Cem anos para aprender História

por Rui Namorado Rosa

Clique para ampliar. UM SÉCULO DE TRANSFORMAÇÕES PROFUNDAS

O século XIX foi o do apogeu do império britânico, da afirmação pujante do capitalismo mercantilista, da expansão colonial e da partilha do mundo pelas potencias industrializadas, da revolução industrial e do liberalismo político, um feixe de fenómenos que podemos individualizar mentalmente mas que eram causas e efeitos de um mesmo processo histórico.

O século XX foi uma era de revolução científica e técnico e de acelerado crescimento demográfico, de competição e conflito devastador entre potências capitalistas, de emergência de dois campos de organização político-económica de concepções opostas -- um capitalista e o outro socialista, da luta anti-colonial e de libertação nacional de povos colonizados, e do apogeu do imperialismo, fase superior do capitalismo.

No confronto pela hegemonia económica e política mundial, o declínio do império britânico é perceptível desde o último quartel do século XIX. Foi então patente a intensa competição entre as potências então emergentes, com destaque para os EUA, a Alemanha e o Japão que, concluídos os respectivos processos de consolidação interna iniciavam a expansão externa, entre si e as potências tradicionais -- a Grã-Bretanha, a Rússia, a Turquia, a França e a Áustria. Desde então e até ao início da Primeira Grande Guerra, multiplicaram-se intrigas, fizeram-se e desfizeram-se alianças explícitas ou secretas. A Conferência de Berlim (1884-5), que realizou a “partilha do mundo” entre as potências europeias, é sintomática do declínio do império britânico até então incontestado, e assinalou também um novo passo na escalada da globalização capitalista. O capitalismo carecia de acrescido “espaço vital” para manter o seu crescimento e essa foi a solução “pacífica” então encontrado, à custa da autonomia, recursos e cultura dos povos colonizados. Por essa altura também, os EUA lançaram guerras expansionistas contra colónias espanholas, anexando Cuba, Porto Rico e Filipinas.

No início do século XX já estavam constituídos diversos grandes grupos monopolistas, na sequência da concentração de capital acelerada pelas crises económicas de 1873 e 1900, a par da fusão do capital bancário, industrial e especulativo em capital financeiro. Os monopólios surgem em resultado da “livre” concorrência que leva à eliminação de uns por outros “competidores” mediante a força económica (ou quaisquer outros meios). O imperialismo é uma entidade objectiva, etapa da evolução necessária do capitalismo que emerge e contradiz a etapa anterior de capitalismo mercantilista. Esses monopólios centravam-se nos países industrializados, mas estendiam-se aos territórios colonizados ou dependentes.

Os principais sectores monopolizados por cartéis de poucas mas poderosas corporações eram então o carvão e o aço, a electricidade, os caminhos-de-ferro, a marinha e até já o petróleo (este no caso dos EUA). No vértice do edifício imperialista, uma oligarquia de plutocratas e de directos executantes e beneficiários do poder, constituíam a classe capitalista.

Ao longo do século XX, porém mais rapidamente após o termo da Segunda Guerra Mundial e na sequência das crises económicas de 1971, 1987 e 1995, os monopólios cresceram em novos sectores industriais onde a sua expressão era anteriormente menor, alargaram ainda mais a sua área de influência geográfica, e a sua integração vertical e horizontal foi levada muito mais longe.

O progresso científico e a inovação tecnológica criaram oportunidades para a emergência desses novos sectores económicos e para o reforço do dinamismo de outros. As agora “populares” tecnologias da comunicação e da informação já existem desde o início do século XX, mas ainda não constituíam então as bases dos monopólios que viriam a constituir-se em importantes Corporações Transnacionais nos ramos da Electrónica e das Telecomunicações, no último quarto do século. A biotecnologia que era então incipiente, é agora a chave do sucesso de poderosos monopólios nos ramos Farmacêutico e Agro-industrial. O poder económico e político das Corporações Transnacionais é enorme. As 200 maiores transnacionais reúnem um volume de produção estimado em um quarto do PIB mundial, em diversificados ramos económicos, mas com destaque para as Telecomunicações, Energia, Serviços Públicos, Comercio por Grosso e Distribuição, Militar, Agro-industrial, Automóvel, Aeroespacial, Comunicação Social, etc.

