A incapacidade dos neoliberais para compreender a actual crise

  • Não é com planos de caridade, como os propostos por Cavaco Silva e Sócrates, que se conseguirá resolver o agravamento das desigualdades em Portugal
  • por Eugénio Rosa [*]

    RESUMO DESTE ESTUDO
    Portugal enfrenta neste momento uma grave crise económica e social com características novas e diferentes das crises passadas, que os economistas neoliberais têm revelado uma grande incapacidade em compreender, como mostra o relatório recente da OCDE e o Boletim da Primavera do Banco de Portugal . Essa crise resulta de causas que ou não existiam nas crises passadas ou que não tinham o peso e a importância que têm na crise actual.

    Por ex. a politica de "euro forte" posta em prática pelo Banco Central Europeu tem contribuído para a perda de competitividade da Economia Portuguesa. E isto porque o euro valorizado do BCE torna as mercadorias portuguesas mais caras para os clientes de países exteriores à União Europeia, e torna mais baratas as mercadorias dos nossos concorrentes asiáticos que estão a invadir a União Europeia, ocupando os segmentos de mercado que antes eram ocupados por produtos portugueses.

    A Economia Portuguesa e as empresas portuguesas estão a perder a batalha da competitividade. OCDE aponta como causa para a perda de competitividade da Economia Portuguesa o facto de que as "empresas portuguesas têm mantido a sua especialização na produção de mercadorias tradicionais baseadas em trabalho intensivo e de baixo valor acrescentado, estando a perder os mercados para onde exportavam devido ao aparecimento de novos concorrentes com custos ainda mais baixos, como é a China" (pág. 19). Para o Banco de Portugal, " a evolução das exportações tem sido afectada pelo respectivo padrão de especialização, caracterizado por um peso muito elevado de produtos com baixos conteúdos tecnológicos e de capital humano intensivo, como os têxteis, vestuário e calçado. Estes sectores enfrentam uma concorrência acrescida por parte de novos intervenientes no comercio internacional, produtores a baixos custos." (págs. 9 e 10 do Boletim da Primavera).

    É evidente que não se consegue mudar o "padrão de especialização" de um momento para outro. Para o conseguir é necessário investir muito mais e aumentar significativamente o nível de escolaridade da população empregada portuguesa que, no fim de 2005, cerca de 72% tinha apenas o ensino básico ou menos.

    E tudo isto se torna ainda mais difícil quando a politica do actual governo centrada na obsessão do défice está a determinar a quebra continuada do investimento. Segundo o Banco de Portugal, "a FBCF registou um diminuição em 2005, apesar da manutenção das condições de financiamento favoráveis, elevando para mais de 15% a redução acumulada desde 2002" (pág. 10 do seu Boletim da Primavera). A redução do investimento público foi ainda maior. Assim, em 2006 o investimento público será inferior ao de 2005 em -27,8%. E se compararmos o investimento público previsto para 2006 com o de 2002 a quebra é de -26,9%. E isto é a preços nominais, porque se for em termos reais, as quebras são muito maiores pois tem-se de entrar com o aumento dos preços.

    Perante este quadro real da economia portuguesa, como é que se poderá defender, como faz Victor Constâncio e outros economistas neoliberais do Banco de Portugal e da OCDE "mais do mesmo", ou seja, um maior agravamento da politica seguida pelo actual governo que está precisamente a reduzir o investimento e, consequentemente, a agravar e a prolongar a actual crise económica e social?

