Homenagem da nova resistência
à Comissão de Socorro aos ex-Presos Políticos
A Comissão Nacional de
Socorro aos Presos Políticos, activada em 1969, foi homenageada no
Porto, no Dia da Restauração e em pleno Centenário da
República. Este acto vem na sequência da sessão realizada,
em Lisboa, no Cinema São Jorge e de outras iniciativas, inclusive de uma
petição com milhares de assinaturas de todos os quadrantes
democráticos instando a Assembleia da República a assinalar o
40º aniversário da CNSPS. Confraternizaram cerca de 150
cidadãos de corpo inteiro: ex-presos, familiares, amigos, ex-socorristas
que muito tiveram de socorrer.
Panteão Antifascista
O preito à Comissão Nacional de Socorro aos Presos
Políticos é ocasião certa para recordar as prisões,
as agressões, as humilhações, os crimes de sangue do
regime fascista, evocando alguns combatentes da fraternidade e da liberdade:
Abílio Belchior
, Abílio Cardoso, Adriano Correia de Oliveira,
Agostinho Fineza
, Agostinho da Silva, Alberto Vilaça, Alcina Bastos, Alexandre Cabral,
Alfredo Caldeira
,
Alfredo Dinis
,
Alfredo Ruas
, Alves Redol, Abel Salazar, Abel Varzim, Álvaro Cunhal,
Amílcar Cabral
, Ângelo Veloso,
António Adângio
, António Ferreira Gomes,
António Guerra,
António Macedo,
António Mano Fernandes
, Aquilino Ribeiro, Aristides de Sousa Mendes, Arlindo Vicente, Armando
Bacelar, Armando Castro,
Aurélio Dias
, Bento Gonçalves, Bento de Jesus Caraça, Carlos Cal
Brandão,
Cândido Capilé
,
Catarina Eufémia
, Cesina Bernardes, Conceição Matos, Cunha Leal,
David Reis
,
Dias Coelho
, Dias Lourenço,
Eduardo Mondlane
, Egas Moniz, Elina Guimarães, Emídio Guerreiro,
Estêvão Giro
, Felicidade Alves, Fernanda Tomás, Fernando Lopes Graça,
Fernando Óscar Gaspar
, Fernando Piteira Santos, Fernando Valle, Ferreira de Castro,
Ferreira Soares
, Flávio Martins, Francisco Miguel, Georgette Ferreira,
Gervásio da Costa
, Hélder Ribeiro, Heliodoro Caldeira, Henrique de Barros, Henrique
Galvão,
Herculano Augusto
,
Humberto Delgado
, Ilse Losa, Irene Castro, Ivone Lourenço,
Joaquim Correia
, Joaquim Lemos Ferreira, Joaquim Ribeiro, José Afonso,
José Arruda
,
José Centeio
, José Garcia Godinho, José Magro,
José Moreira
, José Morgado,
José Patuleia
, José Rodrigues Miguéis,
Júlio Pinto
, Lino Lima, Lobão Vital, Magalhães Godinho,
Manuel Góis
, Manuel Lourenço Neto, Manuel Serra, Manuel Tavares,
Manuel Tomé
, Manuela Azevedo, Maria Alda Nogueira, Maria Keil, Maria Lamas, Maria
Luísa Costa Dias, Maria Machado,
Mário Castelhano
, Mário de Azevedo Gomes, Mário Sacramento, Miguel Torga,
Militão Ribeiro, Natália Correia, Norton de Matos, Octávio
Pato, Orlando de Carvalho, Paulo Quintela, Pedro Soares, Pinto de Andrade,
Pires Jorge, Raul Rego,
Ribeiro dos Santos
, Rodrigues Lapa, Rogério de Carvalho, Rogério Paulo,
Rosa Morgado
, Ruy Luís Gomes, Salgado Zenha,
Salgueiro Valente
, Santos Silva, Santos Simões, Sérgio Vilarigues, Soeiro Pereira
Gomes, Sophia de Mello Andersen, Sofia Ferreira, Sotto Mayor Cardia, Vasco da
Gama Fernandes, Vasco de Magalhães-Vilhena, Victor Sá,
Virgínia Moura, Wenceslau Ferreira. Milhares de antifascistas passaram
pelos cárceres. Milhares foram vítimas dos
safanões
de Salazar. A maioria não deixou necrológio, por se tratar de
resistentes de menor visibilidade (operários, trabalhadores rurais,
