Chubais A próxima cabeça neoliberal a rolar na
Rússia?
por F. William Engdahl
Aposto que pouca gente, fora da Federação Russa, conhecerá
o nome de Anatoly Chubais, atual presidente de uma empresa russa de alta
tecnologia, chamada Rusnano. Na sequência da escandalosa
detenção, em 15 de novembro, de Alexei Ulyukaev, ministro da
Economia do primeiro-ministro Dmitry Medvedev, acusado de aceitar luvas de pelo
menos dois milhões de dólares numa privatização
estatal envolvendo as empresas de energia Rosneft e Bashneft, os holofotes
viraram-se para a empresa de Anatoly Chubais, o czar das
privatizações dos anos 90, de Boris Yeltsin, e atual presidente
da Rusnano, uma empresa estatal.
[1]
Se forem pronunciadas formalmente as acusações contra Chubais
inegavelmente um dos mais odiados "reformistas" cleptocratas
da era Yeltsin, que trabalhou com a CIA durante os anos 90 na pilhagem do
património estatal russo no valor de centenas de milhares de
milhões, apenas em troca de tostões isso
significará que Putin se sente numa posição
suficientemente forte para depurar a mafia liberal que defende o mercado livre
e que ainda mantém um forte controlo no desenvolvimento da economia
russa.
No dia 16 de novembro, um dia depois da dramática detenção
de Ulyukaev, promotores públicos e polícia invadiram os
escritórios da Rusnano de Chubais.
[2]
De notar que, nos relatórios do interrogatório de Chubais e de
outros funcionários de topo da Rusnano, pelos promotores, vários
deles fugiram da Rússia nos últimos meses para evitar a
acusação.
[3]
Neste momento, Chubais mantém-se detido e afirma veementemente a sua
inocência.
Na minha opinião, há muito mais em jogo do que a inocência
ou a culpa de Chubais. Esta ação, se combinada com a
detenção de Ulyukaev, assinala uma importante limpeza de
elementos corruptos que, começando ainda antes de 1991, se organizaram
para vender a Rússia à CIA e a especuladores ocidentais, como
George Soros. Parte da história que, em geral, tem sido denegrida no
Ocidente quanto ao verdadeiro papel de Anatoly Chubais e da presidência
de Yeltsin, é muito instrutiva para também percebermos a raiva
irracional de Washington e dos bancos e dos oligarcas norte-americanos contra
Putin e contra tudo o que ele faz para restaurar a soberania e a estabilidade
da Rússia.
O Golpe 'democrático' de Yeltsin da CIA
A pilhagem da Rússia da nação russa, do estado
russo, do povo russo que começou no final dos anos 80, foi um
golpe de estado preparado pela CIA norte-americana, em conjunto com as redes
vigaristas dirigidas pelo antigo diretor da CIA, na altura o presidente George
Herbert Walker Bush, e continuado pelo sucessor de Bush, Bill Clinton. Relatos
ocidentais do que ocorreu na Federação Russa, durante os anos 90
de Yeltsin, falam da "mafia russa" ou do "crime organizado
russo". Nunca referem, nem sequer ao de leve, que os russos que pilharam o
seu próprio país tinham sido organizados e pagos, enriquecendo,
pelo Ocidente, ou seja, pelas redes Old Boy da CIA, leais ao anterior diretor e
depois presidente dos EUA, George Herbert Walker Bush.
O que ocorreu nos anos 90, sob a presidência russa de Boris Yeltsin, foi
descrito por uma fonte interna conhecedora norte-americana, Mortimer Zuckerman,
membro do Conselho de Nova Iorque para as Relações Externas e
proprietário do
US News & World Report
, como "o maior desbarato da História da riqueza de uma
nação". O desbarato, ou mais precisamente o roubo, foi feito
através de roubo descarado, de guerra monetária e de um programa
fraudulento de ações como empréstimos a empresas, dirigido
por Anatoly Chubais.