    Um dos mais graves problemas sociais e económicos que Portugal enfrenta actualmente, que é também uma das causas mais importantes da crise actual, é precisamente a grave desigualdade (a pior de toda a U.E.) na repartição da riqueza e do rendimento. Segundo dados do Eurostat, em 2001, 20% da população portuguesa, isto é mais de 2.100.000 portugueses viviam abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 300 euros por mês. Depois de 2001, a situação agravou-se ainda mais em Portugal. Em 1995, último ano do governo do PSD de Cavaco Silva, Portugal apresentava uma elevada desigualdade na repartição do rendimento. Nesse ano, os 20% mais ricos recebiam 7,4 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres, quando a média da União Europeia era de 5,1. Entre 1995 e 2000, verifica-se em Portugal uma redução das desigualdades, mas a partir de 2000, registou-se um aumento do agravamento das desigualdades no nosso País, atingindo, em 2004, o valor de 7,2 que é superior em 50% à media comunitária que era 4,8. Para além disso, em 2005, 72% da população empregada portuguesa, que é constituída por trabalhadores por conta de outrem recebiam apenas 40% do PIB, quando a média comunitária atingia 50%, e em 1975 os trabalhadores portugueses receberam, sob a forma de remunerações, o correspondente a 59% do PIB.

    Perante estes dados, como é que se pode pensar que o Plano de Inclusão Social defendido pelo PR, ou Cavaco Silva, ou o "complemento de solidariedade" de que falou o 1º ministro Sócrates logo a seguir, para mostrar que estava sintonizado com Cavaco Silva (e é de pensar que esteja), poderão alterar efectivamente a grave injustiça na repartição da riqueza e do rendimento que existe em Portugal?

    O Banco de Portugal e a OCDE acabaram de publicar os seus relatórios sobre a Economia Portuguesa, cujas conclusões foram divulgadas acriticamente por muitos órgãos de comunicação nacionais.

    Uma análise mais atenta e profunda desses relatórios mostra dois factos importantes. Em primeiro lugar, uma incapacidade do pensamento económico dominante de cariz neoliberal para compreender as características qualitativamente novas, e portanto diferentes das observadas nas crises passadas, da actual crise económica e social portuguesa. Em segundo lugar, uma análise objectiva mesmo dos dados constantes nesses relatórios, mas liberta do neoliberalismo, mostra a necessidade urgente de uma politica radicalmente diferente da defendida nesses documentos, que outra não é que a politica seguida pelo actual governo.

    Efectivamente, dominados pelo pensamento neoliberal os economistas que elaboraram os relatórios, à semelhança do que faz toda a direita (PSD e PP), que exige ainda mais cortes na despesas como com isso se resolvessem os problemas estruturais do país (recorde-se as criticas de Marques Mendes ao governo de que "a politica que o país precisa é cortar na despesa, e diminuir o tamanho do Estado"); repetindo, à semelhança do que faz toda a direita, os economistas neoliberais que elaboraram esses relatórios, incluindo Victor Constâncio, concluem que a politica seguida pelo actual governo é insuficiente, e que é necessário agravá-la ainda mais. No entanto, a análise objectiva dos dados contidos nesses relatórios mostra precisamente o contrário, ou seja, evidencia a necessidade e a urgência de não fazer "mais do mesmo" , mas sim de mudar rápida e radicalmente a politica que tem sido seguida, a qual está a destruir a Economia Portuguesa, a gerar o agravamento das desigualdades sociais, a determinar a redução generalizada do poder de compra dos trabalhadores portugueses e dos reformados, a aumentar o desemprego e a pobreza em Portugal.

    Não é fazendo "mais do mesmo" com exigem os neoliberais da OCDE e do Banco de Portugal que se conseguirá ultrapassar a profunda crise económica e social que Portugal está mergulhado. É isso que iremos procurar mostrar neste pequeno estudo utilizando os dados constantes daqueles dois relatórios.

    A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA UNIÃO MONETÁRIA ESTÁ A AGRAVAR A CRISE, A TORNAR MAIS DIFICIL A SUA SUPERAÇÃO E DIFERENCIA A CRISE ACTUAL DAS PASSADAS

    A adesão apressada e pouco estudada ao euro, esquecendo a situação real do País, tornou Portugal muito mais vulnerável e indefeso face a crises como aquela que está a enfrentar neste momento. Para que isso se torne claro para os leitores que não são economistas interessa chamar a atenção para os seguintes factos.