empregados de serviços, domésticas, pequenos empresários,
profissionais liberais, estudantes, funcionários públicos,
militares de base. Presume-se que, no período de 1926-1974 tenham sido
objecto de reclusão ou interrogatório sumário mais de
50.000 portugueses, uma média de três/dia em 48 anos. Quanto a
prisões efectivas, com processo elaborado, apontam-se à volta de
30.000 (8.293 relativas ao período da Guerra Civil Espanhola/1936-1939)
e cerca de 15.000 (período 1945-1974). As restantes são
averbáveis aos primeiros anos da Ditadura Militar/Civil e ao intervalo
1939-1945. O maior obituário coincide com o período de
consolidação da Ditadura Militar/Ditadura Civil e da
caça ao homem
no marco da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Algumas fontes referem
centenas de caídos às mãos de militares golpistas, agentes
da PIDE e de outras forças repressivas, em manifestações,
no jugulamento de sublevações, em
raids
fronteiriços. Optou-se, neste Panteão Antifascista, por nomear a
negrito alguns dos
heróis supremos da batalha,
liquidados a tiro na via pública ou nas masmorras pela
coercive counterintelligence,
O painel não inclui
vítimas de morte lenta,
imputáveis a falta de assistência médica ou a
lesões de consequência letal não imediata. Há acervo
nas jazidas da Torre do Tombo e noutras guardas memoriais. O repositório
do Tombo contém igualmente ficheiros que escaparam às queimadas
da PIDE e à sofreguidão na fase de desmantelamento do Estado
fascista. Sob alçada policial estavam milhões de portugueses.
Toda a geografia do Minho a Timor era campo de suspeita e devassa.
Jornalismo da Censura
Reforçaremos a evocação com uma pequena amostra das
intervenções da Censura (1968-1974), matéria recolhida num
jornal onde o jornalismo já foi actividade principal e que dão
nota da sanha de um regime que encarcerava, torturava, assassinava e sujeitava
as vítimas ao aviltamento social, ao banimento noticioso:
25/4/1968.
Os réus do Plenário não devem ser tratados por senhores.
18/6/1970.
A DGS prendeu o padre Abílio Cardoso. Cortar.
21/1/1971.
No Supremo Tribunal de Justiça foi julgado o recurso de um chefe de
posto de Angola que bateu num preto e o preto veio a falecer. Foi julgado e
condenado. Corte total.
18/2/1972.
Um preso político, encarcerado em Caxias e de nome Guilherme Carvalho,
foi submetido a melindrosa intervenção cirúrgica.
Não dizer que é preso político e, muito menos, de Caxias.
3/7/1973.
Libertação do sindicalista Daniel Cabrita. A mulher suicidou-se o
ano passado. Mandar para cortar.
21/4/1974.
Exposição de diversas personalidades entregue na
Presidência do Conselho de Ministros acerca das últimas
prisões efectuadas pela DGS-proibido.
[1]
Nova
Política do Espírito
Esta homenagem é um convite à reflexão sobre a
recaída no
antigamente
por banda de uma série de modistas mediáticos e historiadores de
saison.
O fascismo existiu, oprimiu, matou, espoliou e mentiu. Mentiu através
da Propaganda e da Censura. Hoje, a mentira prolonga-se e propaga-se
através de meios maciços e massivos de formatação
ideológica, guarda-costas do pior do passado e do pior do presente,
ilustrável pelo Concurso do
Grande Português,
organizado pela Televisão do Novo Estado, que cada vez mais se
confunde com a Televisão do
Estado Novo.
