Diplomacia franco-germânica
por Jacques Sapir
O Presidente François Hollande e a Chanceler Angela Merkel tentam
actualmente em Moscovo, nesta sexta-feira 6 de Fevereiro, aquilo que é
descrito como uma "mediação de última
oportunidade" sobre a crise ucraniana. Mas isto na realidade já era
o caso desde há várias semanas. Os bombardeamentos das
forças de Kiev sobre a população civil das cidades de
Donetsk, Lugansk e aldeias circundantes, constituíam e constituem
sempre um escândalo permanente. Estamos na presença de
crimes de guerra deliberados. O facto de as forças de Kiev alvejarem
deliberadamente os civis está hoje confirmado
[1]
. Portanto não foram estes os factos que desencadearam o esforço
de mediação da França e da Alemanha, é preciso
sublinhar, mas antes a derrota da forças de Kiev em Debaltsevo.
Situação militar em 4 de Fevereiro à tarde
Fonte:
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Com esta derrota paira a possibilidade de a NATO, ou os Estados Unidos, se
empenharem um pouco mais do que actualmente no fornecimento de armas e
materiais às forças de Kiev. Poder-se-á tirar as
conclusões que se quiser. Isso não altera o facto de que esta
derrota, que fora anunciada, pode permitir que se imponha um cessar-fogo
durável.
As propostas franco-alemãs
A sra. Merkel e o sr. Hollande nesta sexta-feira partiram com várias
propostas ao encontro do Presidente Putin. Sem entrar nos pormenores, estas
incluíam uma "neutralização" de facto da
Ucrânia que não poderia entrar na NATO e um acordo
reforçado para fazer respeitar o cessar-fogo. François Hollande
evocou igualmente a necessidade de garantir a integridade da Ucrânia e um
estatuto federal alargado que poderia ser reconhecido aos insurrectos do
Donbass.
Estas propostas constituem um progresso em relação ao que era
até então anunciado. Mas dois grandes problemas subsistem.
Primeiramente, se a Alemanha e a França, que são membros da NATO,
podem bloquear a adesão da Ucrânia a esta
organização, estes países não têm os meios de
se opor num sentido jurídico a um acordo de defesa entre
os Estados Unidos e a Ucrânia. Ora, se a questão da adesão
à NATO apresenta um problema, isto é com certeza devido ao peso
do Estados Unidos nesta organização. Portanto não
há razão para que os dirigentes russos fiquem particularmente
tranquilizados por um empenhamento qualquer da França e da Alemanha
sobre este ponto. Um segundo problema tem a ver com a vontade de Kiev de
respeitar o cessar-fogo. Desde o mês de Setembro é sobre este
ponto que fracassaram todas as tentativas anteriores. Por qual milagre a
França e a Alemanha poderiam garantir que Kiev respeitará a sua
palavra? Naturalmente, se forças de interposição, os
"capacetes azuis", pudessem estar presentes, isso mudaria a
situação. Mas os capacetes azuis não podem ser instalados
no terreno senão com o acordo do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, ou seja, com o acordo dos Estados Unidos.
O dilema franco-alemão
De facto, a França e a Alemanha desejariam resolver a questão da
Ucrânia sem os Estados Unidos. Mas estes últimos já se
encontram maciçamente na Ucrânia, quer sob a forma de conselheiros
governamentais ou sob a forma de conselheiros militares. Os Estados Unidos
são parte integrante da crise ucraniana e devem portanto ser parte
integrante da solução política. A França e a
Alemanha não terão o menor peso sobre Washington a não ser
que estes dois países digam claramente que sem uma retirada dos Estados
Unidos da Ucrânia, e de um compromisso politicamente obrigatório
deste país acerca deste ponto, a Ucrânia não poderia
receber nem um Euro da União Europeia.
O país está arruinado e falido, as esperanças de ali
desenvolver a indústria do gás de xisto evaporaram-se. É
claro que só uma ajuda importante da parte da União Europeia pode
permitir-lhe que continue a flutuar. Esta ajuda deve ser considerada a fim de
forçar os Estados Unidos a renunciarem a uma intervenção,
tanto directa como indirecta, na Ucrânia. Esta é a única
condição para obter a confiança da Rússia.
É demasiado tarde?
De facto, cada parte teria a ganhar com um acordo político. Os
insurrectos seriam enfim reconhecidos diplomaticamente. A Rússia se
desenvencilharia de um caso que se verifica custoso para ela. A União
Europeia poderia retomar seu comércio com a Rússia. Mesmo os
Estados Unidos ficariam livres para se concentrarem sobre outros problemas e
poderiam retomar o diálogo necessário com a Rússia sobre a
questão das armas nucleares. Tornar-se-ia possível, desde que um
cessar-fogo real fosse estabelecido, curar as feridas e começar a
reconstrução. Os refugiados, dos quais grande parte fugiu para a
Rússia, poderiam então retornar aos seus lares. Não se
deve no entanto ter demasiada ilusão. A violência das
forças de Kiev para com a população do Donbass deixou
traços profundos. Uma solução federal, que teria sido
possível em Março de 2014, é hoje impensável. Na
melhor das hipóteses isso conduzirá a um estatuto de autonomia,
como existe por exemplo com a região do Curdistão autónomo
do Iraque.
Mas enquanto as forças da guerra não tiverem sido designadas como
tais, e submetidas a fortes pressões, quer seja em Kiev ou em
Washington, este acordo política permanecerá um objectivo
ilusório. No fundo, a incerteza está em Washington e não
em Moscovo. Devemos estar atentos às intenções reais dos
Estados Unidos e, caso necessário, tomar claramente distâncias de
uma política que não tem nenhum sentido para os interesses dos
povos europeus. As consequências desta política nefasta são
já evidentes na Líbia. Tal deveria ser a linha diplomática
de Paris e de Berlim.
Terão a França e a Alemanha a coragem de dizer as coisas
claramente? Pode-se esperar, mas também se pode duvidar.
06/Fevereiro/2014
[1]
www.globalresearch.ca/...
O original encontra-se em
http://russeurope.hypotheses.org/3404
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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