ir à Argentina. Eles estão a ir aos minerais da África do
Sul também).
Assim, o que acontecerá aos ricos do topo do esquema Ponzi do Tio Sam
quando a confiança dos bancos centrais mais pobres e dos exportadores de
petróleo se esgotar, e os mais destituídos em todo o mundo,
confiantes ou não, não mais puderem fazer os seus pagamentos na
base? A fraude da confiança neste Esquema de Ponzi do Tio Sam levaria
ou levará ao seu estilhaçamento, tal como todos os
esquema como esse antes, só que desta vez com uma explosão em
escala mundial. Isto reduziria a actual procura americana por bens de consumo
a uma dimensão realista e prejudicaria muitos exportadores e produtores
em outras partes do mundo. De facto, isto pode envolver uma
reorganização fundamental em grande escala da política
mundial agora dirigida pelo Tio Sam.
__________
Notas
[1] Personagem de "O mercador de Veneza", de Shakespeare: um
miserável usurário judeu.
[2] Filme americano de 1998 dirigido por Martin Brest. Em Portugal chamou-se
"Conhece Joe Black?"
[3] Esquema de Ponzi: género de construção financeira
fraudulenta tipo "pirâmide", tal como o caso da Dona Branca em
Portugal. Estes esquemas só podem subsistir enquanto houver novas
entradas de dinheiro e arrebentam quando cessa este influxo.
O original foi extraído de
http://globalresearch.ca/articles/FRA501A.html
. Os intertítulos foram alterados de acordo com
indicações do autor. A versão mais recente deste ensaio encontra-se em
http://www.rrojasdatabank.info/agfrank/noclothes.htm
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.