Depoimento para memória futura
Portugal censurado
por César Príncipe
Era uma espécie de
guerra civil permanente contra a inteligência, contra a lucidez, contra a
alfabetização cultural, contra a dignidade, um genocídio
da consciência pública. O regime teve a Polícia
PoLítica mas os censores também eram polícias. Uns
torturavam corpos, outros torturavam palavras e imagens. Vivíamos num
país artificial. Assim, por exemplo, não havia epidemias de gripe
ou moviMentos greVistas. Seccionavam a realidade.
Estás a sofrer sofre sozinho.
Os outros não tinham nada que saber.
[1]
E HOJE?
A Censura não desarmou:
alterou critérios de valorização e
desvalorização, de artificialização da realidade.
Hoje, até se agravam os riscos e os sintomas da gripe para vender
fármacos das multinacionais americano-helvéticas. A
opinião pública e os Governos são pressionados por
campanhas de terrorismo viral (exemplo: gripe das aves), a fim de se atestarem
os
stocks
de paliativos, ao que se diz, pouco mais do que inúteis face a uma
verdadeira pandemia, que nunca será de descartar do horizonte
científico mas que requereria uma abordagem não de ciclos de
proPAGAnda mas de prevenção escrupulosa. Mas que
interessará uma postura de prudência metodológica às
multinacionais da Saúde e aos seus parceiros inFormativos?
Interessa-lhes fomentar vagas de ansiedade. Estão empenhados, antes e
acima de qualquer outra preocupação, na Pandemia
Mediática. Ela surte efeitos iMediáticos. Ela já provocou
um efeito contagioso global e, acima de tudo, já rendeu biliões
aos LabOratórios da Guerra Química Farmacológica. Operadas
as encomendas, obtido o efeito da vaga de medo, os média, instruMentos
activos ou passivos do
marketing
sanitário-eis que as centrais de telecomando descalendarizam o iminente
apocalipse aviário: o perigo parece haver-se auSentado para parte
incerta e para uma era remota, deixando os especialistas de Saúde
Pública e os comentadores mórbidos momentaneaMente sem
protagonismo nos meios de Comunicação.
Facto também imposto
às Agendas, constantemente preenchidas de
consPiratas: as remessas de antrax. A partir dos USA, remeteram-se,
através dos Correios ou largaram-se em pontos de alarme, doses de antrax
ou de farináceos e talcos com aspecto terrificante: a
Comunicação Social e o Procurador dos USA deram a prevista
cobertura à vaga de pânico. O antrax foi servido 24 horas
diárias ao Planeta em Perigo e principalMente aos norte-americanos,
cidadãos que passaram a adormecer e a acordar com o antrax e o Michael
Jackson. Todavia, mau grado numerosas e preTensas pistas e tantos
destinatários (sociais e institucionais) e tanta diversidade de
saquetas, jamais se encontrou matéria para levar um suspeito à
presença da Justiça. E chegaram a anunciar-se
pulverizações generalizadas de antrax e de outras
substâncias apocalípticas em datas estimáveis como 4 de
Julho, Dia da Independência dos USA ou em sítios de grande clamor
místico ou lúdico, igrejas e recintos desportivos. E as cartas
pestíferas penetraram no Senado dos USA e no Parlamento Europeu e todos
os credos e todas as raças estremeceram com as epístolas do
Juízo Final.
Até que o agente
infiltrado saiu das estratégias. Escapara-se uma
ponta da
War Terror:
algumas investigações mais inadvertidas começavam a
aproximar-se de laboratóros militares USA. Estava-se a ver que a
tenebrosa máquina do antrax não se situaria nas brenhas do
Afeganistão. A campanha foi-se desvanecendo: não convinha
aprofundar a fonte de despacho do produto nem as motivações.
Havia-se esgotado o alcance da nova arma. PrinciPiavam a surgir
contra-indicações na teraPia de choque. Cheirava a esturro ou a
Operação dos Serviços Secretos, patrocinada pelo poder
político, para instaurar o medo e paralisar a oposição ao
desastre iraquiano-afegão, vendendo-se a ideia de que o terrorismo
não era um problema da Casa Branca ou do Pentágono ou que apenas
viesse a afectar mais uns edifícios e serviços-antes se tratava
de uma Questão de Toda a América e de Todo o Mundo.
