A aplicação do cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva determinará uma redução na pensão para 80% dos pensionistas que se reformarem até 2017

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO
Neste estudo é analisada apenas uma das "cinco propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social" apresentadas pelo 1º ministro na Assembleia da República, a chamada "aceleração da entrada em vigor da formula de cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva" que, a concretizar-se, significará a violação de direitos adquiridos pelos trabalhadores que se reformarem até 2017.

Como revelam dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social a um requerimento que fizemos durante o debate na Assembleia da República sobre o Orçamento do Estado para 2006, 82,1% dos 305.209 trabalhadores que se reformaram no período compreendido entre 2002 e 2005 escolheram a pensão calculada com base nas remunerações dos 10 melhores anos dos últimos 15 anos anteriores à data da reforma, ou seja, utilizando o regime que esteve em vigor até à alteração, porque a pensão assim calculada era superior à que se obtinha fazendo o cálculo com base em toda a carreira contributiva. Apenas 17,9% escolheram a pensão com base em toda a carreira contributiva porque era mais elevada. Uma estimativa que fizemos dos trabalhadores que se devem reformar entre 2007 e 2017, permitiu concluir que, se for aplicada a proposta apresentada por Sócrates na Assembleia da República, mais de 650.000 reformados sofrerão uma redução na sua pensão, o que não sucederia se o regime de transição vigorasse até 2017 como se encontra estabelecido no Decreto-Lei 35/2002. A aplicação de tal proposta aos trabalhadores que se reformaram entre 2002-2005, representaria, só no ano de 2005, uma redução no valor das suas pensões em mais de 40,5 milhões de euros (8 milhões de contos), valor esse que seria de 12 milhões de euros (2,4 milhões de contos) por ano para os trabalhadores que se reformassem entre 2007 e 2017. A imposição da formula de cálculo com base numa média ponderada que teria em conta os anos de descontos realizados antes e depois da data da sua introdução anunciada pelo Ministro do Trabalho no "Programa Prós e Contra " de 1.5.2006 determinaria, segundo o "Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social anexo ao OE2006, "uma quebra de cerca -8% e -12% para os novos pensionistas", que é uma redução nas pensões muito superior à anterior, que é de -2,5%.

Contrariamente ao que muitos pensam ou dizem, a pensão média dos 305.209 portugueses que se reformaram, entre 2002 e 2005, é muito baixa, pois o seu valor médio atingiu apenas 379,3 euros por mês. E a pensão média dos trabalhadores que se reformaram em 2005 era, neste ano, apenas 437,2 euros que continua a ser um valor baixo, e representava apenas 60,5% da remuneração declarada pelas empresas em 2005 para efeitos de cálculo das suas contribuições para a Segurança Social, e somente 40,4% do ganho médio de cada trabalhador nesse ano, portanto percentagens significativamente inferiores à chamada taxa de substituição legal que é igual ou superior a 80%..

Finalmente, o chamado "complemento solidário para idosos" que o governo tanto utiliza na sua propaganda, por um lado, vai ter efeitos muito reduzidos no combate à pobreza em Portugal e, por outro lado, visa atirar pais contra filhos. Para concluir isso, basta ter presente que, segundo o Eurostat, mais de 2.100.000 portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 300 euros por mês, que é o valor abaixo do qual, segundo o próprio governo, se passa fome em Portugal.

Por outro lado, dos 1.200.000 reformados no nosso País que recebem ou pensões mínimas do Regime Geral, ou a Pensão Social, ou a pensão do Regime Especial dos Agrícolas, cerca de um milhão, ou seja, mais de 83% recebem uma pensão inferior a 300 euros por mês. No entanto, Sócrates já esclareceu que, no máximo, apenas 300.000 é que poderão receber o "complemento solidário para o idoso", ou seja, menos de um reformado em cada três com pensões inferiores a 300 euros por mês é que poderão receber tal complemento. No entanto, os que acabarão por receber efectivamente o "complemento solidário" serão certamente muitos menos pois, de acordo com o Decreto-Lei 232/2005 e o Decreto Regulamentar 3/2006 publicados pelo governo de Sócrates, no rendimento do reformado terá também de ser considerado os rendimentos dos agregados familiares dos filhos, incluindo os dos conjuges e de outras pessoas do agregado dos filhos, o que determinará a dedução no valor do complemento a receber pelo reformado daquilo que o nº2 do artº 9º do Decreto Regulamentar 3/2006 chama "componente de solidariedade familiar" que pode atingir 30 euros por filho ou levar mesmo à exclusão do direito do reformado a esse complemento.