[4]
O ataque da administração de Bush Senior à Rússia
pós-comunista, batizado de "Operação Hammer",
tinha quatro elementos secretos distintos. A CIA financiou secretamente o golpe
dos generais, em agosto de 1991, contra o líder soviético Mikhail
Gorbachev. Usou o seu orçamento de guerra secreto para desestabilizar o
rublo. Usou os corruptos funcionários russos do banco nacional
Gosbank
para organizar o roubo das reservas de ouro oficiais do país, quase por
inteiro. Depois, iniciou o controlo sistemático das indústrias
energéticas estratégicas, das matérias-primas e das
indústrias militares estatais na União Soviética,
através de operações de privatização
impostas pelo FMI, que foram dirigidas por Yegor Gaidar, ministro das
Finanças de Yeltsin, e pelo seu estreito colaborador, Anatoly Chubais, o
responsável pela privatização estatal. Gaidar e Chubais
trabalharam em conjunto com Jeffrey Sachs, de Harvard, e com outros amigos do
multimilionário George Soros, especulador de fundos de investimento, na
pilhagem literal da Rússia, como uma fonte interna o descreveu.
[5]
À medida que os generais vigaristas ex-KGB e os seus protegidos,
escolhidos a dedo, pilhavam as reservas de ouro da agora defunta União
Soviética, assim como os significativos ativos financeiros do agora
banido Partido Comunista, tudo isso com a bênção e a
cumplicidade de Boris Yeltsin e do seu círculo interno, os Old Boys da
CIA de Bush prepararam-se para desencadear a fase seguinte, o controlo
sistemático das indústrias energéticas
estratégicas, das matérias-primas e das indústrias
militares estatais na União Soviética, através de
operações de privatização impostas pelo FMI, que
foram dirigidas por Yegor Gaidar, ministro das Finanças de Yeltsin, e
pelo seu cúmplice Anatoly Chubais.
Em novembro de 1991, Chubais passou a ministro do gabinete de Yeltsin, onde
geria o portfólio da
Rosimushchestvo
a Comissão para a Gestão do Património Estatal,
que Yeltsin decretou ser uma organização responsável pela
privatização das companhias estatais da Rússia definida.
Gaidar e Chubais trabalharam com George Soros, o especulador de Wall Street e
fundador da National Endowment for Democracy [Fundação Nacional
para a Democracia NT], uma fachada da CIA. Soros, por sua vez, levou
Jeffrey Sachs, o arquiteto da "terapia de choque económico" da
Polónia, e outros "amigos" americanos, para os círculos
de Yeltsin.
George Soros e as suas Fundações de Sociedade Aberta tinham sido
ligados à CIA pelos serviços de informações
chineses e outros. As suas instituições de Sociedade Aberta
apareciam "por coincidência" em todas as
situações em que a National Endowment for Democracy, fachada da
CIA, e o Departamento de Estado norte-americano procuravam uma mudança
de regime para um governo pró-Washington. Já em 1987, quando
Gorbachev ainda chefiava a União Soviética, Soros aproveitou os
esforços do regime para a reforma e para a abertura cautelosa ao
Ocidente, para fundar o seu Instituto de Sociedade Aberta em Moscovo.
Aí, podia dar dinheiro a investigadores importantes e a outros para
apoiar a investigação sobre "economia do mercado".
[6]
Todas as ações de Yeltsin foram orientadas pela CIA e por
vigaristas manipuladores da KGB, nomeadamente, pelos generais da KGB Filipp
Bobkov, Alexei Kondaurov e pelo guarda-costas pessoal de Yeltsin, o general
Alexander Korzhakov o grupo conspirador que, em
coordenação com George Bush Sénior e os seus Old Boys da
CIA, descreveu e encenou a falsa tentativa de "golpe" da KGB contra
Gorbachev que, com o apoio dos
media
ocidentais dominantes, projetou Yeltsin como o "paladino da
democracia".
Em dezembro de 1991, quatro meses depois, Yeltsin, na altura presidente da
República Socialista Federativa Soviética da Rússia, a
maior república" federada no seio da União Soviética,
reuniu com os presidentes da Ucrânia e da Bielorrússia e assinou
aquilo a que se chamou o Pacto de Belaveja, declarando a
dissolução da URSS que existia formalmente desde 1922. Foi a
tónica, no golpe apoiado pelos EUA, para começar a pilhagem da
Rússia. Nessa altura, Gorbachev já estava completamente
desacreditado e tinha-se demitido.
