As afirmações do ministro das Finanças sobre a Segurança Social são irresponsáveis, alarmantes e não verdadeiras

por Eugénio Rosa [*]

RESUMO DESTE ESTUDO

O ministro das Finanças afirmou no Programa Prós e Contras, que se transformou num programa de pensamento único devido ao monolitismo com que são escolhidos os participantes, que daqui a 10 anos, portanto em 2015, poderia já não haver dinheiro para pagar as pensões. Esta afirmação, para além de ser irresponsável e alarmista, não corresponde à verdade. Ela só poderá ter como objectivo a preparação da opinião pública para medidas que o governo tenciona tomar agora contra os trabalhadores do sector privado e promove, objectivamente, os fundos de pensões privados porque gera medo e falta de confiança na Segurança Social pública.

A Segurança Social está a suportar as consequências da estagnação económica prolongada devido à política do governo centrada na redução do défice, e não no crescimento económico e no aumento do emprego. Devido ao elevado número de desempregados – 550.000 – prevê-se que a Segurança Social, em 2006, tenha despesas superiores a 1.800 milhões com subsídios de desemprego e perca receitas de contribuições avaliadas em mais de 2.200 milhões de euros. Apesar de tudo isto, em 2006, de acordo com o Orçamento que foi aprovado pela Assembleia da República, a Segurança Social não terá qualquer défice. Se a política do governo mudar, e a economia e o emprego aumentarem situação melhorará significativamente.

Para além disso, a Segurança Social tem um fundo de reserva, chamada Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que tem mais de 5.000 milhões de euros (1.000 milhões de contos), para fazer face a qualquer dificuldade. Esta reserva, por um lado, garante que curto prazo a Segurança Social não terá problemas e, por outro lado, dá tempo suficiente para que possam ser tomadas medidas que assegurem a sustentabilidade financeira da Segurança Social a médio e longo prazo.

Um dos argumentos utilizados pelo ministro das Finanças é o envelhecimento da população, que está a determinar que o número de activos por reformado diminua. No entanto, o ministro esqueceu-se, por ignorância ou intencionalmente, que um trabalhador neste momento produz muito mais riqueza que no passado. Por ex., entre 1975 e 2004, o número de activos por pensionista baixou de 3,78 para 1,63, portanto diminuiu 2,3 vezes, mas a riqueza criada por trabalhador aumentou 41 vezes.

Por outro lado, se o governo afectasse mais meios ao combate à evasão e à fraude, as receitas da Segurança Social aumentariam muito. Basta dizer o seguinte: em 2005, a recuperação das dividas atingiu 200 milhões de euros segundo o governo. Apesar disto as dívidas à Segurança Social aumentaram, nesse mesmo ano, em 500 milhões de euros, portanto mais do dobro, e o valor recuperado representa apenas um décimo da receita que a Segurança Social perdeu nesse mesmo ano devido à evasão à fraude, a isenções e a taxas reduzidas.

É necessário também alterar o sistema de cálculo das contribuições para a Segurança Social. Estas são calculadas com base nas remunerações que representam apenas 40% da riqueza criada pelas empresas. Se as contribuições das empresas passassem a ser calculadas com base na totalidade da riqueza criada pelas empresas, alargar-se-ia a base de cálculo, podia-se reduzir a taxa de contribuição das empresas para cerca de metade, acabar-se-ia com a concorrência desleal entre as empresas, e garantir-se-ia a médio e a longo prazo a sustentabilidade financeira da Segurança Social.

De acordo com a União Europeia (Eurostat), as despesas com pensões em Portugal (11,9% do PIB) são inferiores à média da U.E. (12,6% do PIB). Para além disso, o valor das pensões em Portugal é muito baixo. Em 2006, cerca de 1.100.000 reformados vão receber pensões inferiores a 300 euros, que é o limiar da pobreza; a pensão média do Regime Geral também em 2006, que abrange mais de 2.100.000 reformados é a seguinte: velhice apenas 480 euros; invalidez 320 euros e a de sobrevivência 180 euros. E é para a redução destas prestações, já tão baixas, que o ministro das Finanças deste governo pretendeu preparar a opinião pública.