    Portugal ao aderir nomeadamente à Uniao Monetária, que é constituída apenas por 11 países dos 25 que constituem actualmente a União Europeia, em que a moeda é o euro, perdeu instrumentos importantes de politica macroeconómica. Assim, a politica do défice orçamental e mesmo dos grandes investimentos passou a ser fixada ou condicionada pela União Europeia. A politica cambial e a politica das taxas de juro passaram para a competência do Banco Central Europeu (BCE), não tendo o nosso País qualquer poder na sua fixação. Esta nova situação, que não existia no passado, determina que a utilização desses instrumentos de politica macroeconómica deixem de ter em conta os interesses e a situação de pequenos países como Portugal, e as crises que enfrentam, passando a ser fundamentalmente determinados pelos interesses dos grandes países.

    Um exemplo que mostra com clareza isso, é a politica de "euro forte" posta em prática pelo Banco Central Europeu que tem contribuído também para a perda de competitividade da Economia Portuguesa. E isto porque o euro valorizado do BCE torna as mercadorias portuguesas mais caras para os clientes de países exteriores à União Europeia, e torna mais baratas as mercadorias dos nossos concorrentes asiáticos que estão a invadir a União Europeia como consequência da liberalização selvagem que está também a dominar a politica comunitária.

    Assim, desde a data da criação do euro, esta moeda já se valorizou em cerca de 30% em relação ao dólar americano, que é a moeda que continua a ser utilizada na maioria das transacções internacionais fora da União Europeia. Isto significa que os preços dos produtos portugueses para os clientes exteriores à União Europeia, só por este facto, tenham aumentado em cerca de 30%. Por outro lado, devido à valorização excessiva do euro os produtos dos países asiáticos, como é o caso dos da China, exportados em quantidades cada vez maiores para União Europeia, e que concorrem neste mercado, nos mesmo segmentos, com os produtos portugueses tornaram-se mais baratos para os consumidores europeus, porque o importador europeu com um euro adquire actualmente cerca de 30% mais de produtos chineses que conseguia adquirir se o euro não se tivesse valorizado tanto. E Portugal não consegue alterar esta desigualdade, porque já não tem poder para alterar a taxa de câmbio, pois é da competência exclusiva do Banco Central Europeu. É também por esta razão que países com a Inglaterra e outros, embora fazendo parte da União Europeia, não pertencerem à União Monetária. Nestes países os interesses nacionais sobrepuseram-se a outros interesses. Em Portugal, o desejo de "ser bom aluno" e de "pertencer ao pelotão da frente", como na altura tanto se dizia, sobrepôs-se a qualquer análise objectiva da situação de Portugal, um país pequeno e sem grandes recursos, e com um tecido económico e social extremamente frágil. E as consequências estão à vista e estão a ser pagas a um preço muito elevado pelos portugueses e pela economia portuguesa.

    Este facto – pertencer à União Monetária – e as consequências que dele naturalmente decorrem é sistematicamente esquecido ou subvalorizado pelo pensamento económico dominante de cariz neoliberal, que só vê vantagens na integração de Portugal naquela união, e é intencionalmente omitida nos relatórios quer do Banco de Portugal quer da OCDE, porque põem em causa as conclusões e a exigência de fazer "mais do mesmo". Aquele facto contribui também para que a crise actual seja diferente das crises passadas.

    UMA CRISE QUALITATIVAMENTE DIFERENTE DAS CRISES ANTERIORES QUE VAI DURAR, AINDA AGRAVADA PELA POLITICA CENTRADA NA OBSESSÃO DO DÉFICE

    A Economia Portuguesa e as empresas portuguesas estão a perder a batalha da competitividade. E não se pense que isso está a suceder apenas nos anos recentes, e que essa queda da competitividade tem sido reduzida. Como se reconhece no próprio Relatório da OCDE, "as exportações portuguesas têm estado a perder quotas nos mercados externos desde 1995. Só nos últimos 2 anos a perda acumulada atingiu 8%". (pág. 19) . E é evidente que esta perda de quotas ainda não terminou.

