38 anos depois do 25 de Abril
Preservativo económico aprisiona jornalistas
Os media lusos: de quarto poder ao quarto do poder
Hoje os censores não são coronéis. Não usam
lápis vermelho ou lápis azul. Usam fatos caros, perfume de marca,
palavras suaves e dão palmadinhas nas costas dos jornalistas, que
são cada vez mais trabalhadores precários e mal pagos. 38 anos
depois do 25 de Abril a censura e a autocensura é feita através
de um apertado
preservativo
económico que impõe o PU (Pensamento Único).
"25/4/74 (00:25. Hora dos Capitães). Os jornais que ainda mandaram
provas à CENSURA quando tocaram à campainha os
"coronéis" tinham desertado dos seus postos. Horas antes
tinham-se debruçado (preocupadamente) sobre a reunião dos bispos
em Fátima, sobre uma bomba fictícia no BPA e sobre as 44 horas da
semana dos caixeiros. Escaparam-lhes as reuniões e blindados da nova
geração militar".
Esclarece César Príncipe em
Os Segredos da Censura
obra várias vezes reeditada e de leitura obrigatória para
que se saiba que "a Censura/Exame Prévio foi uma
organização policial criminosa encarregada de atirar a matar
contra todas as construções sintácticas que se desviassem
da gramática do regime, um regime de ricos metais e atrasados
mentais", como aquele jornalista e escritor, sem dúvida um dos
melhores de nós, afirma no prefácio à terceira
edição da obra.
A Censura era o
preservativo
do regime fascista. Por isso os jornais estavam impedidos de parir
notícias onde se referissem surtos de cólera, suicídios,
barracas, aumento de preços, guerra, drogas, gripes, fome, greves,
fraudes e infidelidades conjugais. Racismo.
O país tinha um Pai que alguns ainda há bem pouco elegeram
como o grande português que não viajava, não
adoecia, não sofria acidentes de viação; e alguns
santuários, onde se zelava e zela para que o povo não saia dos
caminhos das troikas.
Isto é: para os coronéis e os "doutores" censores o
país real não existia. Mesmo que muitos dos seus cortes de
lápis azul (a Norte) e de lápis vermelho (a Sul) nos façam
hoje sorrir.
Eis dois exemplos retirados do já citado livro de César
Príncipe:
"13/3/72 (22,50). "Espancou a mulher e bateu nos polícias
CORTAR o bateu nos polícias". Ordenou o Coronel Garcia da
Silva, um dos esclarecidos censores, que, como a aqui se vê, não
ficou nada preocupado com o espancamento da senhora.
Ou ainda mais este:
"2/12/72 (23,30). «Reunião de merceeiros em Gaia. Pode ser
publicada notícia. Mas é CORTADA uma parte das
afirmações de um interveniente: "Os supermercados são
considerados de interesse público e nós seremos ladrões?
É assunto para CORTAR". Ordenou um tal dr. Ornelas que,
espertalhaço, já então percebeu que o país
não tardaria a ficar nas mãos dos hipermerceeiros como acontece
hoje.
O ópio das multidões
A Informação que hoje nos servem é assim a modos como o
novo ópio. E é, também, em boa medida, uma
Informação censurada e autocensurada. Pelos interesses
políticos de quem manda e pelos interesses económicos que serve.
(Isto apesar de um assessor de longa data do professor Cavaco ter lamentado,
ainda recentemente, que "uma informação não
domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe
lidar").
O autor deste lamento, que fez vida nos jornais e chegou à
Direcção do
Diário de Notícias
e que com o seu punho assinou editoriais do matutino lisboeta, é caso
exemplar da dependência económica e política da Imprensa
portuguesa actual e dos servidores atentos e reverenciais que a dirigem.
Eduardo Galeano, escritor, jornalista e humanista uruguaio, diz que o Mundo
é hoje dominado por uma
"ordem criminosa".
Uma ordem criminosa cujas
"corporações controlando os governos de quase todo o
planeta, dispondo também de instituições como o FMI, a OMC
e o Banco Mundial para defender os seus interesses"
leva a que hoje
"500 empresas detenham mais de 50% do PIB Mundial, sendo que muitas delas
pertencem a um mesmo grupo".
Uma ordem criminosa, que se apoderou da Imprensa mundial e a coloca aos
serviços das suas estratégias ideológicas,
económicas e financeiras.
Assim, acontece com a generalidade da chamada Comunicação Social,
também ela na mão de endinheirados,
ou endividados,
que embora muitas vezes sejam apenas meros testas-de-ferro, são
zelosos cumpridores das ordens dos verdadeiros patrões.
E isso explica várias coisas. Como estas que aqui se deixam:
-
O despedimento cirúrgico de jornalistas seniores, respeitados entre a
classe e com capacidade interventiva e reivindicativa;
-
A opção por jovens jornalistas pagos com baixos salários
ou pagos à peça, sem capacidade interventiva e reivindicativa.
Sem memória também;
-
O pagamento milionário a algumas "damas" e a alguns
"cavalheiros" para que assistam à missa dominical do prof.
Marcelo ou à novena do dr. Marques Mendes, à quinta-feira;
(Nota: Isto enquanto
o desemprego de jornalistas se agrava, sendo que, segundo o Sindicato dos
Jornalistas, nos últimos cinco anos (2007-2011), deram entrada na Caixa
de
Previdência e Abono de Família dos Jornalistas (CPAFJ) 566 novos
pedidos de subsídio de desemprego, num total de 694 processos.
