6 e 9 de Agosto, 60º aniversário do pior ataque terrorista da história

Hiroshima e Nagazaki hoje

por Rui Namorado Rosa

"Os japoneses já estavam derrotados".
Almirante Leahy, da U.S.Navy

A INVENÇÃO DAS ARMAS NUCLEARES E O PROGRAMA NUCLEAR NORTE-AMERICANO

Hiroshima. Não existem armas de destruição em massa como as nucleares.

A possibilidade de libertar energia nuclear foi descoberta pouco antes dos inícios da Segunda Guerra Mundial por cientistas europeus, sobretudo alemães e ingleses. Em 1942, foi concebido e decidido pela administração norte-americana o projecto de invenção e fabrico de armas com combustíveis nucleares, cerca de um milhão de vezes mais potentes que os combustíveis e explosivos químicos tradicionais. Esse projecto denominado Manhattan, dirigido pelo general Leslie Groves e o físico Robert Oppenheimer, foi realizado por uma equipa de dezenas de alguns dos melhores cientistas norte-americanos, vários deles europeus emigrados nos EUA, em colaboração com cientistas ingleses e canadianos. Os laços de cumplicidade político-militar entre os EUA e o RU foram mantidos desde então até à actualidade. O projecto foi conduzido secretamente nos Laboratórios de Oak Ridge (Tennessee) e de Los Álamos (Novo México), e em Hanford (Washington) e algumas outras instalações mais, mobilizando mais de cem mil trabalhadores que desconheciam os objectivos concretos de tal projecto militar e secreto.

Clique para ampliar. O complexo responsável pelo programa nuclear alargou-se depois ainda mais. Ao longo de quarenta anos, as armas foram concebidas e montadas nos Laboratórios Nacionais de Los Álamos, no Novo México (a larga maioria), de Lawrence Livermore, na Califórnia, e Sandia, em Albuquerque, com o apoio de uma rede de outras infra-estruturas, com relevo para os Laboratórios de Oak Ridge, em Tennessee, Savannah River Site, na Carolina do Sul, Rocky Flats Facility, no Colorado. As principais variações ensaiadas na concepção das bombas foram a forma química/metalúrgica e a combinação proporção/geometria entre combustíveis físseis (plutónio 139 e urânio 235) e fusíveis (deutério e trítio). A evolução procurou incrementar o poder explosivo; da primeira bomba operacional lançada em Hiroshima até às maiores super-bombas termonucleares ensaiadas, o poder destrutivo foi multiplicado mais de 1.000 vezes. A evolução procurava também incrementar a eficiência (poder explosivo por quantidade de carga combustível) e a compacticidade; entre o primeiro teste de Trinity e uma comparável bomba actual de 20 quilotoneladas TNT, vai a diferença de 5 toneladas para 100 kg, ou seja, de um bombardeiro para uma mala de viagem.

. O programa nuclear norte-americano envolveu um longo rol de ensaios de armas. Desde 1945 até Setembro de 1992 (quando foram suspensos), realizaram-se o espantoso número de 1.054 testes (dos quais 24 conjuntos com a Grã-Bretanha), a larga maioria num perímetro reservado no deserto do Nevada (928 testes) não muito longe de Las Vegas. Desde 1957 os testes são subterrâneos. Mas enquanto foram acima do solo, os testes foram minuciosamente examinados não só do ponto de vista da potência libertada por carga explosiva, como também dos pontos de vista dos efeitos do choque das ondas de pressão e térmica sobre estruturas físicas, como edifícios e veículos, e das radiações ionizantes e substancias radioactivas sobre seres vivos, incluindo homens.