    O Banco de Portugal no seu Boletim Económico da Primavera de 2006, que acabou de divulgar, confirma também essa perda continuada de competitividade da Economia Portuguesa. Assim, na pág. 9 do Boletim refere também que "apesar da procura externa ter mantido um ritmo de crescimento significativo em 2005, a deterioração da capacidade competitiva da economia nacional continuou a afectar negativamente o desempenho das exportações"; por outras palavras, o ritmo de crescimento das exportações portuguesas não tem sido mais elevado não é porque as importações dos países para onde exportamos não estejam a crescer a "um ritmo significativo", mas sim porque os produtos portugueses são cada vez menos competitivos relativamente a produtos semelhantes oriundos dos 10 novos países que entraram para a União Europeia em 2004, e também em relação aos produtos asiáticos, nomeadamente chineses. E acrescenta na pág. 14 do mesmo Boletim: "A procura externa em volume – medida pelo crescimento real ponderado das importações de mercadorias dos principais parceiros comerciais de Portugal – cresceu 5% em 2005….. Mas conforme se refere na secção 4, as exportações portuguesas não acompanharam o crescimento da procura externa, tendo os produtores nacionais registado novamente perdas de quotas nos mercados externos, em termos reais e nominais". Efectivamente, em 2005, a procura externa dos nossos parceiros comerciais aumentou 5%, mas as exportações portuguesas cresceram apenas 1%.

    E sobre a perda de competitividade da Economia Portuguesa, as causas apresentadas tanto pela OCDE como pelo Banco de Portugal são coincidentes.

    A OCDE aponta como causa da perda de competitividade da Economia Portuguesa o facto de que as "empresas portuguesas têm mantido a sua especialização na produção de mercadorias tradicionais baseadas em trabalho intensivo (e naturalmente de baixo custo) e de baixo valor acrescentado, estando a perder os mercados para onde exportavam devido ao aparecimento de novos concorrentes com custos ainda mais baixos, como é a China" (pág. 19). E isto não se altera de um momento para outro.

    Para o Banco de Portugal, "a evolução das exportações tem sido afectada pelo respectivo padrão de especialização, caracterizado por um peso muito elevado de produtos com baixos conteúdos tecnológicos e de capital humano intensivo, como os têxteis, vestuário e calçado. Estes sectores enfrentam uma concorrência acrescida por parte de novos intervenientes no comercio internacional, produtores a baixos custos. A informação disponível aponta para que em 2005, se tenha registado quedas significativas no valor das exportações deste tipo de bens, bem como uma contracção na produção e do emprego nestes sectores da indústria transformadora" (págs. 9 e 10 do Boletim da Primavera).

    Mas não se pense que são apenas os têxteis, o vestuário e o calçado que estão a sofrer quebras na exportação determinado por esta nova concorrência com vantagens comparativas superiores às portuguesas nos segmentos de mercado antes ocupados por produtos portugueses. Como refere também o Banco de Portugal verifica-se "igualmente a evolução desfavorável nos últimos anos das exportações de máquinas e de material de transporte, sectores que adquiriram um peso importante na estrutura das exportações portuguesas na sequência de importantes projectos de investimento directo estrangeiro" (pág. 10). A estes podíamos acrescentar ainda os moldes para plástico, a massa de tomate e até os mármores.

    Perante aquela evolução, os neoliberais do Banco de Portugal, espantados dizem: "Os desenvolvimentos recentes da economia portuguesa caracterizam-se assim pela ausência de uma recuperação sustentada da actividade na sequência da recessão de 2003, em contraste com o verificado em anteriores períodos recessivos" (pág. 9) .

