Tribunal-Iraque
AUDIÊNCIA PORTUGUESA
DO TRIBUNAL MUNDIAL SOBRE O IRAQUE
(World Tribunal on Iraq)
LISBOA, 18,19 e 20 de Março de 2005
ACUSAÇÃO
I UMA GUERRA INJUSTIFICADA, CONTRA O DIREITO E A COMUNIDADE INTERNACIONAL
|
A intervenção armada no Iraque foi defendida com recurso a
vários argumentos, entre eles se destacando o de o regime iraquiano
constituir uma ameaça para a paz mundial, por ser detentor de armas de
destruição maciça e investir na produção de
arsenais nucleares, desrespeitando assim as resoluções da ONU.
De forma confusa agregou-se a
esse argumento a invocação da necessidade de prosseguir a luta
contra o «terrorismo internacional», sem que aliás se
afirmasse explicitamente a existência de ligações concretas
entre o regime de Saddam Hussein e o «terrorismo internacional»,
nomeadamente a Al-Qaeda.
Também se recorreu,
sobretudo quando a falência dos outros argumentos se tornou mais
evidente, a uma justificação de tipo
«humanitário»: a da necessidade de derrubar um regime
ditatorial, responsável pela prática de genocídio contra o
povo curdo e de sistemática e generalizada violação dos
direitos humanos.
|
Argumentos
para
a agressão
|
|
Recorde-se, antes de mais, que
o Iraque era um país independente, membro da ONU, sendo o governo de
Saddam Hussein, malgrado as sanções e as limitações
à soberania impostas ao Iraque na sequência da Guerra do Golfo de
1991, reconhecido internacionalmente como o governo legítimo do Iraque.
Uma intervenção
armada contra um país soberano só poderá ter lugar no uso
do direito de
legítima defesa
, por parte do estado objecto da agressão (actual ou iminente)
art. 51.º da Carta da ONU.
Fora do quadro da
legítima defesa, só o Conselho de Segurança (CS) da ONU
pode autorizar o uso da força armada, mas
apenas
quando esse órgão constate a existência de uma
ameaça contra a paz, ruptura da paz ou um acto de agressão (art.s
39.º e 42.º da Carta).
|
Violação
da Carta
da ONU
|
|
Arrogaram-se no entanto os EUA,
após os actos terroristas de 11 de Setembro de 2001, o direito a uma
defesa preventiva
contra as ameaças do «terrorismo internacional», de forma a
poderem actuar contra o
inimigo
mesmo antes de a ameaça se concretizar em perigo iminente.
Contudo, é totalmente
inaceitável este conceito de «guerra preventiva». Antecipar o
direito de defesa a um estádio anterior à existência de uma
ameaça séria e claramente identificável, sem que ao menos
uma entidade isenta e supranacional verifique um qualquer perigo para a paz,
significa isentar o beligerante de qualquer justificação, de
qualquer responsabilidade, de qualquer controlo, significa colocar nas
mãos dos estados poderosos, mas
apenas desses,
esse instrumento. O direito à «guerra preventiva»
poderá ser sempre invocado pelos que tiverem a força, tenham ou
não tenham razão; mas nunca pelos que têm razão, se
não tiverem a força. A «guerra preventiva» é,
pois, muito cruamente, o direito do mais forte.
|
A inaceitável
"guerra preventiva"
|
|
A «guerra
preventiva», enquanto direito tendencialmente exclusivo dos EUA
(única superpotência mundial) tem consequências muito
profundas para a ordem internacional, porque envolve necessariamente o
enfraquecimento (ou mesmo a extinção) da ONU, enquanto
organização depositária da ordem jurídica
internacional e portanto dos poderes «legislativo» e
«executivo» a nível internacional. Este efeito é
aliás um objectivo abertamente confessado por vários
«conselheiros» da Casa Branca.
O que se perfila no horizonte
da estratégia americana é o fim da ordem internacional fundada em
1945, com regras jurídicas vinculativas para
todos
os países, com uma soberania partilhada entre todos os povos da Terra.
E a sua substituição por uma ordem internacional assente na
tutela/direcção dos EUA que, como Império do Bem, novos
déspotas iluminados, situados num plano superior a quaisquer
constrangimentos jurídicos ou convencionais (que apenas
«complicam» e portanto retiram eficácia aos planos americanos
para o mundo), manterão a ordem, a segurança e a paz
internacional, para bem de todos. Tal como esse «bem» for
interpretado unilateralmente pela Casa Branca, evidentemente.
A estratégia americana
de luta contra o «terrorismo internacional» assenta aliás numa
perspectiva completamente maniqueísta e desfasada da realidade. Segundo
essa perspectiva, o terrorismo não tem
causas
ou factores adjuvantes. O terrorismo é uma pura
manifestação do
mal,
encarnado agora, já não no comunismo ou noutros inimigos a que
o fim da Guerra Fria pôs termo, mas no fundamentalismo islâmico.
Assim, a tarefa central do «mundo civilizado», e logicamente do
Império do Bem, é eliminar esse inimigo maléfico,
esmagá-lo pela raiz.
A luta contra o terrorismo
é encarada, assim, dum ponto de vista exclusivamente securitário,
sem quaisquer referências ao contexto de pobreza,
degradação e humilhação nacional e cultural, e
especificamente ao conflito israelo-palestiniano, em que o terrorismo
islâmico nasceu e tem constantemente crescido.
|
Consequências para a ordem internacional
|
|
No caso do Iraque, não
foi estabelecida qualquer ligação séria e credível
entre o regime de Bagdad e o terrorismo, especificamente a Al-Qaeda. Era
reconhecido o carácter laico desse regime, alheio e mesmo inimigo do
islamismo radical, que é atribuído a essa rede terrorista.
Nenhumas provas concretas ou apenas indiciárias de tais
ligações foram apresentadas, demonstrando-se inequivocamente que
se tratou de uma imputação falsa, como revelou o relatório
da comissão de inquérito independente nomeada pelo Congresso
americano divulgado em Junho de 2004.
Assim, é de todo seguro
que a invasão e a ocupação do Iraque não se
traduziram em qualquer reforço da luta contra o «terrorismo».
Pelo contrário. A completa desestruturação em que o
país actualmente se encontra tem favorecido a infiltração
no território e a actuação de organizações
radicais que seguramente não tinham qualquer relevância no regime
deposto e aí seriam mesmo combatidas.
|
Imputações
falsas
|
|
A existência de armas de
destruição maciça foi, porém, o argumento central
para a intervenção. Do ponto vista dos EUA, parece que seria essa
a forma mais fácil de convencer a comunidade internacional da
necessidade de derrubar o governo iraquiano, acusado do uso dessas armas na
guerra Irão-Iraque dos anos 80 e submetido a fortes condicionamentos e
vigilância pela ONU à produção de armas.
Não era crível que um país sujeito a um embargo geral e a
uma vigilância aérea intensa conseguisse fabricar armas de
destruição maciça. E, de todo o modo, nem os inspectores
que actuaram no Iraque desde Abril de 1991 até Dezembro de 1998, no
âmbito da missão da Comissão Especial das
Nações Unidas (UNSCOM), e a partir de finais de 2002
(missão Hans Blix), nem os responsáveis da ONU pela ajuda
humanitária confirmaram, antes infirmaram, quaisquer suspeitas de
fabrico desse tipo de armamento.