A terapia de choque da Rússia, Harvard e a CIA
Nos termos do acordo de dissolução, a Rússia assumiu a
posse de todos os ativos estatais da anterior URSS, agora desaparecida, assim
como assumiu todas as dívidas externas da URSS. Yeltsin recebeu ordens
para que um amigo de George Soros, de 32 anos, chamado Yegor Gaidar, fosse o
seu czar da Economia. Gaidar, que passou formalmente a ministro das
Finanças da nova Federação Russa em fevereiro de 1992,
nomeou chefe das privatizações outro jovem economista, Anatoly
Chubais.
Gaidar foi mandado para a Polónia para estudar o modelo "Terapia de
Choque" polaco, o processo que tinha sido introduzido por Jeffrey Sachs, o
jovem economista de Harvard, protegido de George Soros. De volta a Moscovo,
Yegor Gaidar, usando o exemplo polaco de Sachs, convenceu Yeltsin a
"deixar subir os preços para aumentar a oferta e a abolir as
barreiras comerciais para que as mercadorias estrangeiras pudessem encher as
prateleiras das lojas".
Era uma mentira. A economia soviética era auto-suficiente em tudo,
exceto talvez em bananas e café. As lojas estavam cheias até que
Yeltsin anunciou, em novembro de 1991, a data exata em que os controlos dos
preços seriam abolidos, em 31 de dezembro desse ano. Os
proprietários das lojas retiveram as suas mercadorias, à espera
da anunciada bonança de lucros do descontrolo de preços. De
repente, as lojas ficaram vazias. Uma semana depois do discurso de Yeltsin, foi
imposto o racionamento aos moscovitas.
Gaidar era instruído pelo Tesouro dos EUA da nova
administração Clinton que tomou posse em janeiro de 1993. A
pessoa chave no Tesouro para a subsequente pilhagem Gaidar-Chubais da
Rússia de Yeltsin era um antigo economista de Harvard chamado Lawrence
Summers. Summers usou a poderosa influência do Departamento do Tesouro
norte-americano para arranjar dólares do Fundo Monetário
Internacional para o governo Yeltsin, sedento de dinheiro vivo, dizendo a
Yeltsin e a Gaidar que a Rússia tinha que se abrir a
importações sem restrições se quisessem receber
empréstimos do FMI e de outras agências internacionais.
Gaidar em breve seguiu uma política que servia as exigências de
Washington e dos novos oligarcas banqueiros do KGB, em volta do Banco Menatep
de Mikhail Khodorkovsky e de outros. Com os decretos de Gaidar, as manufaturas
russas iriam à falência em face da competição
externa sem restrições, mas a banca interna, tal como o Menatep,
controlada pelos generais do KGB e pelos bancos ocidentais ligados à
CIA, seriam protegidos contra a competição.
Depois da vitória eleitoral de novembro de 1992, de Bill Clinton, Larry
Summers, o novo vice-secretário do Tesouro dos EUA, responsável
pelas "reformas" da Rússia, também antigo professor
economista de Harvard, levou para Moscovo um grupo dos seus antigos colegas de
Harvard, incluindo Jeffrey Sachs, o conselheiro de George Soros da Terapia de
Choque polaca, e Andrei Shleifer, professor de economia, sob os
auspícios do Instituto Harvard para o Desenvolvimento Internacional
(HIID). O triângulo Sachs-Shleifer-Summers orquestrou essencialmente
todos os aspetos chave na implementação da "terapia de
choque" de Gaidar-Chubais no início dos anos 90 de Yeltsin.
Em 1991, Summers tinha sido economista chefe no Banco Mundial, onde Summers
nomeara o seu antigo aluno de Harvard, Shleifer, russo-americano, como
"conselheiro" do Banco Mundial para o governo de Yeltsin. Pouco
depois de Summers passar a vice-secretário do Tesouro na
administração Clinton em 1993, Shleifer entrou para o Instituto
Harvard para o Desenvolvimento Internacional (HIID) de Jeffrey Sachs, como
chefe das operações em Moscovo.
O HIID foi inteligentemente escolhido por Summers como a principal
organização consultora para trabalhar com Gaidar e Chubais, para
organizar a colossal pilhagem, conhecida por privatização da
Rússia. Summers, a partir do seu gabinete do Tesouro em Washington,
nomeou todos os principais agentes na privatização/pilhagem da
Rússia de Chubais no início dos anos 90. Era aquilo a que se
viria a chamar uma mafia de Harvard. Summers contratou David Lipton de Harvard,
um antigo sócio consultor da Jeffrey D. Sachs & Associates, para
vice-secretário adjunto do Tesouro para a Europa de Leste e Antiga
União Soviética. Sachs foi nomeado diretor do HIID em 1996. O
HIID recebia subsídios USAID para o "trabalho" do Instituto na
Rússia.