As grandes indústrias de comunicação foram montadas para
o controlo do espaço cívico: às Televisões cabe a
super-captura de audiências, devido à magnética
audiovisual; a Imprensa fretista e mal escrita funciona como segunda rede na
fixação de emoções primárias e
opções equívocas; as editoras
out-door
culminam o trabalho em cadeia, apostando no rendimento intelectual
mínimo. Na generalidade, este parque tecnológico aceitou o
encargo da reabilitação do regime salazarista-marcelista,
relativizando as suas ofensas a toda a carta de direitos humanos;
desculpabilizando os seus actores e métodos; enaltecendo figuras,
figurinhas e figurões; silenciando ou deturpando as vozes das
vítimas. A chamada Comunicação Social, cada vez mais
anti-social, por regra, deita ao cesto electrónico tudo o que não
se ajuste à manipulação e mistificação do
BCI/Bloco Central de Interesses/BCM/Bloco Central Mediático. A Casa dos
Segredos W.C., o haxixe dos relvados, os concertos da pesada, os corsos da
Escola Sagres e da Universidade Super Bock, os programas da manhã e da
tarde para acelerar o processo degenerativo da Terceira Idade são
alguns dos
pratos fortes
da Agenda do BCM/BCI. É do contrabalanço que, neste despejo de
produtos avariados, tem de haver um ponto de ordem e uma sinalética
reguladora, de maneira que os consumidores, contribuintes e eleitores
não se escapem da tutela do BCI/tripé de governança. A
contratação de
opinion makers
de
pedigree
marcelista-miguelista remata com um corpo de baile do PU/Pensamento
Único. A fórmula está abundantemente experimentada nas
democracias de superfície. O BCM faz deste modelo representativo a sua
agenda. Os grupos económicos mediáticos injectam dose e a
overdose
da Nova
Política do Espírito,
patentemente corporizada na
Quadratura do Círculo,
onde se sentam três
posters
do rotativismo, assessorados por um suporte giratório.
Estilistas neocon
No baile mandado do
Grande Português
acabou por se tornar mediaticamente correcto e academicamente cortês
adoptar a idiomática e a emblemática do regime fascista,
integrando o
Estado Novo
nos códigos de comunicação da
modernidade.
Este surto retro-estadonovista sugere duas observações:
há os que reproduzem o qualificativo mecanicamente e qualquer um de
nós poderá incorrer na distracção, deixando-se
contaminar pelo discurso imperante e infestante e há os antónios
ferros da Nova
Política do Espírito,
em alinhamento com um quadro internacional de limitação de
direitos e liberdades, de sacralização do capital e de
criminalização do trabalho, de condicionamento de alternativas ao
BCI. O sistema capitalista está cliente de teorização
musculada para amedrontar explorados, seduzir desatentos e punir
recalcitrantes. É nesta atmosfera de redução de
cabeças que saltam a terreiro os reprodutores/ reprodoutores do que
está a dar, fazendo desfilar o fascismo com elegância,
adereçado e pronto-a-vestir. Para se paramentar, o Conservadorismo
Pós-Moderno reutiliza as vestimentas do Secretariado da Propaganda do
Estado Novo.
O pronto-a-vestir é normalmente mais barato. Vão direitinhos
aos saldos. Adoptam o figurino das borlas e botas. Não prestam prova de
desenho de autor. Os estilistas
neocon
desta província da Nova Roma é
démodé.
O pessoal de alterne ideológico não risca. Apenas puxa o lustre
dos uniformes e a graxa do calçado. Nem sequer se dá conta de que
o Verbo fascista é uma
língua morta.
Nem cuida em pôr o
Estado Novo
entre comas, aspas ou vírgulas dobradas. O próprio Marcelo
Caetano, reconhecendo o descrédito, ensaiou uma tímida troca de
roupagem. Metamorfoseou a PIDE em DGS, a União Nacional em
Acção Nacional Popular, o Diário da Manhã em
Época, o SNI em SEIT. Ainda fez tenção de repintar a
fachada do
Estado Novo
mudando as tintas para Estado Social. Hesitou ou deparou com o peso da
inércia. Nada de que não haja antecedentes. A
evolução na continuidade
tem os seus limites de texto e de contexto.
Livro Único
Também o salazarismo/marcelismo não deixou rasto original. Herdou
da
República Nova
de Sidónio Pais o impulso pré-fascista e da
Nova República
/
Ordem Nova
de Benito Mussolini o guarda-roupa do
Estado Novo,
como o franquismo envergou as camisas da
Fuerza Nueva,
com a cruz gamada na ourela e o facho nos botões de punho. Feita a
retrospectiva, o pensamento do ditador da Lusitânia não revela,
tal como o dos retro-estadonovistas, novidades de passarela. O único
registo performático do
Excelentíssimo
deve-se a uma cadeira, que ocupa a centralidade simbólica do seu
afastamento de cena.