Mais uma vez o programa Prós e Contras da televisão pública do dia 9 de Janeiro prestou um mau serviço de informação ao País. Como habitualmente tem acontecido, seleccionou um conjunto de participantes que tinham mais ou menos a mesma opinião [1] , que previamente era a única que se queria transmitir. Mesmo a nível sindical escolheu-se um sindicato que representa menos de 10.000 trabalhadores, em substituição dos grandes sindicatos da função pública que representam a maioria dos 750.000 trabalhadores da Administração Pública.

Nesse programa, o sr. ministro das Finanças, aproveitando esse espaço público e não havendo ninguém para o contradizer, e manipulando dados sobre a Segurança Social procurou criar a ideia nos portugueses que daqui a 10 anos, portanto em 2015, já não haveria dinheiro para pagar as pensões de reforma. Esta afirmação, para além de ser irresponsável e alarmista, não corresponde à verdade, revelando uma grande ignorância intencional ou real da Segurança Social, tendo como objectivo claro, tal como sucedeu em relação à segurança social dos trabalhadores da Administração Pública, justificar medidas que o governo está a preparar, agora contra os trabalhadores das empresas privadas, cujas prestações que recebem da Segurança Social são já das mais baixas da União Europeia.

É FALSO QUE ESTEJA EM PERIGO O PAGAMENTO DAS PENSÕES DE REFORMA

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que é uma reserva que tem a Segurança Social , já ultrapassa os 5.000 milhões de euros, ou seja, mais de 1.000 milhões de contos. Mesmo na situação de grave crise que o País está mergulhado, consequência também da política de obsessão do défice, o défice da Segurança Social em 2005 foi reduzido e, de acordo com o Orçamento da Segurança Social para 2006 apresentado pelo governo e aprovado pela Assembleia da República, prevê-se este ano um défice nulo. Portanto, o fundo de reserva que a Segurança Social tem é mais que suficiente para se ter tempo para implementar medidas visando garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social a médio e a longo prazo, porque a curto prazo ela não está certamente em perigo como o ministro pretendeu fazer crer. O alarmismo que o governo está a pretender criar com declarações como as feitas pelo ministro das Finanças visa sobretudo justificar medidas do mesmo tipo que o governo tomou contra os trabalhadores da Administração Pública, agora contra os trabalhadores das empresas privadas, e promover os fundos de pensões privados na medida em que gera em muitos portugueses o medo, de quando se reformarem, não haverá dinheiro para pagar as suas pensões.

A SITUAÇÃO CONJUNTURAL DIFÍCIL DA SEGURANÇA SOCIAL RESULTA DA CRISE ECONÓMICA, QUE É AGRAVADA PELA POLÍTICA DO GOVERNO DE OBSESSÃO COM O DÉFICE

Os dados do quadro I mostram as consequências para a Segurança Social da estagnação económica que atingiu Portugal, que está a ser agravada pela politica do governo centrada na obsessão do défice.

Tabela 1.

Entre 1996 e 2000, portanto em cinco anos, a despesa com o pagamento de subsídios de desemprego aumentou 15,1%, enquanto nos cinco anos seguintes (2001/2005) cresceu 106,9% . Pelo contrário, durante o primeiro período (1996/2000) as receitas da Segurança Social que têm como origem as "Contribuições" pagas pelas empresas e pelos trabalhadores cresceram 43,7%, enquanto no segundo período (2001/2005) aumentaram apenas 12,4%.

É evidente que a quebra no crescimento destas receitas e o aumento rápido das despesas com o pagamento de subsídios de desemprego é uma consequência da grave crise económica e social que enfrenta neste momento o país, determinada também pela política governamental centrada na obsessão do défice.