Para se interiorizar a
iminência do Armagedon em pacotes, soltaram-se uns
pozinhos sorrateiros, direccionados como mandam os manuais. E quem, nos
intrincados Meios de Representação e Decisão dos USA,
ousaria negar as evidências ou regatear orçamentos de
salvação nacional? Toca a telecomandar a opinião publicada
e a opinião pública. Os mercenários em estado de
prontidão, os consumiDores acéFalos e as criaturas de
hímen complacente sufragaram a arremetida. O antrax passeou-se durante o
tempo aprazado pelos programadores de fobias ou de empatias. O jornalismo de
pacotilha não perdeu um pacote. Os
pivots
sentiram-se mensageiros de causas universais. Introduziram na Agenda e
retiraram da Agenda o assunto que o amo lhes meteu nas mãos. Os
comentadores de serviço também fizeram render o antrax na Bolsa
Mediática. Até que o antrax desapareceu com pezinhos de lã
ou de diabrete. Os comunicadores não se interrogaram. São pagos
para informarem o menos possível. Toca a meter a viola ao saco.
Já no que toca a
moviMentos/accções grevistas, o caso muda de figura: os
média do sisTema (quase todos, sobretudo os principais) não
sobrevalorizam-tudo fazem para desvalorizar. RaraMente uma greve merece
primeira página ou abertura de telejornais ou rádios, a
não ser para a desmobilizar, dando voz a entidades oficiais e
emPRESAriais e a segMentos populacionais afectados pela
paralisação. Os directores-editores-redActores sempre encontram
um tema aliciante para ocupar o
horário nobre
: um alarido futebolístico que mantenha o País Pasmado (há
heróis, drAmas, feitos históRicos, mobilização em
directo para os clAmores da Pátria) ou um
record
do Guiness que faça crer num País de Sucesso ou um crime
escabroso para cevar a Psicanálise do País da Virgem ou um
prato-forte de sangue com chapa retorcida ou um
arrastão
balnear que nunca ocorreu ou uma manifestação de fé que
remova montanhas ou um ajuntaMento de hipopótamos neonazis ou uma
concentração de calhambeques nostálgicos ou um desfile de
vibraDores e bidés do Regime ou um concerto de ruído ou uma
queima de cerveja ou uma rajada de 80 kms/h nas zonas costeiras e nas terras
altas.
Por regra, reduzem ao
mínimo o direito de exPressão do mundo
labOral. Por regra, evitam imagens ou, no limite, não aproveitam as mais
exPressivas de quanto cheire a greves, plenários,
manifestações, desfiles, concentrações. Mesmo que
saiam à rua 100.000 trabalhaDores,
[2]
escolhem um pormenor: a cabeça da
manif.,
um diriGente sindical pendurado num microfone, um cartaz ou faixa mais
anedóticos, uma mancha que não legitime a amplidão do
aconTecimento. Por regra, também nunca confiam nos números de
participantes fornecidos por fontes laborais, contrapondo as fontes patronais,
ministeriais, policiais. O que até seria perfeitamente razoável
se o contraditório constituísse uma norma editorial. Mas
não. Se o evento é patronal ou governaMental ou religioso ou
desportivo ou das indústrias de entreteniMento, os média
até se orgasmam ou, pelo menos, gaguejam com as multidões do
situacionismo e raramente contrastam os números adiantados pelas
respeitáveis ou venerandas organizações. O preconceito
desqualificante é óbvio.
[3]
Idêntico trataMento é conFerido às
manifestações Anti-GloBalização: todo o relevo
incide sobre os incidentes, os desacatos entre grupelhos (alguns infiltrados e
geridos pelas polícias) e as forças da ordem (sempre
obrigadas
a agir, a responder), menosprezando-se o comportaMento civilizado de dezenas
ou centenas de milhares de manifestantes, bem como os seus cadernos
proGramáticos.
Então, nos
noticiários sobre o lº de Maio, o critério
subjacente aproxima-se dos censores do Regime Fascista (que exaravam
recomendações de estilo bombástico, dignas de um editor de
tablóide ou de televisão de cabo-de-guerra). Incitava-se à
draMatização e à diabolização do Dia Mundial
do Trabalhador:
1º de Maio-notícias lá de fora são CORTADAS. A
não ser de BOMBAS.
[4]
Claro que notícias
cá de dentro
seriam impensáveis, mesmo que, em Lisboa, saíssem à rua
(como por encanto) 100.000 manifestantes, conforme registo de fontes da
Resistência.