    E dizemos que os neoliberais do Banco de Portugal, incluindo o seu presidente, revelam um "incompreensível" espanto pela "ausência de uma recuperação sustentada …. em contraste com o verificado em anteriores períodos recessivos", porque o pensamento económico dominante de cariz neoliberal ainda não compreendeu (revela uma grande incapacidade nesta matéria) as características qualitativamente diferentes e novas da crise actual, que é estrutural e que se verifica num contexto externo muito diferente e desfavorável, relativamente a "anteriores períodos recessivos".

    O "padrão de especialização produtivo" que continua a existir em Portugal já não é compatível com a globalização capitalista actual, caracterizada por um liberalismo selvagem, e com o aparecimento no mercado mundial, e também no interior do próprio mercado da União Europeia, para onde são canalizados cerca de 80% das exportações portuguesas, concorrentes com produtos de baixo conteúdo tecnológico e de grande intensidade de mão de obra, dirigidos aos mesmos segmentos de mercados antes ocupados por produtos portugueses, mas com custos mais baixos do que os produtos portugueses.

    É por todas estas razões que a crise actual é diferentes das anteriores, e vai durar muito mais tempo do que nas crises anteriores. E isto porque o padrão de especialização produtiva que continua a existir em Portugal não se muda de um momento para outro, por acção milagrosa dos "mercados", como defendem todos os neoliberais e a direita. A mudança desse padrão produtivo exige muito investimento, que durante muitos anos não foi feito, e exige também um aumento significativo quer do nível de escolaridade quer de qualificação da população empregada. Tenha-se presente que, de acordo com dados do INE, no fim de 2005, cerca de 72% da população empregada portuguesa tinha ainda o ensino básico ou menos (seriam necessários cerca de 30 anos, ao ritmo como tem sido feito nos últimos anos, para atingir a média comunitária que é actualmente 35%). Para além disso, a qualificação da esmagadora maioria dessa população é de banda estreita (sabem fazer muito bem o que fizeram durante toda a sua vida, mas têm grandes dificuldades em obter novas competências, necessárias a outras profissões, devido ao seu baixo nível de escolaridade e à ausência de uma cultura de formação profissional).

    Assim as medidas defendidas no relatório da OCDE e no Boletim de Primavera do Banco de Portugal, que são as do governo, apenas com diferença que devem ser intensificadas e agravadas (mais do mesmo), só poderão agravar ainda mais a crise, e tornar ainda mais difícil e prolongada a sua resolução.

    A POLITICA CENTRADA NA OBSESSÃO DO DÉFICE ESTÁ A DETERMINAR A QUEBRA NO INVESTIMENTO E A IMPEDIR A ALTERAÇÃO DO PERFIL PRODUTIVO EM PORTUGAL

    De acordo com o Relatório da OCDE (pag.22), o crescimento anual da produtividade em Portugal, medida pelo crescimento real do PIB percapita, foi de 3,6% no período 1995-2000, e apenas de 0,6% ao ano no período 2000-2005. E como afirma também a OCDE no seu relatório "o baixo nível da produtividade por hora em Portugal – apenas metade da do Estado Unidos é a principal razão para explicar o atraso de Portugal em relação aos países mais desenvolvidos da OCE e também relativamente à média comunitária" (pág. 23). E como reconhece a própria OCDE, "o crescimento da produtividade tem sido restringido pelo baixo investimento, o que tem determinado uma alteração reduzida na relação capital-trabalho e, consequentemente, num crescimento reduzido da taxa de crescimento da produtividade" (pág. 21). Por outras palavras, a OCDE vem reconhecer um facto que já tínhamos denunciado: a baixa produtividade em Portugal resulta do baixo investimento por trabalhador.

    Para além disso, a baixa produtividade portuguesa é também explicada, segundo a OCDE, pela manutenção de "uma estrutura produtiva em que grande número de sectores se baseia em trabalho intensivo pouco qualificado" (pág. 21).

