Sobre a proposta de reforma do IRC
por CGTP-IN
No final de Julho, a Comissão de Reforma do IRC apresentou o seu
relatório final, onde constam alterações profundas ao
regime de tributação das empresas e dos rendimentos de capital.
A reforma do IRC foi anunciada como imprescindível à
competitividade do tecido empresarial português, para o desenvolvimento
económico e para a criação de emprego. No fundamental, a
reforma foi concebida com vista à redução dos impostos
pagos em sede de IRC, à diminuição das
obrigações fiscais das empresas, e a reposicionar Portugal como
"um país exportador de capitais", como consta no
próprio relatório. Resumindo: um país com baixa
produção, mas de muitos serviços, sobretudo financeiros,
onde os capitais estrangeiros e nacionais podem circular livres de impostos.
I. Observacões na generalidade
A reforma do IRC no quadro de uma política de austeridade
O ante-projecto de Reforma do IRC surge num contexto em que o Governo defende o
corte de salários, de pensões e de prestações como
o caminho inevitável para o equilíbrio das finanças
públicas e para o crescimento económico, sob o falso argumento de
que as receitas do Estado não são suficientes para pagar as
funções sociais que temos. No entanto, as propostas implicam
elevadas perdas fiscais para o Estado.
A descida da tributação das empresas proposta levanta assim uma
questão fundamental: a de saber como será compensada a perda de
receita fiscal e a quem será apresentada esta factura. A resposta
é previsível: aos mesmos de sempre, aos trabalhadores e aos
pensionistas, aos que menos têm e menos podem, ao mesmo tempo que os
lucros das grandes empresas e grupos económicos e financeiros aumentam
exponencialmente.
A política de austeridade agravou já a injustiça na
repartição social da tributação, penalizando os
assalariados e os reformados. Por exemplo, o brutal aumento do IRS em 2013
tornou mais desequilibrada a relação entre a
tributação por via do IRS e a relativa ao IRC (Gráfico 1).
Com esta proposta, a relação tornar-se-ia ainda mais
desequilibrada e injusta.
Taxas nominais e taxas efectivas de imposto
A CGTP-IN considera que a opinião pública não tem sido
devidamente informada sobre as taxas de imposto pagas pelas empresas. A
Comissão sublinha a taxa nominal máxima de IRC de 31,5%, que diz
ser das mais elevadas na Europa. Omite, no entanto, que está a incluir a
derrama estadual, que se aplica somente a empresas com lucros superiores a 1,5
milhões de euros, a qual só é paga por 0,5% das empresas
(Anexo 1).
Mais importante, porém, são as taxas efectivamente pagas pelas
empresas. Os dados mais recentes (2011) mostram um quadro bem diferente do
apresentado pela Comissão: uma taxa efectiva de 17%
[1]
, a qual é mais elevada (22%) nas empresas de menor dimensão
[2]
que nas grandes empresas (15%).
|
Taxas de IRC em 2011
|
%
|
|
Taxa nominal máxima
|
31,5
|
|
Taxa nominal máxima (sem derrama)
|
25
|
|
Taxa efectiva
|
17
|
|
Facturação acima de 250 milhões
|
15
|
|
Facturação até 1 milhão [*]
|
21,7
|
Fonte: AT
[*] média simples dos três primeiros escalões de volume de
negócios
Elevada perda de receita do Estado e erosão da base fiscal
No global, a Comissão avalia que a partir do momento da total
aplicação da reforma de IRC (2018) se verifique uma perda anual
de receita até 1 423 milhões de euros
[3]
. No entanto, a perda de receitas fiscais pode atingir valores muito
superiores, uma vez que a Comissão não avaliou o impacto de
várias medidas e subvalorizou outras.
