O papel da social-democracia na destruição do social e da
democracia
por Daniel Vaz de Carvalho
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O socialismo vulgar aprendeu com os economistas burgueses a considerar e tratar
a distribuição como algo independente do modo de
produção e, portanto, a expor o socialismo como uma doutrina que
gira principalmente em torno da distribuição.
Marx, Critica ao Programa de Gotha
A social-democracia pôde continuar a chocar com encardido conservantismo
os pintos nacionalistas.
Aquilino Ribeiro
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1 O conluio capitalista
À questão de saber onde começa e onde acaba a
social-democracia (s-d) o melhor é ignorar o nome dos partidos ou
movimentos políticos, até os seus programas e observar a sua
prática. Mas não só: mais importante do que dizem ser os
seus objetivos, é saber quais são os seus suportes materiais e
ideológicos.
Considerando o marxismo desatualizado a s-d propunha-se alcançar o
socialismo por meio de "reformas, por outras palavras: na medida em que os
capitalistas o permitissem! Engels caracterizou-os, dizendo que para esses
políticos a burguesia era burguesia no interesse do proletariado!
Os protagonistas da s-d de direita ou de "esquerda" são
colegas em administrações, sociedades de advogados, etc.
participando em conluio no bolo da exploração e da
especulação. A prática do seu "socialismo
democrático" foi a defesa do grande capital, apoiando passiva ou
ativamente os desmandos do colonialismo, as ingerências e guerras de
agressão do imperialismo.
A s-d, identificou os interesses dos trabalhadores com os interesses de
maximização dos lucros capitalistas, promovendo a
submissão dos trabalhadores aos interesses do capital. Em nome da
"economia de mercado" e da "competitividade", são
exercidas pressões para os trabalhadores abdicarem de direitos e
reduzirem salários. Sindicalismo s-d corrompido pela ideologia
capitalista colabora na degradação da legislação
laboral, com o álibi do "crescimento e emprego".
Face às crises e às contradições do capitalismo as
críticas s-d não passam de uma contemplação dos
acontecimentos dentro das regras do sistema. Mesmo afirmando pretender
"outro capitalismo" ou "outra Europa", não
vão além da "democracia liberal" (neoliberalismo),
eufemismo para o domínio das oligarquias.
Mergulhada na crise as s-d apenas pretendem impor pseudo-soluções
para estabilizar o sistema vigente através do controlo total sobre os
povos. Nesse sentido aí temos a propaganda da "união
bancária" e do federalismo, formas acrescidas de
exploração e domínio: "os modelos professados por
tais políticas atingiram tais níveis de absurdo que se aproximam
do ridículo"
[2]
2 A liquidação do social e da democracia
O fracasso das "boas intenções do reformismo através
dos mecanismos viciados da economia liberal podem ser exemplificadas pelo
seguinte. Em 1794 o governo britânico para fazer face à crescente
miséria que o capitalismo criava decidiu que seria fornecido um
complemento às famílias que não obtivessem o mínimo
para viver a partir do seu salário. O que aconteceu foi que os
proprietários de terras e capitalistas obtiveram trabalhadores com
salários cada vez menores, complementados pela comunidade.
A s-d limita-se a recomendar moderação aos poderosos
(ética empresarial
) e submissão aos demais, sob a
ameaça de sanções, retaliações,
ingerências, represálias. A "economia de mercado"
representa a legalização do saque e da expropriação
dos mais fracos, é a subordinação de toda a sociedade aos
lucros de uma minoria: os 0,1%.
Quando o keynesianismo chegou a um impasse devido às
contradições do sistema capitalista a que não podia fugir,
havia duas soluções: a transição para o socialismo
ou o radicalismo neoliberal. A s-d continha já todos os germes da sua
degradação reacionária, escolheu portanto aquela segunda
hipótese, camuflada com as quiméricas virtudes da "economia
de mercado".
A ilusão da "economia de mercado regulada" limita-se a aceitar
o sistema, querendo depois regulá-lo. É como querer consumir
drogas moderadamente, porém só há dois caminhos: ou se
abandonam de vez ou se é por elas dominado. Se só ao capital
privado é permitido conduzir ações no campo da economia
real o Estado acaba por abandonar a capacidade de regulação ou
esta reduz-se a um simulacro ao sabor dos interesses que devia controlar.
Consumido pelas privatizações, com o sector financeiro
desregulado, ao sabor da vulgata neoliberal, o sistema afunda-se em
múltiplas crises. Os governos não podem interferir na
gestão privada do grande capital, mas este interfere nas
políticas governamentais, ameaçando com a chantagem da
credibilidade e da confiança e impondo em nome de uma "sã
economia" ao serviço dos credores
políticas socialmente infames.