    É evidente que quer a mudança de perfil produtivo da economia portuguesa necessário para que as exportações possam aumentar quer o crescimento da produtividade indispensável para que Portugal possa convergir em relação à média comunitária, exige um forte investimento. E o que tem acontecido é que o investimento quer o total quer o público têm diminuído nos últimos anos de uma forma continuada, como consequência das politicas governamentais, como mostram os dados do quadro seguinte.

    Tabela 1.

    Assim, praticamente desde 2001, o investimento total (FBCF) têm diminuído do forma continua em Portugal. O Banco de Portugal fala mesmo que " a FBCF registou um diminuição em 2005, apesar da manutenção das condições de financiamento favoráveis, elevando para mais de 15% a redução acumulada desde 2002" (pág. 10).

    O próprio Banco de Portugal refere mais à frente os resultados de um inquérito que fez à banca, o qual confirma a falta de apetência das empresas portuguesas para investir. De acordo, com as respostas " o financiamento do investimento foi o factor maioritariamente indicado pelos bancos inquiridos como concorrendo para a redução da procura de crédito por parte do sector ( sociedades não financeiras)" (pág. 22).

    E o actual governo alinha pelo mesmo diapasão como mostram os dados do quadro seguinte:

    Tabela 2.

    Em 2006 o investimento público será inferior ao de 2005 em -27,8%. E se compararmos o investimento público previsto para 2006 com o de 2002 a quebra é de -26,9%. E isto é a preços correntes (nominais), porque se for em termos reais, as quebras são muito maiores pois tem-se de entrar com o aumento dos preços.

    Face a este quadro real colocam-se as seguintes questões: - Como se pode alterar o perfil produtivo da Economia Portuguesa e aumentar a produtividade, o que exige que se invista muito mais, com uma politica centrada na obsessão do défice que determina precisamente a quebra continuada do investimento como mostram os dados do quadro I e II? Como se pode alterar esse perfil para aumentar a competitividade, como consideram absolutamente necessário tanto a OCDE como o Banco de Portugal, defendendo ao mesmo tempo não só a manutenção da politica do actual governo, que está a provocar a quebra do investimento, mas também o agravamento dessa politica ("mais do mesmo"),? Será que não percebem a contradição em que caiem?

    A OCDE acaba por ter consciência de tal contradição, embora se recuse a assumi-la, pois na pág. 25 do seu relatório sobre Portugal embora afirme que até 2010 Portugal terá taxas de crescimento económico inferiores à da área do euro, divergindo continuamente, no entanto acrescenta logo que taxas superiores a partir daquela data não é uma previsão mas sim um cenário; portanto, a OCDE duvida mesmo que com as medidas que preconiza tal aconteça.

    O GRAVE PROBLEMA DAS DESIGUALDADES EM PORTUGAL NÃO SE RESOLVE COM "PLANOS DE CARIDADE" COMO OS DEFENDIDOS POR CAVACO SILVA E SÓCRATES

    A redução das desigualdades que se tem agravado no País nos últimos anos, que temos vindo a denunciar há muito tempo, e que Cavaco Silva referiu no seu discurso do 25 de Abril na Assembleia da República, não se consegue com um Plano de Inclusão Social, ou com "o complemento de solidariedade", que abrange um número muito escasso dos dois milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza segundo o Eurostat, de que falou logo o 1º ministro Sócrates para "apanhar a boleia" do PR Cavaco Silva; repetindo, o gravíssimo problema das desigualdades que existe em Portugal (o país com a repartição mais injusta da riqueza e do rendimento em toda a U.E.); não se resolve com "planos de caridade", como são os propostos por Cavaco Silva e por Sócrates. Este grave problema social mas também económico resolve-se sim é com politicas de natureza fiscal, de rendimentos, nomeadamente de remunerações e de pensões, de emprego, etc., que combatam eficazmente a crescente concentração de riqueza numa minoria privilegiada. Para concluir isso, basta recordar que os escandalosos lucros obtidos ou anunciados para os próximos anos pela banca e pelos grandes grupos económicos, numa altura de grandes sacrifícios para a generalidade dos portugueses, não se combatem nem com o "plano de inclusão social" de Cavaco Silva nem com "complemento de solidariedade" de Sócrates. O que é preciso é mais justiça e uma melhor repartição da riqueza criada por todos os portugueses, que actualmente beneficia apenas uma minoria.