O traço principal desta proposta de reforma é a imediata descida
da tributação sobre as empresas. Não só as taxas de
IRC serão directamente reduzidas, como estão previstas outras
medidas, que podem parecer de somenos mas que foram cuidadosamente pensadas,
que implicam um desagravamento fiscal das empresas. Aqui se incluem o
alargamento do período de reporte de prejuízos fiscais dos 5 para
os 15 anos; alterações ao regime de tributação de
grupos de sociedades, permitindo aumentar o número de empresas
abrangidas pelo regimes e com os seus eventuais prejuízos diminuir a
matéria colectável do grupo; isenção das mais e
menos valias, deduzindo-as ao lucro tributável, etc. etc.. No seu
conjunto, as propostas implicam uma erosão da base fiscal e consequente
perda de receitas do Estado.
Algumas destas propostas, e os objectivos que pretendem alcançar
vão inclusive em sentido contrário a algumas das
recomendações que a OCDE tem feito, em vários dos seus
documentos publicados
[4]
. Assim, orientações como a regulação mais apertada
para o regime de preços de transferência, uma maior e mais
alargada prestação de informação fiscal de forma a
aumentar a transparência e combater práticas fiscais prejudiciais,
limitar a erosão fiscal por via de sucessivas deduções
[5]
, entre outras, são contrariadas por várias das matérias
do relatório de reforma.
Um estudo recente
[6]
aponta para que, em 2011, tenham sido deslocados 2 500 milhões de euros
de lucros para a Holanda, onde os maiores grupos económicos portugueses
(19 grupos económicos num total dos 20 cotados no PSI-20) criaram
empresas "caixas de correio", sem qualquer actividade
económica. Não sendo este o valor da evasão fiscal em
Portugal, é um indicador do desvio de lucros do território onde
foram realizados, e um pré-requisito para a evasão, uma vez que
as empresas conseguem mais facilmente manipular as receitas e despesas fiscais,
reduzindo a base tributária que declaram à AT.
As propostas da Comissão estão muito longe de procurarem amenizar
o problema do desvio dos rendimentos de capital para outro país. Bem
pelo contrário, estabelece como objectivo que Portugal se aproxime de um
local de trânsito financeiro de capital, à semelhança da
Holanda, sem qualquer benefício para o país.
Por outro lado, o Governo não se tem cansado de repetir que são
necessários sacrifícios. Fica claro, uma vez mais, que os
sacrifícios não são para todos, considerando que a enorme
perda de receitas fiscais convive em simultâneo com o tão falado
corte de 4,7 mil milhões na despesa pública, ainda pendente sobre
o povo português.
O IRC e a competitividade
O tão propalado argumento de que a reforma é necessária
para fins de competitividade da economia portuguesa é falacioso. Como
veremos mais à frente (parte II), a esmagadora maioria das medidas
propostas beneficia apenas uma pequena parte das empresas: os grandes grupos
económicos, muitos deles estrangeiros, que representam menos de 1% do
total de empresas em Portugal, e apenas cerca de 30% do emprego
[7]
-, além de que não responde aos principais obstáculos
à actividade das empresas.
A visão da Comissão sobre a competitividade é redutora.
Esta não tem em conta que, para a maioria das empresas, o problema
fundamental reside na falta de consumo e deterioração das
perspectivas de venda
[8]
(gráfico 2); ignora a finalidade redistributiva dos impostos; esquece os
aspectos qualitativos da competitividade (qualidade dos produtos,
inovação, melhor justiça, diminuição da
burocracia, acesso ao crédito, etc.). E, no entanto, são nestes
aspectos qualitativos que as economias mais competitivas apostam.
O IRC e a atracção de investimento directo estrangeiro
Contrariando os argumentos usados no ante-projecto, verifica-se que o IRC
não é o motor de atracção do investimento directo
estrangeiro (IDE). Comparando as entradas de IDE (em % do PIB) com a taxa de
IRC, verifica-se não haver correlação entre ambas nos
países da OCDE
(gráfico 3), sendo que a muitos dos países apresenta IRC inferior
à média da OCDE mas níveis de IDE muito abaixo de Portugal
[9]
.
O interesse em atrair investimento directo estrangeiro (IDE) não
é algo de novo, nem estas medidas podem ser apresentadas como o
"grande passo" na atracção de investimento
transnacional. Nos últimos anos têm sido várias as
alterações às normas que regem a tributação
das entidades não-residentes nomeadamente concedendo um conjunto
largo de isenções fiscais, actualmente em vigor -, concedendo
ainda a possibilidade de empresas estrangeiras com grandes projectos de
investimento usufruam de benefícios fiscais negociados em acordos
específicos a cada uma dessas empresas.