[5]
Esta sisTemática
censória até pode parecer estranha ou
contranatural, pois os jornalistas são padecEntes das queixas e receitas
das restantes classes assalariadas: aconTece que uns estão amEstrados
para morder no povo como os cães-polícias e outros receiam
The Day After
e assumem as dores e os esgAres do Capitalismo e da
PoLítica da Rolha
GovernaMental.
Portugal Censurado?
Que ideia! Apenas a maioria dos portugueses.
________________
[1]
Portugal Censurado / Afinal o que era a Censura?
Antetítulo e título de áudio/vídeo-depoiMento de
CP sobre a Censura no Regime Fascista, recolhidos e tratados para
Jornalismo.Porto.net
,
carinabranco@hotmail.com
(Fevereiro de 2004). No trabalho também se questiona a Censura em
Regime Democrático, exemplificando-se com o ocorrido a entreVista de Rui
Pereira a um conjunto de personalidades bascas e espanholas, neste caso,
já aprovada pela RedAcção/Direcção da SIC,
mas, à última hora, posta fora da grelha pela
Administração. Pois que as administrações
não deixam de intervir em sede de diálogo institucional ou
acorrendo
in extremis.
Preferem, todaVia, que funcionem as Hierarquias de
Interpretação da Vontade do Senhor, também denoMinada
Cultura da Empresa ou Interesses Superiores mas, sempre que a cadeia de
responsalidade não se mede bem a correlação de
forças ou desliza para paixonetas editoriais, um poder mais alto desce a
terreiro e faz jurisprudência. O embaixador espanhol em Lisboa confessou
ao El Mundo e à Agência Europa
Press
ter pressionado um canal de televisão privado em Portugal
. (
O discurso como problema de Ordem Pública
: novagaz.com). Rui Pereira, jornalista e docente universitário,
é autor de
Euskadi-A Guerra Esquecida dos Bascos,
Editorial Notícias, Lisboa, 1999, cuja primeira edição
foi quase integralMente açambarcada pelas autoridades de Madrid para
tentar arruMar o assunto. Também é co-autor, com Angel Rekalde
(que cooperou com a sua tese de doutoraMento), de
O Jornalismo Fardado-El País e o Nacionalismo Basco,
Campo das Letras, Porto, 2000, obra que expõe o colabOracionismo
activo e concertado de um jornal de referência euroPeia com a proPAGAnda
de Estado.
[2] Manifestação Nacional, Lisboa (08/02/2006). Participantes: 100
mil. Estimativa da generalidade dos Meios de Comunicação
(09/02/2006). Os organizadores referem 150 mil. Mas o clamor público
não encontrou uma medida minimaMente proporcional nas grelhas
mediáticas. Mesmo admitindo que Lisboa foi
invadida.
A omissão ou relativização foram tão clamorosas
que, mais de um ano depois (22/06/2007), um intelectual do SisTema, José
Freire Antunes/SIC/Notícias, não achou exemplo mais ilustrativo
de
censura por omissão
do que o trataMento noticioso dessa avalancha social. Já quanto
à Greve Geral (30/05/2007), a Orquestra Mediática funcionou
afiNada:
um fracasso.
De nada valeram as estatísticas (por serviços públicos,
empresas, actividades e localidades) da CGTP: 1 milhão e 400 mil
aderEntes. Foram ignOradas. A CS serviu de correia de transMissão da
verdade do Governo/Patronato. Já se tinha assente, na
pré-campanha mediática, que não iria ter êxito. A
pós-campanha apenas veio culminar o
trabalhinho de encomenda
ou de trauteio sisTémico. Na verdade, a Comunicação
Social é cada vez menos Comunicação e cada vez menos
Social. É simplesMente a
Voz do Dono.
[3] Exemplos de cortes da Censura Fascista, crescenteMente coPiados pela Censura
Farsista:
Reunião da Intersindical de Lisboa-Cortar.
(Capitão Correia de Barros, 08/04/1971).
Reunião de telefonistas na FNAT. Não dizer que foram centenas e
não especificar o que pretendem. Dizer que trataram de assuntos da
classe.
(Coronel Saraiva, 03/10/1971).
Reunião de bancários, hoje, talvez em Lisboa. Reduzir ao
mínimo. Só
dizer: realizou-se ontem.
(Coronel Garcia da Silva, 10/09/1973).
[4] De
Os Segredos da Censura.
[5]
O Militante,
Nº 258-Maio/Junho 2002.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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