O ÚLTIMO MEIO SÉCULO

As viragens de rota observadas na década de 40 permitem compreender melhor as forças em presença que conduziram à Segunda Guerra Mundial e as que a superaram, o que ficou definitivamente ultrapassado e o que veio a ser adquirido – não esquecendo as colossais perdas humanas e materiais.

Após a fim da Segunda Guerra Mundial, a conferência de Brettton Woods (1944), entre as 44 potências vitoriosas sob a égide dos EUA, ditou uma “nova ordem” financeira internacional que superasse pela via financeira a profunda crise económica que antecedera essa Guerra. Essa conferência traduziu-se no Acordo de Bretton Woods, não subscrita pela URSS, que compreendeu a criação, com sede em Washington, do Banco Mundial (BIRD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) – este em 1947. Os EUA foram o principal protagonista dessa nova arquitectura, através da qual asseguraram o predomínio do dólar nos bancos centrais e no comércio internacional. Após um dilatado período de expansão económica sequente ao fim da Segunda Guerra Mundial, seguiu-se depois um longo período de recessão cujo fim não está à vista. Essa transição ficou assinalada por vários eventos.

Em 1973, assinalamos a guerra de Yom Kippur no Próximo Oriente, o embargo de fornecimento de petróleo pela OPEP e o sequente choque petrolífero e, ainda, o abandono definitivo do Acordo de Bretton Woods – no que se refere à desvinculação do dólar da convertibilidade com o ouro e a flutuação das taxas de câmbio entre divisas. Estava por esta via facilitado o caminho para os programas de “reajustamento estrutural” impostos pelo FMI aos países em desenvolvimento que, com o rol de privatizações, redireccionamento da despesa pública, reformas e disciplina fiscais, etc., conjugados com a liberalização do investimento directo estrangeiro e do comercio externo e a desregulamentação aduaneira, impostas através do GATT (agora WTO-OMC desde 1995), conduziram à acumulação de insolúveis dívidas externas nos países periféricos e de riqueza e poder económico em países do centro capitalista.

As normas internacionais foram sendo ditadas pelas potências capitalistas, com o seu poder diplomático, negocial e a ameaça quanto necessária. Assim, as cotações de “mercado” das commodities [1] ou matérias-primas são fixadas nas bolsas de mercadorias de Londres e de Nova Iorque, sendo progressivamente depreciadas; enquanto, por outro lado, as grandes potências aplicam normas ou tarifas proteccionistas nas suas fronteiras em contraposição à eliminação de barreiras aduaneiras nos países da periferia, sob instrução do FMI.

A longa fase de recessão económica mundial que perdura desde há três décadas, está assinalada por renovada e mais feroz ofensiva do capitalismo, que procura reverter os avanços civilizacionais da descolonização e da libertação nacional, subsequentes ao fim da Segunda Guerra Mundial, para prosseguir a expansão e concentração do capital a nível planetário. Esta ofensiva sobre várias formas viria a ser codificada num “decálogo” sob a designação de Consenso de Washington, designação que resume o mínimo denominador comum das orientações políticas impostas pelas instituições financeiras internacionais sedeadas em Washington aos países da América Latina – que de facto traduz a orientação da política imperial para com a generalidade dos países “em vias de desenvolvimento”.

Tal como no princípio do século XX, a concentração prossegue hoje e mais rapidamente ainda, mediante fusões e aquisições e participações. Como então, uma oligarquia de milionários que directa e indirectamente controlam capitais imensamente maiores do que aqueles de que são proprietários, ou de pequenos investidores que se arruínam ou enriquecem no jogo da especulação bolsista.

Mas essa é a face mais pacífica do capitalismo. Outra é o uso da força violenta para a subjugação, a rapina e a destruição de povos e países inteiros. O século XX é disso triste memória.

AS GUERRAS MUNDIAIS

A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais traduziram a expressão extrema de conflitualidade entre potências capitalistas que recorrem à força militar para disputarem recursos e mercados para o crescimento incessante das respectivas produções industriais, o acesso ao que eufemisticamente apelidam de “espaço vital” ou “interesses vitais”.

Disputadas duas Guerras Mundiais, em que a Alemanha foi derrotada consecutivamente, os EUA acabaram por emergir, em meados do século XX, como o novo centro incontestado do sistema capitalista mundial. Iniciava-se um novo ciclo do sistema político mundial.

