Os patrões de Novembro e os excluídos de Abril
por João Vilela
São 1372,5 milhões de euros. Por extenso: mil trezentos e setenta
e dois milhões e quinhentos mil euros. Cerca de metade do que vai ser
gasto no
Banif
. Cerca de quatro anos de Rendimento Social de Inserção. Cerca de
um quarto dos gastos anuais com o SNS. Eis o valor que foi pago pela PT e pela
NOS pelos... direitos de transmissão dos jogos de futebol do FC Porto,
do SL Benfica e do Sporting CP.
O absurdo destes números torna-se uma obscenidade insuportável
quando sabemos de que forma a Meo e a NOS acumularam a espantosa fortuna que
pretendem dissipar com estas compras: na exploração desenfreada
dos largos milhares de trabalhadores que, em última análise,
trabalham para ambas. Digo "em última análise" porque,
entre empresas sub-contratadas, empresas de trabalho temporário, recibos
verdes fraudulentos e centenas de outros ardis são inúmeras as
formas por via das quais estes dois gigantes das telecomunicações
reduzem artificialmente a lista dos seus funcionários e, de caminho, os
custos que têm com eles. Das lojas às vendas porta-a-porta, dos
call-centers
ao pessoal de reparações e manutenção, o
exército de trabalhadores que estes dois gigantes tem ao serviço
é inversamente proporcional aos salários de fome quando
são sequer salários, e não sobrevivem em regimes 100%
comissionais a despeito de jornadas de trabalho de 10 e mais horas, na rua,
meses e anos a fio, em funções inapelavemente permanentes mas
pagas contra recibo verde com que os remunera ao fim de cada mês.
É por isso normal que possam dispender tão prodigiosos
números. O que é espantoso é o modo como reagem,
ferozmente, a qualquer veleidade de aumentos salariais ou melhoria das
condições contratuais no sector!
Estas empresas utilizam com eficácia uma série de instrumentos
montados a pensar nelas: um Estado que ignora ostensivamente as
violações laborais, por vezes as mais grosseiras, desde o
Tribunal Constitucional até ao inspector da ACT (recordo-me de, em 2011,
ouvir na rádio o juslaborista Júlio Gomes dizer numa
conferência que o TC "não via uma inconstitucionalidade em
matéria laboral nem que ela fosse do tamanho de um elefante e tivesse
"INCONSTITUCIONAL" pintado a tinta fluorescente"); um
exército industrial de reserva para cuja redução nenhuma
política pública decente é levada a efeito porque "o
Estado não tem de criar emprego"; a permanente
afirmação de que só se reduz esse mesmo exército
industrial de reserva com a redução ainda maior dos já
violentamente atacados direitos dos trabalhadores; e, para corolário, a
existência de uma mão-de-obra ultra-especializada, saída
das universidades, com nula perspectiva de emprego na sua área de
formação, e particularmente apta a apropriar e desenvolver os
procedimentos de trabalho de tais empresas, tornando-as tanto mais lucrativas.
Os enxames de licenciados que batem portas atrás de comissões ou
que vegetam atrás de balcões onde tentam vender pacotes de canais
ou telemóveis da moda aí estão para o comprovar.
Esta juventude escorraçada de Abril pela contra-revolução,
que nunca conheceu o subsídio de férias, a baixa médica, a
estabilidade contratual, que nunca chegou ao dia 15 sem contar tostões
na carteira, que nunca viu salário ao fim do mês e se fartou de
ver mês no final do salário, é a carne e o sangue que
permitiu à NOS e à PT dispender mais de mil milhões de
euros para poderem exibir jogos de futebol. Este é um problema social de
um tamanho imensurável, para cujo fim todo e qualquer indivíduo
onde ainda habite a decência comum mais elementar não pode deixar
de contribuir.
Esta juventude tem dado mostras de combatividade, seja através do
movimento sindical de classe, seja em organizações que foi
levantando para dar mostras da sua indignação (e onde o autor
destas linhas participou, com muita honra, desde o primeiro momento).
São de saudar todas as suas iniciativas, e de reconhecer a enorme
simpatia e mobilização popular que a sua causa atrai. Estes
jovens demonstram que, contra todas as profecias absurdas sobre o fim da
história, o conformismo, a morte da luta de classes e a
redução dos trabalhadores à dócil
condição de carneiros do redil, a velha toupeira sobe sempre
à superfície da terra, dura e tenaz, inquebrantável na sua
determinação, inamovível nos seus propósitos,
invencível na sua marcha em frente: a velha toupeira da luta do
proletariado pela sua emancipação que também estes jovens,
com os mais velhos com quem aprendem e melhoram, ajudam a que um dia ocorra,
livrando o mundo dos exploradores.
É fundamental trazer mais e mais jovens expulsos de Abril pela
contra-revolução para o combate pela sua
emancipação definitiva. E trazê-los dando-lhes a
lição mais válida, a que os mais velhos aprenderam com
mais custo e mais sacrifícios, a que pagaram com anos de combate e de
erros que foram corrigindo. A lição fundamental é a de que
nenhum direito, nenhum progresso, nenhuma alteração por mais
miúda que seja, está garantido nesta sociedade. Vivemos na
sociedade dos patrões, com um Estado dos patrões, com um modo de
produção que só serve aos patrões.
E enquanto esta contradição fundamental entre capital e trabalho
existir, nenhum trabalhador terá sentido ainda o sabor da liberdade, da
liberdade verdadeira, que é a de não ter quem o oprima. A
lição fundamental é pois a de que não há
açúcar, não há palavras doces, não há
concessões nem avanços que a burguesia consinta com simpatia que
nos devam satisfazer. Devemos aprender com os que combatem há mais tempo
que nós a levar o combate até ao fim, sem nos iludirmos com
promessas de concessões que o capital só faz para poder, em
ocasião posterior, brandir melhor o contra-golpe. Só é
solução definitiva a derrota da burguesia e a sociedade
socialista.
02/Janeiro/2016
O original encontra-se em
cravodeabril.blogspot.pt/2016/01/os-patroes-de-novembro-e-os-excluidos.html?m=1
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|