Com efeito, o processamento das inspecções, no período que
antecedeu a intervenção anglo-americana, vinha decorrendo sem
obstáculos de maior e teria continuado se a intervenção
não tivesse sido desencadeada. Tiveram os inspectores da ONU de sair
à pressa do Iraque para não serem apanhados pelas bombas
«aliadas». A intervenção deu-se contra a opinião
expressa do chefe da missão de inspecção Hans Blix, que
entendia que havia colaboração do governo iraquiano para
prosseguir essa missão. Foi a
pressa
da Casa Branca que impediu o desenrolar normal da missão dos
inspectores.
Não cabia, porém,
aos EUA o direito de avaliarem o grau de colaboração do Iraque
com a missão da ONU nem de estabelecerem as
«sanções» às eventuais infracções
cometidas pelo governo iraquiano. Esses procedimentos só a ONU os
poderia adoptar.
No entanto, os EUA
contra todos os testemunhos dignos de crédito acusaram o Iraque
de possuir armas de destruição maciça, facto que, na sua
óptica de «defesa preventiva», lhes conferiria o direito de
intervirem em defesa da paz internacional. Para tanto, disseram possuir
«provas» seguras da existência dessas armas. «Provas»
essas que só «mostraram», em Washington e na famosa cimeira
das Lajes, aos «amigos íntimos» como Tony Blair, José
María Aznar e José Manuel Barroso, que se afirmaram plenamente
«convencidos» da veracidade das mesmas.
A manipulação das
«provas» era evidente e tal facto não escapou à
opinião pública mundial, que reagiu expressivamente com as
manifestações de 15 de Fevereiro. Só os comentaristas
comprometidos continuaram (diziam eles) a acreditar piamente na
existência de tais armas.
Mas a sua inexistência
começou a comprovar-se muito cedo, logo durante a invasão, uma
vez que elas não foram utilizadas no conflito armado. Depois, foram
procuradas intensivamente por equipas de técnicos americanos, mas os
resultados foram até hoje negativos. As explicações para o
facto têm sido sucessivas e todas elas raiam o ridículo.
Actualmente, Bush e Blair já confessaram que têm «poucas
esperanças» de que algum dia venham a ser encontradas. A
responsabilidade pela «acusação» tem vindo a ser
endossada para os subalternos, para «erros» dos serviços de
informações. Certo é que hoje se pode dizer comprovado que
as armas de destruição maciça não existiam e que
portanto a invocação desse motivo para a guerra assentou numa
monumental manipulação, numa monumental
mentira
(aliás apenas a
primeira
de uma sucessão que evidencia o nível de
degradação ética a que baixou a actividade política
dos grandes «senhores do mundo»).
|
Manipulação
de provas
|
|
Foi perante o esvaziamento do grande motivo invocado para a
guerra que os dirigentes americanos, seguidos pelos britânicos,
começaram a fornecer outra
explicação/motivação para a guerra: o
carácter ditatorial e sanguinário do regime iraquiano e a
urgência em o
converter
numa democracia.
Estaríamos assim perante
uma espécie de «intervenção humanitária»,
à semelhança de outras praticadas nos anos antecedentes.
Mas é evidente aos olhos
de toda a gente que não foi qualquer objectivo humanitário que
motivou a intervenção militar. Nunca a natureza do regime de
Saddam Hussein preocupou, antes ou depois da Guerra do Golfo, os EUA, que
aliás o apoiaram activamente na guerra Irão-Iraque.
O regime de Saddam Hussein,
sendo inquestionavelmente um regime ditatorial, e responsável, como
decorria dessa sua natureza, por graves violações dos direitos
humanos, não era melhor nem pior do que outros regimes políticos
do Médio Oriente ou de outras partes do mundo, relativamente aos quais
nunca os EUA manifestaram qualquer intenção
«libertadora».
|
A reconversão dos argumentos
|
|
De resto, a forma como a
ocupação militar tem vindo a processar-se, com permanente
violação dos direitos humanos por parte dos ocupantes, o recurso
sistemático à tortura contra prisioneiros, a
nomeação de um governo-fantoche, totalmente subordinado aos
mesmos ocupantes, e o anúncio (tardio, aliás) de
eleições feitas sob ocupação militar estrangeira,
sem estarem reunidas minimamente as condições de segurança
e de liberdade de expressão e de associação, entre outras,
que são essenciais a uma genuína expressão da vontade
popular, agravadas com o divulgado propósito de eliminar certas zonas
(precisamente as zonas mais hostis à ocupação) do mapa
eleitoral, bem demonstram que não foi nem é qualquer finalidade
de democratização que norteia a acção dos
ocupantes, mas sim e apenas a de montarem um cenário de aparência
democrática que cubra a atroz realidade de redução do
Iraque à situação de protectorado americano.
As verdadeiras razões
que motivaram os beligerantes, se analisarmos a história do Iraque desde
o fim da primeira guerra mundial, e sobretudo desde a guerra do Golfo de 1991,
não andarão longe de três grupos de interesses, que podemos
resumir assim:
interesses económicos:
tomar conta das reservas de petróleo e, depois da
destruição causada pela guerra, beneficiar dos contratos
milionários de reconstrução;
interesses estratégicos regionais:
eliminar o Iraque como potência regional, apagar o foco que o Iraque
apesar de tudo representava de uma política árabe independente,
quer a respeito dos recursos naturais, quer a respeito da Palestina;
interesses estratégicos globais:
adquirir vantagem na competição com os rivais do mundo
capitalista desenvolvido, ou seja a UE e o Japão, para cujas economias o
petróleo do Médio Oriente é vital.
|
As verdadeiras razões
|
|
Os pretextos invocados pelos
EUA para a guerra estavam portanto inteiramente desmentidos à partida
para quem quisesse ver com olhos de ver a sequência lógica de
acontecimentos desde pelo menos 1991 e cruzasse isso com os interesses que se
jogam na região.
Não sobram, pois,
quaisquer dúvidas de que não existiam nenhumas
motivações legítimas
para a intervenção anglo-americana no Iraque.
|
Nenhumas motivações legítimas
|
|
Não conseguiram aliás os invasores a credencial do Conselho de
Segurança que tentaram obter em Março de 2003 para legitimar a
intervenção, após se mostrarem infrutíferos os
esforços para persuadir os outros membros do CS de que a
Resolução 1441, de 8 de Novembro de 2002, dava cobertura à
intervenção militar. Mau grado toda a pressão colocada
pelos EUA, secundados pela Grã-Bretanha e pela Espanha, sobre os
restantes membros do CS, não conseguiram convencer a maioria dos seus
membros e acabaram por abandonar a proposta de resolução que
permitiria a intervenção militar no Iraque. Não foi
só a perspectiva de um veto francês (eventualmente também
da Rússia e da China) que levou ao seu abandono; foi a certeza que nem
sequer a maioria (a maioria «moral», como lhe chamaram!)
conseguiriam. Assim ficou demonstrado o isolamento no seio da comunidade
internacional dos países beligerantes.
Após a
ocupação, o CS aprovou a Resolução 1483, de 23 de
Maio de 2003, sobre a situação no Iraque, na qual não se
vislumbra qualquer sinal de legitimação
a posteriori
da invasão. Embora a resolução reflicta os
equilíbrios diplomáticos necessários à sua
aprovação, ela é bem clara na afirmação da
necessidade de devolver o mais brevemente possível a soberania aos
iraquianos e no reconhecimento dos estados invasores como
potências ocupantes
(«Autoridade»), sobre os quais recaem responsabilidades e
obrigações impostas pelo direito internacional, nomeadamente a de
criar condições para que o povo iraquiano possa decidir
livremente o seu próprio futuro político. Ou seja, o CS
não aprovou de forma alguma a ocupação; limitou-se a
constatar uma
situação de facto
, fixando simultaneamente obrigações aos ocupantes e a
necessidade de pôr termo urgentemente a essa situação.