[10]
A USAID era conhecida como uma agência de fachada da CIA, mantendo o
papel da CIA de mudança de regime escondido por detrás do
véu de uma organização caritativa do governo dos EUA, que
fomentava o desenvolvimento económico. Era um elo fundamental de
dinheiro para dirigir cada passo das operações de
privatização de Chubais, através dos Boys de Harvard
Summers-Sachs.
[11]
Harvard foi uma escolha inteligente para ser o operador prático da CIA
para a privatização de Chubais. Os dinheiros da CIA, via
Universidade de Harvard, davam uma aura de respeitabilidade académica
imparcial e de negação plausível de que era a CIA a
responsável. Shleifer, um emigrante nascido na Rússia, e
protegido de Summers, já era professor titular de economia em Harvard
desde os 30 anos. Passou a chefe do projeto Rússia do HIID de Sachs, com
sede em Moscovo. Depois, Summers levou mais um Boy de Harvard, outro antigo
consultor de Summers no Banco Mundial, chamado Jonathan Hay. Em 1991, na Escola
de Direito de Harvard, Hay também passara a ser consultor legal
sénior para a GKI, a organização de
privatização estatal de Chubais. No ano seguinte, em 1992, Hay
passou a diretor geral do HIID em Moscovo. Hay assumiu amplos poderes sobre
empreiteiros, políticas e especificações de programas.
Não só controlava o acesso ao círculo de Chubais como era
o seu porta-voz.
[12]
Tanto Jonathan Hay como Andrei Shleifer foram posteriormente identificados como
agentes da CIA.
Vladimir Putin, no diálogo anual de abril de 2013, com os
cidadãos russos, embora discretamente não tenha referido nomes,
referiu-se a Hay e a Shleifer como agentes identificados da CIA que trabalhavam
com Chubais e Gaidar na privatização criminosa da Rússia.
Putin disse: "Soubemos agora que funcionários da CIA dos Estados
Unidos funcionavam como consultores de Anatoly Chubais. Mas o mais
engraçado é que, quando eles regressaram aos EUA, foram acusados
de violarem as leis do seu país e de terem enriquecido ilegalmente no
decurso da privatização na Federação Russa".
[13]
Em 2006, o Tribunal Distrital norte-americano em Boston tinha multado Hay e
Shleifer, pessoalmente, em 2 milhões de dólares e a Universidade
de Harvard em 26,5 milhões de dólares por fraude e por desvio de
fundos governamentais para enriquecimento privado. Nesse mesmo ano de 2006,
Summers que, na altura, já era presidente de Harvard, foi
forçado a demitir-se, aquando da revelação do seu papel
nos escândalos do HIID de Moscovo. Antes disso, tinha conseguido atribuir
a Shleifer uma cadeira de professor em Harvard. Hay posteriormente, reapareceu
como fundador do ramo ucraniano do Centro Polaco para
Investigação Social e Económica (CASE) de "mercado
livre", durante o golpe de estado da CIA em Kiev, em 2014.
[14]
A privatização criminosa da Rússia de valiosos ativos
estatais que Hay e Shleifer criaram, em conjunto com Anatoly Chubais e Yegor
Gaidar, após 1992, foi feita até ao último pormenor por
Chubais, em cooperação com os seus novos consultores americanos.
Quando o anúncio da privatização dos propostos
"vales-por-ações"
("vouchers-for-shares")
obteve uma resposta fria dos russos,
já vacilantes sob o choque da liberalização de
preços, Hay e Shleifer arranjaram astutos especialistas norte-americanos
das Relações Públicas da Burson-Marsteller e do Grupo
Sawyer Miller, para traçarem uma campanha a ser transmitida nos canais
da TV dos recém-criados oligarcas russos para convencer os russos a
aceitar o programa.