Somam-se ainda vários incentivos financeiros e fiscais ao investimento,
dos quais também as empresas multinacionais podem usufruir. Em Junho
deste ano entrou em vigor o "super crédito fiscal ao
investimento", que permite que as grandes empresas atinjam taxas gerais
efectivas de 7,5%
[10]
, tendo ainda sido alteradas disposições do Regime Fiscal de
Apoio ao Investimento e dos Benefícios Fiscais ao Investimento de
Natureza Contratual, de forma a torná-los mais atractivos a grandes
investidores, nacionais e estrangeiros.
Uma vez que a maioria das alterações propostas no ante-projecto
são direccionadas aos rendimentos de carácter financeiro
(mais-valias, rendimentos de fundos de investimento, juros,
royalties,
etc.), e que a possibilidade de redução da taxa de IRC já
é atribuída por via do Pacote Fiscal ao Investimento 2013,
é seguro dizer que estas medidas não atrairão o
investimento necessário a Portugal: o investimento produtivo, criador de
emprego e riqueza e que impulsione o desenvolvimento económico.
Tão-pouco estas são propostas impulsionadoras da
criação de emprego. A Comissão de Reforma não
apresenta qualquer panorama concreto e quantificado de aumento do emprego,
não existindo qual garantia de que as empresas vão criar novos
postos de trabalho até porque a redução da base
fiscal de cada uma lhes é oferecida sem qualquer contrapartida.
A possibilidade de haver criação de emprego torna-se ainda menos
verosímil quando se verifica que as propostas não só
porque visam atrair e isentar rendimentos que não acrescentam riqueza ao
tecido produtivo português, como também visam promover a
internacionalização de empresas para fora do território
nacional o que não irá, obviamente, criar postos de
trabalho em Portugal. Conclusão que é corroborada pelo estudo
"Efeitos no investimento directo exterior sobre a Balança Comercial
Portuguesa, 1996-2007", onde consta que o investimento directo estrangeiro
de Portugal no estrangeiro é sobretudo de substituição (as
empresas deixam de produzir cá para passar a produzir no exterior), o
que conduz à "degradação do saldo da balança
comercial" e a não criação de novo emprego
[11]
.
A reforma proposta perverte os objectivos do sistema fiscal
De acordo com a Comissão, a política fiscal deixou de ter como
objectivo e função a promoção da equidade e a
redistribuição de rendimentos, para passar a funcionar como
instrumento de competitividade e, consequentemente, como fórmula
mágica para a imediata potenciação do crescimento
económico e da criação de emprego.
O argumento é claramente contrário aos objectivos da
justiça social e da repartição do rendimento que, de
acordo com a Constituição da República Portuguesa,
são a finalidade do sistema fiscal:
"O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades
financeiras do Estado e outras entidades
públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da
riqueza."
(Artigo 103º, nº1 da CRP)
Princípio igualmente plasmado no artigo 5º da Lei Geral
Tributária:
"1 A tributação visa a satisfação das
necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e
promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as
necessárias correcções das desigualdades na
distribuição da riqueza e do rendimento.
2 - A tributação respeita os princípios da generalidade,
da igualdade, da legalidade e da justiça material."
A elevada e crescente desigualdade na distribuição do rendimento
em Portugal reforça a necessidade de a política fiscal visar os
objectivos redistributivos patentes na CRP.
A Proposta apresenta-se desarticulada do restante sistema fiscal
A ante-projecto de Reforma apresenta-se desarticulada do restante sistema
fiscal, isolando este imposto específico o IRC e ignorando
por completo o seu relacionamento com outros impostos no quadro do sistema
fiscal português e consequentemente os efeitos e repercussões que
as alterações propostas poderão ter no próprio
sistema.