Por último, recorde-se
que, em Setembro de 2004, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan,
declarou sem rodeios, em entrevista à BBC, que a decisão dos EUA
de invadirem o Iraque tinha sido
ilegal.
|
A posição do Conselho de Segurança
|
|
O ataque aéreo e subsequente ocupação militar foram
feitos, portanto, sem autorização do CS e da ONU e contra o texto
da Carta, pelo que constituem, segundo o direito internacional, uma
agressão
a um estado soberano e independente, e portanto um
crime contra a paz.
|
Crimes
contra a paz
|
II UMA GUERRA CONDUZIDA CONTRA A LEI INTERNACIONAL
|
Mas também a condução do ataque armado foi feita contra as
normas internacionais.
Na verdade, logo desde o
início tornou-se evidente o objectivo, por parte dos atacantes, de
evitar a todo o custo baixas militares do seu lado, ainda que à custa de
baixas civis do lado do «inimigo».
|
|
|
Mais do que isso: comprovou-se
que o grande objectivo dos atacantes era o de intimidar e coagir a
população civil, como meio de garantir uma rápida e
fácil vitória. A operação «Choque e
pavor» (nome bem expressivo do
terror
que pretendia espalhar), que abriu a guerra, destinou-se precisamente, por meio
de um ataque aéreo jamais visto na história da humanidade (se
exceptuarmos Hiroxima e Nagasáki), a produzir as condições
para a «desmoralização» de uma população
já tão castigada por doze anos de embargos e
sanções, e provocar a
implosão
do regime.
A ineficácia dessa
estratégia «obrigou» os agressores a uma escalada ofensiva,
que manteve como alvo permanente a população civil, como é
evidenciado pelos ataques aos mercados, hospitais e outras
instalações civis. De destacar também o ataque ao Hotel
Palestina, que se inseriu num objectivo diferente o de intimidar os
jornalistas não «embedded», ou seja, os independentes que
poderiam divulgar pelo mundo informações objectivas sobre a
guerra.
|
Terror sobre as populações
|
|
O balanço dos mortos
iraquianos, nomeadamente de civis, durante a invasão não foi
divulgado pelo Pentágono, mas um estudo realizado pela
associação Project on Defense Alternatives, que teve como base
dados norte-americanos de combate, reportagens e inquéritos, concluiu
que podem ter morrido até 1 de Maio de 2003 mais de 13 000 iraquianos,
sendo destacado o número de civis, tão ou mais elevado que o
registado em 1991, apesar dos progressos verificados a nível de
precisão dos ataques. Em contrapartida, os militares «aliados»
mortos em combate foram apenas algumas dezenas
|
Milhares
de civis
mortos
|
|
Por outro lado, os agressores recorreram a armas proibidas,
nomeadamente a bombas de fragmentação, a bombas
incendiárias, a munições de urânio empobrecido e a
bombas e mísseis com cargas de urânio.
Segundo um relatório da
Human Rights Watch, foram utilizadas durante o conflito 13 000 bombas de
fragmentação, que mataram mais de mil civis.
Mas particularmente grave foi o uso sistemático de armas com materiais
radioactivos.
De acordo com os estudos apresentados na Conferência Mundial sobre Armas
de Urânio, realizada em Hamburgo em Outubro de 2003, a quantidade de
matéria radioactiva (urânio empobrecido, DU) usada no Iraque
ultrapassa em muito o das bombas lançadas sobre Hiroxima e Nagasaki. Na
primeira Guerra do Golfo, em 1991, calcula-se que foram lançadas entre
320 e 800 toneladas de DU; e em 2003 mais de 2200 toneladas. No conjunto, e
pelo mínimo, isto equivale, em atomicidade radioactiva, a mais de 260
mil bombas de Nagasaki (segundo cálculos do prof. Katsuma Yagasaki, da
Universidade de Ryukyus, Japão).
Dado que a semi-vida do DU é extremamente longa (4.500 milhões de
anos, o equivalente à idade da Terra), as populações
residentes nas áreas afectadas viverão para sempre,
geração após geração, sob a ameaça de
contaminação. A humanidade nunca teve a experiência de um
tão horrível dano de guerra.
Pode portanto afirmar-se que os EUA e a Grã-Bretanha puseram em
prática, em 1991 e em 2003, uma guerra nuclear no Médio Oriente.
Vastas regiões ficaram contaminadas, incluindo reservas de água,
solos agrícolas, recursos naturais essenciais e cidades.
|
Uso de armas proibidas
|
|
Os desmentidos norte-americanos e britânicos sobre a periculosidade de
tais armas procuram encobrir factos perfeitamente conhecidos. Desde 1943 que os
responsáveis militares dos EUA estão informados dos efeitos do
DU, como resulta de um relatório datado de 30 de Outubro daquele ano
(entretanto desclassificado), dirigido ao general Leslie R. Groves, onde
são descritos com precisão os efeitos do urânio sobre o
corpo humano e a sua eficácia como arma. Desde 1974 que o uso de DU
estava a ser estudado pelos EUA como arma de guerra em testes militares e em
laboratórios. Desde 1991, durante mais de dez anos, as zonas de
exclusão aérea criadas no norte e no sul do Iraque foram usadas
como campo de testes para a nova geração de armas que viriam a
ser empregues em 2003 (Dai Williams, Conferência de Hamburgo).
Por outro lado, as consequências do uso de tais armas no Iraque em 1991
eram igualmente conhecidas das autoridades norte-americanas. Não
só era sobejamente sabido que a incidência de cancros, de
anomalias da tiróide, de leucemias e de malformações
congénitas tinha subido astronomicamente entre as
populações iraquianas contaminadas (em Baçorá, em
2002, registaram-se 11 vezes mais cancros que em 1988); como também se
sabia, por um estudo do governo dos EUA conduzido pelo Departamento de Assuntos
dos Veteranos (publicado em Março de 1994), que em 251 famílias
de veteranos da Guerra do Golfo se tinham registado 67% de nascimentos de
crianças com malformações congénitas.
No curso de conflitos armados, as armas só podem ser usadas contra alvos
militares legais e enquanto a guerra durar, não podem causar sofrimento
indevido ou causar danos supérfluos, não podem empregar
matérias venenosas, nem podem causar danos severos no meio ambiente.
Ora, o uso de armamento de urânio empobrecido (bem como as bombas de
fragmentação e outras) em operações militares viola
estas regras, e por isso tem de ser considerado ilegal.
Quer o presidente dos EUA quer o primeiro-ministro britânico não
só expuseram a população e os soldados iraquianos e
até as suas próprias tropas a armas que são ilegais
à face de todas as convenções de guerra, com o fizeram com
pleno conhecimento das consequências.
Pode pois dizer-se, com toda a propriedade, que as verdadeiras armas de
destruição maciça presentes neste conflito foram as que as
forças militares norte-americanas e britânicas usaram no Iraque.
|
Pleno conhecimento das consequências
|
|
Estes actos constituem
crimes de guerra,
segundo o direito internacional.
|
Crimes de guerra
|
III UMA OCUPAÇÃO ILEGAL: VIOLAÇÃO
SISTEMÁTICA DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO E DOS DIREITOS DOS
PRISIONEIROS, APROPRIAÇÃO ILÍCITA DA RIQUEZA E DO
PATRIMÓNIO CULTURAL DO PAÍS
|
Após a ocupação militar do território, os
agressores desencadearam operações sucessivas de
perseguição para captura dos responsáveis do regime
deposto. Para tanto, elaboraram um «baralho de cartas» com as
fotografias dos «fugitivos», com indicação da
recompensa por informações sobre o seu paradeiro, procedimentos
indignos da parte de países que se arrogavam superioridade moral sobre
os derrotados.
|
O «baralho de cartas»
|
|
A captura de Saddam Hussein, encontrado num refúgio subterrâneo, e
exibido ao mundo num estado lastimoso e degradante, inseriu-se num processo
deliberado de humilhação e violências contra os
prisioneiros, em flagrante violação das Convenções
de Genebra, e em contraste evidente com o tratamento que os ocupantes
reivindicaram para os seus prisioneiros.