Chubais, enquanto chefe do GKI, a organização de propriedade
estatal, emitiu 150 milhões de "vales" para cada um de todos
os cidadãos. Por seu turno, eles podiam investir esse vale numa pequena
ação numa empresa ou loja estatal russa privatizada ou
vendê-lo a um preço de mercado instituído, indexado ao
dólar norte-americano, claro. Como a maior parte dos russos nem sequer
sabia se receberiam o próximo pagamento das suas pensões, ou se
encontrariam trabalho na economia industrial em colapso, havia um resultado
previsível na Terapia de Choque Sachs-Harvard-Chubais. Milhões
venderam os seus vales pelo mesmo preço. Teria sido uma ideia louca se
Chubais e Gaidar se tivessem preocupado com o futuro económico da
Federação Russa. Foi brilhante, se o que eles queriam era criar
oligarcas multimilionários em dólares, e foi isso que eles
fizeram.
Os vales podiam ser comprados ou vendidos em cada esquina na Rússia, no
início de junho de 1992. Eram trocados segundo as novas trocas de
mercadorias não regulamentadas em Moscovo, instituídas por
Jonathan Hay de Harvard com o dinheiro da USAID canalizado via HIID. Fundos de
investimento em vales não regulamentados (deliberadamente, um
decisão de Gaidar, Chubais e seus consultores Harvard da CIA) surgiram
por toda a parte para recolher os milhões de vales dos cidadãos.
O rublo foi equiparado internamente ao dólar americano, por conselho da
equipa HIIF de Sachs. Nos vinte meses que durou o programa
vales-por-ações, o preço passou de 20 dólares para
4 dólares por vale. Como se transacionavam livremente, chegara a altura
de os oligarcas multimilionários em volta de Yeltsin que já
tinham acumulado enormes quantias, poderem comprá-los, e foi o que eles
fizeram.
[15]
Cerca de seiscentos fundos de vales obtiveram 45 milhões de vales. O
maior, intitulado Primeiro Vale, recolheu 4 milhões de vales.
[16]
Ao preço fixado para os vales, Chubais e os seus Boys de Harvard tinham
avaliado toda a economia russa o que incluía a maior empresa de
níquel do mundo, algumas das maiores empresas mundiais de
petróleo e gás, incluindo a Sibneft e a Gazprom, a RUSAL, a maior
empresa do mundo de alumínio num total que era menor do que o
valor de mercado da empresa General Electric dos EUA. O valor facial de cada
vale era de 10 mil rublos, que Chubais promoveu mentindo ao público,
afirmando que um vale seria suficiente para pagar dois ou mesmo três
automóveis Volga.
Como tinham sido autorizados pelas redes da CIA de Bush, que controlavam o lado
financeiro da mafia de Yeltsin, a serem os primeiros russos com muito dinheiro,
os oligarcas selecionados de Yeltsin puderam comprar centenas de milhares de
vales e trocá-los por indústrias inteiras, que posteriormente
seriam despojadas e vendidas. Embora supostamente estivessem a agir por conta
do estado, os leiloeiros dos bancos de propriedade dos oligarcas manipularam o
processo. Foi assim que Mikhail Khodorkovsky do Banco Menatep obteve uma quota
de 78% como proprietário da petrolífera Yukos, no valor de cerca
de cinco mil milhões de dólares, por apenas 310 milhões de
dólares. Foi assim que Boris Berezovsky obteve a Sibneft, outro gigante
do petróleo, no valor de três mil milhões de
dólares, por cerca de cem milhões.
[17]
Usando as suas ligações, Khodorkovsky pôde comprar
várias fábricas em concursos de investimento, e grandes blocos de
ações em madeira, titânio, tubagem e
fundições de cobre. No total, assumiu o controlo de mais de cem
empresas antes de obter a Yukos. Nos leilões, com base no número
total de vales que estavam em circulação, todo o sistema
industrial russo, minas, empresas petrolíferas, fábricas, tinham
um valor total de menos de 12 mil milhões de dólares.