A ideologia da s-d parte do princípio que as grandes empresas
capitalistas, são entidades democráticas, geridas por
princípios de racionalidade económica. Foi-se ao ponto de colocar
os seus interesses ao nível dos direitos humanos, a partir do que se
promovem sanções, conspirações e ingerências
contra países com políticas progressistas.
As grandes empresas capitalistas são monarquias absolutas com o poder
político ao seu serviço. Os clausulados dos tratados do dito
"comércio livre", defendidos pelas s-d, são
expressões de direitos absolutos ao grande capital, em
situações de conflito em permanente com os povos.
A propagandeada falácia do "menos Estado", foi o álibi
para decisiva parte do poder público passar a ser detido por potentados
privados, permitindo que a corrupção, a especulação
e a usura se exerçam sem entraves de maior.
As ilusões da s-d, quanto à "justiça social" ou
"democracia e economia de mercado", estão mortas. A UE
representa o ressuscitar da "Santa Aliança" de 1815 para
garantir a legitimidade dos interesses oligárquicos em que a democracia
se tornou um formalismo controlado por burocratas.
Os tratados da UE tiveram tanto de democrático como a decisão
sobre a liberdade religiosa noutros tempos: a religião dos
súbditos era a religião do seu soberano. Dizer-se que foram
votados por representantes do povo, os deputados, é uma falácia.
As maiorias s-d foram eleitas defendendo e propagandeando o contrário do
que os tratados representam e implicam.
A UE é um vergonhoso instrumento autoritário para impor a
ideologia neoliberal. Se assim não fosse há muito que estariam
desmantelados os paraísos fiscais. Comandada por burocracias que apenas
respondem perante congéneres, as suas estratégias resumem-se a
impor austeridade (espoliação das classes trabalhadoras) para dar
"confiança" aos mercados financeiros, tornar irrelevantes as
escolhas democráticas e promover "novas relações
laborais" (trabalho sem direitos e esvaziamento sindical).
Os "europeístas" mergulham-nos no obscurantismo medieval do
"mar tenebroso": abandonar a UE seria ficar fora
civilização! Mas então a Noruega, a Islândia, a
Suíça e o RU com o seu Brexit estarão na barbárie?
E a Suécia, e a Dinamarca, fora do euro e com exceções aos
tratados?
Isto não significa que forçados pelo descalabro económico
e social em que se tornou a UE não falem em "alterar" as suas
regras. O ministro Augusto Santos Silva, do governo PS, contestando uma
afirmação de um deputado do PCP, que afirmava ser
necessária uma ruptura com essas regras, dizia que seriam
necessárias alterações, mas nunca a ruptura. Ora, alterar
sem fazer uma ruptura é apenas querer mudar alguma coisa para ficar tudo
na mesma.
3 A social-democracia como vírus do movimento progressista
Dizia Dilma Roussef ao ser destituída que "a luta pela democracia
não tem data marcada para terminar", pena é que a s-d
só o perceba tarde demais. De facto, como frisou Aquilino Ribeiro,
é a própria s-d que serve de hospedeiro ao vírus da
extrema-direita.
A s-d defende a "coragem política" para realizar
"reformas estruturais": fornecer mão-de-obra sem direitos e
garantir todo o poder para o grande capital. O objetivo é também
convencer que a resistência ao sistema é inútil, instilando
a apatia. Ao recusar a luta de classes trata de incutir nas massas populares
que qualquer transformação progressista desde que toque nos
interesses do grande capital está condenada ao fracasso.
"Críticos radicais", adotados como "esquerda", pedem
mais democracia na UE. Por exemplo (Rui Tavares): a CE ser escolhida pelo PE!
Marx diria ser mais um exemplo do "cretinismo burguês".
É que a real falta de democracia nas instituições da UE
não é causa, mas a consequência do processo de
integração capitalista e imperialista.
A s-d levou o movimento progressista do reformismo para o neoliberalismo. A
renúncia à luta de classes, deixou o campo aberto aos defensores
da oligarquia e do imperialismo. As concessões ao grande capital apenas
aumentaram a sua arrogância e a sua avidez por maiores lucros. E isto
não tem que ver com a ética individual: deriva das leis do
sistema.