A ARMA NUCLEAR NO CURSO DA GUERRA MUNDIAL

Inicialmente, a arma nuclear foi desenvolvida pelos EUA para antecipar o seu eventual desenvolvimento pela Alemanha. Porém, com a vitória dos aliados na Europa e a rendição da Alemanha a 8 de Maio de 1945, e perante a perspectiva iminente de a União Soviética avançar então na frente do Pacífico contra o Japão – de facto essa declaração de guerra ocorreu a 8 de Agosto –, os EUA decidiram precipitar a rendição do Japão a todo o custo. Deu-se uma viragem dramática no curso da história: o que seria uma arma dissuasora frente à Alemanha tornou-se em arma táctica para derrotar o Japão e arma estratégia para "conter" a União Soviética na frente Oriental.

Para contextualizar essa viragem histórica, recordemos dois marcos importantes na preparação do termo da Segunda Guerra Mundial: as Conferências de Yalta e de Postdam. Na Conferência de Yalta, de 7 a 14 de Fevereiro de 1945, Joseph Staline e Franklin Roosvelt haviam acordado que a URSS entraria na guerra contra o Japão três meses após o término da guerra na Europa. Mas com a morte de Franklin Roosevelt, que fora o protagonista norte-americano na Conferência de Yalta, o vice-presidente Harry Truman assumiu a presidência dos EUA a 12 de Abril de 1945. A Alemanha capitulou a a 8 de Maio e Truman foi o novo protagonista norte-americano na Conferência de Postdam, já em território Alemão, de 17 de Julho a 2 de Agosto. Aí foi duramente discutida a conclusão da guerra e equacionada a nova ordem internacional emergente. A arma nuclear (ainda secreta) não foi formalmente referida mas estava subentendida nas negociações diplomáticas; a sua próxima utilização seria um acto intencional dos EUA para influenciarem em sua vantagem a configuração dessa nova ordem internacional que estava para nascer.

'Fat Man'. Depois de um só teste de demonstração realizado no deserto da Alamogordo (Novo México) a 16 de Julho de 1945 (com um dispositivo denominado "Trinity") duas bombas foram pouco depois lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki no Japão, a 6 e 9 de Agosto — a primeira uma bomba de urânio enriquecido apelidada "Little Boy" a segunda uma bomba de plutónio apelidada "Fat Man". A Conferência de Postdam surge pois sinistramente entrelaçada com as decisões secretas de os EUA testarem e lançarem essas bombas sobre o Japão.

Os alvos então escolhidos foram cidades que não tinham especial valor militar e estavam relativamente intocadas por anteriores bombardeamentos. As muitas experiências que eram e continuaram a ser conduzidas sobre os efeitos biológicos das radiações ionizantes e das substancias radioactivas sobre cobaias humanas — populações prisionais, soldados e outras "amostras" desprevenidas —, sugerem que os bombardeamentos daquelas cidades representaram também mais uma mas gigantesca "experiência" sobre tais efeitos biológicos. Esses bombardeamentos representaram também testes sobre a capacidade de destruição física "em condições reais". Sem esquecer que o grande objectivo militar imediato era então, de facto, forçar a rendição do Japão e evitar a entrada da União Soviética na Guerra na frente Oriental e Pacífico. Com efeito, o Japão rendeu-se aos EUA logo a 15 de Agosto.

A URSS, de acordo com a Conferência de Yalta, entraria na guerra contra o Japão três meses após o término da guerra na Europa. A declaração de guerra e o início dos combates tiveram lugar a 8 de Agosto — dois dias depois do bombardeamento de Hiroshima e um antes de Nasgazaki. A nova arma secreta deixara de o ser e, em lugar desse segredo, passaram a figurar dois actos de guerra inesquecíveis, duas colossais tragédias.

O Império Japonês no final década de 1930 compreendia o Arquipélago Nipónico, a Coreia, numerosas Ilhas e Arquipélagos no Pacífico Ocidental (Sakalina, Kurilas, Marianas, Okinawa, Guam, etc.) e detinha influência protectora sobre a Manchúria.