Bastaria que o aumento em percentagem das despesas com o pagamento de subsídios de desemprego entre 2001-2005, tivesse sido semelhante ao verificado no período anterior (1996-2000), ou seja, em 15,1%, então em 2005, por ex., a despesa com o pagamento do subsidio de desemprego teria sido inferior em 800 milhões de euros, ou seja, teria havido um saldo positivo que seria suficiente para cumprir a Lei de Bases da Segurança Social relativamente à transferências para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que não tem sido respeitada pelo governo, nomeadamente pelo governo de Sócrates.

ENTRE 1975 E 2004, O NÚMERO DE ACTIVOS POR PENSIONISTA DIMINUIU 2,5 VEZES MAS A RIQUEZA CRIADA POR CADA TRABALHADOR AUMENTOU 41 VEZES

Um dos argumentos mais uma vez utilizados pelo sr. ministro das Finanças para criar o alarmismo, é a diminuição dos número de activos por pensionista.

No entanto, por esquecimento propositado ou por ignorância, não se refere que o aumento da riqueza criada por empregado tem sido muito maior que a diminuição do número de activos por pensionista. Os dados do quadro seguinte provam isso cabalmente.

Tabela 1.

Entre 1953 e 2004, a riqueza criada por trabalhador cresceu 281 vezes e a remuneração por trabalhador aumentou apenas 245 vezes. Mas como os valores base de 1953 são muito diferentes – em 1953 o valor do PIB por empregado é mais do dobro do valor da remuneração por empregado – o resultado final em 2004 apresenta diferenças maiores que a simples comparação dos números apresentados anteriormente (281/245) permite concluir. Efectivamente, se analisarmos as diferenças em euros, entre 1953 e 2004, concluímos que em relação ao PIB por empregado é de 26.239 euros enquanto relativamente às remunerações por empregado é de 10.475 euros, ou seja, menos de metade.

De acordo com o Anuário da Segurança Social e as Estatísticas da Segurança Social, entre 1975 e 2004, o número de activos por pensionista baixou de 3,78 para 1,63, portanto diminuiu 2,3 vezes. No entanto, durante o mesmo período (1975/2004), o PIB por empregado, ou seja, a riqueza criada por empregado aumentou 41 vezes, pois passou de 641 euros para 26.332 euros como mostram os dados do quadro anterior.

AS LIMITAÇÕES DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO DA SEGURANÇA SOCIAL EM PORTUGAL

O actual sistema de financiamento do Regime Geral da Segurança Social, chamado também subsistema Previdencial, que abrange os trabalhadores por conta de outrem assenta fundamentalmente em quotizações dos trabalhadores e nas contribuições das empresas calculadas com base nas remunerações pagas.

É um sistema cuja concepção e implementação foi realizada há mais de 50 anos, quando a realidade das empresas, da economia e da sociedade eram muito distintas das actuais. É um sistema que assenta no principio, que se adequava à realidade da altura, que as empresas que criavam mais riqueza eram aquelas que tinham mais empregados, ou seja, empresas de trabalho intensivo, existindo uma correlação positiva entre riqueza criada e número de trabalhadores empregados.

A realidade actual é muito diferente, pois agora são fundamentalmente as empresas de capital e conhecimento intensivo as que criam mais riqueza, não se verificando, tal como sucedia no passado, uma correlação positiva entre riqueza criada e número de trabalhadores empregados, mas sim entre riqueza criada e intensidade de conhecimento e investimento utilizado.

Esta alteração profunda na estrutura produtiva das empresas e nas sociedades modernas está a determinar que o valor da riqueza criada esteja a aumentar mesmo em Portugal muito mais rapidamente do que o valor das remunerações, o que é agravado pelo aumento da desigualdade na repartição da riqueza produzida, como mostram os dados do quadro seguinte.

Tabela 1.

