Linhas Gerais do OE/2014
"Este Orçamento é brutal, estúpido e
mentiroso"
por José Alberto Lourenço
[*]
1. 90% dos trabalhadores do Estado (funcionários públicos e
trabalhadores das empresas públicas) cerca de 685 mil trabalhadores,
vão sofrer um corte nos seus salários que variará entre os
2,5% para os trabalhadores com salários de 600 euros e os 12% para os
trabalhadores com salários superiores a 2000 euros;
2. Com este corte são particularmente penalizados os trabalhadores com
salários entre 600 e 1500 euros mensais, cerca de 40% do total dos
trabalhadores do Estado (305 mil trabalhadores), trabalhadores que mantiveram
os seus salários congelados em 2011, enquanto os salários
superiores a 1500 euros sofreram cortes;
3. O salário médio mensal praticado na
Administração Pública que desde 2011 estava sujeito a um
corte salarial de 3,5%, vê esse corte agora mais do que duplicar e passar
para 9,3%. Na prática o corte salarial anual para estes trabalhadores
é equivalente a mais do que um salário mensal.
4. Para os trabalhadores do Estado com salários entre os 1800 e os 2000
euros, o corte salarial mais do que triplica em relação a 2011;
5. Os cortes na despesa do Estado em 2014 passarão para além dos
cortes salariais, pelo aumento do horário de trabalho, pela
redução de efectivos por aposentação, pela
redução do trabalho suplementar, pela execução de
programas de rescisão por mútuo acordo, pela
utilização do sistema de requalificação de
trabalhadores, pelas reformas estruturantes no sistema educativo, por outras
medidas sectoriais, pela reforma hospitalar e optimização de
custos na área da saúde, pela redefinição de
processos nas áreas da segurança e da defesa, pela
convergência da fórmula de cálculo das pensões da
CGA com as da Segurança Social, pelo ajuste da idade de acesso a
pensão de velhice com base no factor de sustentabilidade e pela
introdução de condição de recurso nas
pensões de sobrevivência;
6. 82% do impacto esperado com as medidas de austeridade (3184 milhões
de euros) resulta de cortes na despesa do Estado com apenas 18% a resultarem de
medidas com impacto sobre o aumento da receita (aumento de impostos, aumento
das contribuições para a ADSE, aumento da
contribuição extraordinária sobre o sector
bancário, contribuição extraordinária sobre o
sector energético);
7. 302 mil aposentados, cerca de 50% dos actuais cerca de 610 mil aposentados
do Estado, irá sofrer um corte médio de 10% com a
convergência das pensões da CGA com as pensões da
Segurança Social. Estima-se que o impacto bruto da convergência de
pensões da CGA seja de cerca de 728 milhões de euros;
8. Os cortes de 100 milhões de euros nas pensões de
sobrevivência irão afectar pensões acima dos 419 euros;
9. Mais de 1 milhão de trabalhadores e pensionistas do Estado
serão afectados com estes cortes nos salários da
Administração Pública e da CGA;
10. Se 82% do valor das medidas de austeridade, cerca de 3200 milhões
resultam de cortes da despesa do Estado, (cortes na função
pública, reformados, educação e saúde), só
4% resultam de taxas sobre a banca, as empresas petrolíferas e as redes
de energia; Este é o OE que uma vez mais ataca os trabalhadores e os
rendimentos e protege o grande capital;
11. Perto de 2/3 do valor das medidas de austeridade cerca de 2211
milhões são directamente suportadas por cortes nos
salários e pensões dos funcionários públicos e
aposentados da CGA;
12. Após um ano de 2013 em que se registou um enorme aumento do imposto
sobre os rendimentos do trabalho (IRS) +28,2%, +2564 milhões de euros, o
Governo ainda não satisfeito quer em 2014 arrecadar +426 milhões
de euros de IRS +3,5%. Ao mesmo tempo a taxa de IRC vai baixar 2 pontos
percentuais o que vai custar pelo menos 70 milhões de euros ao Estado.
Enquanto o IRS não para de subir, o IRC baixa;
13. Enquanto os pensionistas e aposentados sofrem um corte de 100
milhões de euros nas suas pensões de sobrevivência, o
Governo quer devolver 70 milhões de euros de IRC aos grandes grupos
económicos;
14. Ao mesmo tempo que aumenta os impostos sobre os rendimentos do trabalho o
Governo reduz a carga fiscal sobre os rendimentos do capital. Entre 2011 e
2014, se este Orçamento de Estado for aprovado, o Estado irá
arrecadar anualmente mais 2 mil milhões de euros de IRS ao mesmo tempo
que cobrará menos 745 milhões de euros de IRC. Enquanto em 2011
os trabalhadores portugueses já pagavam de IRS quase o dobro do IRC pago
pelas empresas, em 2014 com este Orçamentos os trabalhadores portugueses
irão pagar de IRS quase o triplo do IRC pago pelas empresas.