Os inícios da Segunda Guerra Mundial foram assinalados, entre outros conflitos e agressões, pela tentativa de o Japão invadir a URSS. O conflito desencadeou-se na fronteira entre a Mongólia e a Manchúria, entre as forças soviéticas e aliados mongóis e as forças japonesas e aliados manchus, na dura batalha de Halhin Gol, durante os meses de Julho e Agosto de 1939. O Japão sofreu uma pesada derrota que teve grande alcance, pois levou-o a desistir de atacar a URSS para, em alternativa, dirigir o seu esforço de guerra para o Sudeste Asiático, na procura de fontes de abastecimento. Como consequência, a URSS e o Japão assinariam um pacto de não agressão em Abril de 1941, válido por cinco anos, que libertou forças soviéticas para o esforço de guerra na frente Ocidental.

Em Abril de 1945 a URSS notificara o Japão do cancelamento do tratado de neutralidade e, após o fim da guerra na frente Ocidental, as tropas soviéticas estacionadas na Mongólia foram reforçadas com um milhão e meio de soldados e 5.500 carros de combate, transportados a partir da frente Ocidental. Iniciado o ataque soviético na frente Oriental a 8 de Agosto de 1945, justamente três meses após o termo da guerra na frente Ocidental, como acordado em Yalta, em oito dias apenas as tropas soviéticas progrediram 400 km e a 16 de Agosto estabeleceram contacto com o Exército Vermelho Chinês, que resistia à invasão japonesa. O Japão rendeu-se formalmente perante as tropas soviéticas a 2 de Setembro. O avanço fulgurante das tropas terrestres, com apoios aéreos e navais, assegurou a ocupação da Manchúria, parte Norte da Península da Coreia, Ilha de Sakalina e Ilhas Kurilas e comprovou que o Japão estava militarmente derrotado independentemente dos inopinados bombardeamentos nucleares. Essa intervenção da URSS, tendo decorrido conforme os acordos de Yalta, conferiu à URSS o direito a reter os territórios da Ilha Sakalina e das Ilhas Kurilas, em disputa com o Japão, e ainda Porto Arthur.

A Manchúria, sob influência soviética, serviu como base de operações preciosa para o Exército Vermelho de Mao Zedong, que quatro anos mais tarde, em Dezembro de 1949, saiu vitorioso da longa guerra civil Chinesa. Todos os territórios inicialmente ocupados pelas forças soviéticas na China foram depois entregues à nova República Popular da China.

Infelizmente, ficou provado da forma mais trágica que a utilidade militar da arma nuclear passa pelo genocídio de grandes populações civis. Fora inventada e utilizada a maior arma de destruição maciça.

AS ARMAS NUCLEARES NA GUERRA-FRIA

Os EUA procuraram manter o segredo e o monopólio nuclear. Porém uma bomba nuclear soviética veio a ser testada a 29 de Agosto de 1949 no Cazaquistão. Perdido o monopólio, a reacção dos EUA foi a de preocupação e, mais sinistramente, a da caça às bruxas – o macartyismo - e a decisão de desenvolver rapidamente uma arma nuclear muito mais poderosa ainda – a bomba termonuclear ou bomba de hidrogénio. A caça às bruxas foi expressão extrema de campanha de propaganda e de agressão ideológica, em que foram imoladas as carreiras de dezenas de cientistas, de centenas de homens e mulheres progressistas e as vidas do casal Rosenberg. O primeiro teste do novo conceito termonuclear foi levado a cabo a 1 de Novembro de 1952, num atol das Ilhas Marshall que ficou apagado do mapa, e contaminou milhares de pessoas entre populações vizinhas e japoneses. Todavia, menos de um ano depois, a União Soviética realizou um teste comparável (12 Agosto de 1953). Estava em curso uma corrida a armas capazes de aniquilar não só cidades inteiras mas extensas áreas metropolitanas e causar mesmo impactos a nível planetário – "O Inverno Nuclear".