O estatuto dos prisioneiros do «baralho de cartas» e o seu destino
continuam indefinidos, embora se anuncie o seu julgamento por um tribunal
especial criado pelo governo-fantoche, que não garante minimamente a
salvaguarda dos direitos de defesa e a aplicação de uma
justiça isenta e independente. A maioria dos detidos, com cerca de ano e
meio de cárcere, não tiveram ainda acesso a advogado e os
restantes só puderam usufruir desse direito recentemente. Por outro
lado, o governo-fantoche já reintroduziu a pena de morte, com a
confessada intenção de a aplicar aos responsáveis do
regime deposto, em especial a Saddam Hussein.
O tratamento dispensado à generalidade dos prisioneiros, cujo
número nunca foi divulgado pelos EUA, mas que a Amnistia Internacional
estima entre 9 mil e 15 mil, detidos alegadamente por «razões de
segurança» ou por suspeita de participação em
«actividades contra a coligação», mostra o desespero
dos ocupantes perante a resistência iraquiana que se tem feito sentir.
Não só lhes são negados os direitos reconhecidos pelo
direito internacional aos prisioneiros de guerra, como são submetidos a
tortura e tratamentos degradantes, como o «encapuzamento»
sistemático dos detidos, para obter directamente
informações, ou para simplesmente «quebrar» os detidos
e assim «prepará-los» para os subsequentes
interrogatórios, generalizou-se. Vinham aliás constituindo
prática corrente no Afeganistão e em Guantânamo. Em Maio de
2003 a Amnistia Internacional, com base em declarações de
ex-prisioneiros, alertava para o recurso à tortura nos
interrogatórios, nomeadamente espancamentos brutais, permanência
prolongada em posições dolorosas e choques eléctricos, bem
como a privação do sono, combinada com a exposição
a sons muito elevados. Esta última «técnica» foi
reconhecida por militares americanos (Companhia de Operações
Psicológicas), que a consideraram «normal» e
«adequada» para obter informações
Perante a publicação pela imprensa internacional das fotografias
das torturas e humilhações infligidas aos prisioneiros de Abu
Ghraib, em Maio de 2004, as autoridades dos EUA ainda tentaram reduzir o
fenómeno a simples «abusos» esporádicos e cometidos por
alguns soldados por iniciativa pessoal e em estado de embriaguez.
Mas isso foi logo desmentido por alguns dos militares envolvidos que revelaram
que os membros dos serviços secretos americanos lhes pediam para
actuarem de forma que os prisioneiros estivessem «mais
sensíveis» nos interrogatórios que eles iriam realizar. Mais
revelaram que alguns detidos morreram durante o interrogatório.
Aliás, apurou-se que o general Ricardo Sánchez, comandante-chefe
americano no Iraque, aprovou em Setembro de 2003 uma lista de técnicas
«agressivas» de interrogatório, concedendo uma grande
liberdade aos responsáveis pelos interrogatórios em Abu Ghraib,
permitindo-lhes recorrer a cães para assustar os detidos, expô-los
a temperaturas extremas, alterar-lhes os padrões de sono ou
colocá-los a dieta de pão e água arbitrariamente e outros
métodos degradantes. Mais tarde, alguns destes
«métodos» foram
formalmente
retirados da lista dos permitidos, mas aí se mantiveram o isolamento
por mais de 30 dias, o uso de cães para aterrorizar os detidos, as
posições dolorosas «até 45 minutos» e a
manipulação da dieta. Outros métodos teriam que ser
autorizados
pelo próprio comandante-chefe.
Confirmou-se depois que a administração americana estava,
há muito, inteiramente a par desses «abusos» e só
depois da sua denúncia pública tomou medidas contrárias e
desencadeou processos judiciais contra os «responsáveis».
Só que a responsabilidade foi limitada aos elementos de base,
autênticos bodes expiatórios de uma prática ordenada pelas
altas instâncias militares, como alguns advogados de defesa denunciaram,
tendo alguns deles sido condenados apressadamente em tribunais militares, para
dar a aparência de uma justiça expedita e implacável, numa
clara manobra de «branqueamento» da hierarquia militar e dos
responsáveis políticos.
Mais recentemente, novos documentos, originários do FBI e que foram
divulgados após uma intimação judicial promovida pela
associação American Civil Liberties Union, dão conta de
que o recurso à tortura (acrescendo agora, aos métodos já
conhecidos, a introdução de cigarros acesos nos ouvidos dos
interrogados) se manteve pelo menos durante dois meses após a
revelação do «escândalo de Abu Ghraib» e ainda
que havia não só o conhecimento, como inclusivamente uma
«ordem executiva» do Presidente dos EUA autorizando técnicas
como a privação do sono, a sujeição a
posições dolorosas prolongadas, o recurso a cães para
atemorizar os detidos e a privação sensorial.
|
Violências sobre prisioneiros
|
|
Podemos considerar seguro que a
tortura e outros tratamentos degradantes constituíram desde o
início da ocupação métodos de interrogatório
sistematicamente usados pelos americanos contra os prisioneiros iraquianos,
aliás numa linha de continuidade com o tratamento dado aos detidos no
Afeganistão e em Guantânamo.
Para confirmá-lo, se preciso fosse, bastaria a existência de um
memorando do Departamento da Justiça dos EUA, datado de 2002, e
destinado à CIA, mas retomado e enviado ao Pentágono em
Março de 2003, e que constitui a defesa e justificação
ideológica da tortura quando utilizada no âmbito do combate ao
«terrorismo». Aí se diz que torturar «terroristas»
«pode ser justificado», e que as leis internacionais contra a tortura
«podem ser inconstitucionais» (do ponto de vista norte-americano) se
aplicadas a interrogatórios dos suspeitos de «terrorismo»,
pois o Presidente dos EUA, na sua autoridade de comandante-chefe da
forças armadas, não está limitado pelas leis
internacionais, nem pela própria lei federal americana que proíbe
a tortura, quando está em curso uma campanha militar; o Presidente tem o
direito de aprovar as técnicas que considere «adequadas» para
a protecção da segurança nacional.
Mais claro não é possível. Nunca a tortura terá
recebido cobertura ideológica tão perfeita. A responsabilidade da
administração dos EUA, a começar pelo Presidente, no
recurso sistemático à tortura, é incontestável.
|
Uso sistemático da tortura
|
|
O povo iraquiano não acolheu os invasores como libertadores, ao
contrário do que (parece que) eles pensavam que iria suceder. Desde
logo, não se verificou a sublevação anunciada pelos
americanos contra o regime de Saddam Hussein, nem a entrada dos invasores em
Bagdad suscitou manifestações de júbilo. Pelo
contrário, desde a primeira hora, o povo iraquiano não tem dado
tréguas aos ocupantes.
Com os primeiros sinais de resistência à ocupação,
generalizaram-se os métodos brutais de acção sobre os
resistentes por parte dos ocupantes, que recorreram e recorrem a todo o tipo de
acções violentas e intimidatórias, não distinguindo
entre pessoal armado e seus familiares e os civis em geral, como é
atestado pelos raides a bairros e zonas «suspeitas», com o assalto,
geralmente noturno, a residências particulares. Para os ocupantes, todos
os que não são por eles são seus inimigos e são
tratados
manu militari.