[18]
Sob a pressão do Parlamento, Chubais concordou proibir a venda de vales
de empresas estatais a investidores estrangeiros. Mas houve duas
exceções dignas de nota feitas por Chubais. Em 1995, na
sequência da vitória do referendo de Yeltsin, financiado por
Soros, a Harvard Management Company (HMC), que investe o maior donativo da
universidade, e George Soros, que levou Sachs de Harvard para Chubais, foram as
únicas entidades estrangeiras que foram autorizadas a participar. Tanto
a HMC como Soros passaram a ser os principais acionistas da Novolipetsk, a
segunda maior siderurgia da Rússia, e da Sidanko Oil, com reservas que
ultrapassam as da Mobil. A HMC e Soros também investiram no mercado
interno russo de obrigações GKO, de alto rendimento, subsidiado
pelo FMI. Em 1997, comprou 24% da Sviazinvest, a gigante das
telecomunicações, juntamente com Vladimir Potanin do Uneximbank,
o porta-voz nominal dos novos oligarcas russos. A certa altura, Soros afirmou
que tinha investido dois mil e meio milhões de dólares nesses
ativos russos pelos sujos preços baixos que Chubais tinha estipulado
deliberadamente.
[19]
Soros vai em socorro de Yeltsin
Isto fez com que os cidadãos russos se sentissem ludibriados, totalmente
lixados, furiosos quando se desvaneceram os seus sonhos de um prometido
quinhão na "propriedade privada capitalista", juntamente com
as suas poupanças, durante a hiperinflação da
impressão de moeda do Banco Central, outra parte da
Operação Hammer de George H.W. Bush. Em 1993, aumentaram
drasticamente as pressões de todos os lados, incluindo da Duma. A
população exigia ação. O Supremo Soviete, a
câmara alta, começou a redigir uma lei que congelaria todo o
processo de privatizações. A oposição
começava a ser tão grande que Chubais, por fim, teve que se
basear principalmente nos decretos presidenciais de Yeltsin, em vez de na
aprovação parlamentar, para a sua implementação. O
homem de Moscovo do HIID de Harvard, o Jonathan Hay da CIA, e os seus
associados do HIID, redigiram muitos desses decretos. Walter Coles, da USAI,
cujo gabinete financiava as privatizações Chubais através
do HIID, reconheceu: "Se precisávamos de um decreto, Chubais
não tinha que passar pela burocracia".
[20]
Os esforços nascentes da Rússia para instituir uma certa forma
de democracia parlamentar ou mesmo para vigiar o poder ditatorial presidencial
pouco interesse tinham para os funcionários de Washington pu para
Chubais e a sua cabala em volta de Yeltsin.
O referendo Soros-Yeltsin
Nessa altura, quando a oposição ameaçava fugir ao
controlo, Yeltsin sentiu-se forçado a concordar com um referendo
nacional sobre todo o processo de privatização. A data iria ser
25 de abril de 1993.
O referendo continha quatro perguntas sim/não: (1) Apoia Yeltsin? (2)
Apoia a política económica de Yeltsin? (3) Quer
eleições antecipadas para presidente? E (4) Quer
eleições antecipadas para o parlamento?
Convencido de uma derrota certa, Chubais, provavelmente a conselho dos seus
mentores de Harvard, arranjou uma reunião secreta com o
multimilionário norte-americano George Soros. Soros concordou financiar,
a favor de Yeltsin, a campanha do referendo. Soros injetou um milhão de
dólares, uma soma enorme na Rússia daquela época, em
contas offshore, destinadas a Chubais usar para comprar a
orientação dos "media". Yeltsin sobreviveu por uns
magros 52% e a privatização das principais empresas industriais
russas prosseguiu.
[22]
Yeltsin estava a entregar as joias da coroa e muito mais a um grupo
conspirativo de oligarcas russos apoiados pela CIA, assim como posteriormente
ao próprio Soros.
A partir de Washington, Summers no Tesouro arquitetou a
privatização Chubais-Gaidar, e Jeffrey Sachs e Andrei Shleifer
transmitiram diretamente os planos aos consultores económicos de
Yeltsin. A privatização Chubais-Washington dos ativos da
Rússia foi um roubo numa escala sem precedentes em qualquer
nação, mesmo em tempo de guerra. De 1992 a 1994, a propriedade de
15 mil empresas foi transferida do controlo estatal principalmente para os
novos oligarcas multimilionários, como Khodorkovsky e Berezhovsky,
através do programa de vales Chubais-Washington.