15. Em 2014 o Governo ao mesmo tempo que quer baixar a taxa nominal de IRC de
25 para 23%, dá mais tempo às empresas para abater
prejuízos fiscais, reduz o limite máximo desses prejuízos
que as empresas podem apresentar anualmente, alarga o tipo de despesas de
actividade que podem ser abatidas ao IRC, introduz um lucro fiscal de 10% para
lucros reinvestidos e isenta de IRC a recepção e
exportação de dividendos;
16. Com este OE os aposentados das empresas públicas só
terão direito a complementos de pensões se a empresa para a qual
trabalhavam não tiver apresentado prejuízo nos últimos 3
anos. Tendo em conta que a maioria das empresas detidas pelo Estado são
deficitárias, esta medida deverá afectar uma grande maioria dos
aposentados passados e futuros do sector empresarial do Estado e
pressupõe tratamentos diferenciados dos reformados, de acordo com os
resultados das empresas em que trabalham.
17. Este Orçamento prevê ainda que estes complementos só
voltem a ser pagos quando as empresas apresentem 5 anos consecutivos de
resultados positivos, com a liquidação ao longo de 3 anos, na
proporção de 1/3 por ano;
18. As empresas públicas, com excepção dos hospitais
E.P.E., estão obrigados a reduzir o nº de trabalhadores em 3% em
2014, face a Dezembro de 2012;
19. As empresas públicas deficitárias devem cortar 15% os gastos
operacionais face a 2010;
20. O limite de endividamento das empresas públicas fica definido em 4%
para 2014;
21. As indemnizações compensatórias irão ser
reduzidas em 108 milhões de euros em 2014;
22. O Governo em 2014 vai proibir as Câmaras Municipais de preverem
receitas relativas à venda de imóveis que sejam superiores
à média dos 3 anos anteriores;
23. O Ministério da Saúde tem um corte na sua despesa efectiva de
9,4% (-848 milhões de euros), o Ministério da
Educação sofrerá um corte de 570 milhões de euros
(-7,1%), a Justiça um corte de 95 milhões de euros (-6,8%), a
Administração Interna um corte de 134 milhões de euros
(-6,5%).
24. Em 2014 o Governo pretende reduzir o défice orçamental em 3
mil milhões de euros, passando-o de uma estimativa actual de 5,9% em
2013 (9778 milhões de euros), para 4% em 2014 (6793 milhões de
euros), ou seja, quer reduzir o défice orçamental em 30% num ano.
Vale a pena lembrar que no corrente ano apesar do enorme aumento de impostos (+
2613 milhões de euros de receita fiscal na quase totalidade IRS) essa
redução deverá ser de apenas 863 milhões de euros.
Ninguém acredita que o Governo consiga atingir esse objectivo, mas
entretanto a ser aprovado este Orçamento chegaremos ao final de 2014 com
os trabalhadores, e em especial os trabalhadores e aposentados da
Administração Pública, a sofrerem mais um enorme corte nos
seus salários e pensões.
25. Paulatinamente este Governo vai destruindo o Estado e em particular o
Estado Social, reduzindo as prestações sociais, cortando na
saúde, na educação e na segurança social, vai
destruindo e precarizando o emprego, vai reduzindo continuamente os
salários e pensões de trabalhadores e reformados, desequilibrando
cada vez mais a distribuição do rendimento entre trabalho e
capital, vai aumentando continuamente a carga fiscal sobre os trabalhadores
(IRS) e as famílias (IVA), tornando o sistema fiscal cada vez mais
injusto e dependente da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e sobre o
consumo. Se é verdade que nem o défice, nem a dívida foram
reduzidos de forma sustentada com a assinatura do Pacto de Agressão
podendo por isso dizer-se que nenhum destes propalados objectivos foi
conseguido, também é verdade, e esse grande objectivo foi por
este Governo de direita conseguido, que o nosso país é hoje um
país, muito mais injusto, mais dependente, mais desigual e
desequilibrado, do que antes da assinatura do pacto de agressão.
26. Para reduzir o défice em 2014 em 3 mil milhões de euros o
Governo pretende cortar cerca de 1,7 mil milhões de euros em
salários e pensões na Administração Pública,
cerca de mil milhões de euros em Investimento Público e arrecadar
mais 800 milhões de euros em impostos sobre os trabalhadores (IRS) e
sobre as famílias (impostos sobre combustíveis +2,1%, sobre
veículos +5,8%, sobre tabaco +9,5%, sobre bebidas alcoólicas
+7,0% e sobre a circulação de veículos +23,2%).