A política fiscal parece ficar resumida ao IRC, ignorando-se por
completo outros impostos, nomeadamente o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares, cujo brutal agravamento, a par da redução dos
salários, pensões e outras prestações sociais,
está a contribuir para esmagar os orçamentos familiares,
provocando a depressão da procura interna e a redução do
consumo; ou ainda o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), imposto indirecto
que onera o consumo, e em que o agravamento das taxas sobre bens essenciais
também tem contribuído para sobrecarregar o orçamento das
famílias; ou, finalmente, os aumentos em sede de IMI, que atendendo
à estrutura do nosso mercado habitacional baseado na propriedade das
casas de morada de família, contribui também para o
deterioração da situação económica e social.
II. Principais aspectos da proposta de Reforma do IRC
Diminuição da taxa do IRC
Partindo da taxa de IRC máxima, 31,5% (taxa nominal de 25% + derrama
municipal de 1,5% + taxa máxima de derrama estadual de 5%, para lucros
superiores a 7,5 M), a Comissão propõe uma
redução substancial da taxa de IRC e a eliminação
das derramas estadual e municipal.
A contextualização da proposta deixa de fora elementos
fundamentais. Em primeiro lugar, não refere que 44% das empresas
não paga IRC, tendo este número crescido progressivamente ao
longo dos anos. Mesmo quando acrescentamos as empresas que procedem ao
Pagamento Especial por Conta (PEC), verifica-se que 29% das empresas não
faz qualquer pagamento ao Estado. Em segundo lugar, o estudo não refere
que a taxa efectiva de IRC tem vindo a reduzirse, registando 17% em 2011
[12]
, com as maiores empresas a pagarem de taxa efectiva apenas 15%. Por
último, e sobre a derrama estadual, é importante clarificar que
esta só é paga por 0,5% das empresas, o que correspondes
àquelas que apresentam lucro tributável superior a 1,5
milhões de euros (taxa de 3% para lucros entre 1,5 e 7,5 milhões
de euros, e 5% se o lucro tributável for superior). Sendo o tecido
empresarial português composto sobretudo por micro e pequenas empresas, a
maioria fica excluída deste imposto (Anexo I).
É preciso ainda ter em conta que a derrama estadual foi introduzida em
sede de IRC em contraponto à sobretaxa adicional de IRS, ambas
justificadas pela situação de emergência económica e
financeira e pela necessidade de todos os contribuintes participarem no
esforço de equilíbrio das contas públicas; assim sendo,
quando se preconiza a eliminação da derrama estadual de IRC sobre
as empresas de maiores lucros, deveria preconizar-se em simultâneo a
eliminação da sobretaxa adicional de IRS.
A Comissão apresenta três cenários de redução
progressiva da taxa de IRC: 19%, 18% ou 17%. Em termos nominais, esta proposta
representa uma descida da taxa nominal entre 7,5 e 9,5 p.p. para as PMEs
[13]
e entre 12,5 e 14,5 p.p. para as grandes empresas. Acresce que todas as
alterações propostas ao nível das deduções e
benefícios fiscais são para reduzir o rendimento
colectável, o que significa que a taxa efectiva de IRC continuará
a ser muito inferior à taxa nominal. Com claros benefícios
às grandes empresas e grupos económicos, que já hoje
são tributadas a taxas efectivas muito inferiores ao estabelecido na lei
(15% contra a taxa nominal de 25%, dados de 2011).
Assumindo uma descida da taxa de IRC para 19% em 2018, a Comissão
prevê a diminuição das receitas fiscais em cerca de 220
milhões de euros já no próximo ano, cumprindo-se a
primeira fase da descida da taxa (de 25 para 23%). Perda de receita que vai
crescendo à medida que a taxa de imposto vai sendo reduzida, o que
representa uma perda total de mais de 1 200 milhões de euros em 2018,
segundo as previsões da própria Comissão. Isto se se
verificarem os pressupostos de atracção do investimento o
que levanta muitas dúvidas, tendo em conta que o principal
obstáculo ao investimento é a deterioração de
perspectivas de venda, e continuará a sê-lo enquanto se promover o
definhamento do mercado interno.