A consolidação do ciclo económico e da hegemonia política dos EUA foi coadjuvada pela progressiva dolarização das reservas dos bancos centrais e do comércio mundial (com o apoio do FMI/BM/OMC). A partir da década de 1970, porém, o declínio económico relativo dos EUA resulta da perda de sustentabilidade global, ainda que dissimulado pela progressiva fuga para a acumulação de capital financeiro especulativo, por uma intensificação dos fluxos internacionais de mercadoria e de capitais, tendo em vista o mais agressivo saque de recursos, e pela difusão da doutrina neo-liberal nos planos económico e ideológico.

No plano político-militar é claro, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o propósito de os EUA assumirem a hegemonia unipolar do sistema capitalista mundial, embora inicialmente confinado pelo bloco socialista. Tendo o bloco socialista sido derrotado no confronto da Guerra-Fria, a partir do início da década de 1990 os EUA logo passaram a exercer o seu poder hegemónico já sem limites. Assim, lançaram as Guerras do Golfo e nos Balcãs, a primeira ainda com mandato da ONU a segunda ainda no quadro da NATO. Mas a sua vontade de acção unilateral vai-se afirmando progressivamente, quer no plano da legalidade internacional estabelecida (auto-excluindo-se dos tratados internacionais) quer no plano da decisão e da acção militar concreta.

O partido da guerra tomou o poder em Washington; primeiro, nas eleições presidenciais (Dezembro 2000); depois, com o Patriot Act (Novembro 2001) e legislação subsequente que privou os cidadãos norte-americanos de direitos e garantias constitucionais e conferiu poderes de excepção ao Presidente dos EUA; e tem uma doutrina militar, a da guerra preventiva contra um inimigo omnipresente. A guerra tornou-se um modo de pensar e de estar permanente. Ela traduz as necessidades e as soluções dos interesses dos grupos monopolistas já planetários e do complexo militar-industrial em particular.

As intervenções sucessivas que pontuam a artificiosa geo-estratégia militar norte-americana no Médio Oriente e na Ásia Central, são oportunidades para fazer jogos de alianças furtivas com facções políticas vulneráveis, tirando partido da heterogeneidade étnica, religiosa ou outra existente nesses países de fronteiras mal definidas e de poderes centrais difusos. A presença norte-americana alarga-se assim rapidamente nos planos económico e diplomático e sobretudo militar, no Oceano Índico, na Arábia Saudita, nos principados árabes, no Afeganistão, no Uzbequistão, no Quirguistão. A presença militar dos EUA conta agora com um eixo de bases aéreas e navais que vai do Mediterrâneo Oriental até ao coração da Ásia Central, na fronteira com a China. Antes da Guerra do Golfo eram 10 bases; pouco mais de uma década mais tarde esse número atingia já 22. Estas bases não são meras recordações das guerras que aí aconteceram, são sobretudo pontos de apoio para guerras futuras que o imperialismo que estarão para vir.

O complexo militar-industrial constituiu-se durante a Segunda Guerra Mundial nos EUA. A cooperação íntima entre o governo e a grande indústria foi para isso determinante e teve protagonistas como R. MacNamara. A US Air Force produziu 300 mil caças no período 1940-45. A guerra do Vietname e a “guerra das estrelas” foram acrescidas oportunidades para o desenvolvimento de novos armamentos (cada vez mais sinistros) e o financiamento federal das corporações activas na indústria de guerra. O fim da “guerra-fria” criou um compasso de expectativa que não durou muito. Armas que estavam no arsenal das armas de utilização problemática num mundo bipolar foram trazidas para acções encobertas e para o campo de batalha (caso das munições de urânio empobrecido, novas versões de bombas de fragmentação e de bombas termobáricas, super-bombas convencionais MOAP, bombas Sujas RDD, feixes de micro-ondas de alta potência, bombas e ogivas penetrantes EPW, etc). O conceito de “guerra ao terrorismo” abriu novas oportunidades ao negócio do complexo militar-industrial após o episódio de 11 de Setembro. O orçamento militar norte-americano retomou a prioridade e cresceu para mais de US$ 420 mil milhões em 2006 -- excedendo os orçamentos militares da Rússia, China, Reino-Unido e França reunidos -- em prejuízo de todos os programas sociais. Lockheed Martin, Northrop Grumman, General Dynamics, General Atomics, General Electric, Boeing, United Technologies, Raytheon são as principais executantes e beneficiárias deste novo alento militarista. Mas agora não só constroem as plataformas, os lançadores, as armas para a guerra no solo, no mar, no ar e no espaço, e os respectivos sistemas de comando integrado. Uma nova dimensão, de facto já concebida e operacionalizada durante a Segunda Guerra Mundial e institucionalizada logo após (1947) entre os EUA e o Reino Unido, com apoio e adesão de vários outros países ”amigos”, são sistemas de vigilância (espionagem em todos os aspectos) de âmbito global e permanente [ http://www.heise.de/tp/r4/artikel/6/6929/1.html ]. A vigilância electrónica global, abarcando desde observações a partir de estações orbitais até à monitorização da Internet, servindo para todos os fins legítimos ou ilegítimos, é apresentada ao público em geral como “segurança” e suporte para a “guerra ao terrorismo”.