27. O Governo apresenta com este OE um pacote de austeridade de 4 mil
milhões de euros embora a redução do défice
pretendida seja de 3 mil milhões de euros. A almofada de mil
milhões de euros visa pagar o acréscimo da despesa com PPP, que
sobe de 869milhões em 2013 para 1645 milhões de euros em 2014,
+776 milhões de euros e os acréscimos com os juros da
dívida (+135 milhões de euros). Vale a pena registar que o
acréscimo de despesa com as PPP é ligeiramente superior à
receita que o Governo quer arrecadar com a corte das pensões de 302 mil
aposentados da CGA (728 milhões de euros).
28. Este Orçamento de Estado para 2014 confirma que para este Governo
se gasta muito em salários e pensões na
Administração Pública e por isso quer cortar 2211
milhões de euros nestas despesas, que para este Governo se gasta muito
em Saúde e Educação com os portugueses e por isso quer
gastar menos 1 420 milhões de euros com estas áreas, se gasta
muito em abonos de família e por isso quer cortar 13,5 milhões de
euros nesta rubrica, se gasta muito no apoio aos idosos e por isso se corta 6,7
milhões de euros, se gasta muito com o rendimento social de
inserção e por isso se corta 10 milhões de euros. Mas este
Orçamento de Estado também confirma que com este Governo a banca
portuguesa está sempre garantida. Para 2014 o Orçamento de Estado
dá ao Governo autorização para garantir emissões de
dívida realizadas pelas instituições de crédito no
montante de 24 670 milhões de euros, mais 2,28% do que foi
disponibilizado em 2013 (+550 milhões de euros). Neste momento o stock
da dívida garantida pelo Estado à banca é já de 14
475 milhões de euros. O BES tem garantida pelo Estado a dívida
que emitiu de 4 750 milhões de euros, a CGD 4 600 milhões de
euros, o BCP 4 250 milhões de euros, enquanto o BANIF tem garantidos 875
milhões de euros de dívida que emitiu.
29. Apesar de desde a assinatura do pacto de agressão terem sido
aprovadas por este governo nos últimos 3 anos mais de 20 mil
milhões de euros de medidas de austeridade, cortes nos salários e
pensões, cortes na saúde, na educação, nas despesas
com prestações sociais (do subsídio de desemprego, ao
abono de família, ao complemento solidário para idosos, ao
rendimento social de inserção, ao subsídio de
doença, à acção social) e aumento da carga fiscal
sobre trabalhadores (IRS) e famílias (IVA), aumento das taxas
moderadoras e dos descontos para a ADSE, a verdade é que descontando as
receitas extraordinárias resultantes do fundos de pensões, o
défice orçamental pouco deverá cair entre o final de 2010
e 2014.
30. Depois de em 2013 termos tido um Orçamento de Estado marcado por um
brutal aumento de impostos, em particular o IRS, em 2014 o Orçamento de
Estado será marcado por um brutal ataque aos trabalhadores e aposentados
da Administração Pública, com cortes significativos nos
salários e pensões e com uma grande instabilidade nas
condições de trabalho e no emprego.
31. Como disse o
Octávio Teixeira numa crónica na rádio esta semana
, este Orçamento é brutal, estúpido e
mentiroso. Brutal pelo que atrás referi, estúpido porque vai
levar a que economia se continue a afundar e mentiroso porque não vai
baixar o défice e a dívida e ao contrário do que disse o
Primeiro-Ministro a penalização dos funcionários
públicos não é igual à de 2012, porque junta ao
corte de 2012 o enorme aumento de impostos de 2013.
32. Por fim e para já umas breves notas sobre o cenário
macroeconómico subjacente a este Orçamento de Estado para 2014.
Este à imagem dos de anos anteriores tem todas as
condições para não ter qualquer aderência à
realidade. Entusiasmado pela melhoria conjuntural dos indicadores
macroeconómicos nos últimos meses o Governo avança com a
previsão de um crescimento do PIB em 2014 de 0,8% e com o consumo das
famílias, o investimento e as exportações também a
crescerem. Com a aprovação deste pacote de austeridade com quase
toda a certeza o nosso país em 2014 vai manter-se em recessão,
tendo em conta o efeito recessivo que este pacote de medidas tem sobre o
consumo e o investimento.
CAE, 19/Outubro/2013
[*]
Economista, deputado do PCP.
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