O défice orçamental não é insustentável — o
que é insustentável é a estagnação
económica e a grave injustiça social existente em Portugal
RESUMO DESTE ESTUDO
A ciência económica não é uma mera contabilidade
entre receitas e despesas, nem a resolução da grave
situação económica se reduz a estabelecer a igualdade
receitas = despesas como se fazia antes do 25 de Abril, e como o programa
"Prós e Contra" de 27 de Junho procurou também fazer
numa operação de manipulação da opinião
pública.
Contrariamente ao que se pretende fazer crer o défice orçamental
não é, nem sob o ponto de vista empírico nem sob o ponto
de vista técnico, insustentável, nem é o problema mais
grave que o País enfrenta. Ele é fundamentalmente
consequência e sintoma de outros problemas muito mais graves cuja
resolução é muito mais urgente, já que só
esta é que poderá permitir o desenvolvimento sustentado de
Portugal e a resolução de uma forma verdadeira e duradoura do
problema do défice orçamental.
Em Portugal, mesmo com governos de Cavaco Silva, verificaram-se défices
orçamentais mais elevados que o actual (por ex, em 1993, -8,9% do PIB) e
não se ouviu nessa altura os defensores actuais do pensamento
económico único dizer que eles eram insustentáveis.
Muito mais grave do que o défice orçamental é o
défice comercial (-10,8% em 2004), que já atinge o dobro do
défice orçamental, e que revela uma perda crescente de
competitividade das empresas portuguesas quer nos mercados externos quer mesmo
no mercado nacional, hipotecando assim Portugal como nação
independente, mas que não tem merecido qualquer atenção.
A economia portuguesa está a crescer, em média, a um ritmo que
corresponde a metade do da economia da União Europeia, e esta
está a crescer a um ritmo correspondente a também a metade do
ritmo de crescimento da Economia Mundial. Tudo isto, a manter-se, só
poderá determinar para Portugal mais estagnação
económica e mais desemprego.
É evidente que o Plano de Investimentos, que o governo apresentou com
pompa e circunstância no Centro Cultural de Belém, em 5 de Julho
de 2005, que analisaremos num outro estudo, em que a parte fundamental é
na construção, que é um tipo de investimento que tem, como
sabem os economistas, um efeito reduzido no aumento da competitividade e da
produtividade das empresas; repetindo com um Plano de investimentos desta
natureza é de prever que não consiga tirar o País, de uma
forma sustentada, do estado de estagnação económica em que
se encontra. Serve de exemplo concreto a situação do sector
têxtil que não é considerado no Plano apresentado pelo
governo. No entanto, se não houver uma forte intervenção
do Estado visando a modernização das empresas, inevitavelmente
assistir-se-á no máximo daqui a 3 anos a milhares de
despedimentos e à destruição de uma parte significativa
deste importante sector produtivo.
A juntar a tudo isto, verifica-se uma crescente injustiça social, de que
é prova o facto de que se em Portugal revertesse para os trabalhadores a
mesma percentagem do PIB que em média reverte na União Europeia,
os trabalhadores em Portugal teriam recebido, em 2004, mais 13.500
milhões de euros, ou seja, em média mais 250 euros por mês.
Num país como o nosso, em que o tecido económico e social
é extremamente frágil, em que os empresários têm, em
média, apenas 7,7 anos de escolaridade, o papel de uma
Administração Pública moderna e eficiente é
fundamental para assegurar a modernização das empresas e garantir
um desenvolvimento sustentado do País. O ataque violento que se verifica
neste momento contra os trabalhadores da Administração
Pública põe em causa o importante papel que deverá ter a
Administração Pública em Portugal.
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O programa "Prós e Contra", de prós e contra só
tem o nome pois transformou-se num programa onde o verdadeiro debate tem estado
ausente. Isto é feito através da construção
artificial de unanimismos conseguidos por meio da selecção de
participantes que têm, no essencial, a mesma posição. A
prová-lo, está o realizado em 27 de Junho em que se assistiu a um
espectáculo de manipulação da opinião
pública, em que se procurou reduzir a ciência económica a
uma mera contabilidade (receitas = despesas) como acontecia antes do 25 de
Abril, perante a passividade de todos os presentes, que acabaram por
reforçar, com essa atitude e com a sua presença, e também
com muitas das suas intervenções, essa mensagem
contabilística da economia assim como mais um ataque violento contra os
trabalhadores da Administração Pública em que os que
têm opinião diferente foram afastados.
A análise empírica e técnica mostra, contrariamente ao que
se pretende fazer crer nos media, que o défice orçamental
português não é insustentável.