Mais: os
OCS são dominados por dois/três grupos económicos
Controlinveste/Impresa/Cofina/Impala, na chamada imprensa cor de rosa, pelo que
jornalista caído em desgraça jamais, como dizia o outro,
voltará ao exercício da profissão.)
-
Ou, também, para que os "Prós" sempre derrotem os
"Contras" que se manifestam contra o PU (Pensamento Único) que
domina o mundo, o país, e teima em dominar as nossas vidas.
A Imprensa, escrita, televisiva, radiofónica e muito daquela que hoje
por aí vagueia impõe a Censura, pois promove a autocensura.
E manipula "inocências e consciências".
Vendendo a imagem de "vamps" e e "vips", das suas festas e
carros;
servindo-nos um qualquer Fiúza a dizer que, por integrar uma
associação de cristãos de Barcelos e caso o Gil Vicente
ganhasse a Taça da Liga, iria dar espumante aos sem-abrigo de uma terra
esventrada pelo desemprego;
dando tempo de antena e páginas inteiras a uma qualquer irmã do
Cristiano Ronaldo; ou a qualquer similar indigente mental.
(sendo que tal overdose de tão criminosa mediocridade, a que não
são alheios, também, os muitos programas sobre futebol, tem
consequências nefastas sobre as pessoas, nomeadamente sobre os mais
jovens, que assim são formatados para que cresçam sem massa
crítica e sujeitos a manipulações de inocências e
consciências.)
E se esqueçam, por exemplo, de assinalar os 20 anos da morte de
Salgueiro Maia logo a ele que tudo nos deu e nada quis em troca:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Como tão bem anunciou Sofia de Melo Breyner.
E se esqueçam, também dos 100 anos do nascimento de Alves Redol e
Manuel da Fonseca ou dos 103 de Soeiro Pereira Gomes, símbolos maiores
do neo-realismo.
Ou que nada digam sobre o facto de Américo Amorim entupir as contas
fiscais da sua holding com pensos higiénicos e destaquem em letras
garrafais que "60 mil recebem rendimento mínimo e não mexem
palha", como ainda há dias titulava, esquecendo os rendimentos
máximos de quem nada faz, o matutino que já se preocupou com os
mais desfavorecidos.
Imprensa alternativa Imprensa contra poder
Num mundo dominado pela ordem criminosa de que nos fala Galeano, fazer uma
Imprensa séria, alternativa, uma Imprensa de contra poder. E não
de quarto poder,
como alguns defendiam e que, prova-o a história e os factos, acabou no
quarto do poder. Poder
que dela se serve a seu bel-prazer.
Ou seja: precisamos de um jornalismo de contra poder,
que mude o mundo
e nos faça reflectir, que nos dê uma outra visão e
contrarie o PU que nos domina.
(Mas essa é, hoje, uma tarefa financeira quase impossível.
Nomeadamente quando essa outra Imprensa é feita em suporte de papel.
Explico: nenhum jornal de contrapoder sobreviverá através da sua
venda; nenhum patrão o apoiará financeira e publicitariamente;
nenhuma acompanhante de mais ou menos luxo, como agora se diz, trocará o
"RELAX" do
Correio da Manhã
e do
Jornal de Notícias
por um jornal assim).
Sobretudo na Europa, nesta Europa dominada por mercados e mercadores que a
encaminham para o maior retrocesso civilizacional de que há
memória.
A Internet é, pelo menos por agora, um suporte alternativo, bem como a
Informação que nos chega da América Latina.
Nomeadamente com o nascimento da Telesur rede de televisão criada
em 2005 na Venezuela como contraponto à hegemonia das grandes redes
privadas de TV, tais como a CNN e a Univisón.
Ou ainda através da leitura do periódico
Le Monde Diplomatique,
que o jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet dirige desde 1991;
Ou, também, e entre nós pela leitura dos sítios:
- cinco dias;
- o diario.info;
- resistir.info.
Por exemplo.
Pois só assim ficaremos a saber a razão que levou o
farmacêutico Dimitris Christoulas a suicidar-se, com um tiro, junto ao
parlamento grego.
Eis a carta do herói da Praça Syntagma:
"O governo de ocupação aniquilou-me literalmente qualquer
possibilidade de sobrevivência dado que o meu rendimento era inteiramente
proveniente de uma pensão que eu, sem qualquer apoio de ninguém
nem do Estado, financiei durante 35 anos.
Porque a minha idade me impede de assumir uma acção radical (se
não fosse isso, se um cidadão decidisse lutar com uma
Kalashnikov, eu seria o primeiro a segui-lo), não me resta nenhuma
solução excepto colocar um fim decente à minha vida antes
de ser forçado a procurar comida nos caixotes do lixo e de ser um peso
para os meus filhos.
Eu acredito que a juventude sem futuro brevemente se erguerá
[literalmente: "empunhará armas"] e enforcará todos os
traidores nacionais de cabeça para baixo, como os Italianos fizeram a
Mussolini em 1945".
Uma carta que dá para pensar a que ponto chegou esta Europa e um dos
berços da Civilização.
25/Abril/2012
[*]
Jornalista, escritor e editor da
Arca das Letras
. Intervenção realizada no Centro Republicano e
Democrática de Fânzeres (Gondomar) nas comemorações
do 38º aniversário do 25 de Abril.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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