Todos os actos de resistência armada são classificados como
«terroristas» pelos ocupantes e legitimam, portanto, segundo estes,
reacções completamente desproporcionadas. Trata-se de uma
generalização abusiva do conceito de terrorismo, a ele
assimilando todas as acções de resistência e mesmo de
legítima defesa por parte dos iraquianos.
Não admira, assim, que o número de civis mortos tenha crescido de
forma assustadora, havendo estimativas credíveis que, excluindo os dados
relativos a Faluja, contabilizam pelo menos 100 mil vítimas desde o
início da invasão até Setembro de 2004, mais de metade
mulheres e crianças, e a maior parte devido a ataques aéreos e de
artilharia (estudo publicado na revista britânica
The Lancet
).
A generalização da resistência, que, embora com focos mais
intensos, abrange hoje a maior parte do território do Iraque, prova
evidente de um apoio popular muito amplo, tem levado os ocupantes a
radicalizarem os seus métodos de repressão, que não poupam
(e por vezes até parecem privilegiar) a população civil.
Os cercos a cidades insurrectas, com o corte de água e de energia a toda
a população, o êxodo forçado dos habitantes, os
bombardeamentos de zonas residenciais, a demolição de casas de
habitação (assimilação mais uma vez dos
métodos de Sharon), tudo isto visa fazer chantagem sobre as
populações, para que elas abandonem os resistentes armados e
entreguem pelo menos os «cabecilhas».
O insucesso desta estratégia revela bem o nível de
consciência e o grau de apoio à resistência por parte do
povo iraquiano.
|
Violência generalizada sobre resistentes e população
|
|
Um dos aspectos mais condenáveis da ocupação é a
forma como os ocupantes se têm apropriado dos recursos naturais do
Iraque, como têm desfalcado os fundos iraquianos em benefício
próprio, como têm atribuído os contratos relacionados com a
«reconstrução», e como planeiam subverter a estrutura
produtiva do país para poderem exercer um domínio absoluto e a
longo prazo sobre a economia iraquiana, como se de uma colónia se
tratasse, e, se puderem, de todo o Médio Oriente.
O aproveitamento do petróleo, riqueza maior do povo
iraquiano, como meio de pagar a guerra, tem estado no centro das
preocupações dos invasores desde o fim das
operações de ocupação, o que se manifestou desde
logo com a «defesa» dos poços e todas as
instalações petrolíferas e do própro
ministério do petróleo o único departamento
público protegido de saque no assalto a Bagdad.
Com a Resolução 1483 do Conselho de Segurança da ONU, a
par do reconhecimento dos ocupantes como «Autoridade» e do
levantamento das sanções que haviam sido impostas ao Iraque
durante o regime de Saddam Hussein, criou-se o Fundo de Desenvolvimento do
Iraque, onde deveriam ser depositados todos os donativos para a
reconstrução e todas as receitas da venda de petróleo.
Esse Fundo destina-se, nos termos da resolução, a
«satisfazer as necessidades humanitárias do povo iraquiano, levar a
cabo as tarefas de reconstrução», e outros fins em
benefício da população do Iraque.
Contudo, o Fundo que, na sequência da resolução
citada, recebeu de imediato mil milhões de dólares provenientes
da conta «Petróleo por alimentos», mais 2,5 mil milhões
provenientes das contas iraquianas no estrangeiro bloqueadas desde 1991
(excepto as contas bloqueadas nos EUA!), e ainda 1,5 mil milhões
resultantes da exploração de petróleo depois da guerra
tem sido administrado de forma completamente arbitrária pela
«Autoridade», que tem agido à revelia do controlo de uma
comissão criada pela mesma resolução e que seria composta
por diversas entidades independentes, entre as quais o secretário-geral
da ONU, e se tem desviado dos fins para que o Fundo foi criado, em
benefício dos interesses dos ocupantes.
Sobre a administração de Paul Bremer e o governo
provisório, e sobre o próprio clã Bush, foi inclusivamente
lançada a acusação, para a qual não houve resposta,
de terem desfalcado os fundos iraquianos em 5,7 mil milhões de
dólares 1,7 mil milhões das contas bloqueadas nos EUA,
ilegalmente confiscadas pelo governo norte-americano, e 4 mil milhões do
referido Fundo de Desenvolvimento do Iraque gerido de facto por Bremer.
|
Apropriação
dos recursos iraquianos
|
|
Estudos da ONG americana Center for Public Integrity revelam que mais de uma
centena de empresas americanas obtiveram contratos num montante que ascende aos
130 mil milhões de dólares, a grande maioria delas com fortes
ligações à administração americana, tendo
financiado generosamente Bush e a sua equipa nas eleições de
2000. Assim, à frente da classificação aparecem a CACI,
com mais de 66 mil milhões de dólares, e a KBR, uma
subsidiária da Halliburton, dirigida pelo vice-presidente Dick Cheney
até à candidatura àquelas eleições, com
quase 11 mil milhões de dólares.
Outros contratos no valor de milhares de milhões de dólares para
a reconstrução de sectores vitais da economia, que
constituem serviços públicos essenciais, como o da água, o
dos telefones ou o da radiodifusão, foram atribuídos às
firmas norte-americanas Bechtel (3 mil milhões de dólares), MCI
(ex-WoldCom, 20 milhões de dólares) e Science Applications
International Corporation (90 milhões de dólares). Um contrato
para a gestão do porto de Umm Qasr foi atribuído à
igualmente norte-americana Stevedoring Services of América que recebeu
4,8 mil milhões de dólares.
Diversos outros factos dão conta do completo arbítrio dos
ocupantes na apropriação dos recursos iraquianos.
Em Agosto de 2003, ao banco norte-americano J P Morgan (que esteve implicado
no escândalo Enron) foi atribuída a liderança de um
consórcio formado por mais 12 bancos de outros tantos países para
pôr em funcionamento o Banco Comercial do Iraque, com o objectivo de
garantir as operações comerciais com o exterior. O capital
inicial, no montante de 100 milhões de dólares, foi
constituído com 5 milhões da autoridade provisória e 95
milhões de «fundos residuais» provenientes da venda de
petróleo ao abrigo do programa «Petróleo por alimentos»
durante os anos de embargo e retidos pela ONU. O volume dos negócios a
levar a cabo por este consórcio que, além dos EUA e da
Grã-Bretanha, envolve bancos da Austrália, Nova Zelândia,
Koweit, Japão, Itália, Espanha, França, África do
Sul, Turquia, Polónia (através do Banco Millennium, SA) e
Portugal (através do BCP) foi estimado pelos banqueiros em mil
milhões de dólares por mês.
Ao mesmo tempo, fundos iraquianos de que os ocupantes se apoderaram têm
sido usados para pagar, sobretudo a empresas norte-americanas,
indemnizações reclamadas na sequência da invasão do
Koweit pelo regime de Saddam Hussein em 1990. Já depois da
deposição de Saddam Hussein, no ano e meio decorrido entre Abril
de 2003 e Outubro de 2004, o Iraque pagou 1,8 mil milhões de
dólares de indemnizações à Comissão de
Compensações das Nações Unidas, dos quais 70
milhões beneficiaram empresas multinacionais das duas potências
invasoras.
Assim, não só os fundos que deveriam financiar a
reconstrução das infraestruturas e socorrer as
populações não estão a afluir ao Iraque, como, pelo
contrário, são os iraquianos que estão a pagar vultuosas
indemnizações aos ocupantes que lhes destroem o país.