O défice orçamental português é apenas
"insustentável" face aos critérios impostos pela
Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. E como os economistas
sabem bem, estes critérios são cegos e não assentam em
qualquer base técnica ou cientifica. Ele tem-se tornado preocupante
porque tem sido gerado fundamentalmente por "investimentos"
improdutivos de que é apenas exemplo paradigmático a
construção de 10 estádios de futebol e por meio da
manutenção de ineficiências na área da
responsabilidade do governo
Mas muito mais grave do que o défice orçamental é a
estagnação e mesmo o retrocesso económico que se
está a verificar em Portugal, determinado pela perda crescente de
competitividade da Economia Portuguesa cujo indicador mais visível
é o défice da Balança Comercial que atinge já o
dobro do défice orçamental, mas que não tem merecido
qualquer a atenção mesmo por parte do governo nem do pensamento
económico dominante nos media.
Concentrar as energias para resolver o problema da crescente falta de
competitividade da Economia Nacional é muito mais importante para
Portugal e para o futuro dos portugueses do que resolver o problema do
défice orçamental. A resolução deste devia submeter
à resolução daquele primeiro problema assim como uma
maior justiça social e não o contrário como está a
suceder, o que só poderá levar à crescente
destruição do já frágil aparelho produtivo
português.
Isto não significa que o défice orçamental não
tenha de ser controlado, e os dinheiros públicos não tenham de
ser sujeitos a uma rigorosa gestão, mas sim que o défice
orçamental só poderá ser efectivamente resolvido com o
desenvolvimento sustentado do País.
O DÉFICE ORÇAMENTAL PORTUGUÊS NÃO É
INSUSTENTÁVEL
A provar que o défice orçamental português não
é insustentável está o facto de que Portugal no passado
já ter tido défices superiores ao actual, e apesar disso a
economia cresceu e o País ultrapassou a situação. Os dados
oficiais do quadro seguinte provam precisamente isso.
Durante os governos de Cavaco Silva os défices orçamentais foram,
em vários anos superiores ao actual, e não se ouviu dizer aos
defensores do pensamento económico único que o défice
orçamental era insustentável. O mesmo sucedeu em
relação ao valor da Divida Pública medida em percentagem
do PIB. Como mostram também os dados do quadro anterior, se se comparar
o valor de 2004 - cerca de 61% do PIB quer com valores atingidos nos
anos do governo Cavaco Silva (variaram entre 59,1% e 64,3% do PIB) quer com a
media da UE15 (64,3% em 2003) rapidamente conclui-se que o rácio da
divida portuguesa não se afasta desses valores; até é
inferior.
Para além disto, os economistas sabem que um défice gerado por
investimento produtivo ou para aumentar a eficiência de serviços
que tornem possível um desenvolvimento elevado, é um bom
défice porque gera mais riqueza que acaba por pagar esse défice.
O RITMO DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA PORTUGUESA É METADE DO DA ECONOMIA
EUROPEIA, E O DA ECONOMIA EUROPEIA É METADE DO DA ECONOMIA MUNDIAL
O próprio relatório que acompanha o Orçamento
rectificativo para 2005 apresentado pelo governo contém dados que provam
que o problema mais grave que o nosso País actualmente enfrenta situa-se
na falta de crescimento económico.
Os dados oficiais do quadro seguinte mostram que os ritmos de crescimento
económico tanto na União Europeia como em Portugal são
preocupantes quando os comparamos com o crescimento médio da Economia
Mundial.
Para explicar a crise que enfrenta actualmente a União Europeia e a
estagnação económica em Portugal os defensores do
pensamento económico único de cariz neoliberal apresentam como
justificação a crise da Economia Mundial.
No entanto, como mostram os dados oficiais do quadro anterior que foram
retirados de documentos oficias portugueses OE2005 rectificativo e
PEC:2005-2209 a taxa média de crescimento da Economia Mundial
é o dobro da Economia Europeia, e o ritmo de crescimento da economia
da União Europeia apesar do ser muito baixo, é o dobro da
Economia Portuguesa.
Estes dados oficiais parecem mostrar claramente que as razões do baixo
crescimento da economia da União Europeia e da estagnação
económica que atingiu a Economia Portuguesa devem estar nas
políticas erradas seguidas quer pela União Europeia quer em
Portugal. Esta é uma questão fundamental, que tem sido ignorado
ou mesmo conscientemente silenciada, mas que deverá merecer uma
atenção.
O DÉFICE COMERCIAL PORTUGUÊS É JÁ O DOBRO DO
DÉFICE ORÇAMENTAL, E UM DOS MAIS ELEVADOS EM TODA A UNIÃO
EUROPEIA
Na pág. 14 do Relatório que acompanha o Orçamento
rectificativo para 2005 pode-se ler o seguinte em relação
às importações portuguesas: " Após dois anos
de variações praticamente nulas , em 2004 as
importações de bens e serviços registaram um crescimento
muito forte (6,9% em termos reais ), indicando também perda de
competitividade da economia portuguesa". E poucas linhas mais à
frente também se pode ler o seguinte: "Alguma
substituição de produção interna por produtos
importados em determinados sectores, nomeadamente vestuário e
calçado, contribui também para esta evolução".