Entre 1953 e 2004, o valor da riqueza criada, medida pelo PIBpm, cresceu 459 vezes, enquanto o valor das remunerações aumentou 400 vezes. Mas como em 1953, o valor do PIB era mais do dobro do dobro do valor dos "ordenados e salários", a diferença no resultado final é muito maior do que aquela que se fica com a simples análise dos dois valores anteriormente apresentados (459 e 400 vezes). Basta dizer que em milhões de euros, entre 1953 e 2004, a riqueza produzida cresceu 134.893 milhões de euros, enquanto as remunerações aumentaram apenas 53.861 milhões de euros, ou seja, 2,5 vezes menos.

Como as contribuições patronais para a segurança social são calculadas com base nas remunerações, e como estas estão a crescer a um ritmo inferior ao aumento da riqueza, é evidente que a base de cálculo das contribuições das empresas está-se a estreitar, sendo uma percentagem cada vez mais pequena da riqueza criada, o que determina que o financiamento da segurança social assente em tal fórmula de cálculo esteja-se a esgotar, criando dificuldades crescentes à sustentabilidade financeira da Segurança Social.

OS ENCARGOS DAS EMPRESAS COM A SEGURANÇA SOCIAL NÃO SÃO A CAUSA DA BAIXA COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS PORTUGUESAS

Um dos ataques mais frequentes em Portugal contra a Segurança Social pública é que as contribuições pagas pelas empresas são exageradamente elevadas no nosso País quando a compararmos com a média da União Europeia. O quadro seguinte, construído com dados publicados pelo Eurostat em 2005, prova que isso também não corresponde à verdade.

Tabela 1.

Os dados do quadro anterior mostram que o peso das contribuições e cotizações, medido em percentagem do PIB, está em Portugal entre 1,7 pontos percentuais (UE25) e 3,3 pontos percentuais (Zona euro) abaixo da média dos países da União Europeia; portanto, não tem qualquer fundamento técnico a afirmação que a baixa competitividades das empresas portuguesas se deve aos elevados encargos que têm com a Segurança Social dos seus trabalhadores.

VI – ALGUMAS PROPOSTAS PARA GARANTIR A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL

Embora não seja previsível que a Segurança Social enfrente, a curto prazo, um problema grave de sustentabilidade financeira, o certo é que são necessárias medidas também do lado da receita (o neoliberalismo defende que seja fundamentalmente do lado da despesa, o que se traduziria inevitavelmente pela redução das já baixas prestações pagas) que devem ser implementadas rapidamente, de forma a garantir a sua sustentabilidade financeira a médio e a longo prazo.

E as medidas necessárias não se reduzem apenas a uma medida milagrosa, mas são indispensáveis um conjunto de medidas que terão de convergir para o mesmo objectivo que é garantir a sua sustentabilidade financeira.

E como contributo para esse debate e definição apresentam-se algumas que são, a nosso ver, importantes. No entanto, é preciso já dizer que não esgotam esta matéria que é complexa e que deverá ser tratada com cuidado e profundidade, e não com a ligeireza como o pensamento dominante neoliberal trata habitualmente.

1- Tornar o Orçamento e as Contas da Segurança Social transparentes

Uma situação que dificulta a elaboração de soluções consistentes para os problemas que enfrenta a Segurança Social é precisamente a falta de transparência quer do Orçamento da Segurança Social quer das Contas da Segurança Social que são normalmente apresentadas com atraso. Para além disso, a informação sobre a Segurança Social é escassa. Por ex., desde 1998 que deixou de ser publicado o Anuário Estatístico da Segurança Social, tendo sido substituído pelas "Estatísticas da Segurança Social " que não contém grande parte da informação que era publicada no Anuário.

A análise do Orçamento e das Contas da Segurança Social apresentadas pelo governo não permite identificar com precisão quais as receitas e as despesas de cada regime e, em cada regime, as despesas com as diferentes prestações, sendo por isso impossível calcular o défice de cada regime para assim se poder definir medidas adequadas. Só muito a custo é que a nível da Assembleia da República o governo tem fornecido alguns dados complementares, e mesmo estes sem qualquer histórico o que impede que se faça uma análise que ultrapasse um ano.