Na realidade, o poder militar é o único domínio em que o poder dos EUA é incontestado e sólido. É o braço armado do capitalismo imperial sem fronteira.

O SAQUE COMO PROPÓSITO E CONSEQUÊNCIA DA GUERRA

Quando olhamos para o que foi a história do século XX, vemos como nela foi importante a indústria petrolífera. A necessidade visceral de acesso ao petróleo para a sustentação da base económica do crescimento capitalista é um factor objectivo da agressividade e da actuação geopolítica imperial.

Ao longo de um século a indústria petrolífera adquiriu progressiva importância, associada a igual importância adquirida pelas indústrias automobilística, aeronáutica e petroquímica, a que a indústria de explosivos está associada. Todos estes ramos industriais se desenvolveram na base da disponibilidade do petróleo e em íntima convergência de interesses capitalistas.

A indústria do petróleo começou realmente nos EUA ainda no último quartel do século XIX, primeiro com pacíficos fins iluminantes, depois como combustível ideal para os primeiros motores de combustão interna. O petróleo tinha já uma importância primordial por ocasião da Primeira Grande Guerra, pois que se provou a sua vantagem como combustível na propulsão de veículos de transporte terrestre, navios e mesmo aviões militares, para além do fabrico de explosivos.

A prospecção de petróleo e o controle das correspondentes reservas passou então a ser de importância estratégica. O Médio Oriente e a Ásia Central, com a bacia do Mar Cáspio e o Golfo Arábico-Persa, acabaram por se revelarem como a área geográfica de longe mais dotada em hidrocarbonetos – petróleo e gás natural – do mundo.

O domínio do Golfo Arábico-Persa tornou-se muito apetecido. A Primeira Guerra Mundial desencadeou a corrida ao petróleo e todas as potências procuraram obter posições no negócio. A Grã-Bretanha, que antes da Guerra já controlava o petróleo recentemente descoberto na Pérsia, suspeitava que a vizinha província da Mesopotâmia do império Otomano (Turco), seria igualmente dotada. Com o fim da Grande Guerra e o colapso do império Otomano, a Grã-Bretanha obteve mandato da Sociedade das Nações para administrar a Mesopotâmia, a Península Arábica e a Palestina. Procurou talhar a província da Mesopotâmia (actual Iraque) como um reino sob sua protecção; mas na Conferência de Paz de Versailles, os primeiros-ministros da Grã-Bretanha e da França brigaram pela partilha do petróleo da Mesopotâmia; estando a Alemanha e a Turquia derrotadas, a França recebeu a parcela anteriormente detida pela Alemanha; e os EUA, tendo exigido partilhar os despojos da guerra, receberam também uma parcela. Após longas e intricadas negociações, a Companhia de Petróleo Turca foi finalmente reestruturada em Companhia de Petróleo do Iraque (CPI) em 1928, com capitais da Shell (anglo-holandesa), BP (britânica), CFP (francesa, actual Total-Fina-Elf) e da Exxon e Móbil (norte-americanas). As sinuosas negociações que conduziram à constituição da CPI em 1928 desenvolveram-se em curioso paralelo com a luta pela independência do Iraque, desde as insurreições árabes de 1920 até ao reconhecimento final pela Liga das Nações em 1932. As primeiras eleições para o parlamento do reino coincidiram com a primeira concessão de direitos de exploração de petróleo a um consórcio internacional, no ano de 1925. [ http://www.globalpolicy.org/security/oil/2003/0425byzantine.htm ]