A par da redução da taxa de IRC, a Comissão propõe
o aumento da tributação dos dividendos em sede de IRS.
Porém, o que a realidade nos mostra é que a esmagadora maioria
dos lucros distribuídos pelas empresas não é tributado:
comparem-se os 15 000 milhões de euros distribuídos
[14]
em 2011, com os 65 milhões de euros declarados como rendimentos de
capital em sede de IRS no mesmo ano, o que põe a nu o logro desta
proposta.
De qualquer forma, o aumento da tributação dos dividendos em sede
de IRS só poderia revelar alguma eficácia em termos de
justiça fiscal, se a reforma proposta abrangesse igualmente o IRS,
prevendo nomeadamente o englobamento obrigatório de todos os rendimentos
auferidos pelo sujeito passivo, incluindo os rendimentos de capital e mais
valias.
Regime Simplificado para as micro, pequenas e medias empresas
A Comissão propõe a criação de um regime
simplificado para as micro, pequenas e médias empresas. Neste regime, a
matéria colectável será calculada pela
aplicação de coeficientes sobre as vendas, serviços
prestados, e outros rendimentos, tendo sido definido uma matéria
colectável mínima de 60% do valor anual da
retribuição mensal mínima garantida, 4 074 o
que, aplicando uma taxa de 25% de IRC, resultaria num imposto mínimo a
pagar de 1018,5, ligeiramente acima do Pagamento Especial por Conta
mínimo actualmente em vigor (1000).
As empresas que optem pelo Regime Simplificado ficam obrigadas às normas
de facturação simplificada; as que não o façam, e
continuem abrangidas pelo regime do PEC, vêem o seu valor mínimo
agravado para os 1500. No conjunto, a Comissão prevê que o
Estado venha a arrecadar mais 36,2 milhões de euros
[15]
às custas das micro e pequenas empresas.
Fica assim claro que esta reforma do IRC não visa benefíciar as
mPMEs, que representam mais de 90% do tecido empresarial português.
Politica Fiscal Internacional
A alteração da política fiscal internacional é uma
das matérias fundamentais para a Comissão para a Reforma do IRC.
Quer nas palavras dos representantes do Ministério das Finanças,
quer pelo que consta da proposta, está clara a intenção de
transformar Portugal numa "plataforma giratória" de capitais,
que possam entrar e sair do país sem pagar qualquer imposto nem trazer
qualquer benefício em termos de desenvolvimento económico ou de
criação de emprego.
Em concreto, a Comissão propõe "a eliminação
ou redução significativa da taxa máxima aplicável
aos dividendos a auferir por sociedades residentes", e a
eliminação das retenções na fonte para os
dividendos, juros e outros rendimentos de capital. O objectivo é
introduzir em Portugal um regime de
participation exemption,
que mais não é do que um regime que isenta do pagamento de
impostos todos os rendimentos do capital em sede de IRC, sejam eles dividendos
ou mais valias, não só para as empresas nacionais como para as
empresas transnacionais. São ainda incluídas outras
alterações, cirurgicamente concebidas, para alargar o leque de
rendimentos de capital e empresas abrangidas pelo regime de
isenção
[16]
.
Avançando com maior detalhe no ante-projecto de reforma, percebemos que
este elimina, inclusive, os poucos incentivos ao reinvestimento de mais-valias
que o CIRC actualmente prevê, denunciando que o investimento produtivo e
o crescimento económico são as menores preocupações
da Comissão e do Governo.
Esta proposta, que nos faz ultrapassar a Holanda ou Luxemburgo em termos de
isenções fiscais aos rendimentos do capital, a par da
redução das obrigações declarativas das empresas,
vai precisamente contra as recomendações da OCDE e do FMI para o
combate aos esquemas usados pelas multinacionais para reduzir a sua base
tributária
[17]
. Os principais beneficiários do regime de
participation exemption
serão as grandes empresas e grupos económicos, quer nacionais
quer estrangeiros, e, a concretizar-se, reduzirá a base fiscal e
determinará a diminuição das receitas do Estado.