O desenvolvimento das armas nucleares acelerou também o desenvolvimento de vectores para o seu lançamento, no decurso da década de 1950, primeiro, os aviões bombardeiros de longo alcance, depois, os mísseis balísticos – ICBM – com os EUA tomando a dianteira nos bombardeiros e a URSS nos mísseis. Essa corrida esteve na origem da "exploração do espaço", cujo início ficou assinalado com o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra – Sputnik, em 1957. O espaço exterior revelou-se ser um novo terreno da maior importância militar.

Em breve, outros países procuraram desenvolver armas nucleares. O RU, dada a sua íntima ligação aos EUA, realizou o seu primeiro teste logo em 1952, e a França em 1960. A R. P. China realizou o seu primeiro teste nuclear e termonuclear, em 1964 e 67. A Índia encenou um primeiro teste em 1974; tanto a Índia como o Paquistão ensaiaram bombas reais em 1998, quase em simultâneo. Os EUA acusam a R.I. Irão e a R. Coreia do Norte de estarem a dotar-se de capacidades para o desenvolvimento de armas nucleares. Mas sabe-se que Israel desenvolveu (desde 1957) e detém um arsenal de algumas centenas de tais armas, e que a R. África do Sul dispôs já delas, para posteriormente a elas renunciar (1991). Entretanto, estes vários países adquiriram já capacidade de lançamento (mísseis) ou estão a desenvolvê-la.

Na década de 1960, face à multiplicação de "novos actores", foram prosseguidos esforços diplomáticos e alcançados progressos significativos no sentido de disciplinar, conter e eventualmente fazer regredir a corrida às armas nucleares, e de facto foi acordado o importante Tratado de Não Proliferação – NTP.

Nas décadas de 1970 e 1980, no quadro da dissuasão mútua entre os dois grandes blocos político-militares, pouco progresso foi registado no sentido do desarmamento e da desnuclearização. A década de 70 foi caracterizada pela "détente", em que o equilíbrio de forças e o início da recessão económica encorajou a redução (temporária) das despesas militares e dos arsenais nucleares. Os tratados SALT I e II e START limitavam numericamente os arsenais militares e o âmbito de ensaio e utilização das armas nucleares (nomeadamente sistemas anti-balísticos e armas no espaço); mas o cumprimento e os resultados destes tratados foram insatisfatórios e o curso dos acontecimentos iria regredir.

No fim da década de 70, os EUA retomaram a iniciativa da corrida armamentista; rejeitaram o desarmamento, relançaram novas armas e lançaram o sistema anti-balístico baseado no espaço – Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecido por "guerra das estrelas" (Março de 1983). A par da modernização de mísseis de alcance intermédio com ogivas múltiplas (SS-20), por parte da URSS, a NATO estacionou na Europa mais de meio milhar de ogivas nucleares tácticas, veiculadas por mísseis de cruzeiro (GLCM) e mísseis balísticos Pershing II. A inicio da década de 80 seria de grande tensão na Europa, que mobilizaria os esforços de movimentos pacifistas e anti-nucleares, tensão só atenuada pelo Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF) que, após laboriosas negociações, em 1987 proibiu a instalação de mísseis terrestres balísticos e de cruzeiro com ogivas nucleares com alcance entre 500 e 5.500 km.

No quadro de recessão económica mundial (que persiste até hoje) e pressionada por esta corrida armamentista, a URSS entrou em profunda crise político-económica, que contribuiu para o colapso do bloco socialista no início da década de 90.

Iria iniciar-se a ainda mais perigosa época do poderio capitalista unipolar – a Pax Americana.

A CORRIDA ARMAMENTISTA E A LUTA PELO DESARMAMENTO NUCLEAR

A luta pela Paz, contra o militarismo e a corrida armamentista, ganhou acrescida urgência com e emergência de novas armas de destruição maciça, as armas nucleares à frente de todas as demais. Havendo razão histórica, não há fundamento moral para que alguns países tenham reconhecido o direito à posse de armas nucleares e outros não, para mais quando o poder ciclópico de destruição dessas armas é uma ameaça à sobrevivência da humanidade. A diplomacia e o direito internacional, no quadro das Nações Unidas, procurou rectificar essa assimetria e essa ameaça intoleráveis, e promover o desarmamento gradual, equilibrado e completo – mas só enquanto a correlação de forças o permitiu. Vivemos presentemente um intervalo entre parêntesis na história humana, de que só pela Paz poderemos escapar.

