Máquinas de controlo social
(Dedico naturalmente a minha intervenção, nesta
Conferência,
a Álvaro Cunhal, que foi redactor da Imprensa clandestina, a
única que enfrentou o regime fascista e nunca deixou de exercer a
liberdade de expressão, a denúncia dos crimes da ditadura, a
defesa dos direitos políticos e populares. Nesta dedicatória,
englobo todos os intelectuais, operários gráficos e
distribuidores da Imprensa do PCP (1931-1974), que ainda hoje continua a marcar
a diferença noticiosa e crítica).
[1]
Máquinas da comunicação. Domínio da opinião.
Em Portugal, as máquinas pesadas são 11: Cofina, Controlinveste,
Estado, Igreja Católica, Igreja Universal do Reino de Deus, Impala,
Impresa, Média Capital, Sojormédia, Sonaecom, Zon
Multimédia. Por detrás destes títulos tecnológicos
e teológicos escondem-se centenas de estações e
publicações. Quase tudo o que circula por terra e ar, o que se
vê, escuta e lê. Em papel, hertz, on-line. O programa dos 11
é só um: formatação do publicado e controlo do
público. Imposição do uniforme, sob a capa do colorido e
do ruidoso, e de algum contraditório de baixa intensidade. O grupo
estatal, com acrescidas responsabilidades constitucionais, legais e
estatutárias, embora cumpra os serviços mínimos, há
muito que se tem vindo a desvincular do contrato de cidadania, subjugando-se
à agenda do Bloco Central de Interesses (BCI). De facto, ao BCI
corresponde um Bloco Central Mediático (BCM). O chamado arco do poder
é assessorado pelo arco do dizer. Grande parte do mundo vive em
apagão informativo. A consciência nacional está sob
sequestro mediático. Por cá, temos é certo
algumas compensações. A ignorância lusófona é
inesgotável. Muitas vezes de cordel. Por vezes de bordel. Conheço
pivôs das 20 horas e opinadores de todas as horas capazes de traduzir
J`accuse
de Zola por
Jacuzzi
de Berlusconi. Infelizmente as 11 máquinas conseguem ocupar a caixa
craniana de milhões de telespectadores, radiouvintes, leitores. A
política de redução de cabeças tem sido
condição de sucesso eleitoral, lúdico e
publicitário. O capitalismo é redutor por vocação e
decapitador por ambição.
Howard Zinn sublinhou
Um lembrete de fora, que se aplica ao caso português, na medida em que as
11 máquinas são fiéis fotocopiadoras do Império:
Bush, o filho, invadiu e ocupou o Iraque em 2003. Em 2006, 95% da
comunicação americana ainda apoiava a guerra, mas 50% da
opinião pública defendia a retirada. Isto é, o jornalismo
hegemónico, porta-voz militarista e imperialista, tarde ou cedo,
ficará isolado nas suas posições. Para quem entender
aprofundar a tese, recomendo os documentários e os comentários de
Howard Zinn, que atravessou a vida a iluminar a História ele,
cognominado
historiador do povo
, ele cientista das ideias e dos movimentos colectivos, professor
emérito da Universidade de Boston, veterano da II Guerra Mundial,
despedido em 1963 do Spelman College por se haver solidarizado com as
estudantes negras que repudiavam a segregação escolar e social.
Faleceu em 2010. Faremos bem em tê-lo a nosso lado. Dentro de nós,
sempre que necessário.
Pulitzer alertou
Uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta
formará um público tão vil como ela mesma.
Quem pronunciou o anátema? Algum revolucionário
marxista-cunhalista? Segundo li e reli, foi Joseph Pulitzer, nascido em 1847,
29 anos depois de Marx, 66 anos antes de Cunhal. Pulitzer,
jornalista-empresário, patrono de Prémios da Imprensa Burguesa
United States. Pulitzer ainda acreditava, pelos fins do séc. XIX,
início do XX, nas virtudes da objectividade e da independência da
Informação. Concepção romântica que contou
com poucos praticantes ou ensaiadores, até porque nada é isento.
Eu, por exemplo, aceito o inevitável: não há
isenção na informação. Eu, por exemplo, estou
comprometido com a liberdade e a fraternidade (agradecia que me cantassem a
Grândola), sim, estou comprometido com a democracia patriótica,
política, económica, social e cultural da
Constituição da República Portuguesa.
Northcliffe confirmou
Mas queiram fazer o favor de ter paciência e escutar mais uma
citação burguesa e anglo-saxónica:
Deus ensinou os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem
devem odiar e o que devem pensar.
Quem assim se pronunciou não foi Salazar, ex-inquilino de São
Bento, residência agora ocupada pelos putativos netos. Esse grande
português tinha outra fórmula para obter as equivalências:
bastava ao povo saber ler e contar. Então, quem terá assumido a
divina vocação de controlador dos homens através da
leitura, já que, na sua passagem por Londres, ainda não dispunha
de televisão para nos controlar? Segundo li e reli, foi lorde
Northcliffe, nado em 1865 e finado em 1922, o magnata escolhido pelos
céus como pioneiro da Imprensa de massas, modernamente baptizada de
tablóide. O lordepress elegia como assuntos-chamariz
o amor, a comida, o crime e o dinheiro
. Onde é que nós, mais caderno de encargos, menos caderno de
encargos, já teremos deparado com este jornalismo?