Alargamento do regime de dedução dos prejuizos fiscais
A Comissão propõe que os prejuízos apurados num
determinado período de tributação possam ser deduzidos aos
lucros nos 15 anos seguintes, alargando o prazo de 5 anos actualmente em vigor.
O único argumento utilizado pela Comissão é de que existem
países na União Europeia com períodos de reporte mais
alargados esquecendo-se de referir que os limites à
dedução são muito inferiores aos praticados em Portugal
(50% do lucro tributável em Espanha e em França, por exemplo,
contra os 75% em Portugal).
De novo, são as grandes empresas que usufruirão desta medida. A
grande maioria das empresas portuguesas não consegue suportar elevados
prejuízos, sendo-lhes então indiferente o período de
dedução dos mesmos. Já para grandes empresas, que por
métodos de engenharia fiscal conseguem aumentar os prejuízos
fiscais a deduzir, esta alteração vai directamente ao encontro
dos seus desejos: veja-se que, em 2011, os prejuízos fiscais declarados
por cada empresa com volume de negócios superior a 250 milhões de
euros foi, em média, de 114 milhões de euros (contra a
média de 60 mil euros de cada micro e pequena empresa a declarar
prejuízos fiscais em 2011). O alargamento do prazo para a
dedução de prejuízos fiscais irá acrescentar assim
mais uma forma de reduzir o montante de IRC a pagar ao Estado.
Esta proposta implicará a redução das receitas fiscais no
médio/longo prazo, não tendo a Comissão quantificado o seu
impacto.
Beneficios Fiscais
A Comissão propõe a reformulação dos Estatuto dos
Benefícios Fiscais (EBF), eliminando uns benefícios
associados à criação de emprego e à
internacionalização, e a majoração dos custos com a
aquisição de combustíveis - e fundindo outros, como os
diversos apoios fiscais ao investimento.
As propostas da Comissão vão em sentido contrário
às propostas que a CGTP-IN apresentou em Setembro de 2012, que visavam a
eliminação dos benefícios fiscais que isentam os
rendimentos resultantes de fundos de capital de risco, de investimento
imobiliário ou outros instrumentos financeiros, bem como as mais-valias
realizadas por empresas estrangeiras e SGPS numa perspectiva de
introdução de maior justiça fiscal ao IRC.
Bem pelo contrário, a ideia central patente neste vector do
ante-projecto é generalizar a isenção das mais-valias e
dividendos a fundos de investimento, empresas nacionais e estrangeiras e
instituições de crédito não residentes,
nomeadamente através do regime de
participation exemption.
A Comissão propõe, no fundo, eliminar as
disposições do EBF para integrá-las na lei geral do
Código do IRC.
Em momento algum a Comissão propõe um alargamento da base fiscal,
mas sim um alargamento das isenções aos rendimentos provenientes
de investimentos especulativos e não produtivos, garantindo o aumento
dos lucros das empresas que os realizam. As recomendações da
Comissão vão inclusive no sentido de isentar de IRC os juros e
outros rendimentos de capital imputáveis a entidades não
residentes, tendo esses rendimentos sido gerados às custas dos
trabalhadores e do povo português.
Redução das obrigações acessorias em sede de IRC e da litigiosidade fiscal
Outros aspectos que assumem relevância no âmbito da Proposta de
reforma do IRC são, por um lado, a diminuição das
obrigações acessórias previstas no Código do IRC e,
por outro, a redução da litigiosidade fiscal relativa a este
imposto.
A eliminação de obrigações perante a
Administração pública, e neste caso concreto perante a
administração fiscal, insere-se no âmbito da chamada
desburocratização, e anda normalmente associada à ideia de
que estas obrigações são totalmente inúteis e
representam apenas custos para as empresas (sendo curioso que o mesmo tipo de
obrigações quando impostas aos cidadãos não
são alvo de preocupações semelhantes, muito pelo
contrário).
Na realidade, muitas destas obrigações são os instrumentos
que permitem às administrações públicas melhorar,
controlar e fiscalizar o cumprimento da legislação por parte dos
administrados e, neste caso concreto, dos contribuintes. A sua
eliminação equivale, em muitas situações, à
redução ou total eliminação de importantes formas
de fiscalização do cumprimento das obrigações
tributárias das empresas.