O primeiro tratado internacional, condicionante de ensaios com armas nucleares, foi o Tratado de Banimento Parcial de Testes Nucleares (PTBT), formulado e subscrito em 1963, visando limitar o alcance dos graves danos que muitas centenas de testes entretanto realizados, sobretudo na atmosfera, haviam já provocado. Eram excluídos testes na atmosfera, subaquáticos e no espaço exterior; só testes subterrâneos seriam doravante autorizados. Porém alguns países, particularmente a China e a França, não subscreveram.

Um passo importante no sentido da não proliferação foi dado cinco anos mais tarde, com o TNP. O Tratado de Não Proliferação (NTP), que visa a não-proliferação, o desarmamento, e o direito à utilização pacífica da energia nuclear; teve como primeiro signatário a Irlanda em 1968 e congrega actualmente 189 estados. Porém três estados que detêm tais armas persistem até hoje em recusar assinar este tratado: Índia, Paquistão e Israel; a R. África do Sul, renunciou ao seu arsenal e subscreveu o tratado em 1991.

Com o termo da "Guerra-Fria", no novo contexto geopolítico mundial a Assembleia-Geral da ONU, em 1993, promoveu o início de negociações conducentes ao desarmamento nuclear, procurando conciliar a divergência e tensão entre os que argumentavam contra a proliferação "vertical" (mais e novas versões de armas por parte de potências nucleares) e os que argumentavam contra a proliferação "horizontal" (novos países aderindo ao desenvolvimento ou acolhendo armas nucleares). Essas negociações conduziram finalmente ao CTBT em 1996. Este Tratado para a Proibição Integral de Testes Nucleares (CTBT), proíbe novos ensaios em quaisquer ambientes e para fins tanto militares como civis. Ele responde positivamente ao desejo mais fundo de banimento completo dos explosivos nucleares, pela primeira vez enunciado por Nehru em 1954 (só vinte anos mais tarde o seu país embarcou no desenvolvimento de tais armas). Foi subscrito por 71 estados em 10 de Setembro de 1996; uma vez mais, Índia e Paquistão declinaram. Os EUA, que não aceitam o respeito pelos compromissos internacionais anteriormente assumidos nem a sujeição a novos compromissos que limitariam a sua "liberdade" de desenvolver e testar novos tipos de armamentos, consequentemente recusaram a ratificação do CTBT (deliberação do Senado norte-americano de 13 de Outubro de 1999).

Na mais recente conferência das partes do TNP, em Maio de 2005, confrontou-se de novo a posição unilateral dos EUA, que focaram a atenção na proliferação horizontal, e concretamente alegaram contra o Irão e a Coreia do Norte, contra a posição da maioria dos países, que conferiu prioridade ao desarmamento das potências nucleares e denunciou a ilegalidade da partilha de meios entre países no seio da NATO (que corresponde, de facto, a uma forma de proliferação horizontal).

A "NOVA" ESTRATÉGIA NUCLEAR NORTE-AMERICANA

A Nuclear Posture Review – NPR (iniciado em Outubro 1993, e parcialmente revelado ao Congresso em Janeiro 2002) redefine com renovado entusiasmo o papel central das armas nucleares na defesa dos EUA, incluindo a intenção de desenvolver e mesmo testar novas armas com novas finalidades tácticas e estratégicas, e a assumpção do princípio de " first strike " (primeiro a utilizar), o que significa a adopção das armas nucleares como armas ofensivas e não mais como dissuasoras ou preventivas.