Outra imagem da impunidade dos agressores está no facto, denunciado em
Outubro de 2004, de o enviado especial do presidente Bush, o
ex-secretário de Estado James Baker, desempenhar no caso da
dívida externa iraquiana um duplo e contraditório papel. Enquanto
Baker reclamava junto dos credores do Iraque o perdão da dívida,
a firma Carlyle Group (de que Baker é conselheiro de topo e accionista),
em consórcio com a Albright Group (da ex-secretária de Estado
Madeleine Albright), oferecia-se ao governo do Koweit para desenvolver
esforços diplomáticos, baseados na posição
privilegiada de Baker, de modo a assegurar o pagamento da dívida do
Iraque ao Koweit (57 mil milhões de dólares) a troco de um
pagamento imediato à Carlyle de 3 mil milhões de dólares e
de mais 5% de comissão sobre a parte da dívida que fosse
«recuperada».
|
Completo arbítrio e impunidade
|
|
Mas, apesar de tudo isto, a mais grave ofensiva dos ocupantes sobre os recursos
iraquianos é a que consiste na subversão de toda a ordem
económica do país. Com efeito, os decretos emitidos pelo
administrador norte-americano Paul Bremer visam transformar em pouco mais de um
ano a economia do regime deposto, em grande parte sob controlo estatal, numa
economia completamente privatizada, sem qualquer preocupação com
as consequências sociais que daí advenham.
Na origem destes decretos está um estudo encomendado pelo governo
norte-americano à firma Bearing Point (um sucedâneo da falida
Arthur Andersen), por 250 milhões de dólares, no sentido de
pôr em prática uma radical reestruturação do sistema
fiscal, do sector financeiro, do comércio, do sistema legal e das
condições de privatização estudo este que
estava pronto um mês antes da invasão, quando ainda se debatiam na
ONU as «provas» da alegada ameaça iraquiana
Depois de, em Junho de 2003, ter suspendido todas as tarifas, direitos
alfandegários, taxas de importação, custos de
licenças e demais cargas fiscais sobre bens que entrassem ou
saíssem do Iraque, Paul Bremer assinou em Setembro de 2003 um conjunto
de decretos que estipulam a total privatização das cerca de 200
empresas estatais, abrangendo sectores tão vitais como o do saneamento,
da energia e dos transportes, os sistemas de saúde e de
educação, ou os meios de comunicação; a
possibilidade de compra a 100% de qualquer empresa (excepto petróleo,
mineração, banca e seguros, tratados em legislação
à parte) pelo capital estrangeiro; o tratamento das empresas
estrangeiras como se fossem nacionais, impedindo o Iraque de valorizar os seus
meios próprios; a possibilidade de transferir para o estrangeiro a
totalidade dos lucros e capitais a qualquer momento, portanto sem qualquer
obrigação de reinvestir no país; a duração
por um período de 40 anos, com opção de
renovação ilimitada, dos contratos estabelecidos, impedindo na
prática o Iraque de denunciar qualquer desses contratos; a possibilidade
de os bancos estrangeiros adquirirem 50% de cada um dos bancos iraquianos,
dominando assim por completo o sistema de crédito do país; o
estabelecimento de uma taxa única de imposto sobre os rendimentos de
15%, reduzindo consideravelmente os impostos a pagar pelas empresas e as
grandes fortunas e assim despojando o Estado de meios para as necessidades
sociais.
Por junto, isto significa impor ao Iraque, sob a pressão das armas, um
regime de exploração colonial. Nenhum reinvestimento na economia
iraquiana, nenhuma obrigação de contratar trabalho ou empresas
locais, nenhuma garantia de serviço público, nenhuma defesa dos
direitos dos trabalhadores, nenhum recurso afectado ao país.
É nesta base para mais, conhecida a ambição
norte-americana de alargar a «experiência iraquiana» que
tem de ser entendido o anúncio feito pelo presidente Bush, em 9 de Maio
de 2003, sobre o plano de criar até 2013 uma «Área Livre de
Comércio» entre os EUA e o Médio Oriente.
|
Subversão
da ordem
económica
do país
|
|
Também o património cultural do Iraque, verdadeiro
património da humanidade, sofreu graves lesões com a guerra e a
ocupação. Não foi só durante as
operações militares que decorreram até à
ocupação que se demonstrou a indiferença e o desprezo para
com esses bens, que não foram poupados. Após a
ocupação, os militares americanos não só não
defenderam activamente os bens patrimoniais, contrariamente ao que fizeram com
as instalações e equipamentos petrolíferos, como se
alhearam completamente da protecção devida, nomeadamente, aos
grandes museus e outras instalações que continham a riqueza
cultural do povo ocupado, permitindo conscientemente, deliberadamente, pode
dizer-se, o saque e pilhagem desse património que, na sua maioria,
não foi ainda recuperado.
|
Saque do património cultural iraquiano
|
|
Os actos descritos, praticados pelos militares e outros agentes dos EUA
constituem, nos termos do direito internacional,
crimes de guerra
e
crimes contra a humanidade.
|
Crimes de guerra e crimes contra a humanidade
|
IV A RESPONSABILIDADE DO GOVERNO PORTUGUÊS
|
A posição do Governo português, presidido primeiro por J.M.
Durão Barroso, ultimamente por Santana Lopes, tem sido sempre de
total alinhamento
com a política agressiva americana, secundada pela Grã-Bretanha.
Assim, desde a primeira hora o governo português se declarou ao lado dos
agressores, aceitando e repetindo, como uma caixa de ressonância, todos
os argumentos por eles invocados, e apoiou política e diplomaticamente a
sua estratégia, quer internamente quer nos fóruns internacionais.
Destaca-se, neste aspecto, a assinatura, por parte de Barroso, da «Carta
dos 7», declaração formal de apoio subscrita por alguns
governantes europeus (a «nova Europa») à política
americana, que veio a constituir um factor de agravamento da divisão dos
países europeus e consequentemente de enfraquecimento dentro da
União Europeia da corrente que se opunha à guerra.
|
Total alinhamento com a política agressiva dos EUA
|
|
Numa escalada de compromisso com os EUA, o governo português, pela
mão de Barroso, serviu de hospedeiro na chamada «cimeira das
Lajes», onde formalmente se decidiu a guerra, então manifestando o
seu apoio incondicional a essa decisão, alegadamente com base no acesso
a «provas» da detenção de armas de
destruição maciça pelo regime de Saddam Hussein,
«provas» essas que o Governo português tinha todas as
razões para saber que eram falsas, como já então era
evidente para a opinião pública.
Desta forma, o Governo português associou-se a uma
declaração de guerra
ao Iraque, sabendo que eram falsos os fundamentos para ela invocados,
assumindo assim uma
participação activa
na preparação da guerra.
Coerentemente com essa posição, o governo de Barroso permitiu a
utilização da base das Lajes como plataforma de apoio às
forças militares dos EUA envolvidas na invasão do Iraque.
Este gesto não teve mero valor simbólico: constituiu um efectivo
apoio ao esforço de guerra norte-americano. Assim o sublinhou o general
Charles Wald, segundo comandante do Comando Europeu dos EUA, nas Lajes, em 7 de
Maio de 2003, quando afirmou que a intervenção no Iraque
«teria sido quase impossível de realizar» sem a base das
Lajes, e quando vincou, agradecendo o apoio das autoridades portuguesas, que
«a ajuda das Lajes foi fundamental para o sucesso da
operação».
