Negócios com privados fazem disparar despesas no SNS
RESUMO DESTE ESTUDO
As despesas que mais têm aumentado no Serviço Nacional de
Saúde (SNS) referem-se a negócios com entidades privadas.
Entre 2003 e 2005, as "Despesas com Pessoal" aumentaram 10,8%, mas as
despesas com "Subcontratos" com privados cresceram 21,3%, portanto
praticamente o dobro.
Se somarmos às despesas com "Compras", com "Fornecimentos
e Serviços de Terceiros" e com "Subcontratos", ou seja,
se somarmos as despesas com todos os negócios com privados, a soma
já representava, em 2005, cerca de 48,5% das despesas totais do
Serviço Nacional de Saúde. E neste valor ainda não
estão incluídas as despesas com entidades privadas dos Hospitais
EPE.
Em 2006, verificou-se um aumento espectacular das despesas resultantes de
negócios com privados. Se se considerar o período de Janeiro a
Março de 2006, e se compararmos as despesas deste período com o
de idêntico período de 2005, conclui-se que as despesas com
subcontratos com entidades privadas aumentaram, nos Hospitais do SPA, 46,3% e,
nos Hospitais EPE, 32,1%, enquanto as despesas com pessoal, nestes hospitais,
cresceram, respectivamente, 5% e 6,8%. De acordo com a Direcção
Geral do Orçamento, a despesa do Estado com a "Função
Saúde" no período de Janeiro a Maio de 2006 foi superior,
à de idêntico período de 2005, em 21%.
Na Região Autónoma da Madeira a generalização da
medicina convencionada, ou seja, a privatização da saúde,
está a determinar que um utente do SNS tenha de suportar entre 59% e 85%
do custo de uma consulta, cujo preço é de 50 euros (10.000$00).
A análise do relatório do "Programa de
Reestruturação da Administração Pública
(PRACE)", elaborado pela "comissão técnica"
nomeada pelo actual governo leva à conclusão que a instabilidade,
a insegurança, a desorganização e a paralisia que o actual
governo está a provocar em toda a Administração
Pública, contribuindo assim para um maior agravamento da crise
económica e social em que o País está mergulhado,
não é apenas consequência de uma "reforma"
apressada e mal estudada (como efectivamente também é), mas tem
um objectivo claro que é o seguinte: criar condições para
que depois sejam entregues à exploração privada
serviços públicos essenciais, pelo menos todos aqueles que possam
dar lucros aos privados. E como se prova neste estudo isso tem graves
consequências quer para os utentes dos serviços públicos
quer para o Orçamento do Estado.
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As despesas que têm aumentado mais no Serviço Nacional de
Saúde são as com "Compras ao exterior", com
"Fornecimentos e Serviços Externos" e com
"Subcontratos", ou seja, as com negócios com entidades
privadas. O peso destas despesas nas despesas totais do SNS não param de
aumentar, enquanto aquelas com pessoal têm diminuído.
AS DESPESAS COM NEGÓCIOS COM PRIVADOS JÁ TÊM UM PESO MUITO
GRANDE NO SNS
O quadro I, construído com dados fornecidos pelo Ministério da
Saúde à Assembleia da República, permite analisar, para o
período 2003-2005, a tendência de crescimento das despesas do SNS
por natureza. A única lacuna são as despesas dos Hospitais EPE
que não se encontram desagregadas por natureza.
Entre 2003 e 2005, as despesas do Serviço Nacional de Saúde
aumentaram 12,9%, pois passaram de 7.021,7 milhões de euros para 7.927,9
milhões de euros. No entanto, se a análise for feita por rubricas
conclui-se que as despesas que mais cresceram foram precisamente as que
estão associadas a "Subcontratos" com entidades privadas
Efectivamente, entre 2003 e 2005, por ex., as "Despesas com Pessoal"
aumentaram 10,8%, mas as despesas com "Subcontratos" cresceram 21,3%,
portanto praticamente o dobro. Só as despesas com "Meios
Complementares de Diagnostico e Terapêutica" aumentaram, entre 2003
e 2005, 14,1%, pois passaram de 596,3 milhões de euros para 680,6
milhões de euros.