Oligarcas compram a reeleição de Yeltsin
Em 1996, com a economia russa mergulhada profundamente numa
hiperinflação, Yeltsin enfrentava uma derrota certa nas
eleições programadas. O dirigente do Partido Comunista, Gennadi
Zyuganov, que prometia o regresso à estabilidade, estava muito à
frente nas sondagens. Alguns dos consultores mais próximos de Yeltsin
até sugeriram o cancelamento das eleições e a
declaração de uma ditadura de facto. Nessa altura, a filha de
Yeltsin, Tatyana Borisovna Yumasheva, tinha passado a ser a consultora mais
próxima do pai, juntamente com Berezhovsky, Guzinsky e os outros
oligarcas criados pela USAID e pela CIA. Os
media
russos rotularam a clique que controlava a Rússia, em especial depois
do ataque cardíaco de Yeltsin naquele ano, de "A
Família", como na família da mafia, não uma
família de sangue, embora fosse, de facto, a filha Tatyana a
Capo di tutti capi
da família devido à sua influência sobre o presidente.
[23]
Na sequência do êxito do Partido Comunista Russo nas
eleições parlamentares, ou Duma, em dezembro de 1995, o Fundo
Monetário Internacional fez um empréstimo extraordinário
de 10,2 mil milhões de dólares ao governo de Yeltsin, em que mil
milhões eram destinados secretamente por Washington à campanha
para reeleger o presidente Yeltsin nas eleições de 1996.
Posteriormente, vieram a público gravações de conversas
entre Clinton e Yeltsin que mostraram que, em troca, entre outros favores,
Yeltsin isentaria as exportações da Tyson Chicken para a
Rússia na altura um negócio na ordem dos 700
milhões de dólares por ano da ameaça de um aumento
da tarifa de 20%. A Tyson Chicken era um apoiante e contribuinte de campanha de
Clinton de longa data, com sede em Arkansas.
Berezhovsky e Guzinsky, os novos oligarcas russos, apoiados por Washington,
receando a perda dos seus milhares de milhões roubados para os
comunistas da oposição, formaram aquilo a que chamaram o
"Grupo dos Sete", que incluía Berezhovsky, Guzinsky,
Khodorkovsky, Potanin, Vinogradov, Smolensky e Friedman. Com a ajuda de
comentadores políticos de Madison Avenue, o Grupo dos Sete que
possuíam as duas principais estações de TV, enquanto a
terceira continuava estatal, assim como a principal imprensa realizaram
uma campanha mediática ao estilo dos EUA, enquanto bloqueavam Zyuganov
de comprar tempo de antena. Os pósteres de Yeltsin tinham o slogan
"Escolhe com o Coração". Outro anúncio
apresentava fotos de família de Yeltsin, enquanto clips na TV recordavam
acontecimentos da sua infância: como atleta, como rebelde, como pai, e
como avô. E, em tudo, música sentimental
Os oligarcas contrataram Anatoly Chubais, o homem responsável pela
criação das suas fortunas, como diretor da campanha de Yeltsin.
Chubais criou um fundo privado chamado o Centro para a Proteção
da Propriedade Privada e recebeu 5 milhões de dólares do Grupo
dos Sete para a campanha. Criaram-se jornais falsos e imprimiram-se
notícias, afirmando a descoberta de atas secretas de uma reunião
de dirigentes do Partido Comunista em que Zyuganov teria dito: "Não
poderemos dar ao povo nada do que prometemos". O fundo de Gaidar para a
reeleição também canalizou centenas de milhares de
dólares, uma fortuna na época da hiperinflação do
rublo, para importantes jornalistas escreverem artigos fraudulentos elogiando
Yeltsin e desacreditando Zyuganov.
[26]
O facto de os oligarcas terem quase o monopólio da TV e da imprensa
russa tornou possível elevar a votação em Yeltsin
até aos 54%. O Politburo Corporativo Russo ficou assim firme na sela,
com os seus cavalos Yeltsin e Chubais.
