Autoeuropa:
A pressão ideológica como forma de exploração
A luta ideológica como forma particular da luta de classes é
tão velha como essa luta.
A ideia da comunhão de interesses entre o trabalho e o capital, de que
patrões e trabalhadores estão no mesmo barco, constituem uma
família, de que sempre houve ricos e pobres, é tão velha
como o afrontamento entre estas duas classes sociais.
O que é novo é a dimensão, o grau de
sofisticação, a organização e
aperfeiçoamento constante da utilização da ideologia por
parte do patronato no funcionamento e na organização do trabalho
nas empresas, de que a Autoeuropa é um exemplo de ponta, no quadro do
grupo transnacional Volkswagen.
OS MEIOS E OS MÉTODOS QUE USAM
Em 2002, o novo Presidente do Conselho de Administração do Grupo
Volkswagen elabora uma estratégia assente em sete valores e catorze
princípios de gestão e reúne-se em Shangai, na China, com 200
directores do grupo para iniciar a divulgação mundial, faseada,
dos novos valores e princípios em todas as fábricas, a todos os
níveis hierárquicos.
Começa por sintetizar assim o seu pensamento aos participantes no
seminário:
"Quando povos diferentes se fundem num único Estado para, em
conjunto, serem mais fortes e terem mais sucesso, necessitam, previamente de
definir o que lhes é comum. E depois precisam que todos se guiem
fielmente por esses princípios."
Após explicitar as suas ideias, o chefe máximo da Volkswagen
anuncia estarem criados sete grupos de trabalho que planeiam como desenvolver e
dinamizar acções que motivem todos a concretizar, no dia a dia,
os valores e princípios que propõe.
Algum tempo depois, setenta membros da liderança estratégica da
Autoeuropa, reúnem em Tróia, onde discutem projectos e objectivos
da empresa, custos, absentismo, qualidade, fidelidade, etc.
Seguem-se reuniões mais descentralizadas, introduzem-se os ditos valores
e princípios nos conteúdos das acções de
formação profissional e as ideias são transmitidas e
repetidas nas reuniões de comunicação, semanais, com
duração de meia hora, em que a linha pára para que cada
chefe transmita aos operários de cada equipa a mensagem da
Direcção.
O jornal e a TV interna da empresa fazem a divulgação e a
propaganda dos mesmos conteúdos, convergentes com os mesmos objectivos.
A comunicação social, em especial a chamada
informação especializada na área económica,
é usada para fazer sair fora de portas o que interessa à empresa
que seja do domínio público e para fazer reversão da sua
influência de fora para dentro da empresa.
As organizações dos trabalhadores (ORTs), particularmente as
comissões de trabalhadores, no âmbito mundial, europeu, de cada
país e de cada unidade de produção, são envolvidas
no processo de transmissão dos valores, princípios e objectivos
do grupo e de cada empresa, de tal forma que por vezes é difícil
distinguir entre o discurso do representante dos trabalhadores e o do Director
ou Administrador, quando falam da situação económica e
financeira, da produção ou das conjunturas de mercado, por
exemplo.
Os próprios dirigentes sindicais, de representação mais
alargada, são convidados a participar em seminários cujos temas
são consonantes com os objectivos do patronato. Seminários como
aquele que se realizou na sala de visitas da Autoeuropa, em Fevereiro ultimo,
sobre "novos conceitos de qualificação e emprego"
(organização do trabalho, horário de trabalho) e que teve
também o fim de convencer as ORTs portuguesas, das
"virtualidades" da implantação da Autovision, na
Alemanha, e do acordo laboral ali celebrado para "defender" postos de
trabalho dentro da empresa. Acordo cuja transposição aconselham,
para Portugal.
Seminário que foi animado por altos responsáveis da Volkswagen e
por membros da Comissão de Trabalhadores Europeia e Mundial do Grupo,
irmanados no mesmo objectivo.
Coincidência ou talvez não, no mesmo dia à noite,
realizou-se em Lisboa outro seminário, organizado pela poderosa
Fundação Friedrich Erbert, no quadro da temática
"Justiça Social e Capitalismos de Bem-Estar." Claro que os
representantes dos trabalhadores foram todos convidados a participar nesta
oportuna realização da filantrópica fundação
e levados ao seu local de realização, em Lisboa, em transporte
amavelmente cedido pela empresa.
Nos momentos de maior chantagem sobre os trabalhadores são
cuidadosamente planeadas visitas de entidades diversas à empresa, e o
seu discurso e declarações, são "agarrados" e
revertidos através de todos os canais de comunicação, em
função da mensagem e dos interesses da empresa.