Por outro lado, se analisarmos a estrutura das despesas concluímos que
os negócios com os privados já tem um peso muito grande no
Serviço Nacional de Saúde, sendo a causa principal do crescimento
rápido das suas despesas.
Assim, se somarmos às despesas com "Compras", com
"Fornecimentos e Serviços de Terceiros" e com
"Subcontratos", a soma já representava, em 2005, cerca de
48,5% das despesas totais do Serviço Nacional de Saúde.
No entanto, mesmo este valor não inclui a totalidade das despesas que se
poderão considerar como negócios com privados, ou seja, ligados a
"compras, subcontratos e a fornecimentos e serviços de
terceiros". E isto porque neste valor não estão ainda
incluídas as despesas dos hospitais empresarializados (Hospitais EPE)
nas mesmas rubricas. E as despesas totais destes hospitais já
representavam, em 2005, cerca de 20,4% (1.614,9 milhões de euros) das
despesas totais do SNS.
AGRAVAMENTO ESPECTACULAR NAS DESPESAS COM NEGÓCIOS COM PRIVADOS NO
1º TRIMESTRE DE 2006
O quadro seguinte, construído também com dados fornecidos pelo
Ministério da Saúde à Assembleia da República,
mostra o crescimento significativo verificado, entre o 1º trimestre de
2005 e o 1º trimestre de 2006, das despesas resultantes de negócios
do Serviço Nacional de Saúde com entidades privadas. E aqui
já estão incluídos os Hospitais EPE.
Como mostram os dados do quadro II, foram precisamente as despesas com
"Subcontratos" que mais aumentaram entre o 1º Trimestre de 2005
e 1º Trimestre de 2006, tendo crescido, nos Hospitais SPA (do
Serviço Público Administrativo), 46,5% e, nos Hospitais EPE
(Hospitais Públicos que foram transformados em empresas), 32,1%.
Segundo a Direcção Geral do Orçamento do Ministério
das Finanças até Março de 2006, e sem incluir os Hospitais
EPE, o Serviço Nacional de Saúde pagou, resultante de
subcontratos, 1.078,4 milhões de euros, ou seja, mais do dobro do que
despendeu com Pessoal que foi de 457,8 milhões de euros. E segundo o
Boletim Informativo de Maio de 2006 da Direcção Geral do
Orçamento, no período de Janeiro a Maio de 2006 as despesas com a
"Função Saúde", relativamente a igual
período de 2005, aumentaram 29%, pois passaram de 2.769 milhões
de euros para 3.573,5 milhões de euros.
Assim, pode-se dizer que os negócios com privados e, nomeadamente, a
subcontratação com privados é a despesa que tem mais
aumentado no SNS, contribuindo muito para o elevado crescimento das despesas
que se tem verificado. E isto é ainda mais grave se se tiver presente
que coexiste com uma elevada subutilização dos meios existentes
nos Hospitais (laboratórios, blocos operatórios, meios humanos)
fruto da promiscuidade público-privado que continua a imperar e que o
actual governo nada faz para acabar; pelo contrário, até tem
criado condições para que cresça como prova o chamado
"Compromisso com a Saúde", assinado entre a
Associação Nacional de Farmácias e o Ministério da
Saúde, que prevê, no seu ponto 14, a instalação de
farmácias privadas dentro dos próprios Hospitais Públicos.
O CUSTO DA MEDICINA CONVENCIONADA NA R. A. DA MADEIRA
Um outro exemplo de privatização do serviço público
de saúde, com custos elevados para os utentes e com
violação do principio constitucional de que todos os portugueses
têm direito a um serviço de saúde tendencialmente gratuito,
é o da medicina convencionada na Região Autónoma da
Madeira. Desde 1978, que o governo regional tem assinado contratos com a Ordem
de Médicos para que os médicos desta região
autónoma realizem consultas privadas aos utentes do Serviço
Nacional de Saúde. As consequências para os utentes constam do
quadro seguinte.