Aliada à direita a s-d estabeleceu um pacto para afastar dos centros de
decisão todos os que pudessem agir de forma contrariar os interesses
oligárquicos. Neste sentido, nunca hesitaram em usar a violência
contra trabalhadores em luta por políticas progressistas, tal como na
sequência do 25 de ABRIL em defesa das empresas do Sector Empresarial do
Estado ou da Reforma Agrária violência que foi afinal a
"Reforma Agrária sem ódios" do ministro António
Barreto
Porém, também partidos de esquerda, mesmo com passado heroico sob
a bandeira comunista, se renderam à s-d com a argumentação
de "adaptar-se ao mercado" e "realismo", numa despudorada
decadência ideológica alinhando com o antisovietismo e usando
subterfúgios como o "eurocomunismo" para mascarar o seu
efetivo abandono do marxismo. Foram levados ao desaparecimento ou tornaram-se
irrelevantes social e politicamente.
Na natureza como na política, não há espaços
vazios. Trump, como Marine le Pen, obtêm expressivos resultados
cavalgando o descontentamento popular criado pelo agudizar das
contradições do capitalismo, enredado numa crise sem
soluções. Limitam-se a aproveitar o vazio deixado pela s-d e pelo
reformismo incapaz de apresentar alternativas mobilizadoras.
Só nas fases de decadência um sistema torna ao mesmo tempo o
crescimento económico materialmente impossível e socialmente
inviável. A cada formação económica corresponde um
sistema político. A correspondência entre as forças
produtivas e o carácter coletivo das relações de
produção impõem a adoção de formas de
transição para o socialismo.
4 - E o governo PS?
O governo PS não é um governo de esquerda. É um governo
s-d com elementos cujas preferências seriam governar com o PSD, um
"outro" PSD. É um governo que procura realizar uma
política não neoliberal com as regras neoliberais da UE.
A reposição de rendimentos, suspensão e reversão de
algumas privatizações não deixa de ser uma política
s-d, se não for acompanhada de efetivo controlo público da
economia e de planeamento económico democrático. Estas
políticas não ocorrem porque o PS não tem
intenção de afrontar nem o grande capital, nem a UE.
Porém, não será possível desenvolver o país
sem reestruturação da dívida e sem ajuste cambial (isto
é, sair do euro). Em juros e PPPs o país gasta cerca de 10 mil
milhões de euros por ano. A redução destes montantes seria
uma importante medida realmente estrutural.
Contudo, bastou o PS afastar-se da ortodoxia neoliberal e estabelecer acordos
com o PCP, BE e Verdes, revertendo algumas situações do social e
da democracia, para sofrer os ataques concertados da direita/extrema-direita e
da comunicação social ao seu serviço. Comparem-se as
primeiras páginas da imprensa e as análises de comentadores
atuais e durante o governo PSD-CDS: problemas graves como a recessão, o
empobrecimento, o aumento da dívida, o descalabro do sistema financeiro,
privatizações contra o interesse público, desemprego,
mentiras e contradições do PM, sucessivos falhanços de
previsões, eram escamoteados, reduzidos a insignificâncias,
justificados.
Atualmente procura-se menorizar os aspetos positivos, dramatizar
questões acessórias, suportar dados falsos veiculados pela
direita, induzir a que se pense o contrário da realidade, como no caso
dos impostos em que a carga fiscal foi diminuída.
Justifica-se então apoiar o governo PS na base do protocolo
estabelecido? Quando temos dúvidas é conveniente ir às
fontes e escutar os mestres.
Escreviam Marx e Engels em
A Ideologia Alemã:
"Para nós o comunismo não é um estado que deva
implantar-se, um ideal a que a realidade se deve sujeitar. Nós chamamos
comunismo ao movimento real que anula e supera o estado de coisas atual. As
condições deste movimento resultam das condições
atualmente existentes".
Em
Princípios do comunismo,
afirmava Engels: "Socialistas democráticos, têm em muitos
aspetos os mesmos interesses que os proletários, por isso os comunistas
devem entender-se nos momentos de ação mantendo, sempre que seja
possível, uma política de ação com eles, desde que
estes socialistas não se ponham ao serviço da burguesia dominante
e não ataquem os comunistas. Estas ações não
excluem a discussão de divergências que existem entre eles e os
comunistas".
Cada um julgará por si. De qualquer forma parece-nos que os fundadores
do materialismo-dialético deixam claro, as razões e os limites de
um apoio.
[1] A Alemanha ensanguentada, Ed. Bertrand, 2016, p. 158. Aquilino refere-se
à Alemanha pós-guerra dos anos 20.
[2] Roberto Lavagna, A Europa à beira do abismo, coord. de Tony
Phillips, Ed.. Bertrand, 2014, p. 48.
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