De acordo com a Lei de Bases da Segurança Social os vários subsistemas devem ser financiados de forma diferente. No entanto, devido à falta de dados e de transparência do Orçamento e das Contas da Segurança Social é impossível saber se as transferências do OE são suficientes, e se o Regime Geral da Segurança Social continua ou não a financiar despesas que não devia fazer, tal como sucedeu no passado. Por ex., embora se saiba que o chamado regime dos independentes, que abrange quase um milhões de beneficiários, seja deficitário, no entanto nenhum governo apresentou dados consistentes sobre tal défice.

Assim, é urgente tornar transparente o Orçamento e as Contas da Segurança Social para que possa haver um debate profundo e fundamentado sobre a Segurança Social, e o seu controlo efectivo pelos trabalhadores e beneficiários, como estabelece a Constituição da República.

2- Aumentar significativamente a eficácia do combate à evasão e à fraude no pagamento das contribuições e quotizações à Segurança Social.

De acordo com informações dadas na Assembleia da República, aquando do debate do Orçamento do Estado para 2006, o governo prevê que em 2005 sejam recuperados 200 milhões de euros de dividas como consequência do combate à evasão e fraude. E o objectivo do governo para 2006 é atingir 250 milhões de euros.

Embora estes números sejam utilizados para insuflar a campanha mediática, a realidade é já outra quando o compararmos os resultados daquele combate com a dimensão da divida declarada e com o seu ritmo de crescimento.

De acordo com informação obtida em resposta a um requerimento que fizemos na Assembleia da República ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, no final de 2004 a divida declarada à Segurança Social atingia 2.978 milhões e, em Novembro de 2005, a divida já somava 3.400 milhões de euros segundo declarações prestadas pelo ministro do Trabalho na Assembleia da República; portanto, a divida declarada continua a crescer a um ritmo significativo, pois em menos de um ano a divida declarada (não inclui tudo aquilo que não é declarado e que certamente é maior) aumentou quase 500 milhões de euros, ou seja, mais do dobro do valor recuperado que foi apenas 200 milhões de euros.

Por outro lado, se retirarmos ao valor de "Ordenados e Salários" referente a 2004, que consta do quadro I, as remunerações da Administração Pública, cujos "descontos" vão para a CGA, e as remunerações dos trabalhadores bancários, cuja maioria dos "descontos" vão para os Fundos de Pensões dos Bancários, e se multiplicarmos o valor obtido pela Taxa Social Única que é 34,75% (11% dizem respeito à quotização dos trabalhadores para a Segurança Social e 23,75% referem-se às contribuições das empresas) obtemos 12.640,6 milhões de euros, que constitui o valor das contribuições potenciais da Segurança Social em 2004, ou seja, o valor que a Segurança Social devia receber se não existisse evasão e fraude, isenções, múltiplas taxas diferentes, etc.

Se compararmos este valor – 12.640,6 milhões de euros – com aquilo que a Segurança Social conseguiu cobrar em 2004, e que somou 10.429 milhões de euros, como consta do quadro I, conclui-se que a receita potencial não cobrada pela Segurança Social atingiu em 2004, portanto apenas num ano, a elevada importância de 2.211,6 milhões de euros, ou seja, dez vezes mais do que aquilo que o governo conseguiu recuperar em 2005 com o combate à fraude e evasão no pagamento das contribuições para a Segurança Social.

Face a estes números, torna-se evidente que é urgente afectar mais meios a este combate para que ele se torne verdadeiramente eficaz, já que ele é também muito importante para garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social.