O NPR estabelece o quadro de referência para a estratégia nuclear dos EUA, nível de forças e infra-estruturas no horizonte de dez anos. Preconiza revisões substanciais quanto à dimensão e composição das forças nucleares no sentido do reforço da sua flexibilidade e prontidão, permitindo o Pentágono criar novos planos de ataque e tê-los rapidamente autorizados pelo Presidente em caso de "crise". Desde o ressurgimento da Guerra-Fria aquando da primeira administração Reagan, não havia comparável enfoque em armas nucleares na estratégia da "defesa" norte-americana. O NPR conduz a novas capacidades nucleares, ao possível recomeço dos testes nucleares, e admite a utilização da arma nuclear contra estados não nuclearizados na presunção da capacidade de fabricarem armas de destruição em massa. Mas que outra arma de destruição maciça se compara com a arma nuclear? Em escala de vítimas humanas, no imediato e em diferido (vítimas das radiações ionizantes e de contaminação radioactiva), e em escala de destruição física de infra-estruturas, tornando inabitáveis os seus alvos? Este plano de política nuclear não poderá deixar de desacreditar os esforços para persuadir outros estados a não prosseguirem os seus próprios esforços para obterem também armas nucleares e a aceitarem o tratado de Não Proliferação.

À luz desse documento de política nuclear, os EUA não respeitarão compromissos internacionais já assumidos nem tão pouco se sujeitarão a novos compromissos que possam limitar a sua "liberdade" de desenvolver e testar novos tipos de armamentos. Tudo indica, que sancionado pela Nuclear Posture Review e financiado pelo Congresso dos EUA, os laboratórios e demais infra-estruturas do complexo nuclear norte-americanas recomeçarão em breve a fabricar elementos de plutónio e trítio, para renovação do velho" arsenal nuclear, e desenvolvimento de novos conceitos de armas nucleares tácticas e estratégicas, que implicarão e regresso aos testes nucleares.

Entretanto, já antes de o NPR ser presente ao Congresso norte-americano, a administração havia anunciado o abandono do Tratado sobre Mísseis Anti-Balísticos (ABM) e a recusa de ratificar o Tratado de Proibição Integral de Testes Nucleares (CTBT). Com o novo enunciado da política nuclear, a comunidade internacional já nem pode presumir que os EUA cumprirão os seus compromissos de desarmamento previsto no regime de não-proliferação. A credibilidade e viabilidade dos instrumentos jurídicos internacionais estão postas em causa. O perigo nuclear agravou-se em todo o mundo.

A "NOVA" NATO

Após o fim da "Guerra-Fria" a natureza da NATO não mudou. Criada em 1949, foi então acto de constituição formal do novo "império americano" que delineou as suas fronteiras; afirmava o objectivo de contenção estratégica da "ameaça" comunista, valendo-se da capacidade ofensiva conferida pelo monopólio da arma nuclear. A aliança à data reconhecia na URSS uma ameaça com grande vantagem em armamento convencional para a ela contrapor a "vantagem" da ameaça de armas nucleares. A disposição de a NATO tomar a iniciativa de utilização da arma nuclear em caso de conflito está patente desde os primórdios da aliança.

O Pacto de Varsóvia foi constituído só em 1955 e dissolver-se-ia em Julho de 1991. Pouco depois (Dezembro) a União Soviética desintegrou-se numa "comunidade de estados independentes". A NATO iria prosseguir, no novo contexto, o avanço político e militar a Leste, ainda que confrontando-se com a oposição de movimentos pacifistas e anti-militaristas e o questionamentos por parte dos governos de alguns estados membros (designadamente Alemanha e Itália). Dos países do anterior Pacto de Varsóvia, três foram assimilados na NATO em 1997 e seis outros em 2004. Mantém armas nucleares norte-americanas estacionadas na Alemanha, RU, Bélgica, Países Baixos, Itália, Grécia e Turquia, partilhando a responsabilidade de estacionamento e utilização, assim contrariando o TNP, mas sob o alto comando norte-americano. O alargamento a Leste, com a possibilidade de instalação de armas nucleares em territórios anteriormente não nuclearizados, só vem evidenciar e agravar o carácter agressivo da NATO e a impotência do quadro legal internacional.