Study case
desperdiçado. A PIDE, perita em arrancar confissões, não
extorquiu uma revelação à magnicida. Os carrascos de
Guantanamo algo teriam a aprender com a veemência do
interrogatório. Teria sido um gesto de gratidão pelo
know-how
que a CIA, no pós-guerra, forneceu à PIDE, não só
intercambiando informações como procedendo à sua
formação prática e teórica, assente na Directiva do
Império:
The Coercive Counterintelligence Interrogation of Resistant Sources
/Interrogatório de Contra-Inteligência Coerciva a fontes
resistentes. Plenamente actual. A PIDE foi acolhida como parceira por ditaduras
e democracias ocidentais: os bons enlaces principiaram com a Gestapo do Grande
Chefe, com a Brigada Político Social-Guarda Civil de Franco e a OVRA de
Mussolini. Mas voltemos ao santacombensis. Na verdade, nunca passou de
bom aluno
da Escolástica Reaccionária da Europa do Eixo, a sua
União Europeia. Os estadonovistas pululavam da Alemanha de Adolf Hilter
à Áustria de Engelbert Dollfuss, da Itália de Benito
Mussolini à Croácia de Ante Pavelic, da França de Henri
Pétain à Holanda de Anton Mussert, da Noruega de Vidkun Quisling
à Finlândia de Vihtori Kosola, da Roménia de Ion Antonescu
à Lituânia de Augustinas Voldemarcas, da Hungria de Miklós
Hortlhy à Bulgária de Alejandro Tsankov, da Albânia de
Ahmet Zogu à Grécia de Ioannis Metaxas, do Líbano de
Pierre Gemayel à África do Sul de John Vorster, da Argentina de
Juan Perón ao Brasil de Getúlio Vargas, do Japão de
Michinomiya Hirohito à China de Chang Kai-Shek. O capitalismo,
também então à procura de escravos e mercados, propagou a
gripe aviária da águia nazi e fez vibrar o
coup-de-poing
fascista, inclusive nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália,
na
equidistante
Suécia, na
neutra
Suíça, na
livre
Inglaterra. A União Soviética foi a potência que, de facto,
travou o passo de ganso e o braço levantado, cortando o mal pela raiz no
seu território e quebrando a espinha ao invasor, rechaçando-o
até ao covil do Reichstag. Pela largueza do mapa se surpreende a
cobertura que a barbárie alcançou. Salazar, no extremo-ocidental,
com o coração em Berlim e o fundo das calças em Londres,
foi um repetidor de abecedário, um peão de retaguarda, um
contrabandista de volfrâmio e um alugador de quartos a espiões. No
Líbano, como em paragens do Norte e do Sul, também se glosou a
trilogia
Deus, Pátria e Família/Deus, Nação,
Família/Deus/Família, Propriedade.
O
país irmão
de Getúlio também anunciou o
Estado Novo
(1937) antes da
Lição de Salazar
(1938). Na realidade, o nazi-fascismo teve dois grandes centros de
produção coreográfica e propagandística: Alemanha e
Itália. Os demais foram consumidores de estribilhos, figurinos e
cenários. O
Estado Novo
de Salazar redunda, por este ângulo e a esta distância, numa
tradução do
Livro Único.
Mussolini volta à secretária
Não há fascismo
fashion
ou de
brandos costumes.
Nada anula o concreto histórico. Os democratas com memória e
respeito pela Palavra sempre tratarão o
antigo regime
por ditadura fascista. Têm volumosa documentação para
manter o Desacordo Ortográfico. O Estado Fascista Português
estruturou-se segundo um padrão misto, tendo como grão-mestres o
Duce e o Führer. Vertebrou os estabelecimentos oficiais e as
organizações paramilitares conforme o padrão
nazi-fascista. Salazar plantou uma fotografia de Mussolini na secretária
para se inspirar nas
horas graves
e decretou três dias de luto pela morte de Hitler. Mussolini e Hitler e
Salazar eram da Casa Comum Euro-Fascista, unidos por laços de sangue.