Em resumo, o próprio governo reconhece que a Economia Portuguesa
está a perder quota de mercado quer no estrangeiro quer dento do
próprio País.
Os dados do quadro seguinte, que são do Eurostat, mostram a
dimensão atingida pelo défice comercial de Portugal, que é
também uma consequência e um indicador da falta crescente de
competitividade da maioria das empresas portuguesas.
No quadro estão os saldos da Balança Comercial de cada
país, ou seja, o valor que se obtém subtraindo ao valor do que se
exporta o valor daquilo que se importa. Quando é positivo significa que
o valor das exportações é superior ao das
importações; e quando é negativo, verifica-se precisamente
o contrário, ou seja, que o valor das importações é
superior ao valor do que se conseguiu exportar.
Como mostram também os dados do quadro, em 2004 por ex., dos 11
países constantes do quadro, sete países obtiveram um saldo
positivo, enquanto quatro tiveram um saldo negativo. E foi Portugal que teve o
saldo negativo mais elevado, que representou cerca de 10,7% do PIB, ou seja,
foi superior em 107,6% ao défice orçamental real verificado em
2004 (-5,2%), que é o défice sem as chamadas medidas
extraordinárias.
Apesar deste saldo ser um valor insustentável pois, por um lado,
é consequência da crescente falta de competitividade das empresas
portuguesas e, por outro lado, determina um crescente endividamento do
País ao estrangeiro, o que não se poderá prolongar
indefinidamente, mesmo assim nada tem sido feito para alterar esta grave
situação.
EM PORTUGAL A PARTE DO PIB QUE REVERTE PARA OS TRABALHADORES É MUITO
INFERIOR À MÉDIA EUROPEIA
Em 2004, os trabalhadores portugueses receberam sob a forma de
remunerações cerca de 40% do PIB. Na União Europeia este
valor situa-se acima dos 50% do PIB.
Para se poder ficar com uma ideia do que está em jogo, basta dizer que o
PIB de Portugal deverá ter rondado em 2004 os 135.000 milhões de
euros, o que significa que cada ponto percentual do PIB corresponde a 1350
milhões de euros. Se os trabalhadores portugueses tivessem recebido em
2004, a percentagem do PIB que reverte, em média, para os trabalhadores
na União Europeia (50%), ou seja, mais 10 pontos percentuais do PIB,
teriam recebido, sob a forma de remunerações, mais 13.500
milhões de euros. Isto significa, em média, mais 250 euros por
mês para cada trabalhador por conta de outrem em Portugal.
O PAPEL FUNDAMENTAL DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EFICIENTE
PARA GARANTIR O CRESCIMENTO ECONÓMICO E O DESENVOLVIMENTO DE PORTUGAL
O pensamento económico único tem procurado difundir a ideia que
basta reduzir o défice orçamental para abaixo dos 3%, para que os
problemas do crescimento económico em Portugal se resolverão
imediatamente pela acção dos "mercados". No entanto,
isso não tem qualquer fundamento nem cientifico nem empírico. A
redução de 4 pontos percentuais no défice público
(passar de 6,8% para 2,8% do PIB), que significa uma redução de
5.600 milhões de euros nas despesas da Administração
Pública em apenas 3 anos (2005-2008), só poderá levar
à destruição de uma parte importante do sector produtivo
nacional e a mais desemprego. A livre actuação dos mercados
só tem gerado desigualdades crescentes e a destruição das
economias mais frágeis.
Num país, como é o nosso, em que o tecido económico e
social é extremamente frágil o papel de uma
Administração Pública moderna e eficiente é
fundamental para modernizar e tornar competitivo o País, e
torná-lo socialmente mais justo. O sector têxtil é um
exemplo paradigmático. Nos 10 anos em que as exportações
de têxteis portuguesas para a União Europeia estiveram protegidas,
a maioria dos empresários nada fez para se preparar para enfrentar um
concorrência global extremamente agressiva e os resultados estão
à vista. Se nos próximos 3 anos, em que funcionará ainda
uma protecção mínima, a maioria das empresas não
se modernizarem e não evoluírem para tipo de
produções diferentes, de maior qualidade e de maior valor
acrescentado, naturalmente sucumbirão face à concorrência
asiática logo que ela puder entrar e actuar livremente no espaço
económico europeu, o desemprego alastrará e mais uma parte do
aparelho produtivo nacional será destruído.
É evidente que só com uma importante intervenção
do Estado é que a situação de uma parte importante das
empresas poderá mudar. Mas isso nunca será realizado se
não existir uma Administração Pública qualificada,
eficiente e motivada. E é evidente que tudo isto não é
possível com o violento ataque desencadeado pelo governo contra a
Administração Pública e os seus trabalhadores.
Lisboa, Julho 2005
[*]
Economista,
edr@mail.telepac.pt
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