Para além disso, o reformado tem um prazo de 6 meses para desencadear uma acção nos tribunais contra os filhos que não paguem "a componente familiar" pois se o não fizer, de acordo com o nº6 do artº 29 do Decreto-Regulamentar 3/2006, perde o direito ao chamado "complemento solidário para idosos". Por outro lado, de acordo com o nº3 do artº. 14 do DL 233/2005, " a entidade gestora fica sub-rogada no exercício de tal direito previsto nos casos em que o titular do complemento solidário para idosos não exerça", ou seja, a Segurança Social pode desencadear tal processo.

Não resta dúvida que é uma solução que não desagradaria a Maquiavel, que reduziria a despesa com o pagamento de "complementos solidários a idosos" à custa dos filhos. Mas a redução das despesas é a obsessão deste governo – não a da pobreza em Portugal.

O 1º ministro apresentou na Assembleia da República aquilo que chamou "cinco propostas para uma reforma estrutural da Segurança Social". O que choca nessas "propostas", com excepção de duas delas – "redução moderada da taxa de desconto para os casais com muitos filhos" e "reforço da protecção da invalidez, na deficiência e às famílias monoparentais" – cujos efeitos são de prever que sejam reduzidos ou mesmo nulos como está a suceder com o chamado "complemento solidário para idosos", é que todas elas se traduzem ou por redução do valor das pensões, ou pelo aumento dos descontos dos trabalhadores para a Segurança Social, ou então pelo aumento da idade de reforma. Nas propostas apresentadas por Sócrates não existe nem uma que se dirija às empresas, nomeadamente aquelas que produzem mais riqueza – as de capital e conhecimento intensivo – ou que, em períodos de crise como o que os portugueses vivem, acumulam lucros escandalosos como são os casos da banca, das seguradoras, e das grandes empresas não financeiras controladas por grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros (ex. EDP, GALP, etc). Tal como havia sucedido com o chamado "Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social", apresentado pelo governo à Assembleia da República, também nas "propostas" do 1º ministro a questão da diversificação das fontes de financiamento estabelecido na própria Lei de Bases da Segurança Social (Lei 32/2002) é totalmente esquecida. E isto porque a diversificação das fontes de financiamento não é do agrado dos grandes grupos económicos.

Neste estudo vamos apenas analisar uma dessas "propostas" deixando as outras para estudos futuros até porque a informação disponibilizada é ainda insuficiente para se avaliar a consistência técnica delas.

A APLICAÇÃO IMEDIATA DO CÁLCULO DA PENSÃO COM BASE EM TODA A CARREIRA CONTRIBUTIVA DETERMINARÁ ATÉ 2017 UMA REDUÇÃO DA PENSÃO PARA MAIS DE 650 MIL REFORMADOS

Em Portugal a subdeclaração de remunerações à Segurança Social é uma prática adoptada pela generalidade das empresas. Muitos trabalhadores são obrigados a aceitá-la devido à pressão das entidades patronais, as grandes beneficiadas pois assim deixam de entregar à Segurança Social o correspondente a 23,75% das remunerações que efectivamente pagam, ou então porque são confrontados directamente com a ameaça da entidade patronal – "ou aceitas por fora ou não tens emprego" – ou porque temem que se não aceitarem poderão perder o emprego no futuro.

Se compararmos os resultados do combate à evasão e fraude divulgados pelo governo, tão mediatizados na propaganda governamental, com a realidade concreta concluímos que os resultados têm sido escassos. Por ex., em 2005, o governo afirmou que conseguiu recuperar 300 milhões de euros, mas nesse mesmo ano a divida declarada pelas empresas passou de 2.900 milhões de euros para 3.400 milhões de euros, ou seja, aumentou em 500 milhões de euros, portanto mais do que o governo afirma ter recuperado. E se compararmos o recuperado com a receita total perdida pela Segurança Social em 2005 devido à fraude, evasão e privilégios, que inclui o que é declarado e o que não foi declarado – cerca 2.400 milhões de euros – rapidamente conclui-se que aquilo que o governo diz ter recuperado – 300 milhões de euros – representa apenas 12,5% do total perdido nesse ano pela Segurança Social. A falta de eficácia deste combate resulta da escassez de meios que estão afectos a ele. Basta ter presente que, no fim de 2005, o número total de inspectores da Segurança Social era apenas de 197 em todo o País, e que no distrito de Bragança, onde participamos num debate sobre Segurança Social em Abril de 2006, existem apenas 4 inspectores para todo o distrito. No entanto, o governo ao invés de melhorar a eficácia desse combate optou por apresentar "propostas" que agravam a situação dos trabalhadores e reformados, o que medidas como a referida anteriormente tornariam total ou parcialmente desnecessárias.