No decurso da guerra, sempre o governo português manteve o seu
alinhamento, mesmo perante as notícias que chegavam de ataques a alvos
civis. O governo entendeu inclusivamente incentivar as manobras de
intoxicação da opinião pública portuguesa levadas a
cabo por certos sectores da comunicação social, enviando para a
televisão «comentadores» oriundos das forças armadas,
destacados por ordem do Ministro da Defesa, para, fardados e assumindo
claramente uma postura de «missão de serviço»,
comentarem favoravelmente a ofensiva anglo-americana, assim tentando
influenciar a opinião pública.
Há que referir que a comunicação social portuguesa, sem
excepção para a que constitui «serviço
público», que obviamente deveria reflectir maior rigor e pluralismo
de opiniões, se mostrou geralmente muito compreensiva e crédula
perante as informações e justificações apresentadas
pelos americanos, apesar de ter todos os elementos para as pôr em
dúvida, incorrendo assim em notória desonestidade intelectual,
nem mesmo tendo feito até hoje o exercício de autocrítica
a que muita imprensa americana (destacando-se jornais como
New York Times
e
Washington Post
) já procedeu.
|
Participação activa na preparação da guerra
|
|
Depois do derrubamento do regime de Saddam Hussein, a colaboração
do Governo português com os beligerantes traduziu-se fundamentalmente em
duas posições de claro compromisso com a sua estratégia: a
nomeação de José Lamego como seu representante na
«Autoridade» designada pelos americanos para governar o Iraque; e a
mobilização de uma força da GNR para uma
«missão de segurança» no Sul do Iraque.
Aquele «representante» já terminou a sua
«missão» no Iraque, desconhecendo-se a sua
contribuição efectiva para a acção da
«Autoridade», pois nem sequer apresentou publicamente qualquer
relatório sobre a sua actividade. Em qualquer caso, a sua
participação não deixou de constituir uma acto de
participação e de legitimação da
ocupação.
Relativamente ao destacamento da GNR, e muito embora se trate de uma
força policial e não militar, não sendo portanto adequada
para participar em acções de combate, o certo é que, mesmo
tendo apenas missões de «policiamento», num país
militarmente ocupado, despojado da sua soberania,
qualquer tipo
de cooperação com os ocupantes está ao serviço da
ocupação, representa um
acto de ocupação
. A distinção entre acção militar e
acção de segurança não é mais do que uma
divisão de tarefas estabelecida pelos ocupantes. Assim, Portugal, ao
manter um contingente militarizado que funciona como
complemento
das forças militares,
participa
nas forças de ocupação do Iraque.
A decisão de prolongar por mais 3 meses a «missão» da
GNR, a partir de Novembro de 2004, tomada pelo governo de Santana Lopes, com o
pretexto de contribuir para a realização de
eleições, eleições essas cuja falta de
democraticidade já foi atrás assinalada, revela acima de tudo a
continuação da política de colaboração com
os estados ocupantes.
|
Claro envolvimento
na ocupação
|
|
No respeitante à participação portuguesa no aproveitamento
dos recursos do Iraque e no negócio da
«reconstrução», apesar do silêncio oficial,
alguns dados foram veiculados pela imprensa. Assim, pouco depois de declarado o
fim oficial da guerra, terão firmado contratos para trabalharem no
Iraque 25 empresas portuguesas dos sectores petroquímico,
farmacêutico, têxtil, químico e da construção
civil.
O risco financeiro da sua actividade é coberto pelo BCP, que participa
no já referido consórcio internacional de 13 bancos liderado pelo
J P Morgan, dos EUA.
A ilegitimidade e a imoralidade destes actos é tanto mais evidente
quanto se sabe perfeitamente que as empresas portuguesas implicadas
estão a beneficiar de contratos de favor concedidos pelos ocupantes, na
condição excepcional de um país dominado militarmente; e
que tal privilégio vem portanto a troco da cumplicidade do governo
português com a agressão e do auxílio que presta aos
ocupantes.
|
Participação no aproveitamento ilegítimo dos recursos do Iraque
|
|
Sintetizando, o Governo português adoptou uma política e praticou
actos que se traduziram numa adesão completa à estratégia
belicista dos EUA e da Grã-Bretanha, colocando Portugal primeiro na
posição de
cúmplice
dos invasores e depois na de
comparticipante
da ocupação.
Tudo isto sabendo o Governo que a maioria da opinião pública
portuguesa se pronunciava contra a guerra e contra ela se manifestava. Por
exemplo, uma sondagem realizada em 18-19 de Março de 2003 pela
Universidade Católica para o jornal Público, a RTP e a Antena 1
mostrava que 83% da população estava contra guerra
confirmando de resto o que ficara patente em significativas
manifestações de rua e outras formas de expressão da
vontade popular.
|
Governo cúmplice dos invasores e comparticipante na ocupação
|
|
Também o Presidente da República, conhecendo embora esse
sentimento do povo português, se envolveu nessa política. Sendo
certo que ele não governa nem tem a responsabilidade da política
externa, é também seguro que a sua legitimidade de Presidente
eleito por sufrágio universal e o seu compromisso com a
Constituição lhe dá poderes não só para
expressar em voz alta o sentir profundo do povo, através de diversos
meios, institucionais ou não, como para influenciar decisivamente (ou
mesmo travar) a acção do Governo. Remeteu-se o PR a uma
posição ambígua, proferindo no estrangeiro
declarações contraditórias sobre a legitimidade da guerra
desencadeada contra o Iraque, e nunca tendo esclarecido internamente qual a sua
posição. Certo é que abdicou de meios institucionais
à sua disposição susceptíveis de influenciar as
decisões do Governo, e aceitou o envio do contingente da GNR, assim de
alguma forma se envolvendo com a política governamental.
|
PR envolvido
na política governamental
|
V CONSIDERAÇÕES FINAIS
|
Parece ser hoje claro que a situação no Iraque se torna
progressivamente insustentável para os ocupantes.
A reeleição de Bush filho pode dar-lhe legitimidade interna, mas
não o credibiliza a nível internacional, nem melhora a
situação dos militares americanos no terreno.
|
|
|
Nem a invocação da «grande democracia americana»
constitui qualquer título legitimador para as opções e
acções dos EUA no Iraque. Sabemos bem que o presidente reeleito,
com o seu fundamentalismo religioso e puritano, representa o que de mais
obscurantista há na sociedade americana e que se prepara para,
internamente, acelerar o seu programa ultra-conservador, completamente oposto
ao imaginário democrático que os americanos gostavam de ver
associado ao nome do seu país. O que actualmente se esboça nos
EUA é, nem mais nem menos, uma deriva fascizante, que aliás
não é a primeira na sua história: basta lembrar as
perseguições aos sindicalistas nos anos 20 (recordem-se os nomes
de Sacco e Vanzetti) e o maccarthysmo dos anos 50 do séc. XX.
|
EUA em deriva fascizante
|
|
O povo americano também corre sérios riscos com este presidente,
não só pelo previsível ataque a muitas
aquisições democráticas das últimas décadas,
como relativamente às próprias liberdades fundamentais, que
já sofreram limitações substanciais em nome da luta contra
o terrorismo e podem ainda vir a sofrer novas restrições
intoleráveis em democracia.
|
Ataque às liberdades fundamentais
|
|
Há alguns indícios, mau grado o resultado eleitoral, de que a
opinião pública americana acorda e se mobiliza. E ela pode ser um
elemento muito importante para pôr termo aos desvarios da política
internacional do seu presidente.
Também a opinião pública mundial, que pela primeira vez se
manifestou em 15 de Fevereiro de 2003, tem um papel indispensável a
desempenhar na criação interna e internacionalmente de um
movimento que tenha peso e influência nas decisões
políticas internacionais e concretamente na questão iraquiana.