Em 1978, o utente do SNS quando recorria a uma consulta de um médico
privado na R.A. da Madeira pagava entre 300$00 e 500$00 (dependia da
especialidade), sendo depois reembolsado pelo governo regional de 250$00, o que
determinava que pagasse efectivamente por cada consulta a diferença, ou
seja, entre 50$00 e 250$00. Em 2004, a mesma consulta custava ao utente do SNS
50 euros (10.000$00), mas era reembolsado pelo governo regional apenas numa
importância que variava entre 20,45 euros e 7,5 euros, o determinava que
o utente tivesse de suportar entre 29,15 euros (5.924 escudos) e 42,5 euros
(8.520 escudos). E para que se possa ficar com uma ideia deste custo para os
utentes do SNS da Região Autónoma da Madeira, interessa referir
que, em 2004, o número de consultas realizadas no âmbito da
medicina convencionada atingiu 150.000 na Madeira, praticamente igual ao
número de consultas realizadas nos serviços oficiais de
saúde, que foram 160.000.
A "REFORMA" DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, A
PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E OS CUSTOS PARA
OS UTENTES E PARA O ORÇAMENTO DO ESTADO
A ameaça de privatização crescente não só
dos serviços públicos de saúde mas também de muitos
outros serviços da Administração Pública
essenciais, com consequências graves para a população e
para o Orçamento do Estado, é real. E isto porque um dos
objectivos principais da chamada "reforma da Administração
Pública" que está a ser levada a cabo pelo governo de
Sócrates é precisamente a entrega a privados de serviços
públicos.
Isso mesmo pode-se ler no relatório do Programa de
Reestruturação da Administração Pública
(PRACE) elaborado pela chamada "comissão técnica"
nomeada pelo governo. Efectivamente, na pág. 14 desse relatório
encontra-se expresso um dos objectivos principais a atingir com a
"reforma" em curso: " Um Estado cada vez menos prestador directo
de serviços e, cada vez mais, regulador, o que obriga ao reforço
das funções de planeamento, controlo, avaliação e
responsabilização" .
De acordo com esta noção de Estado, que é a do actual
governo, ele deve deixar de prestar a maioria dos serviços
públicos essenciais (por ex., saúde, educação,
etc), entregando-os naturalmente a outras entidades, incluindo privadas,
reservando fundamentalmente para si a função de regulador,
planeador, controlador e avaliador. É uma concepção
neoliberal de serviço público, no sentido puro e duro.
Sobre a "externalização" de serviços
públicos, que é o novo nome de privatização dos
serviços públicos ("externalização"
é um termo mais tecnocrata utilizado para não ferir
"sensibilidades" e fundamentalmente para ocultar os verdadeiros
objectivos), existe no próprio relatório uma parte todo ela
dedicada a esta matéria (pág. 31 e seguintes).
Assim, pode-se ler naquele relatório oficial o seguinte:
"Após uma análise cuidada das funções
desempenhadas por cada organismo deverá ponderar-se sobre a
possibilidade da sua transferência para terceiros". E acrescenta
também o seguinte, para tornar ainda mais claros os objectivos
"reformadores" deste governo: "A transferência de
funções para terceiros poderá assumir diversas formas que
vão desde a empresarialização pública da
função (sector público empresarial, que é um passo
intermédio para a privatização futura), à
privatização total (entrega ao sector privado) e pelas parceria
público-privadas" (outra forma que actualmente assume a
privatização dos serviços públicos). E para que
não restassem dúvidas sobre as suas intenções ainda
acrescenta o seguinte: "Na actual Administração
Pública existem já algumas experiências de
externalização com sucesso, designadamente de
"outsourcing" (pág. 31).
Em resumo, a instabilidade, a insegurança, a
desorganização e a paralisia que o actual governo está a
provocar em toda a Administração Pública, contribuindo
assim para um maior agravamento da crise económica e social em que o
País está mergulhado, não é apenas
consequência de uma "reforma" apressada e mal estudada (como
efectivamente também é), mas tem também um objectivo claro
que é o seguinte: criar condições para que depois sejam
entregues à exploração privada serviços
públicos essenciais, pelo menos todos aqueles que possam dar lucros aos
privados à custa dos utentes e do Orçamento do Estado.
15/Julho/2006
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Economista,
edr@mail.telepac.pt
Este artigo encontra-se em
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