3- Acabar com a multiplicidade de taxas e de isenções que fazem perder elevadas receitas à Segurança Social

Contrariamente ao que muitas vezes se pensa, na Segurança Social não existe apenas a chamada Taxa Social Única (TSU), mas sim uma multiplicidade de taxas todas elas inferiores à TSU do Regime Geral da Segurança Social, o que faz a Segurança Social perder elevados montantes de receitas, associadas à situação de que os grupos que pagam aquelas taxas têm direito às mesmas prestações, nomeadamente as mais importantes, que têm os que pagam taxas mais elevadas.

Para além disso, vários grupos profissionais não fazem os seus descontos sobre a totalidades dos rendimentos que auferem, mas sim sobre rendimentos ficticios que fixam arbitrariamente.

Finalmente, há ainda casos em que a totalidade ou parte dos rendimentos auferidos estão isentos do pagamento de contribuições para a Segurança Social.

Tudo isto mantém-se há já muitos anos, e é urgente por uma questão de equidade e de sustentabilidade financeira da Segurança Social que seja analisado profundamente e reformulada.

4- O Estado deve pagar a sua dívida ao Regime Geral da Segurança Social

Durante muitos anos, sucessivos governos utilizaram indevida ou mesmo ilegalmente dinheiros do Regime Geral para pagar despesas que não deviam ser suportadas por este regime, mas sim através de transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social, pois eram da responsabilidades de toda a sociedade (ex. as despesas do subsistema de solidariedade), e não apenas dos trabalhadores por conta de outrem que são abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social.

Este incumprimento reiterado por parte do Estado das suas obrigações estabelecidas no Decreto-Lei 461/75 e, mais tarde, a Lei 28/84 levou à descapitalização da Segurança Social (pág. 246, do Livro Branco da Segurança Social).

De acordo com a Comissão do Livro Branco da Segurança Social, a divida do Estado calculada tendo como base o ano de 1975 (ano de publicação do DL 461/75) atingia em 1996, a preços deste ano, cerca de 7.300 milhões de contos, valor este que era defendido pelo chamado grupo minoritário da Comissão do Livro Branco da Segurança Social como a divida do Estado ao Regime Geral da Segurança Social. Se o cálculo da divida for feito a partir da publicação da Lei 28/84, ou seja, só a partir de 1984, então chega-se a um valor de divida em 1996 de 1.206 milhões de contos (valor defendido pelo grupo maioritário da Comissão).

Se actualizarmos aqueles valores que estão a preços de 1996 para 2005, utilizando a taxa de inflação acumulada registada no período 1996-2005, conclui-se que o valor de 7.300 milhões contos correspondem, em 2005, a cerca de 9.782 milhões de contos, e o valor de 1.206 milhões de contos correspondem, em 2005, a cerca de 1.374,8 milhões de contos, ou seja, 6.857 milhões de euros, portanto mais do que existe neste momento no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

O pagamento gradual pelo Estado mesmo dos 6.857 milhões de euros, que é uma divida do Estado que resulta da utilização ilegal dos dinheiros do Regime Geral da Segurança Social para pagar despesas cuja responsabilidade não competia a este regime, contribuiria certamente para reforçar a sustentabilidade financeira da Segurança Social..

5- Alterar o actual sistema de cálculos da contribuições das empresas para a Segurança Social, passando a serem calculadas com base no VAB

O sistema de cálculo de contribuições das empresas para a Segurança Social está claramente desajustado, devido às profundas alterações que se verificaram nestes últimos 50 anos, consequência do rápido desenvolvimento técnico e cientifico.

Como se mostrou neste estudo, a base de cálculo das contribuições terá de passar a ser toda a riqueza criada pela empresa, e não apenas uma parte dela - o valor dos salários - como é actualmente. E isto porque a actual formula de cálculo agrava a desigualdades entre empresas, na medida que determina um desajustamento entre valor da riqueza criada por cada empresa e dimensão da sua contribuição para a Segurança Social e tende para o esgotamento criando problemas de sustentabilidade financeira à Segurança Social.