No que respeita à preocupação de reduzir a litigiosidade
fiscal, desde que não signifique qualquer restrição do
acesso aos tribunais por parte dos contribuintes, poderia até ser uma
medida positiva. No entanto, se analisarmos com mais cuidado as matérias
sobre que incidem as alterações destinadas a evitar os conflitos
judiciais, verificamos que há uma preocupação de
uniformização em favor dos interesses das empresas, o que revela
mais uma vez uma intenção de beneficiar apenas alguns em
detrimento do interesse geral.
Outras medidas propostas
Além das medidas cujos objectivos e consequências já
denunciamos, a proposta da Comissão de Reforma abarca muitas outras que,
a serem implementadas, implicam uma forte erosão da base fiscal e, por
conseguinte, a redução da receita fiscal do Estado. Medidas
cirúrgicas como a redução do limite mínimo de
participação a partir do qual variações do valor de
instrumentos do capital próprio (de 5% para 2%),
alterações ao tratamento fiscal dos activos intangíveis
(patentes, etc.), alteração das normas que regulam os
preços de transferência, alteração do regime de
tributação de grupos de sociedades e em caso de
concentração e reorganização de empresas, entre
outras, são feitas à medida da vontade das grandes empresas.
O impacto na receita fiscal havendo muitas que nem sequer estão
contabilizadas será muito maior do que o que a Comissão
apresenta (Anexo 2).
Em conclusão
As propostas constantes no ante-projecto de reforma do IRC são mais uma
demonstração clara da escolha de classe do Governo. Ao definir as
linhas orientadoras para a reforma, ao escolher membros da Comissão
altamente comprometidos com os interesses do grande capital nacional e
estrangeiro e ao dar a cara pela Comissão na apresentação
do projecto, o Governo mostra que está disposto a garantir o aumento dos
lucros das grandes empresas e os dividendos dos grandes capitalistas às
custas dos trabalhadores e dos pensionistas.
No global, o ante-projecto de reforma do IRC avalia uma perda de receita de 1
423 milhões de euros ao ano, a partir de 2018, o que contempla a perda
de receita com a descida da taxa de IRC e a perda de receita resultante da
erosão da base fiscal implícita em várias outras medidas
(nomeadamente as alterações à política fiscal
internacional, regime de tributação dos grupos de sociedades,
entre outras). No entanto, a perda de receitas fiscais pode atingir valores
muito superiores, uma vez que a Comissão não avaliou o impacto de
várias medidas e subvalorizou outras (como o regime de reporte dos
prejuízos fiscais ou à regulação dos preços
de transferência).
O Governo já admitiu que compensará a perda de receita fiscal
através da redução da despesa do Estado. Os alvos
serão as Funções Sociais do Estado Saúde,
Educação e Segurança Social. A troco de mais
benefícios para o grande capital nacional e estrangeiro, o Governo
propõe-se a enfraquecer os maiores pilares do desenvolvimento
económico e social português. Os cortes astronómicos que o
Governo prepara, com vista à privatização dos
serviços públicos, representam um retrocesso de várias
décadas na sociedade portuguesa, comprometendo seriamente o acesso dos
trabalhadores, pensionistas e suas famílias a elementos fundamentais
comuns aos países desenvolvidos: ensino público e SNS universais
e de qualidade, e Segurança Social que proteja os cidadãos de
situações de quebra ou ausência de rendimento.
No seu conjunto, podemos apelidar a proposta da Comissão como dos
maiores ataques aos direitos dos trabalhadores e pensionistas portugueses em
benefício dos interesses das grandes empresas e grupos económicos.