Esta reduzida eficácia em fazer cumprir a lei determina que as remunerações declaradas à Segurança Social ao longo de toda a vida dos trabalhadores, com base nas quais são calculadas as contribuições das empresas e as pensões dos trabalhadores, sejam insuficientes para eles poderem receber uma pensão que permita uma vida com um mínimo de dignidade.

Foi precisamente tendo em conta esta realidade concreta do nosso País, que o Decreto- Lei 35/2002, aprovado pelo anterior governo PS, introduziu um período de transição até 2017, durante o qual a pensão dos trabalhadores que se reformassem seria calculado de três formas: (1) Utilizando o sistema de cálculo da pensão que estava em vigor (pensão calculada com base nas remunerações dos dez melhores anos dos últimos 15 anos); (2) Usando o novo sistema de cálculo da pensão (pensão calculada com base em toda a carreira contributiva); (3) E calculando a média ponderada dos dois sistemas anteriores tendo como base o tempo decorrido até 2002 e depois de 2002. Tais cálculos seriam feitos pela Segurança Social, e então seria escolhido o valor de pensão mais elevada. Este período de transição permitiria, através de um combate eficaz à evasão e fraude ao pagamento das contribuições, aproximar as remunerações declaradas das efectivas, de forma a evitar que a passagem do cálculo das pensão com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 anos para o cálculo com base na carreira contributiva determinasse uma redução importante na pensão dos novos reformados.

No entanto, o governo de Sócrates esquecendo tal facto e renegando o compromisso tomado por um governo PS que se encontra plasmado no artº 12 do Decreto-Lei 35/2002 pretende "acelerar a entrada em vigor da formula de cálculo que considera toda a carreira contributiva". Ele viola, assim, também direitos adquiridos e expectativas legitimamente criadas pelos trabalhadores que se vão reformar até 2017, que é preciso não esquecer e evitar o seu branqueamento.

Para que se possa ficar com uma ideia das consequências desta "proposta" apresentada por Sócrates, observe-se o quadro I, construído com dados constantes da resposta do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a um requerimento que fizemos aquando do debate do Orçamento do Estado para 2006, sobre o número de portugueses que se reformaram entre 2002 e 2005 repartidos pelos regimes de cálculo da pensão cuja pensão escolheram por ser a mais elevada.

Tabela 1.

Como mostram os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, 82,1% dos 305.209 trabalhadores que se reformaram no período compreendido entre 2002 e 2005 escolheram a pensão calculada com base nas remunerações dos 10 melhores anos dos últimos 15 anos anteriores à data da reforma, ou seja, utilizando o regime que estava antes em vigor, porque a pensão assim calculada era superior à que se obtinha fazendo o cálculo com base em toda a carreira contributiva. Apenas 17,9% escolheram a pensão com base em toda a carreira contributiva.

Se estimarmos o número de trabalhadores que se devem reformar entre 2007 e 2017, com base no número que se reformaram entre 2002 e 2005, concluímos que se for acelerada " a entrada em vigor da formula de cálculo que considera toda a carreira contributiva " para o inicio de 2007, como pretende o governo, mais de 650.000 reformados sofrerão uma redução na sua pensão, o que não sucederia se o regime de transição vigorasse até 2017 como se encontra estabelecido no Decreto-Lei 35/2002.

Por outro lado, de acordo também com o constante da resposta do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, " por via do efeito da garantia do montante mais favorável, o resultado da atribuição de pensão ao abrigo da nova legislação tem-se traduzido num aumento de encargos reais da Segurança Social em cerca de 2,5%". Tendo em conta esse aumento de 2,5% nos encargos, fazendo os cálculos necessários, estima-se que se o cálculo das pensões dos trabalhadores que se reformaram entre 2002 e 2005 tivesse sido feito com base em toda a carreira contributiva, e não com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 anos anteriores à data de reforma como aconteceu, estes trabalhadores teriam recebido, só no ano de 2005, menos 40,5 milhões de euros de pensões (8 milhões de contos) do que receberam, e o valor perdido pelos novos trabalhadores que se reformassem até 2017 seria superior a 12 milhões de euros (2,4 milhões de contos) por ano.