O indicador técnico para calcular a riqueza criada por uma empresa é normalmente o VAB (Valor Acrescentado Bruto)

O quadro seguinte com os valores do VAB por empregado das empresas repartidas pela sua dimensão mostra a necessidade desta actualização.

Tabela 1.

Como revelam os dados do quadro, quanto maior é a dimensão da empresa menor é a contribuição, em percentagem de riqueza criada, ou seja, do VAB para a Segurança Social. Por ex., as empresas com 20 a 99 trabalhadores contribuíam para a Segurança Social com 12,1% da riqueza que criavam e as empresas com 100 ou mais trabalhadores contribuíam com apenas 10% do VAB, criando assim uma situação de desigualdades entre as empresas (a diferença é de 2,1 pontos percentuais, ou seja, as empresas do primeiro grupo contribuem para a Segurança Social com mais 21% do VAB do que as do segundo grupo). E por falta de dados não se conseguiu repartir as empresas em "empresas de trabalho intensivo" e em "empresas de capital e conhecimento intensivo", pois tal repartição revelaria certamente diferenças muito maiores.

Assim, o cálculo das contribuições para a Segurança Social com base no VAB permitiria eliminar a desigualdade de tratamento que actualmente existe entre as diferentes empresas, reduzindo a concorrência desleal que se verifica neste campo. E isto porque todas as empresas contribuiriam para a Segurança Social com a mesma percentagem do VAB.

Para além disso, tendo como base toda a riqueza criada pela empresa e não apenas uma parte dela, como sucede actualmente, permitiria aplicar taxas de contribuição mais baixas e mais equitativas evitando também os problemas com efeitos na sustentabilidade financeira da Segurança Social, como está actualmente a suceder com as contribuições das empresas calculadas apenas com base nas remunerações, portanto a base de incidência alagar-se-ia. Estimamos que bastaria uma taxa de 11% sobre o VAB das empresas para substituir a taxa de 23,75% que incide actualmente sobre as remunerações.

A substituição da formula de cálculo das contribuições das empresas com base nas remunerações pela formula de cálculo com base na riqueza criada, ou seja, com base no VAB, teria outra vantagem, a saber: as receitas da Segurança Social ficariam menos dependentes das flutuações do desemprego, pois muitas vezes com o aumento do desemprego as remunerações pagas pelas empresas diminuem, mas não se reduz a riqueza criada.

Finalmente, a introdução desta nova forma de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social devia ser acompanhada por uma norma de segurança a fim de garantir um fluxo financeiro certo à Segurança Social, que asseguraria que a sua estabilidade financeira nunca seria posto em causa. E essa norma de segurança seria a seguinte: as contribuições a serem pagas mensalmente pelas empresas seriam calculadas com base nas remunerações, como sucede actualmente, fazendo-se o acerto no fim do ano com base no VAB, mas com a garantia de que as contribuições das empresas não podiam seres inferiores às que se obtém com base nas remunerações. E isto pelo menos, enquanto não se testasse o novo sistema. Desta forma, ficaria garantida a estabilidade financeira da Segurança Social, que é uma questão central em todo o processo de modernização do seu sistema de financiamento.

O grupo parlamentar do PCP já entregou na Assembleia da República uma proposta de lei que visa substituir o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base nos salários por um outro sistema com base na riqueza criada pelas empresas, ou seja, no VAB. O governo e o PS tem-se sempre recusado a debater essa proposta, que é uma medida estrutural visando garantir a sustentabilidade financeira da segurança social a médio e a longo prazo. Fica assim claro que o governo não está interessado em implementar medidas que visem garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social a médio e a longo prazo.