O Presidente da Republica já visitou a Autoeuropa. Os
primeiros-ministros têm lá ido todos. E os ministros e
secretários de Estado sucedem-se uns aos outros.
O resultado é invariável. Elogios e mais elogios, ao peso da sua
produção no PIB e nas exportações, ás suas
politicas sociais, elogios que são transcritos e repetidos no Jornal e
outros meios.
AS IDEIAS E OS SENTIMENTOS QUE MANIPULAM
O patriotismo, o orgulho, a vaidade, o egoísmo, a liberdade, a
igualdade, a democracia, a negociação, a
competição, a responsabilidade, o amor, o bem e o mal, o medo,
são ideias e sentimentos do arsenal ideológico utilizado como
forma de condicionar e canalizar sem resistência, todas as capacidades e
energias dos trabalhadores em prol dos objectivos da empresa. Incluindo fazer
sacrifícios, se necessário.
A aculturação começou logo na fase prévia à
implantação em Portugal.
Durante um largo período, assistimos na comunicação social
e noutros palcos, à telenovela do vem, não vem para Portugal. Dos
outros países interessados, das facilidades fiscais e financeiras que
estão dispostos a dar, dos postos de trabalho directos e indirectos que
vão criar, da importância estratégica para a economia
portuguesa, etc. etc.
A batalha da identificação dos interesses da Autoeuropa com os
interesses nacionais, foi ganha de tal modo, que poucos foram os que se
atreveram a contestar as centenas de milhões de contos em facilidades
financeiras e redução de impostos com que o Governo de Cavaco
Silva contemplou a benemérita Volkswagen. Identificação de
interesses que pelos vistos continua, tal como se viu recentemente com a
redução de preços nas portagens das auto-estradas, feita
por encomenda, para os mono-volumes produzidos em Palmela.
Justiça seja feita à União dos Sindicatos de
Setúbal, que em 1992, fez as contas e concluiu que cada posto de
trabalho a criar pela multinacional iria custar ao Estado dez vezes mais em
incentivos do que o que era garantido a qualquer outra empresa para o mesmo
efeito.
Neste momento, com o fim da produção dos mono-volumes à
vista, estamos numa fase em que a chantagem sobre o poder politico e, sobretudo
sobre os trabalhadores, a fim de obterem concessões, já
não é, vem ou não vem. Mas sim, fica ou não fica.
Continua ou deslocaliza-se para os países de Leste, ou para a China,
onde a mão-de-obra é mais barata. E, depois da ameaça da
bomba atómica da deslocalização e do encerramento, retomam
argumentos mais brandos e variados para a perspectiva de ficar.
O novo modelo a fabricar, "o cábrio", está quase
garantido, mas não chega. É preciso ganhar para Portugal outro
modelo ás outras empresas do grupo que também o querem.
(Agora a concorrência é dentro de casa).
Mas, para isso, temos de nos tornar mais competitivos. Dizem. O que só
se consegue com a redução dos custos, o que implica
redução de postos de trabalho e contenção salarial.
Nunca falam em despedimentos. A não ser para dizerem que nunca os fazem.
Falam de reconversões, transferências, de rescisões por
acordo.
A técnica da apresentação de questões negativas
para os trabalhadores como questões não desejadas pela empresa,
mas impostas por factores que esta não controla, é também
habilmente manipulada.
Mas onde o aproveitamento dos sentimentos e das ideias atinge a minúcia
é na cultura interna da empresa.
É promovida a ideia de que na Autoeuropa são todos colaboradores,
são todos iguais. Do Director e das altas chefias ao mais simples e
menos qualificado dos trabalhadores. Todos se tratam por tu, chefes e
subordinados, mais velhos e mais novos. Todos vestem a farda da empresa, de
modelo idêntico. Todos comem no mesmo refeitório, têm a
mesma ementa e os mesmos 30 minutos para comer. Quando se casam ou têm um
filho, a notícia, devidamente ilustrada com as fotografias apropriadas,
vem no jornal da empresa, cujo director é o Director Geral.
A imagem assim criada e divulgada é a de que pertencem todos à
mesma família, a família Autoeuropa.
As famílias propriamente ditas, são envolvidas nesta
aculturação de empresa.
Um dia por ano, chamado "dia de portas abertas" cada trabalhador pode
levar até dez familiares e amigos para lhes mostrar o seu posto de
trabalho. Um papá "babado" pode dizer com orgulho ao seu
filhinho, é aqui que trabalha o papá, com esta ferramenta. Nesse
dia são recebidos como pessoas importantes, com flores e outros mimos.
