O comboio humanitário russo
Bloqueado? Não bloqueado?
por Dimitri Orlov
Enquanto a imprensa do sistema debate acerca do conteúdo do comboio, com
invasores russos escondidos nos eixos, tanques dissimulados nos sacos de
farinha, canhões disfarçados nas caixas de medicamentos, enquanto
esta mesma imprensa do sistema se extasia acerca desconfiada antevisão
ucraniana diante dos truques putinianos, enquanto as cidades do Donbass
continuam a ser bombardeadas, o autor apresenta-nos uma visão muito
diferente. Para ele, o que bloqueia o comboio humanitário é antes
de mais nada o arranjo necessário da corrupção do lado
ucraniano. E a questão estratégica essencial, sempre do ponto de
vista ucraniano, é saber como tomar isto ou aquilo no comboio, para que
cada um "tenha a sua parte"...
Assim, mais do que a análise de um comboio humanitário, este
texto é uma espécie de autópsia
sociológica da Ucrânia dita democrática e aberta aos
valores da Europa e do "sonho americano".
As várias condições impostas pela Ucrânia têm
a ver com algo
muito diferente do que reagir à ameaça de uma invasão
clandestina. Primeiro eles pediram que o comboio passasse por Kharkov ao
invés de ir directamente rumo a Donetsk, fazendo um grande desvio. A
seguir pediram que os bens fossem descarregados na fronteira e carregados em
camiões ucranianos, mas não puderam conseguir camiões
suficientes. Depois pediram que os camiões russos usassem placas com
matrículas ucranianas e que cada camião transportasse um
representante ucraniano. A seguir virá mais alguma coisa.
Pode-se ficar confuso com o que poderá estar por trás destas
condições ridículas e estas tácticas de
retardamento,
portanto deixem-me explicar. Os ucranianos estão a fazer o melhor que
podem para imaginar como roubar os bens do comboio. Até encontrarem um
meio de fazer isso, nada se moverá, porque nada se move na Ucrânia
até que toda a gente obtenha o seu bocado. Durante as suas mais de duas
décadas de experimento com a "liberdade e democracia" estilo
ocidental, pela qual quero dizer oligarquia e prostituição, a
Ucrânia gerou uma subespécie de sobreviventes apta a responder
apenas a uma pergunta: "Qual é a minha parte nisso?".
Tome-se por exemplo Arseny Yatsenyuk, o primeiro-ministro ucraniano designado
pelo Departamento do Estado dos EUA. Ele recentemente anunciou que a
Ucrânia estava sem dinheiro, incapaz mesmo de pagar seus soldados (isto,
a propósito, é hipócrita, porque a Ucrânia
não tem pago ou alimentado os seus soldados) e que portanto renuncia. A
Ucrânia obteve um par de milhares de milhões de dólares da
Rússia como prémio de entrada para aderir à União
Aduaneira de Moscovo, sob o presidente Yanukovish, que a seguir foi derrubado.
Onde está aquele dinheiro? Ah, hum, hum, hum! Então, após
o golpe, o Ocidente deu à Ucrânia alguns empréstimos
garantidos e alguns milhares de milhões adicionais. Ah, hum, hum, hum!
Assim, com nada mais restando para roubar, Yatsenyuk anuncia sua
renúncia e encaminha-se para o aeroporto, a caminho de um lugar
cálido e ensolarado onde possa dissipar seus fundos mal adquiridos com
prostitutas e amenidades. Seus inspectores da CIA tiveram de repescá-lo
no aeroporto e carregá-lo de volta para o seu gabinete. Não lhe
é permitido renunciar. Ele ainda não pode viver o "Sonho
Americano" não até que algum pateta desmiolado
resmungue as palavras "missão cumprida" e os operacionais da
CIA voltem para casa. Nessa altura os ucranianos voltarão a tentar fazer
trapaças com o Kremlin.
Em relação ao comboio, descarregar a carga e colocá-la
sobre camiões ucranianos teria tornado o roubo mais fácil, mas isso
não pôde acontecer devido à falta de camiões. (Recorde:
responsáveis ucranianos têm estado a liquidar propriedade do
governo e a embolsar as receitas durante duas décadas, de modo que agora
sobra muito pouco). Impor que os camiões usassem matrículas
ucranianas é uma pequena concessão, uma vez que isto
provavelmente exige um suborno (nada acontece ali sem um suborno) mas talvez
eles estejam a espreitar por oportunidades para assaltar uns poucos destes
camiões e desmontá-los para peças sobressalentes.
Conseguir um representante ucraniano a bordo de cada camião é
outra pequena concessão: ele precisará ser alimentado, amaciado
com vodka e que lhe seja dado dinheiro de bolso. Mas o problema principal
como roubar uma porção substancial, idealmente tudo, da
ajuda humanitária indo para a Novorússia permanece por
resolver. E até que seja resolvido haverá
obstrução. Isto dificulta cooperar com responsáveis
ucranianos, aos quais não parece restar qualquer traço de valores
humanos e que funcionam num nível estritamente biológico
mas os russos estão a tentar.
Como é que um país afunda até este nível de
degenerescência em apenas um par de décadas? Recentemente, o Prof.
Savelyev, que é um perito, entre outras coisas, em
evolução humana, aventurou-se a explicar. A
evolução humana, disse numa entrevista, tem sido primariamente a
evolução do cérebro. No pouco tempo em que o Homo Sapiens
Sapiens tem existido, o tamanho do seu cérebro aumentou dramaticamente.
Embora seja possível declarar que inteligência é valiosa
para a sobrevivência, há uma explicação mais
fundamentada para a pressão para o aumento do tamanho do cérebro
... [...]
Segundo Savelyev, a bandeira ucraniana não deveria ser um campo de
girassóis sob um céu azul. Uma salsicha espetada num garfo seria
muito mais apropriado. Afinal de contas, é por isso que eles
estão a combater. Não tem sentido envergonhá-los por
roubar ou por mentir, pois a vergonha exige uma daquelas funções
no córtex pré frontal: uma consciência. Para eles, dizer a
verdade é uma surpreendente nova exigência, eles não se
conectam com isso e não entendem porque é necessário. Tudo
o que eles têm a fazer é mentir bem: "Donetsk está
cercada! Nós estamos prestes a vencer!", eles lhe dizem. Certamente
estão. Pergunte aos rebeldes para onde estão a ir e eles lhe
dirão sem rodeios: "Estamos a ir até Kiev"
[NT]
. Talvez os franceses possam enviar o seu próprio comboio de ajuda para
Kiev, para
coincidir com a chegada dos rebeldes. Ele podia incluir algumas guilhotinas.
Nesse ínterim, espero que o Tio Sam esteja a divertir-se muito a brincar
com a sua noiva ucraniana encomendada por catálogo. Afinal de contas,
eles têm muito em comum.
18/Agosto/2014
[NT]
A afirmação ironica não corresponde à verdade:
Os heróicos combatentes das Repúblicas Populares de Donetsk e
Lugansk defendem-se da junta fascista de Kiev mas nunca pretenderam ir para lá.
Ver também:
Russia's humanitarian aid to cross into Ukraine in batches
O original encontra-se em
www.dedefensa.org/article-le_convoi_humanitaire_vu_par_orlov_18_08_2014.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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