5- Um imposto extraordinário para financiar o Fundo de Estabilização Financeiro da Segurança Social (FEFSS)

De acordo com o artº 111 da Lei 32/2002, a Lei de Bases da Segurança Social, o Fundo de Estabilização Financeiro da Segurança Social (FEFSS) é financiado fundamentalmente com os "descontos" feitos nos salários dos trabalhadores, pois segundo o nº1 deste artigo "reverte para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social uma parcela entre dois e quatro pontos percentuais do valor percentual correspondente às quotizações dos trabalhadores por conta de outrem". No entanto, alegando dificuldades financeiras da Segurança Social, tanto o governo anterior como o actual não têm cumprido esta disposição da Lei de Bases da Segurança Social.

O reforço deste Fundo é essencial para garantir também a sustentabilidade e a estabilidade financeira da Segurança Social e a segurança no pagamento das pensões, e não deveria ser apenas financiado pelos trabalhadores por conta de outrem, como sucede actualmente.

Uma forma de financiar o FEFSS seria aplicar uma taxa fixa, por ex. de 1% a 2%, que incidiria sobre a parcela dos rendimentos que estão actualmente isentos do pagamento do imposto ou então sujeitos a uma taxa muito inferior à normal (exs.: rendimentos de dividendos de acções de empresas que foram privatizadas que estão sujeitos neste momento apenas em 50% a pagamento de IRS ou IRC de acordo com o artº 59 do EBF e que fará o Estado perder em 2006 cerca de 20 milhões de euros de receitas fiscais; mais valias excluídas do pagamento de IRS nos termos do nº 2 do artº 10º do CIRS; rendimentos dos fundos de pensões isentos do pagamento de IRC nos termos do artº 14 do EBF; rendimentos dos fundos de investimento mobiliário isentos nos termos da alínea c), do nº3 do artº 22 do EBF; mais valias extraordinárias obtidas pela venda de propriedades resultantes de infra-estruturas realizadas por entidades públicas, de que é exemplo o que acontecerá se o aeroporto da OTA for construído; parcela dos lucros das empresas que não paga IRC devido ao reporte de prejuízos de anos anteriores; lucros obtidos no offshore da Madeira e Porto Santo que estão apenas sujeitos à taxa de IRC de 2%, o que fará o Estado perder em 2006 uma receita fiscal avaliada em 1.200 milhões de euros, etc).

O RELATÓRIO DO GOVERNO SOBRE A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL É PARCIAL E DE DUVIDOSA CONSISTÊNCIA TÉCNICA

O governo apresentou um chamado Relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social que acompanhou a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2006. Mas quem leia na totalidade esse relatório conclui imediatamente que ele aborda o problema da sustentabilidade apenas do lado da despesa, e mesmo esta de uma forma muito discutível, ignorando o lado da receita, da forma como aqui fizemos. E isto apesar de o artº 107 da Lei 32/2002, a Lei de Bases da Segurança Social, estabelecer que um objectivo da politica neste sector deve visar a diversificação e naturalmente a actualização das fontes de financiamento. O governo esquece deliberadamente essa sua obrigação. E o objectivo é claro: fabricar razões para atacar os direitos dos trabalhadores neste campo que são dos mais baixos da União Europeia.

O Relatório apresentado pelo governo baseia-se em previsões a médio e longo prazo (até 2050). Para se ter uma ideia do nível de consistência deste tipo de previsões, basta lembrar que nem o governo nem o Banco de Portugal conseguem acertar sobre previsões para um período de um ano ou dois sobre a taxa de crescimento económico, exportações, consumo interno, investimento, etc, do País, pois quase todos os meses apresentam novas previsões, diferentes das anteriores, e em baixa. Basta recordar o folhetim ridículo das previsões do Banco de Portugal e do governo relativamente aos anos de 2005 e 2006, que quase todos os meses se corrigem um ao outro.

10/Janeiro/2006

[1] Eram eles: Fernando Teixeira dos Santos (ministro das Finanças), Carlos Moreira Silva, Miguel Beleza, Alberto Castro e Bettencourt Picanço.

[*] Economista, edr@mail.telepac.pt


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
12/Jan/06