Foi nos pressupostos desta Tríplice Aliança que doutrinou os
seguidores. Do mesmo modo infectou o tecido social. A
Política do Espírito
foi implementada através de dispositivos próprios de propaganda,
da aparelhagem jornalística, da malha escolar, da teia
eclesiástica. Há que relembrá-lo. Compete aos democratas a
alfabetização transgeracional. Depois da oposição
à ditadura fascista não é tolerável uma democracia
farsista. O regime democrático não pode descurar a auto-defesa e
o contra-ataque. A Constituição da República caracteriza o
autoproclamado
Estado Novo
como
regime fascista,
interditando qualquer movimento que vise a sua reconstituição
orgânica e a difusão da sua prédica. Quem se colocar no
plano da reabilitação ou da suavização afronta a
Constituição da República de Abril, directório de
uma Democracia Política, Económica, Social e Cultural,
Anti-Colonialista e Anti-Imperialista.
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa
resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos
mais profundos, derrubou o regime fascista. Libertar Portugal da ditadura, da
opressão e do colonialismo representa uma transformação
revolucionária e o início de uma viragem histórica da
sociedade portuguesa.
[2]
Polvo Unido
Passemos, porém, a um questionário de rua. Quem encontra
facilmente a fraternidade e a liberdade desde que sai de casa e se choca com as
corridas para o emprego ou o desemprego? Não depararemos com a
insegurança do dia seguinte no rosto das multidões? Que responder
ao cravo que interroga as nossas mãos nas nossas sessões
comemorativas? Quem trancou
as portas que Abril abriu
? Quem entregou a Constituição a Bruxelas, as Finanças a
Berlim, o MFA a Washington? Quem agraciou agentes da PIDE e negou uma
pensão à viúva de Salgueiro Maia? Esteve a despachar em
São Bento. Trespassou o despacho para Belém. Ameaça
continuar a despachar. Quem desnudou, numa esquadra de Lisboa, duas jovens que
afixavam nas paredes da Lei o seu inconformismo? Quem encomendou blindados para
missões indizíveis, já que não chegaram a horas de
mostrar os dentes na cimeira da NATO? Que sinais são estes?
Preferirão a juventude transviada? Preparam-se para bater forte e feio
nos esfomeados e desempregados, nos espoliados e arrastados para a
falência pelas quadrilhas do BPN e do Lehman Brothers? Quem permite que o
patronato despeça por SMS? Estará a beneficiar das
Novas Oportunidades
? Quem interrompeu as diligências investigatórias do caso Freeport
e dos voos clandestinos da CIA? Quem consente que operadores sistémicos
(na esteira da Jerónimo Martins, Semapa, Sonae, Portucel, Portugal
Telecom) arrecadem dividendos antecipados, pondo-se a léguas da crise e
dos custos da catástrofe? Quem tolera a impunidade e o regabofe? Por
certo a tríade PS/PSD/CDS-BCI. Quem comprou submarinos para proteger a
pesca do robalo de Armando Vara? A tríade. Evitarão que Portugal
se afunde? Interceptarão a Grande Evasão Fiscal? Quem terá
posto Manuel Pinho a leccionar uns meses na Columbia? A Universidade aceitou o
dotado MP a troco de três milhões de euros, propina de mestre paga
pela EDP. Lembram-se da sumidade que tem de pagar para dar aulas? Abandonou o
Governo após a chifrice parlamentar. Importa despender alguns caracteres
com a criatura/caricatura do BCI. O seu Ministério editou uma brochura
para iniciar os mercados na História de Portugal. A escolha dos Grandes
Portugueses recaiu em Salazar e Sócrates. Nem mais. Já que
não temos Ministério da Educação e muito menos
Ministério da Cultura, o magistério é ocupado pelo
Ministério da Economia de Portugal & dos ALLgarves. Enfim, coloca-se a
pergunta final: quem, além de alguns banqueiros, empreiteiros,
hipermercadeiros, sucateiros, boyeiros e pantomineiros, poderá dizer e
garantir que
l´État c`est moi
ou
I am the State
? Enfim, aqui chegados, como dar a volta/operar a reviravolta? Impõe-se
um Programa de Redemocratização da República. Será
de todo o
interesse nacional
não encerrar as cerimónias do Centenário sem um debate e
um rebate. Trinta e seis anos após a
Grândola, vila morena,
a máfia
é quem mais ordena.
Não é um vermelho a macular autoridades eleitas e a rastrear
entidades ocultas. Foi um empresário rosa, Henrique Neto, a pronunciar e
a acentuar o termo. Depois do
Povo Unido,
o Polvo Unido?
