O
Expresso
e a diminuição dos salários em Portugal
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RESUMO DESTE ESTUDO
O semanário
Expresso
tem divulgado opiniões, por vezes com grande destaque, dos que defendem
a diminuição dos salários e a redução da
parte das remunerações no PIB como meio de aumentar a
competitividade das empresas portuguesas. Nesse sentido, num curto
espaço de tempo, este semanário publicou duas noticias, uma de um
conhecido banqueiro e outra de um economista neo-liberal, este último
funcionando como caixa de ressonância do primeiro. As
opiniões contrárias, dos que defendem nomeadamente uma
repartição mais justa da riqueza criada no País
não têm tido qualquer acolhimento nas páginas deste
semanário.
A análise feita neste estudo com base em dados publicados pelo
serviço oficial de estatística da União Europeia o
Eurostat mostra que é precisamente no nosso país, quando
comparamos com a média comunitária, que as desigualdades na
repartição da riqueza são maiores e não têm
parado de aumentar mesmo com a crise; que a percentagem que as
remunerações representam na riqueza criada no País
é menor; e que a remuneração média em Portugal, no
lugar de ter convergido nos últimos anos para a média
comunitária, tem divergido.
Em Portugal, entre 1999 e 2003, o número de vezes que o total dos
rendimentos auferidos pelos 20% mais ricos da população é
superior ao total dos rendimentos recebidos pelos 20% mais pobres da
população aumentou de 6,4 para 7,4 vezes. E isto apesar da
situação em Portugal ser, em 1999, uma das piores em toda a
União Europeia já que aquela relação era, em
média, de 4,4 vezes em toda a União Europeia, enquanto em
Portugal atingia já 6,4 vezes .
Em 2003, em Portugal as remunerações dos trabalhadores
representavam apenas 40% do PIB daquele ano, ou seja, de toda a riqueza criada
no nosso País, enquanto a média nos países da União
Europeia era de 51%. Em 2004, de acordo com dados publicados no
relatório do Banco de Portugal, a situação não
melhorou.
Se se comparar a remuneração média portuguesa com
remuneração média da União Europeia (25
países) conclui-se que, em 1999, a portuguesa representava 54% da
remuneração média comunitária, mas em 2003
já representavam apenas 44% da comunitária, tendo aumentado a
divergência entre a remuneração média dos
trabalhadores portugueses e a remuneração média da
União Europeia.
Em resumo, apesar da desigualdade na repartição da riqueza em
Portugal ser maior que a média dos países da comunidade europeia;
apesar da percentagem que as remunerações representam em
relação ao PIB ser em Portugal muito mais baixa do que a
média da União Europeia; e apesar da diferença entre o
salário médio português e o salário médio
comunitário ter aumentado entre 1996 e 2003 como revelam os dados do
Eurostat, mesmo assim, a competitividade da economia portuguesa não
aumentou nos últimos anos; muito pelo contrário. Por essa
razão, persistir e defender tal caminho, como defendem o banqueiro
Fernando Ulrich e o economista neo-liberal Daniel de Amaral, só
poderá levar a um maior atraso do País e a um maior agravamento
da injustiça social e da miséria em Portugal. Esse não
poderá ser o caminho que permitirá tirar o País da
situação de atraso, da estagnação e mesmo
recessão económica em que se encontra mergulhado fruto de
politicas erradas que só têm agravado a crise económica e
social.
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Por duas vezes, quase seguidas, o semanário
Expresso
publicou peças jornalísticas defendendo a
diminuição dos salários nominais em Portugal e da parte da
riqueza criada que reverte para os trabalhadores sob a forma de
remunerações. Diz ele que é para aumentar a
competitividade das empresas.
A primeira notícia foi publicada no número de 16/Julho/2005, com
grande destaque, Era uma intervenção do
banqueiro Fernando Ulrich, o "patrão do BPI" como o chamava o
Expresso.
Aquele grande senhor defendia que
"os salários dos portugueses deviam baixar 10%". A segunda
foi um
artigo de opinião de Daniel Amaral, publicado em
03/Setembro/2005. Trata-se de um economista que o
Expresso
acolhe periodicamente nas suas
páginas. Funcionando como "caixa de ressonância"
do banqueiro, embora reconhecendo que os visados (os trabalhadores) nunca
aceitariam a medida defendida pelo mesmo, Daniel Amaral no entanto defendia
outros caminhos para alcançar o mesmo. E esses caminhos eram os
seguintes:
(1) "Acréscimos salariais inferiores à
inflação, a
que chama um mal menor", ou seja, aquilo que consta do Programa de
Estabilidade e Crescimento para 2005-2009, e que o governo pretende impor aos
trabalhadores, nomeadamente aos da Administração Pública);
(2) Aumentos de salários reais inferiores a aumentos
de produtividade.