[27]
O custo humano da Terapia de Choque russa, imposta pelos EUA, realizada por
Anatoly Chubais, Yegor Gaidar, em conjunto com George Soros, Jeffrey Sachs e um
grupo de operadores financeiros e legais, ligados à CIA, como Jonathan
Hay e Andrei Shleifer, foi inacreditável. Entre 1991 e 1997, o PIB russo
o valor de todos os bens e serviços que a Rússia produz
caiu em 83%. A produção agrícola diminuiu 63%,
quando acabou o apoio estatal à agricultura e as
importações norte-americanas baratas, como os frangos Tyson
substituíram a produção interna. O investimento industrial
e não só diminuiu 92%. Foram fechadas mais de 70 mil
fábricas. Isso fez com que a Rússia produzisse menos 88% de
tratores, menos 76% de máquinas de lavar, menos 77% de tecidos de
algodão, menos 78% de aparelhos de TV, etc, etc. Num país sem
desemprego na era soviética, 13 milhões de pessoas perderam os
seus empregos. Os que ainda tinham trabalho, viram os salários cortados
por metade. A esperança média de vida dos homens reduziu-se em
seis anos, ao mesmo nível da Índia, do Egito e da Bolívia.
O alcoolismo tornou-se epidémico, à medida que a depressão
e o desemprego se espalhavam pela população. Foi de facto um
choque, o tipo de choque que um país só sofre numa grande guerra.
A esperança média de vida dos homens reduziu-se em pouco anos ao
mesmo nível da Índia, do Egito e da Bolívia.
O facto de Anatoly Chubais estar agora sob enorme pressão e
provavelmente vir a ser acusado vai muito para além da
corrupção de um diretor empresarial. Vai direito ao
coração dos círculos corruptos que, desde a subida ao
poder de Vladimir Putin em dezembro de 1999, têm tentado retomar a
pilhagem Wall Street da Rússia, até agora sem êxito. Para
eles, Putin é o símbolo dessa derrota. Para a grande maioria dos
russos que viveram no meio da pilhagem do seu país nos anos 90, Anatoly
Chubais é o símbolo dessa devastação e
destruição.
Notas
1.
The Moscow Times,
Fearing Criminal Prosecution, Chubais Allies Flee Russia,
29 November, 2016,
www.themoscowtimes.com
2. RAPSI, Police raid Moscow office of Rusnano corporation, 16 November, 2016,
http://rapsinews.com/news/20161116/277151707.html
3. Fearing Criminal Prosecution Chubais Allies Flee Russia Report, July
22, 2015
themoscowtimes.com/...
4. Mort Zuckerman, cited in email from Karon von Gerhke-Thompson to the author,
14 August, 2011.
5. E.P. Heidner, Collateral Damage US Covert Operations and the Terrorist
Attacks on September 11, 2001,
wikispooks.com/w/images/d/db/Collateral_Damage_-_part_1.pdf
6. Sebastian Mallaby, More Money than God: Hedge Funds and the Making of the
New Elite, Council on Foreign Relations, New York, 2010, p. 212.
7. Anne Williamson, Testimony Before the Committee on Banking and Financial
Services of the United States House of Representatives September 21, 1999,
www.thebirdman.org/...
8. Ibid.
9. Janine R. Wedel, The Harvard Boys Do Russia,
The Nation,
May 14, 1998,
www.thenation.com/article/harvard-boys-do-russia/
10. Ibid.
11. Mark Ames, The murderous history of USAID the US Government agency
behind Cuba's fake Twitter clone, April 8, 2014,
pando.com/...
12. Janine R. Wedel, op. cit.
13. Ibid.
14. Vladimir Putin, Direct Line with Vladimir Putin April 25, 2013,
en.kremlin.ru/events/president/news/17976
15. David E. Hoffman, The Oligarchs: Wealth and Power in the New Russia, New
York, Public Affairs Press, Chapter 8, p. 193.
16. Ibid., p. 197.
17. Marshall I. Goldman, Putin and the Oligarchs, Foreign Affairs,
November/December, 2004,
www.cfr.org/world/putin-oligarchs/p7517
18. David E. Hoffman, op. cit., p.202.
19. Janine R. Wedel, op. cit.
20. Ibid.
21. David E. Hoffman, op. cit., p.202.
22. Ibid.
23. Wikipedia, Tatyana Yumasheva.
24. Anne Williamson, Testimony
,op. cit
25. David E. Hoffman, op. cit., p. 345.
26. Ibid, p. 345.
27. Ibid., p. 327.
28. Dan Josefsson, Shock Therapy: The Art of Ruining a Country, 1 April, 1999,
josefsson.net/...
O original encontra-se em
thesaker.is/chubais-the-next-neoliberal-head-to-roll-in-russia/
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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