Ordem Cleptocrática
Não há, porém, lugar para desalento neste mundo e neste
apeadeiro dos mercados. Ao trazermos à memória ex-presos
políticos e de Comissões de Socorro estamos a falar de
cidadãos que pagaram e continuam a pagar a factura de ter ideias com
ideais e ideias com moralidade, que intervieram em tempos de elevado risco, uns
combatendo no interior das prisões, outros mitigando a solidão e
as privações dos presos e de seus próximos, denunciando um
Estado delinquente ao serviço de cavalheiros da indústria,
barões da finança, cavaleiros do latifúndio. Durante quase
meio século a ditadura governou para e foi governada por uma
dúzia de famílias. Desde há 34 anos que a democracia foi
insidiosa e paulatinamente arrebatada pela mesma dúzia e por mais meia
dúzia. Quem suportou 48 anos de regime concentracionário e
sanguinário tem fôlego para contestar esta democracia
estatística, que teme a participação e a alternativa. Uma
democracia de controlo remoto. Os comandos têm sigla: BCI/BCE/USA/BCM.
São também manejados por agências especializadas e clubes
Don Corleone
[3]
. Eméritos norte-americanos fizeram o retrato robô da
governação do seu país. A legenda do
passe-partout
não consente ilusões:
cleptocracia bipartidária
. Em Portugal, frustrada a
via original para o socialismo
, passou a definir-se a via tripartidária para o capitalismo. Somos
pequenos mas prezamos a biodiversidade.
Regresso à Constituição
Os que padeceram a prisão, a tortura, a morte, a
inquirição, a coacção, a calúnia, a
exoneração, a deportação, o exílio continuam
exemplarmente
a nosso lado
. Convocam-nos para a Nova Resistência. Só com os ideais da
Revolução de 1974/Constituição de 1976 superaremos
as corruptelas, os bloqueios, os desequilíbrios e a
percepção negativa
do regime democrático. Morbidez provocada por quem jogou no sucesso
pessoal e no desastre nacional. Gente que conduz o país das
auto-estradas para um beco sem saída. Grupos de assalto
jet-set
que sequestraram as aquisições da
Revolução dos Capitães.
Basta olhar com olhos de ver e ouvir sem fingir de surdo. O défice
democrático interno é mais inquietante do que o défice
monetário externo. A maior dívida não é a
apresentada e cobrada pelos agiotas é a dívida por pagar ao Povo
Português, seduzido e abandonado pela tríade. Esta dívida
tem de ser apresentada e cobrada pelo povo, atingido na bolsa e na
boa-fé. Passaram 34 anos de
vira o disco e toca o mesmo.
Aqueles que querem acalmar os mercados estão a convulsionar a
sociedade portuguesa. Nunca houve tanta necessidade, depois do dia 25 de Abril
de 1974, de exercer o
direito à indignação.
Apenas a indignação esclarecida e organizada nos tirará
do
pântano,
na linguagem metafórica do refugiado António Guterres e
erradicará a
máfia,
no Português sem rodeios de Henrique Neto. É
obrigação cívica desmascarar e levar à derrota os
que privatizaram a riqueza e nacionalizaram a pobreza, os que investem na
miséria, na ignorância e no temor para perpetuarem a
alternância, apólice de estabilidade dos mercadores de
países e almas. Cumpre-nos clarificar na praça o que é
escondido, desfocado e cortado nas televisões, jornais, rádios,
editoras. Compete-nos escrever e dizer o que não querem ler nem ouvir.
Neste combate não há ex-combatentes. Um povo só triunfa
levantando-se do chão. Um Polvo Unido só se rende a um Povo
Unido.
1. Do Autor:
Os Segredos da Censura,
3.ª edição, Editorial Caminho, 1994, Lisboa, ISBN
972-21-O280-X.
2.
Preâmbulo /
Constituição da República Portuguesa,
2 de Abril de 1976.
3. Don Corleone, patrão da máfia, na vida real Vito Corleone
(1891-1955), personagem do romance
The Godfather
(1969)/O Padrinho/O Poderoso Chefão, Mário Puso (1920-1999).
Série cinematográfica de Francis Ford Copolla (1972/1974/1999).
[*]
Escritor, jornalista.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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