    Interessa a este propósito recordar alguns dados sobre a repartição da riqueza em Portugal, uns divulgados pelo Eurostat, outros pelo INE.

    Os últimos dados divulgados pelo Eurostat sobre a pobreza em Portugal referem-se a 2001. Segundo aquele serviço oficial de estatística da União Europeia, naquela ano 20% da população portuguesa, isto é mais de 2.100.000 portugueses viviam abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 300 euros por mês. E esta situação verificava-se depois das transferências sociais (pensões mínimas, rendimento de inserção social, acção social, etc.), porque antes a situação era ainda mais grave.

    E depois de 2001, as desigualdades têm-se agravado em Portugal como mostram os dados constantes do quadro seguinte divulgados já em 2006 pelo Eurostat:

    Tabela 3.

    Em 1995, último ano do governo do PSD de Cavaco Silva, Portugal apresentava uma elevada desigualdade na repartição do rendimento. Nesse ano, os 20% mais ricos recebiam 7,4 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres, quando a média da União Europeia era de 5,1. Entre 1995 e 2000, verifica-se em Portugal uma redução das desigualdades, mas a partir deste último ano registou-se um aumento do agravamento das desigualdades no nosso País, atingindo, em 2004, o valor de 7,2 que é superior em 50% à media comunitária que era, como mostra o quadro, 4,8.

    O caso da Finlândia, que consta também do quadro III, prova que uma melhor repartição da riqueza e do rendimento não é incompatível com elevado desenvolvimento e competitividade. Pelo contrário, é uma condição indispensável.

    Este agravamento da repartição do rendimento e, consequentemente, da riqueza em Portugal nos últimos anos é confirmada também pela percentagem que as remunerações representam do PIB, ou seja, da riqueza criada anualmente pelos portugueses. Assim, de acordo com dados publicados pelo Banco de Portugal, em 2004, as remunerações (não inclui nem as contribuições reais nem as fictícias para a Segurança Social) representava apenas cerca de 40% do PIB, quando a média comunitária é 50%. Em 2005, a percentagem em Portugal deverá ter rondado também os 40% quando, em 1975, tinha atingido 59% do PIB. E tenha presente que cerca de 72% da população empregada são trabalhadores e recebem remunerações, e não estamos a incluir os chamados "trabalhadores por conta própria", apesar de muitos deles serem "falsos recibos verdes ou independentes".

    Perante esta grave situação traduzida, de uma forma quantificada e objectiva, através da linguagem fria dos números oficiais as questões que se colocam são nomeadamente as seguintes: Será que o Plano de Inclusão Social defendido por Cavaco Silva no seu discurso poderá alterar significativamente esta grave realidade social e também económica (pois é um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento do País)? Será que o "complemento de solidariedade" de que falou Sócrates logo a seguir para dar ideia que estava na mesma carruagem de Cavaco Silva, que poderá na melhor das hipóteses abranger 10% dos portugueses que a União Europeia considera que vivem abaixo do limiar da pobreza, vai resolver o problema da grave injustiça que existe em Portugal a nível da repartição da riqueza e, consequentemente, do rendimento? – São questões sérias que deixamos para a reflexão do leitor e colectiva.

    25/Abril/2006

    [*] Economista, edr@mail.telepac.pt

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
    30/Abr/06