Após a Segunda Guerra Mundial, durante a qual o Iraque foi um importante ponto de aprovisionamento e de apoio para as forças aliadas e a URSS, o nacionalismo árabe iria alterar a influência do proteccionismo britânico que havia reinado na região. A monarquia foi derrubada e um regime republicano instaurado em 1958; em 1963 o partido Baath tomou o poder; e a Companhia de Petróleo do Iraque foi nacionalizada em 1972, nas vésperas da guerra de Yom Kippur.

No decurso das primeiras décadas do século XX a Pérsia, mantendo estatuto de estado independente, atravessou muitas vicissitudes de organização política interna agravadas pela intromissão e presença de forças militares estrangeiras. Subjacente, entre outros factores, estava já a disputa pelos recursos petrolíferos do seu território. De facto, a Pérsia foi, no Médio Oriente, um país pioneiro na prospecção petrolífera onde, por iniciativa de um empresário britânico, a produção veio a arrancar em 1908. Semanas antes do início da Primeira Guerra Mundial, o governo britânico (a conselho de Winston Churchill) adquiriu a maioria do capital da empresa e constituiu a Companhia Anglo-Persa de Petróleos (mais tarde BP). O controle do país foi, por essa época, disputada entre britânicos e russos. Em 1935, na sequência de um movimento militar, a Pérsia tornou-se monarquia autoritária sob uma nova dinastia, com a designação de Irão.

Após a Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro nacionalista M. Mossadegh nacionalizou as concessões exclusivas britânicas e fundou a National Iranian Oil Company (1951). Esse foi um episódio histórico que viria a repercutir-se na apropriação nacional dos recurso de hidrocarbonetos por países do mundo arabe e na criação da OPEP (em 1960). Mossadegh foi na sequência deposto em 1953, em resultado de uma conspiração anglo-americana, e a produção petrolífera passou a ser partilhada por um consórcio anglo-americano. Contudo, na sequência do embargo de 1973, em que o Irão não foi parte activa, as condições políticas levaram a reverter para a NIOC o controle da produção nacional e a renegociar a partilha da produção.

O Irão ocupa um posicionamento único na articulação do Médio Oriente com o Extremo Oriente, a Ásia Central e o Oceano Índico. Por isso, o seu território está na trajectória das mais interessantes e necessárias linhas de transporte e escoamento de hidrocarbonetos (quer petróleo quer gás natural). E, a par da Arábia Saudita, detém as maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos (no seu caso mais gás do que petróleo).

Em 1932, ano da independência do reino Saudita, a norte-americana Standard Oil Company (actual Chevron-Texaco) descobriu petróleo no Bahrain, próximo da costa da Península Arábica. No ano seguinte, adquiriu uma primeira concessão para prospecção na Arábia Saudita. A Arabian American Oil Company (Aramco) foi constituída em 1944, com capital da Standard Oil e da Texaco (1936), a que mais tarde (1948) se juntaram as também norte-americanas Exxon e a Mobil (estas violando o Red-Line Agreement a que estavam obrigadas desde 1928 como partes do cartel constituído pelos antigos accionistas da Turkish Petroleum Company/Iraq Petroleum Company). A primeira descoberta substantiva da Aramco data de 1940; o reservatório super-gigante de Ghawar (o maior do mundo, ainda em produção, embora já em declínio) veio a ser plenamente reconhecido em 1948. A Arábia Saudita é reconhecida como detentora das maiores reservas mundiais de petróleo; de facto a par do Irão, contando o petróleo e o gás natural.