Malcom X preveniu
Não resisto a mais uma citação anglo-saxónica,
desta vez, anti-burguesa:
Se não te acautelas dos meios de comunicação,
far-te-ão amar o opressor e odiar o oprimido.
Quem nos terá recomendado tantas dietas e vacinas? Um norte-americano,
um activista dos direitos civis, um cidadão que aprendeu a ler e recusou
amar, odiar e pensar conforme a Escola de Jornalismo do Lorde. Foi Malcom X,
que nasceu num país racista e burguês em 1925 e se fez consciente
do domínio dos meios de comunicação e se tornou um
combatente de primeira linha da liberdade e da dignidade até ser
assassinado em 1965. Hoje, dia 13 de Abril, convidei Malcom para a
celebração do centenário de Álvaro Cunhal.
Até os mortos vão a nosso lado.
José Gomes Ferreira e Fernando Lopes-Graça, por certo,
também aqui presentes, os convocam nas
Heróicas
, cântico dos cânticos da resistência.
Thomas Jefferson pré-acusou
13 de Abril.
Neste dia, em 1743, nasceu Thomas Jefferson, autor da Declaração
da Independência dos Estados Unidos. Autor também de uma
declaração que ajuda a explicar a crise dos défices e das
dívidas e a liquidação das soberanias e dos estados
sociais, desencadeada pelo gangsterismo-banqueirismo planetário,
sobretudo a partir do seu pólo norte, o banquistão
euro-americano, modelo esclavagista contemporâneo:
Acredito que as instituições bancárias são mais
perigosas para as nossas liberdades do que exércitos prontos para o
combate. Se o povo americano alguma vez permitir que bancos controlem a sua
moeda, os bancos e todas as instituições em torno dos bancos
despojarão o povo de toda a posse, primeiro pela inflação,
depois pela recessão, até ao dia em que os seus filhos vão
acordar sem casa e sem tecto.
O Bloco Central Mediático cita diariamente Obama, o 44º presidente
dos USA, mas evita dar a palavra a Jefferson, o terceiro. A censura não
poupa declarações com mais de dois séculos. Teme a
aliança entre os melhores mortos e os melhores vivos. Nada que
não seja da tradição do Santo Ofício.
Almeida Garrett incriminou
13 de Abril.
Neste dia, em 1846, Almeida Garrett inaugurou o Teatro Nacional de D. Maria II,
em Lisboa. Em maré de invocações anglo-saxónicas,
considerar-me-ia sem brio português e sem honra portuense se não
terminasse com uma citação de 1846, que até poderá
parecer da autoria de um colaborador do
Avante!:
Reduzi tudo a cifras. Comprai, vendei, agiotai. No fim disto tudo o que lucrou
a espécie humana? E eu pergunto aos economistas-políticos, aos
moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que
é forçoso condenar à miséria, ao trabalho
desproporcionado, à desmoralização, à
penúria absoluta, para produzir um rico.
O Bloco Central Mediático tem abertura para citar as impressões
curiosas de Garrett. No entanto, corta a narrativa sempre que se põe em
causa parasitas e fabricantes de pobres. O Grupo dos 11 está atento.
Talvez mais atento do que os consumidores dos seus produtos.
O autor desta interpelação, Almeida Garrett, nasceu antes de Marx
e Cunhal, de Malcom X e de Howard Zinn e bastante depois de Thomas Jefferson.
Mas os cinco poderiam, com subtis diferenças, subscrevê-la.
Também nós poderíamos enviar este extracto das
Viagens na Minha Terra
aos capitulacionistas que controlam a Assembleia da República, ao
Governo, controlado pelos agiotas, ao presidente, controlado pelas cifras, ao
Grupo dos 11, vendedor das graças do capitalismo selvagem, como se
alguma vez o capitalismo tivesse sido civilizado ou respeitasse valores humanos
sem ser encostado à parede das reivindicações e das
revoluções. Bastará rever a história e ver a
realidade de frente. A Europa do Leste afundou-se com a perestroika. A Europa
Ocidental afunda-se com a troika. Nos dois casos, o mesmo agente e a mesma
consequência: o processo capitalista em curso. Com a
comunicação anti-social a exercer o controlo dos danos.
Almeida Garrett, escritor, poeta, publicista, pedagogo, renovador do teatro,
exilado e libertador da pátria, merece que, hoje, na Biblioteca com o
seu nome, também o associemos à homenagem a um vulto do
séc. XX: Álvaro Cunhal, orgulho dos comunistas, dos
antifascistas, dos democratas, defensor dos explorados e oprimidos,
património cívico e intelectual da Humanidade.
1. Conferência Soberania e Independência Nacional
, promovida no âmbito das comemorações do centenário
de Álvaro Cunhal, Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, Porto
(13/04/2013).
[*]
Escritor.
Este artigo encontra-se em
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