A criação deste Tribunal Mundial sobre o Iraque visa
evidentemente contribuir, pela denúncia de irregularidades e crimes
cometidos pelos invasores, mobilizar a opinião pública em torno
de uma solução justa e pacífica para o Iraque,
que tem como condição prévia a retirada dos ocupantes.
|
Mobilizar a opinião pública mundial
|
|
Contudo, só o povo iraquiano poderá derrotar os invasores. Temos
de reconhecer que a resistência tem sido heróica, tendo em conta a
desproporção de forças e de tecnologias militares em
confronto. Só um apoio popular alargado e firme permitiria sustentar uma
resistência tão intensa e generalizada.
Os ocupantes bem tentam demonizar a resistência, qualificando de
«terrorismo» todo e qualquer acto de resistência armada
à ocupação, como se essa não fosse a
resposta legítima,
o exercício do direito à insurreição, reconhecido
pelo direito internacional, por parte de um povo expropriado da sua soberania a
uma invasão e ocupação militares estrangeiras, que se
anunciam como duradouras.
|
Insurreição:
a resposta legítima do povo iraquiano
|
|
Neste quadro, há que desmontar a manobra mistificadora das anunciadas
«eleições» de 30 de Janeiro, organizadas pelo
governo-fantoche. Na verdade, a falta de representatividade, de legitimidade e
de autoridade desse «governo», que é, ninguém o ignora,
comandado pelos americanos, desde logo descredibiliza um acto eleitoral por ele
organizado. Depois, a ocupação militar estrangeira, determinando
a impossibilidade de organização e manifestação de
todas as correntes de opinião que lhe sejam contrárias,
inviabiliza a realização de eleições. Porque, se
é de eleições que se fala, de eleições
livres (pois só essas merecem o nome de eleições),
é evidente que elas só poderão ser realizadas em liberdade
e segurança, o que é incompatível, insiste-se, com uma
situação de ocupação estrangeira.
A declaração de «estado de sítio» em todo o
país pelo governo-fantoche, com a suspensão das
«liberdades» (mas que liberdades?), o assalto às cidades
rebeldes, numa tentativa desesperada de, a ferro e fogo, «pacificar»
o país, revela bem que nenhumas condições existem para a
realização de eleições livres e
democráticas, e que, aliás, não é isso que se
pretende na realidade.
O que se pretende com as anunciadas eleições não é
mais do que cobrir com uma capa de legitimidade democrática uma
situação política que é de facto de
redução do Iraque a protectorado americano «enquanto for
necessário». «Ajudar» a que tais
«eleições» se realizem, como alega o Governo
português para justificar o prolongamento do estacionamento da
força de GNR no Iraque, significa, muito cruamente, ajudar à
realização de uma
mascarada eleitoral.
|
Eleições livres incompatíveis com ocupação estrangeira
|
|
Não há nenhum «processo democrático» a decorrer
no Iraque. E a chamada «pacificação» não
é mais do que a tentativa de esmagamento da resistência popular.
Não é a devolução da soberania que os ocupantes
preparam, mas sim a legitimação e perpetuação da
ocupação, como se comprova através de
declarações oficiosas recentes de responsáveis americanos
e britânicos, que falam da «necessidade» de 10 a 15 anos de
permanência das suas forças militares no Iraque.
Colaborar num tal empreendimento é desonroso para Portugal, cuja
Constituição reconhece o direito dos povos à
insurreição contra todas as formas de opressão (art.º
7.º).
|
Legitimação
e perpetuação
da ocupação
|
VI PROPOSTA DE DECISÃO
Propõe-se que a Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o
Iraque decida:
1 Condenar os governos dos EUA e da Grã-Bretanha pela
invasão e subsequente ocupação do Iraque, contra a vontade
do povo iraquiano e o direito internacional;
2 Condenar os governos dos EUA e da Grã-Bretanha pela
utilização de uma estratégia de condução da
guerra que não só não poupou como parece ter privilegiado
como alvo as populações civis, através de ataques
aéreos a zonas residenciais, mercados, hospitais e outros
edifícios civis, e ainda pela utilização de armas de
elevada danosidade, como as bombas de fragmentação e as
munições de urânio empobrecido.
3 Condenar a administração dos EUA pelas torturas e
tratamentos cruéis e degradantes infligidos sistematicamente aos seus
prisioneiros.
4 Condenar a administração dos EUA pelo saque e pilhagem
do património cultural iraquiano que se seguiu à queda do regime
de Saddam Hussein.
5 Condenar a administração dos EUA pela
apropriação dos recursos naturais do Iraque, designadamente a sua
riqueza petrolífera; pelo desfalque de fundos iraquianos em
benefício próprio; pela atribuição de
«indemnizações de guerra» e de contratos de favor a
pretexto da «reconstrução»; e pela subversão da
estrutura produtiva do país no propósito de dominar por longo
prazo a economia iraquiana.
6 Condenar o Governo português presidido por J.M. Durão
Barroso pela colaboração na preparação da guerra,
traduzida nos seguintes actos:
a) Apoio diplomático e político à
política dos
beligerantes;
b) Cedência da base das Lajes para
realização da «cimeira
da guerra»;
c) Participação nessa cimeira;
d) Cedência da base das Lajes para apoio ao
trânsito de pessoal e equipamento militar para o teatro de guerra.
7 Condenar o Governo português presidido por J.M. Durão
Barroso pela comparticipação na ocupação do Iraque,
traduzida nos seguintes actos:
a) Nomeação de um representante do Governo
português junto da «Autoridade»;
b) Envio de uma força da GNR para o Iraque, em
missão de cooperação com as forças militares
ocupantes.
8 Condenar o Governo português presidido por P. Santana Lopes pelo
prolongamento da missão da GNR no Iraque.
9 Apelar às instituições internacionais para que os
crimes cometidos pelos agressores sejam punidos em conformidade com as leis
internacionais;
10 Exigir a saída de todas as forças ocupantes do Iraque,
como condição prévia e indispensável para que o
povo iraquiano possa exercer a sua soberania, bem como a
restituição das riquezas ilicitamente apropriadas e a
indemnização pelos danos causados na estrutura económica e
patrimonial do país;
11 Exigir aos órgãos do Estado português a devida
autocrítica perante o povo português, desrespeitado na sua
oposição à invasão do Iraque e a quem o Governo
tentou enganar quanto aos verdadeiros objectivos da invasão;
12 Exigir ao Governo português a retirada imediata da força
da GNR estacionada no Iraque e o fim da utilização da base das
Lajes para fins de manutenção da ocupação do Iraque
pelos EUA;
13 Exigir ao Governo português que desenvolva todos os
esforços políticos e diplomáticos para a
reposição da legalidade no Iraque, a começar pela retirada
dos ocupantes;
14 Reconhecer ao povo iraquiano o direito de resistir à
ocupação pela força das armas, exercendo assim o direito
à insurreição que o direito internacional e a
Constituição portuguesa consagram, e de escolher as
soluções políticas adequadas para a
recuperação da soberania e a institucionalização de
um regime legitimado pelo povo iraquiano e reconhecido pela comunidade
internacional.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2005
A Comissão Organizadora
da Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque
Cristina Meneses, antropóloga
Domingos Lopes, advogado
Eduardo Maia Costa, procurador-geral adjunto
Guadalupe Margarido, professora
Jerónimo Martins, advogado
João Loff Barreto, advogado
José Mário Branco, músico
Manuel Monteiro, vendedor
Manuel Raposo, arquitecto
Margarida Vieira, funcionária pública
Mário Tomé, coronel
Paulo Esperança, funcionário público
Pedro Goulart, professor
Vladimiro Guinot, electricista
Este documento encontra-se em
http://resistir.info/
.
|