Em relação a esta segunda forma, Daniel Amaral faz mesmo contas:
Se a produtividade do trabalho aumentasse 3% e os salários reais 1% ao
fim de 2,7 anos, afirma ele, a percentagem que os salários representam
do PIB teria descido 2,5 pontos percentuais.
Interessa ressaltar a dualidade de critérios do
Expresso:
dá acolhimento repetido nas suas páginas às
opiniões que fazem a defesa aberta da diminuição dos
salários e da redução da parte da riqueza que reverte para
os trabalhadores, mas recusa-se a divulgar as opiniões que defendam
posições contrárias, nomeadamente uma melhor
repartição da riqueza em Portugal. E quando é confrontado
com tal parcialidade, que se está a tornar cada vez mais frequente, o
Expresso
responde que publica apenas aquilo que considera de "interesse
jornalístico".
Neste estudo vai-se analisar aquilo que o
Expresso
não publica por considerar "sem interesse
jornalístico", mas que certamente interessa à esmagadora
maioria dos trabalhadores portugueses. É preciso desmontar
as tentativas em curso para justificar uma nova redução nas suas
já difíceis condições de vida.
AS DESIGUALDADES CRESCEM EM PORTUGAL MESMO COM A CRISE
O
Eurostat
, que é o serviço de estatística da União
Europeia, publicou dados sobre a repartição da riqueza nos
países que constituem a Comunidade Europeia. E esses dados revelam que
Portugal, apesar de ser um país onde a repartição de
riqueza era já uma das mais injustas entre os países da
União Europeia, ainda se agravou mais nos últimos anos.
Em Portugal, no ano de 1999, o total de rendimentos recebidos pelos 20% mais
ricos da população foi 6,4 vezes superior aos rendimento
auferido pelos 20% mais pobres. Nesse ano, a desigualdade na
repartição do rendimento em Portugal (6,4 vezes) era já
muito superior à média
comunitária (4,6 vezes).
Quando o governo PS de Guterres cai, ou seja, em 2001 essa
relação já se tinha agravado pois aumentara para 6,5
vezes. No entanto, em 2003, ano em que a recessão económica
atingiu o nosso país, o agravamento da desigualdade na
repartição do rendimento em Portugal agravou-se muito mais, pois
os rendimentos auferidos pelos 20% da população portuguesa mais
ricos já foram 7,4 vezes superiores aos rendimentos recebidos, no mesmo
período, pelos 20% da população portuguesa mais pobres.
Os dados do quadro anterior permitem tirar outras conclusões importantes
sobre a injustiça social que existe em Portugal quando a comparamos com
a de outros países da União Europeia.
Assim, se compararmos a situação portuguesa no campo da
repartição da riqueza com a registada nos países da
União Europeia mais desenvolvidos (ex.: Bélgica, Dinamarca e
Alemanha), a situação em Portugal é muito mais injusta e
grave.
Por outro lado, se fizermos a mesma comparação com a de
países que muitas vezes são apresentados como exemplos a seguir
por Portugal Irlanda e Finlândia a situação
portuguesa, em termos de justiça na repartição do
rendimento, é também muito mais grave. Em 2003, em Portugal, os
20% mais ricos recebiam de 7,4 vezes mais do que 20% mais pobres, enquanto na
Irlanda essa relação era de 5,1 vezes, e na Finlândia os
20% mais ricos recebiam apenas 3,6 vezes mais do que os 20% mais pobres da
população.
Tudo isto prova que uma repartição mais justa da riqueza
não é incompatível com ritmos de crescimento
económico e de desenvolvimento mais elevados, contrariamente ao que
defendem os representantes dos grandes grupos económicos e economistas
neo-liberais.
A PERCENTAGEM QUE AS REMUNERAÇÕES REPRESENTAM DA RIQUEZA CRIADA
EM PORTUGAL É DAS MAIS BAIXAS ENTRE OS PAÍSES DA UE
Os dados do quadro seguinte, também publicados pelo serviço
oficial de estatística da União Europeia, mostram que é
precisamente também em Portugal que as remunerações
representam em percentagem do PIB um dos valores mais baixos.
Os dados do quadro anterior publicados pelo Eurostat não incluem as
contribuições patronais efectivas e fictícias para a
Segurança Social como faz o Banco de Portugal, certamente com o
propósito de tornar mais difícil conhecer qual a percentagem que
representava as remunerações dos trabalhadores da riqueza criada
no nosso país (Daniel Amaral, no seu artigo, junta as
contribuições patronais fictícias e efectivas às
remunerações). Por essa razão tivemos de calcular e
deduzir contribuições patronais para os dados poderem ser
comparados com os publicados pelo Eurostat o que, sob o ponto de vista
técnico, é sem dúvida muito mais correcto.