A NATO prevaleceu e, de aliança alegadamente defensiva, assumiu-se como braço armado imperial e abertamente ofensivo. Em breve se envolveu em hostilidades em clara violação do seu estatuto fundador. Em 1994, iniciou uma primeira intervenção na Bósnia e Herzegovina, visando a fragmentação da República Socialista Federal da Jugoslávia, a que se seguirá, em 1999, uma intervenção em larga escala na chamada guerra do Kosovo, visando a subjugação da República Federal da Jugoslávia.

Por ocasião da celebração do 50º aniversário da sua fundação, em Abril 1999, a NATO reinventou-se num "Novo Conceito Estratégico" e atribuiu-se o direito de intervir militarmente em qualquer parte do mundo. A velha aliança à procura de um novo inimigo reencontrou-o em 11 de Setembro de 2001. O artigo 5 do respectivo Tratado, redigido em 1949, ainda antes de a URSS dispor de arma nuclear, artigo que compromete os aliados a acorrer em defesa de qualquer estado membro em caso de agressão externa, só em 2001 seria invocado pelos EUA, significativamente logo no dia 12 de Setembro, a fim de mobilizar os vários estados e comprometê-los como súbditos em torno da renovada estratégia norte-americana. A subsequente intervenção dos EUA no Afeganistão foi sancionada pela NATO e, subserviente, esta assumiu a responsabilidade da "pacificação" e "administração" ulterior desse país.

As intervenções nos Balcãs e na Ásia Central demonstram que a NATO está preparada para actuar militarmente fora da sua área tradicional de influência (correspondente às duas áreas de comando em que estava estruturada). Os argumentos, inscritos no Novo Conceito Estratégico, são: a resolução de conflitos, a gestão de crises, a promoção da democracia, a defesa de princípios morais, a protecção de direitos humanos. A NATO afirma também que prossegue tais fins sem "arriscar" as suas tropas e minimizando efeitos colaterais sobre populações civis inocentes. Dir-se-ia a NATO transvertida em organização de governo supranacional, omnisciente e omnipotente – mas sem qualquer mandato conferido para tal e representando, de facto, uma ameaça à Paz mundial.

Terminada, ao menos retoricamente, a "Guerra-Fria", começou, de novo retoricamente, a "Guerra ao Terrorismo". Como o "terrorismo" não tem morada nem hora, qualquer hora é tempo de guerra em qualquer parte. O que está conforme com o quadro geográfico e político-militar do novo conceito estratégico da NATO.

E as armas nucleares prevalecem, como elemento central da estratégia de agressão imperialista, que aproveitou a alteração da correlação de forças para alargar os limites do seu império e mudar de nome ao seu "inimigo" universal.

AS "NOVAS" ARMAS NUCLEARES

Os EUA e a Rússia dispõem de milhares de armas nucleares ditas tácticas, isto é, para serem utilizadas no campo de batalha, inicialmente desenvolvidas durante a Guerra-Fria para um eventual conflito em teatro de guerra em solo europeu.

A Nuclear Posture Review (NPR) que chegou ao domínio público em Março de 2002 não abandona esse tipo de arma, pelo contrário alarga a sua utilização ao baixar o limiar inferior da sua potência, e alarga-a também no sentido da sua utilização em projécteis com elevada capacidade de penetração. Admite ainda o reinício de testes nucleares, com as novas armas, abandonando a presente moratória, assim desacreditando o Tratado de Proibição Integral de Testes Nucleares (CTBT) que aliás nunca foi ratificado pelos EUA.