Em casa, com a família, no café ou no clube com os amigos, a
conversa gira quase sempre em torno dos objectivos da empresa, dos seus
êxitos e das suas dificuldades. A linguagem técnica, os
acrónimos, termos específicos que inicialmente só
são usados e entendidos pela "família" e são
herméticos, para quem está de fora, acabam por fazer carreira na
linguagem da verdadeira família e na sociedade envolvente.
O espírito competitivo é constantemente acirrado. Fazemos o
melhor carro do mundo. Ainda agora comemoramos o milhão de unidades
produzidas. Somos os segundos em limpeza, atrás dos polacos que
são os primeiros de entre as 47 fábricas espalhadas por todos os
continentes. Da Europa à Ásia. Da América à
África. Em 2003, tivemos 98% de assiduidade. O segundo lugar na Europa e
o oitavo no mundo. Para 2004 queremos 98,1%.
Não há baixas de longa duração, uma grande
vitória. (Claro que nada é dito sobre a perseguição
feroz e sofisticada a que estão sujeitos os que tem o azar de faltar,
mesmo que por razões da saúde fundamentadas, até
concordarem em "acordar" rescindir por "mutuo acordo".)
Todos os objectivos são objecto de um
"ranking"
e de metas. As fábricas dentro do grupo, as secções
dentro de cada fábrica, as equipas dentro de cada secção e
os trabalhadores de cada equipa, entre si, são permanentemente colocados
em competição.
O jornal da empresa está cheio de gráficos e de fotografias
respeitantes à equipa a) da secção b) do trabalhador x)
que ultrapassaram as metas. Também há fotografias dos piores. Dos
maus exemplos, postos em confronto. Dos mais assíduos e dos menos
assíduos. Dos que não atingiram os objectivos. Os bons e os maus
trabalhadores são identificados, apontados.
Associado a esta manipulação ideológica existe um complexo
sistema de avaliações múltiplas, cruzadas e
contínuas, com auditorias que chegam a ser semanais, com o mesmo fim de
promover a competição a todos os níveis. Isto é: a
intensificação dos ritmos de trabalho.
Este sistema pode colocar os trabalhadores, mesmo que inadvertidamente, a
servir de polícias uns dos outros, como pode acontecer no controlo do
absentismo, assim realizado por todos sobre todos.
Os prémios têm também o seu papel na enorme panóplia
de instrumentos utilizados para a intensificação dos
níveis de exploração.
Pelo seu requinte, merece a pena referir o Processo de Reconhecimento de Ideias
e Sugestões (PRIS) e o Processo de Melhoramento Continuo (KVP), sistemas
que visam colocar a criatividade e a disponibilidade do trabalhador, fora do
seu horário de trabalho, ao serviço da empresa, a troco de umas
migalhas.
Segundo a definição da própria empresa, publicada no seu
jornal numero 43, o PRIS é um "Sistema criado na Autoeuropa para
recompensar monetariamente os colaboradores que, sozinhos ou em equipa,
concebam ideias cuja introdução em funcionamento traz mais valia
à fábrica em termos de ergonomia, qualidade, segurança ou
de redução de custos." Lindo!
Menos bonito é o facto de, segundo um estudo do Dr. Eugénio Rosa,
a poupança gerada num dado período pelo PRIS, 1 200 607 euros,
apenas 10,4% reverter para os autores das inovações, e de a
poupança gerada pelo KVP, 8 458 262 euros, apenas 3,98% ter ido parar ao
bolso dos trabalhadores. O resto foi para o fundo dos insondáveis
alforges do grupo Volkswagen.
Claro que um olhar atento, um olhar crítico, feito de pé
atrás, nos mostra que a família Autoeuropa não passa de
uma treta. Que a igualdade entre todos os trabalhadores é outra treta. E
assim por diante. Vejamos o caso das fardas, por exemplo. Têm o mesmo
feitio, são do mesmo pano, mas, coisa curiosa. São de cores
diferentes. Numa secção são amarelas, noutras são
azuis, verdes ou brancas, e assim sucessivamente. Acontecerá esta
opção multicolorida por razões estéticas? Ou
terá alguma coisa a ver com a fácil identificação
de um amarelo, um cor-de-rosa ou de um vermelho, quando estão a circular
fora da sua secção de trabalho? Deixa-se a resposta à
imaginação de cada um.
Se analisarmos os proventos de cada um e as benesses de alguns, que podem ir
até um carro para si e outro para a esposa (não estamos aqui a
falar do carro emprestado ao operário no dia do seu casamento e cuja
fotografia é publicada juntamente com os noivos) oferecidos pela
empresa, encontraremos enormes diferenças.