Anexo 1
Quadro 1 Empresas com materia sujeita a IRC e valor medio por empresa
(2011)
|
Escalões de volume de negócios ()
|
Nº declarações (empresa) com matéria
colectável = 0
|
Matéria colectável (milhões )
|
Valor médio de matéria colectável por
declaração (por empresa, milhões )
|
|
0
|
1 324
|
114
|
0,086
|
|
= 0
|
4 409
|
194
|
0,044
|
|
[ 1 A 150.000 [
|
80 265
|
835
|
0,010
|
|
[ 150.000 A 500.000 [
|
42 781
|
942
|
0,022
|
|
[ 500.000 A 1.000.000 [
|
14 733
|
611
|
0,041
|
|
[ 1.000.000 A 1.500.000 [
|
6 313
|
434
|
0,069
|
|
[ 1.500.000 A 2.500.000 [
|
5 662
|
569
|
0,100
|
|
[ 2.500.000 A 5.000.000 [
|
4 468
|
854
|
0,191
|
|
[ 5.000.000 A 12.500.000 [
|
2 937
|
1 298
|
0,442
|
|
[ 12.500.000 A 25.000.000 [
|
951
|
1 082
|
1,138
|
|
[ 25.000.000 A 75.000.000 [
|
648
|
1 714
|
2,645
|
|
[ 75.000.000 A 250.000.000 [
|
198
|
1 449
|
7,319
|
|
[ Mais de 250.000.000 [
|
90
|
3 873
|
43,034
|
|
TOTAL
|
164 779
|
13 969
|
2 812
|
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Empresas com materia colectavel
|
Nº de empresas
|
% do total
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Valor medio da materia colectavel
|
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[1,5 M A 7,5 M [
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846
|
0,51%
|
3,739
|
|
[Mais de 7,5 M[
|
90
|
0,05%
|
43,034
|
Fonte: AT, 2012
Anexo 2
Resumo das principais medidas do ante-projecto de Reforma do IRC
10 de Setembro de 2013
Notas
1.
Oscilaram entre 19% e 17% no período de 2009 a 2011
2.
Com volume de negócios até 1 milhão de euros
3.
Assumindo a descida da taxa nominal de IRC para 17%; somaram-se todas as
parcelas quantificadas no relatório
4.
Addressing Base Erosion and Profit Shifting,
OCDE 2013 e
Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting,
OCDE 2013
5.
Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting,
OCDE 2013
6.
Fernandez, Rodrigo, McGauran, Katrin e Frederik, Jesse,
Avoiding tax in times of austerity
7.
Publicação "Empresas em Portugal 2011"
8.
Agosto 2013, INE
9.
Correlação entre as duas variáveis é de apenas 0,1
(1 para correlação positiva máxima; 0 para
inexistência de correlação)
10.
Para investimentos até 5M
11.
Fonseca, Miguel, Mendonça, António e Passos, José,
Efeitos do investimento directo exterior sobre a Balança Comercial
Portuguesa, 1996-2007,
3º Congresso Nacional dos Economistas
12.
Estatísticas de IRC da AT, publicadas no Portal das Finanças
13.
Considerando a cobrança actual da derrama municipal
14.
INE
15.
24,4 milhões derivados do novo regime simplificado e 11,8 milhões
derivados da subida do Pagamento Especial por Conta
16.
Redução da percentagem de participação
mínima a partir da qual as variações ao valor dos
instrumentos de capital não sejam considerados para efeitos fiscais (5%
para 2%); redução da percentagem mínima de
participação a partir da qual uma empresa com residência em
território português vê os lucros, reservas e mais valias
que recebe ou distribuí isentos de IRC (de 10 para 2%); aumento da
participação de 10 para 20% para que uma empresa seja considerada
como tendo uma relação especial com outra, o que determina que
muitas fiquem fora do regime de controlo de preços de
transferência umas das formas usadas pelas empresas
multi-nacionais para diminuir a tributação
17.
Issues in International Taxation and the role of IMF
FMI, Junho 2013
Addressing base Erosion and Profit Shifting
OCDE, 2013
Ver também:
Escritórios de advogados e expansão do capital monopolista
, de Victor Paulo Gomes da Silva, 27/Set/12
Reforma do IRC é um embuste
, CGTP-IN, 02/Ago/13
O original encontra-se em
www.cgtp.pt/
Este documento encontra-se em
http://resistir.info/
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