Entre as novas armas nucleares, as ogivas e bombas com elevado poder de penetração, precisão e potência, visando atingir alvos subterrâneos, surgem com particular destaque. Em particular, Earth Penetrating Warheads (EPW), são ogivas com capacidade de penetração no solo antes de explodirem. A explosão no subsolo transmite muito mais energia ao solo e a onda de choque tem poder destrutivo a muito mais considerável profundidade do que caso a detonação ocorresse à superfície. Os EUA dispõem de ogivas e bombas EPW com cargas nucleares, as B61-11, desenvolvidas ao tempo da primeira Guerra do Golfo, e tornadas operacionais em 1997; transporta uma carga nuclear de até 340 quilotoneladas TNT. Uma tal bomba poderá destruir através da onda de choque um alvo duro até 70 metros de profundidade. Tal explosão produzirá uma cratera e lançará para a atmosfera grande massa de rocha fragmentada e vaporizada e produtos radioactivos.

Nas respostas militares propostas incluem-se ainda as Robust Nuclear Earth Penetrator (RNEP), armas nucleares com ainda maior alcance de penetração no solo, cujo conceito se crê esteja desenvolvido mas ainda não testado (pelo menos por enquanto).

Outra área de desenvolvimento e utilização de armas nucleares, é a estratégia de defesa anti-míssil intercontinental.

O conceito de um sistema nacional de defesa contra mísseis balísticos -- National Missile Defense (NMD) foi concebido pela primeira vez no fim da década de 50 e passou desde então por sucessivas versões. A sua versão mais conhecida foi a Iniciativa de Defesa Estratégica, proposta pelo presidente Donald Reagan em Março de 1983; a sua versão mais recente é designada Ground-Based Missile Defense (GMD) proposta pelo presidente George Bush em Dezembro de 2002, sendo o programa mais dispendioso no orçamento do Pentágono. O conceito é de viabilidade duvidosa e de sucesso questionável, por isso tem passado por várias versões e é ainda incerto o seu futuro. Ou baseado no espaço, numa constelação de satélites militares, ou baseado no solo, numa ampla rede de bases de lançamento de mísseis anti-mísseis, em qualquer caso as armas nucleares serão aí elementos necessários para alcançar os fins fixados.

A Nuclear Posture Review (NPR) expressamente invoca as armas nucleares para conter e responder a um "largo leque de ameaças", incluindo convencionais, químicas e biológicas e até "súbitos desenvolvimentos militares"; nesta definição, tudo parece ser passível de resposta nuclear. As consequências internacionais desta política militar são gravíssimas. Ao banalizarem os cenários de utilização de armas nucleares, incluindo a sua utilização contra países não nuclearizados, os EUA não só são o principal agente de proliferação como induzem activamente que outros países façam desenvolvimentos semelhantes e contribuam também para a proliferação das armas nucleares. O Tratado de Não Proliferação está seriamente ameaçado.

A NATO nasce com as armas nucleares e suporta a sua "autoridade" no poder militar das armas nucleares que detém. É por ser assim que a luta pela Paz é sinónimo de luta contra o Imperialismo.

01/Agosto/2005.
ALGUMAS FONTES NA WEB
  • http://www.doug-long.com/guide1.htm
  • http://www.doug-long.com/guide4.htm
  • http://www.doug-long.com/byrnes.htm
  • http://en.wikipedia.org/wiki/World_War_II
  • http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_nuclear_weapons
  • http://en.wikipedia.org/wiki/NATO
  • http://en.wikipedia.org/wiki/National_Missile_Defense
  • http://www.globalsecurity.org/wmd/library/policy/dod/npr.htm
  • http://www.nrdi.org/nuclear/FinalNPR.htm
  • http://www.inesap.org/bulletin17/bul17art03.htm
  • http://www.inesap.org/bulletin17/bul17art16.htm
  • http://www.inesap.org/bulletin17/bul17art26.htm
  • http://www.answers.com/topic/nuclear-weapon
  • http://www.wslfweb.org/docs/citinspectstratcom.htm
  • http://www.nap.edu/books/0309096731/html

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 03/Ago/05