Mas, a diferença que realmente conta, é tão abissal,
tão escandalosa, que desaparece como se fosse parar a um buraco negro e
nunca mais se houve falar dela e ninguém mais a vê.
O aparelho de comunicação da empresa fala constantemente dos
milhões que se investem, fala de mil e uma coisas, até dos
lucros, com gráficos de barras, a subirem e a descerem, consoante se
trate de glorificar bons resultados ou de justificar medidas impopulares e
pedidos de sacrifícios aos trabalhadores.
Mas em nenhum lado, em nenhum documento nos foi possível vislumbrar
dados que nos iluminem sobre a parte da riqueza produzida que vai para os
detentores do capital e a parte que é distribuída aos
trabalhadores pelo seu trabalho. Tal matéria parece ser tabu.
PREPARADOS PARA ACEITAR SACRIFICIOS
Face aos meios gigantescos e ás formas sofisticadas usadas para
endoutrinar e chantagear os trabalhadores, não é grande
admiração, vê-los em parte vencidos em parte convencidos, a
abdicar de salários e de outros direitos, a favor da empresa e de
supostos interesses comuns.
Maior admiração poderá ser o coro de elogios, vindos de
vários quadrantes e personalidades, ás virtualidades do acordo
feito em 2003, em que os trabalhadores abdicaram de aumentos salariais
até 2005, para salvar postos de trabalho, que supostamente estariam em
causa, devido à necessidade de ser salvaguardada a sacrossanta
competitividade (à custa dos trabalhadores e nunca das margens de lucro,
claro!).
Será um exercício interessante estarmos atentos ao que vão
dizer e como vão reagir os mesmos actores, no processo que já
está a decorrer, agora que, terminada a vigência do anterior
acordo, os trabalhadores se preparam para apresentar novo Caderno
Reivindicativo e a administração da Volkswagen, volta novamente a
pôr em causa centenas de postos de trabalho, na Autoeuropa e nas empresas
do parque industrial circundante. Embora o esteja a fazer sob a capa da defesa
desses mesmos postos de trabalho.
O que já se conhece da nova ofensiva contra os direitos dos
trabalhadores é sintomático e preocupante.
Como de costume, o processo começou a ser planeado com muita
antecedência no segredo dos gabinetes dos estrategas da empresa na
Alemanha. De tal modo que quando as medidas propostas cheguem aos trabalhadores
e ás suas organizações estas já só as
encarem como uma inevitabilidade ou fatalidade.
Desta vez, a Administração quer ir muito mais longe. Não
propõe apenas o congelamento dos salários, como em 2003, mas a
sua redução brutal para centenas de trabalhadores e a perda de
outros direitos, incluindo o de deixar de ser trabalhador da Autoeuropa.
Como primeiro embate, para alem do arsenal directo da própria empresa,
posto em movimento, a Volkswagen conquistou a ajuda co-gestionária,
prestimosa, da comissão de Trabalhadores e do sindicado IGMetal,
alemães, que vieram a Portugal, não em missão
internacionalista e de classe, para solidariamente ajudarem os seus
irmãos portugueses a defender os seu direitos e interesses face ao
patrão comum. Mas antes, como homens de mão do patronato, a
acompanhar os seus mandatários, em acção de convencimento
sobre a bondade da "criativa" fórmula patronal, já
aplicada na Alemanha com êxito, dizem, e pasme-se, até com a
criação de novos postos de trabalho. E que, segundo aqueles
camaradas (se é que se pode chamar camarada a sindicalistas que aceitam
emprestado o avião a jacto da empresa para ir passar férias com a
família) será também óptima para defender o emprego
dos trabalhadores em Portugal, embora expulsando-os da Autoeuropa, dizemos
nós.
AUTOVISON ARMAZÉM DE MÃO-DE-OBRA
À LA CARTE
A tão celebrada inovação trazida da Alemanha para o
mercado português, é a Autovision. Uma unidade de
prestação de serviços,
outsourcing
e
insourcing,
constituída em Palmela, com capitais da Volkswagen e pessoal
transferido da Autoeuropa, sem património, apenas para gestão
desse pessoal e prestação de serviços,
à la carte,
em que os trabalhadores serão pau para toda a colher,
para concorrer, imagine-se, em pé de igualdade com os fornecedores
actualmente existentes e exteriores ao grupo.
Os "inovadores", filantrópicos, propõem-se criar nesta
unidade 800 postos de trabalho até 2008. Trezentos transferidos da
Autoeuropa e quinhentos recrutados fora.