No programa "Prós e Contra" de 1 de Maio de 2006, o ministro do Trabalho informou que o governo tencionava impor a partir eventualmente de 2007, a formula de cálculo da pensão apenas com base na média ponderada tendo como base o período de descontos realizados até a entrada em vigor da nova alteração e o período de tempo de desconto posterior, à semelhança do regime que começou a vigorar para os trabalhadores da Administração Pública em 1.12006. A este propósito interessa recordar o que consta do chamado "Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social" anexo ao OE2006: "As pensões calculadas com base numa média ponderada sofreriam uma quebra de cerca -8% e -12% para os novos pensionistas em 2020 e 2030 respectivamente, se comparadas com a antiga formula de cálculo que considerava apenas os melhores 10 dos últimos 15 anos da carreira contributiva" (pág. 249), portanto uma redução ainda mais elevada do que os 2,5% referidos anteriormente.

AS PENSÕES MEDIAS DOS NOVOS REFORMADOS CONTINUAM A SER MUITO BAIXAS

Contrariamente ao que muitos pensam ou afirmam, os valores médios das pensões dos portugueses que se reformaram no período compreendido entre 2002 e 2005 são muito baixos, e continuam a ser muito inferiores à taxa de substituição legal, como mostram os dados do quadro II, dados esses que também foram fornecidos pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade na mesma altura .

Tabela 2.

Como revelam os dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, as pensões médias dos trabalhadores que se reformaram no período compreendido entre 2002 e 2005 são muito baixas. Assim, pensão média no período 2002-2005 dos 305.209 que se reformaram atingiu apenas 379,3 euros por mês que é um valor bastante baixo, e a pensão média daqueles que se reformaram em 2005 era apenas de 437,2 euros, que continua a ser um valor baixo.

A remuneração média por trabalhador declarada pelas empresas para efeitos do cálculo das contribuições e quotizações para a Segurança Social foi em 2005, segundo as Estatísticas da Segurança Social, apenas 722 euros por mês, quando o ganho por trabalhador (a importância total paga efectivamente pelas empresas) rondou no mesmo ano, em média, 1083 euros por mês segundo o Departamento de Estatística do Ministério do Trabalho. Estes números, por um lado, revelam também uma elevadíssima subdeclaração que se continua a verificar nas remunerações que as empresas comunicam à Segurança Social, com base nas quais são calculadas as contribuições e quotizações que têm de entregar o que lesa gravemente a Segurança Social e, por outro lado, mostra que a pensão média dos trabalhadores que se reformaram em 2005 representava apenas 60,5% da remuneração declarada e somente 40,4% do ganho médio de cada trabalhador, portanto percentagens significativamente inferiores à chamada taxa de substituição legal que é igual ou superior a 80%..

A ILUSÃO DO "COMPLEMENTO SOLIDÁRIO PARA IDOSOS" DO PS E A TENTATIVA QUE O GOVERNO ESTÁ A FAZER PARA LANÇAR PAIS CONTRA FILHOS

Uma das medidas mais utilizadas na propaganda do governo é o "complemento solidário para idosos", uma medida que Sócrates apresentou durante a campanha eleitoral, como a que iria tirar os idosos da miséria em que muitos vivem em Portugal. Depois do Presidente da República ter referido no seu discurso do 25 de Abril à necessidade de um "Plano de Inclusão Social", o 1º ministro logo acrescentou que o "complemento solidário para idosos" era um medida nesse sentido. No entanto, a análise da realidade mostra que Sócrates não fala verdade.

De acordo com o Eurostat, mais de 20% da população portuguesa vive abaixo do limiar da pobreza, ou seja, tem menos de 300 euros por mês para viver. Por outro lado, existem em Portugal cerca de 840.000 pensionistas a receber pensões mínimas do Regime Geral (entre 223 euros e 343 euros por mês); 120.000 a receber a Pensão Social (entre 187 euros e 203 euros por mês); e 240.000 a receber a Pensão do Regime Especial das Actividades Agrícolas (206 euros por mês). Deste total de um milhão e duzentos mil reformados, 1.000.000 pensionistas, que correspondem a 83%, recebem pensões inferiores a 300 euros, que é aquele valor considerado pelo próprio Sócrates como o limiar da pobreza, ou seja, abaixo do qual se passa forme em Portugal.

No entanto, apesar dos números oficiais sobre a pobreza em Portugal serem estes, o eng. Sócrates, em plena campanha eleitoral, decidiu que os reformados que precisavam do apoio do Estado, para sair da situação de miséria em que se encontravam, eram apenas 300.000, ou seja, menos de um em cada três reformados com pensão inferior a 300 euros por mês.