E a conclusão imediata que se tira dos dados do Eurostat constantes do
quadro anterior é a seguinte: em Portugal a percentagem que as
remunerações recebidas pelos trabalhadores representam em
relação ao PIB (Produto Interno Bruto, ou seja, riqueza criada no
nosso País) é significativamente inferior à média
da União Europeia. E isto porque em média na União
Europeia os trabalhadores recebem cerca de 51% do PIB sob a forma de
remunerações, enquanto em Portugal essa percentagem é
apenas de 40%.
Outro aspecto importante revelado pelos dados do quadro anterior é que
essa percentagem tem descido de uma forma continua em Portugal. Em 1995, quando
o governo de Guterres tomou posse, essa percentagem atingia 44% do PIB; em
1998, último ano em que o Eurostat publicou dados sobre Portugal, essa
percentagem já tinha descido para apenas 42%. E em 2003, a estimativa
feita por nós com base em dados publicados pelo Banco de Portugal,
é de apenas de 40% do PIB. Para 2004, utilizando os dados constantes do
relatório do banco de Portugal, concluímos que se manteve a mesma
percentagem.
AS REMUNERAÇÕES MÉDIAS MENSAIS EM PORTUGAL REPRESENTAM UMA
PERCENTAGFEM CADA VEZ MENOR DA REMUNERAÇÃO MÉDIA EUROPEIA
Contrariamente ao prometido quando Portugal entrou para a União
Europeia, as remunerações dos trabalhadores portugueses, no lugar
de convergirem para a média europeia, têm divergido com revelam os
dados do Eurostat constantes do quadro seguinte.
Como mostram os dados do Eurostat, em 1996, o remuneração
média em Portugal representava cerca de 57% da remuneração
média comunitária (25 países) e, em 2003, essa percentagem
no lugar de ter aumentado convergindo para a média da União
Europeia, tinha diminuído para apenas 45,5%.
MAS HÁ QUEM QUEIRA AGRAVAR AINDA MAIS AS DESIGUALDADES UTILIZANDO O
FALSO ARGUMENTO QUE ASSIM SE AUMENTARIA A COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS
Os representantes dos grandes grupos económicos, como Fernando Ulrich, e
economistas neoliberais, como Daniel Amaral, defendem que as
remunerações dos trabalhadores são um custo perfeitamente
igual aos custo de qualquer factor de produção, como são o
capital, a terra, etc., e que devem e podem ser manipulados livremente para
reduzir custos e alcançar, desta forma, "ganhos de
competitividade" como dizem. Esquecem que diferentemente do que sucede com
os outros factores de produção, por trás das
remunerações estão as pessoas que as recebem, que
têm direito a uma vida humana digna. Portanto, quando se defende a
diminuição dos salários está-se a defender o
agravamento das condições de vida de 73% da
população activa do país, pois é precisamente esta
percentagem de portugueses que têm como fonte mais importante dos
rendimentos que precisam para poder viver as remunerações que
recebem em troca do trabalho que prestam ou que são obrigados a vender
para poderem viver.
A politica de remunerações constitui uma das áreas mais
importantes da politica de rendimentos, sendo os instrumentos mais importantes
para repartir a riqueza produzida num país justa e equilibrada, e de por
a economia ao serviço das pessoas, e não o contrário, ou
seja, de submeter e sacrificar as pessoas no altar da economia. E isto
até porque quando se defende a diminuição dos
salários como uma necessidade imposta pela economia, uma entidade
mítica e objectiva que ninguém sabe bem quem comanda, o que se
procura é fazer passar os interesses dos grupos económicos e
políticos dominantes, tornando-os assim mais aceitáveis e menos
questionáveis.
Uma análise económica liberta do neoliberalismo de
importação dominante leva à conclusão que a
diminuição dos salários, para além de provocar um
agravamento significativo da injustiça social, também
determinaria o agravamento da crise económica e social. E isto porque o
motor da nossa débil economia ainda tem sido o mercado interno,
já que o ritmo de crescimento das exportações portuguesas
está a ser quase nulo. De acordo com o INE, nos primeiros 5 meses de
2005 cresceram apenas 1%. Se os salários nominais diminuíssem,
como pretende o banqueiro Fernando Ulrich, ou se a parte das
remunerações no PIB baixasse, como defende o neoliberal Daniel de
Amaral, verificar-se-ia uma contracção ainda maior no mercado
interno, o que determinaria para milhares e milhares de empresas portuguesas
ainda maiores dificuldades em vender o que produzem, o que acarretaria mais
falências e ainda mais desemprego. Para além disso, em termos
económicos, é ingénuo pensar, para não dizer outra
coisa, que o aumento da competitividade sustentada da economia portuguesa se
consegue ou com a diminuição dos salários ou com a
redução da parte das remunerações no PIB. Pensar e
defender isso, é defender um modelo de crescimento baseado em baixos
salários, em mão-de-obra pouco qualificada, com reduzida
inovação, que já está totalmente esgotado e que
ninguém de bom senso acredita.
05/Setembro/2005
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Economista,
edr@mail.telepac.pt
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