De seguida, dando como boa, adquirida e natural, a redução de
pessoal, apresentam a um conjunto de trabalhadores, uma proposta que designam
de "alternativas Autoeuropa" com o seguinte conteúdo:
a) Acordo mutuo (designação soft para despedimento) com uma
indemnização de 1,5 meses por cada ano de casa;
b) Passagem de função indirecta a directa na
produção, sem aumentos salariais até o nível
salarial da nova categoria (mais baixa) atingir o salário actual;
c) Transferência para a Autovision, com um mês de
indemnização, e com redução de 30% do
salário, (com mudança de vinculo laboral para a nova entidade
jurídica, e perda do tempo de antiguidade.);
Escusado será dizer que estas propostas de "interesse nacional e de
defesa do emprego" nada dizem em relação ao que pode
acontecer aos cerca de 3000 trabalhadores (tantos como os da Autoeuropa) das
outras empresas fornecedoras e prestadoras de serviços do parque, quando
a Autovision vier a absorver as suas funções. Esses não
são filhos nem enteados da família Autoeuropa. São
concorrência. São inimigos externos a abater.
Também nada dizem sobre a polivalência e flexibilidade totais a
que os trabalhadores que vierem a aceitar a transferência ficam sujeitos,
nem sobre os reflexos que as novas condições salariais, mais
baixas, têm no subsídio de turno, nas horas
extraordinárias, no subsídio de baixa e de desemprego, na reforma
e em futuras negociações salariais.
HÁ CAMINHOS ALTERNATIVOS A RESISTENCIA E A LUTA
A história e a experiência da luta dos trabalhadores provam-nos
que quanto maior é a resistência às tentativas de
despedimento e de retirada de direitos mais alto é o preço que o
patronato é obrigado a pagar.
Por isso, abdicar sem luta, é também aceitar perder mais direitos
ingloriamente.
Como podem alguns concluir à priori que a luta não leva a lado
nenhum, quando nem sequer ousam propor aos trabalhadores a sua discussão
como alternativa. Se partem derrotados para o embate.
Vejamos o caso em apreço. É verdade que os trabalhadores da
Autoeuropa nunca fizeram uma greve por reivindicações ou
razões internas. Mas, na Greve Geral de 10 de Dezembro de 2002, contra o
Pacote Laboral, aderiram e pararam a produção.
São também reveladoras da sua capacidade de se unir, as
interessantes lutas do "Bitoque" e dos "trocos":
Espontaneamente, à margem das ORTs, para expressarem o seu
descontentamento face a algo que não ia bem na empresa e no
refeitório, um dia, os trabalhadores da Autoeuropa, resolveram todos
pedir "Bitoque", esgotando a capacidade de resposta da cozinha, o que
fez parar a produção da fábrica, dado o maior tempo de
espera pela refeição que provocaram e o pouco tempo que cada
operário tem para a usufruir.
No dia seguinte, já com "stock" suficiente de
"Bitoques", os trabalhadores trocaram as voltas à
intendência e resolveram, em vez de escolher todos o mesmo prato, pagar a
refeição só com moedas, voltando a causar engarrafamento e
a parar a produção, devido à morosidade do processo de
pagamento.
Conclusão, os trabalhadores marcaram posição e grande
parte dos problemas que deram origem ao protesto foram resolvidos.
O próprio resultado do referendo sobre o acordo de congelamento de
salários de 2003 62,31% Sim, e 35,27% Não pode ter
uma leitura diferente da daquele apologista que o considera um novo e elevado
exemplo de democracia operária.
Colocados perante um Sim e um Não a um facto consumado, sem discutir
outra alternativa ou perspectiva, 35,27% não estiveram de acordo em
abdicar de salários, o que pode também querer dizer que estavam
disponíveis para resistir, lutando.
Quer dizer. Em todo o lado há capacidade e potencialidades de luta. Mas,
é bom de ver que para a realizar é preciso, primeiro, não
a refrear à partida. Não claudicar sem luta.
O capitalismo que temos vindo a referir neste artigo, que alguns apodam de
Capitalismo de Bem-estar ou Civilizado, não se deixará comover
com sacrifícios, e passará de civilizado a selvagem ou mesmo a
criminoso, se necessário, para manter o objectivo do lucro máximo.
A demonstrá-lo, está a história da própria
Volkswagen, nascida em 1936, filha dilecta do Nazi-Fascismo, utilizadora de
mão-de-obra escrava, aprisionada para o efeito, durante a Segunda Guerra
Mundial.
[*]
Sindicalista.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|