As relações privilegiadas entre a Arábia Saudita e os EUA não se limitam ao negócio do petróleo. O rei Abdul Aziz ibn Saud e o presidente Franklin Roosevelt encontraram-se em 1945 e presume-se terem feito um acordo ainda hoje confidencial mas cujo conteúdo é presumível. Mas a relação é necessariamente contraditória, no interesse estrito da família real saudita e do governo e das petrolíferas norte-americanas, mas em oposição aos interesses do povo saudita (em larga proporção jovem e imigrante) e de outros países importadores e empresas petrolíferas, e assume aspectos aparentemente inopinados. Em 1960 a Arábia Saudita foi um dos fundadores da OPEP, um novo cartel constituído para regular a cotação do petróleo e as quotas dos países exportadores; em 1973 alinhou no embargo que ditou o primeiro choque petrolífero; e em 1980 a Aramco foi expropriada, passando a ser gerida sob a responsabilidade do governo, ainda que mantendo relações comerciais privilegiadas com os anteriores accionistas. Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita é um importante cliente da indústria de guerra norte-americana, é um importante investidor na Wall Street e oferece facilidades logísticas aos EUA no seu território para fins militares.

O nacionalismo árabe, a par dos movimentos de libertação nacional e anti-colonialistas, conduziu à progressiva nacionalização de recursos na região. É episódio memorável do nacionalismo árabe a nacionalização do Canal do Suez, como significativa foi a intervenção militar anglo-francesa (1956) procurando manter o seu controle. Significativa, ainda, a intervenção diplomática dos EUA e da URSS que desalojaram a Grã-Bretanha e a França do Egipto.

Mas não obstante a luta do nacionalismo árabe, o reordenamento do Médio Oriente esteve sempre sob a mira e a acção, via diplomática e militar, das antigas potências coloniais, agora dos EUA também, tendo em vista manter um quadro político frágil, instável e susceptível de permanente intervenção e intromissão, directa ou indirecta. A constituição do estado de Israel, para acolher o movimento Sionista (em 1947) e de diversos estados feudais árabes como o Koweit (1961) e o Bahrain (em 1971), ilustram bem a estratégia de controle a longo prazo, sistematicamente prosseguida pelo sistema capitalista mundial na região, sob a hegemonia da Grã-Bretanha, primeiro, dos EUA, depois. A Guerra do Golfo em 1990, a invasão do Afeganistão em 2001 e a ocupação do Iraque em 2003 são “apenas” manifestações mais violentas dessa intervenção geopolítica.

RECORDANDO A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

O primeiro ataque nazi na frente Leste foi a operação Barbarossa que, em 1941, levou os exércitos alemães até à vizinhança de Moscovo e de Leninegrado, aí travados pela inabalável resistência do povo soviético e do Exército Vermelho. Em Abril de 1942, a frente de combate alemã foi dirigida para o Sul. Nesse Verão, o principal objectivo militar nazi era os campos petrolíferos do Cáucaso. Procurando proteger esses campos petrolíferos, o Exército Vermelho foi forçado a deslocar todas as suas reservas para o Sul. E a sua eventual conquista pelo exército alemão superaria a sua carência crítica de combustível, por um lado, e seria uma perda irremediável, a que o Exército Vermelho não poderia sobreviver muito tempo.

Um exército alemão avançou na direcção de Baku, nas margens do mar Cáspio, e um outro para a cidade de Estalinegrado, na margem do Volga, ponto-chave dos transportes e comunicações no Sul da URSS e importante centro industrial. O controle de Estalinegrado manteve aberto o corredor entre o Danúbio e o Volga e o caminho para o Cáucaso e o Cáspio. Ambos os lados colocaram todas as suas forças nesse desenlace crucial. A batalha tristemente memorável foi disputada casa a casa rua a rua; o exército soviético executou um movimento de envolvimento que deixou o grosso do exército alemão sitiado, derrotado e finalmente rendido (2 Fevereiro 1943). A ofensiva nazi fora detida na frente Leste; as perdas humanas e os recursos materiais aí dissipados, bem como o insucesso em conquistar os desejados campos petrolíferos do Cáspio, repercutiram-se determinantemente na capacidade futura de todo o exército alemão e contribuíram decididamente para a derrota do nazi-fascismo.

24/Abril/2005

1- Commodities sãs mercadorias suficientemente homogénea para poderem ser comercializadas em Bolsas de Mercadorias. São constituídas geralmente por produtos primários agrícolas (chá, café, açúcar, algodão, etc), metais (cobre, estanho, etc) e outros produtos minerais (petróleo, etc). As principais Bolsas de Mercadorias são as de Londres e Nova York, que cotam as commodities tanto no imediato como no mercado a termo (futurs). A palavra commodity não tem tradução exacta em português pois a expressão "mercadoria" pode designar qualquer tipo de produto.

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04/Mai/05