No entanto, Sócrates, como 1º ministro Sócrates, considerou tal redução ainda era insuficiente. Para reduzir ainda mais aquele número, publicou dois decretos – o Decreto-Lei 232/2005 e o Decreto Regulamentar 3/2006 - que regulam o chamado "complemento solidário para idosos", os quais visam, por um lado, reduzir a um número muito pequeno os reformados que receberão tal prestação extraordinária e, por outro lado, atirar maquiavelicamente pais contra os filhos.

Assim, de acordo logo com a alínea c) do nº4 do artº 4 do Decreto-Lei nº 232/2005, o reformado só tem direito ao "complemento solidário" se "declarar a disponibilidade para exercer o direito de crédito que tenha ou venha a ter sobre terceiros" ou, para ser mais claro, sobre os filhos. E isto porque na determinação do rendimento do pensionista entram não apenas os seus rendimentos, mas também os dos filhos. Efectivamente, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artº 6º do mesmo decreto, na "determinação dos recursos do requerente são tidos em consideração os rendimentos dos filhos do requerente na qualidade de legalmente obrigados à prestação dos alimentos nos termos do artº 2009 do Código Civil".

Assim, ao rendimento do pensionista é depois adicionado aquilo a que o nº2 do artº 9 do Decreto Regulamentar 3/2006 chama "componente de solidariedade familiar", ou seja, a importância que cada filho deve entregar mensalmente aos pais.

De acordo com o Decreto Regulamentar 3/2006, publicado pelo governo de Sócrates, esta "componente de solidariedade familiar" corresponde a determinada percentagem do chamado "valor de referência do complemento", ou seja, dos 300 euros por mês. O filho só não será obrigado a pagar a chamada "componente de solidariedade familiar" se a sua família tiver um rendimento "percapita" inferior a 750 euros por mês (e tenha-se presente que no cálculo do valor "percapita", o 2º e restantes adultos só valem 0,7 e uma criança apenas 0,5). Acima de 750 euros por mês qualquer filho é obrigado a contribuir para "complemento solidário para idosos", variando esse contributo entre 15 euros e 30 euros por mês e por filho. No entanto, de acordo com o nº6 do artº 7º do Decreto Regulamentar 3/2006, "quando o valor do rendimento por adulto equivalente de cada um dos agregados fiscais do filho do requerente é superior a 1.500 euros por mês " o reformado deixa de ter direito a qualquer complemento mesmo que o seu rendimento total seja inferior a 300 euros por mês.

Cada filho é assim obrigado a pagar a chamada "componente de solidariedade familiar", e a soma das "componentes de todos os filhos é deduzida então aos 300 euros, e ao que resta deduz-se depois os rendimentos do reformado ( a pensão mais qualquer outro rendimento que tenha). O valor que fica depois destas duas deduções, se ainda restar alguma coisa, é o valor do "complemento solidário para idoso" que o reformado terá direito a receber da Segurança Social. Como se vê o esquema está pensado de forma que sejam os filhos a suportar a maior parcela do "complemento solidário para idosos". E não se pense que a tentativa para atirar os pais contra os filhos se reduz apenas ao inicialmente referido. Assim, a alínea c) do nº 3 do artº 27 do Decreto Regulamentar 3/2006 estabelece que o pensionista deve apresentar obrigatoriamente no momento em que requer o complemento uma "declaração de disponibilidade para exercer o direito a alimentos" contra os filhos recorrendo naturalmente aos tribunais. E o nº 5 do artº 29 do mesmo decreto publicado pelo governo de Sócrates dispõe o seguinte:" a concretização da disponibilidade prevista deve ser realizada no prazo de 6 meses após o reconhecimento do direito ao complemento, através da entrega de duplicado da apresentação em juízo da respectiva petição inicial"; portanto, o reformado tem um prazo de 6 meses para desencadear uma acção nos tribunais contra os filhos, pois se o não fizer, de acordo com o nº6 do mesmo artigo, perde o direito ao chamado "complemento solidário para idosos".

Se juntarmos a tudo ainda o número de impressos e documentos que os reformados têm de apresentar quando requerem o complemento, é evidente que o objectivo e o resultado final será que um número muito escasso de reformados acabará por receber o chamado "complemento solidário para idosos". A confirmar isso está o facto do governo não divulgar o número de pensionistas que estão a receber o complemento. Como está a suceder em outras áreas a propaganda do governo procura ocultar a realidade e utiliza maciçamente nessa propaganda medidas com reduzidos efeitos reais.

30/Abril/2006

[*] Economista , edr@mail.telepac.pt

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
03/Mai/06