Posição da CGTP-IN sobre a 10ª avaliação da troica

Os programas de empobrecimento e exploração (Programas de Assistência Económica e Financeira, na linguagem oficial) apresentam três objectivos principais assumidos: a redução de desequilíbrios orçamentais; a melhoria da competitividade; e o apoio aos bancos. Decorridos dois anos e meio da sua aplicação cabe fazer um balanço, procurando saber se foram alcançados e qual o verdadeiro estado do país:

  • A política de consolidação orçamental conduziu à recessão e limitou a capacidade do Estado de obter receitas, o que levou à reorientação da política fiscal em 2013: o agravamento da carga fiscal visa os que dela não podem fugir (os assalariados). Porém, os resultados na redução do défice público são escassos (em 2014 não andará longe do de 2011), houve uma colossal acumulação de dívida pública, enfraqueceram-se as funções sociais do Estado e a segurança social está a ser conduzida para uma situação de ruptura;

  • A competitividade anunciada, assente nas chamadas "reformas estruturais" promoveu a desregulação do trabalho, a redução brutal dos salários dos trabalhadores e o empobrecimento generalizado da população e do país. A contracção da procura interna terá como consequência uma diminuição, sem precedentes, de 772 mil empregos no período de 2008 a 2014, enquanto a conjugação da redução salarial com o desemprego fez retomar a emigração para valores comparáveis aos verificados na década de 60 do século passado. Um país que é abandonado pelos seus jovens, na maioria com elevadas habilitações, e por trabalhadores qualificados não é seguramente mais competitivo. O défice da balança corrente foi absorvido mas à custa da redução brutal das importações;
  • Qual o futuro que temos pela frente? No curto prazo, o Orçamento de Estado para 2014 (OE2014) significa uma intensificação da "austeridade" que tem um efeito equivalente a 2,3% do PIB e está toda centrada na despesa, através do corte dos salários e das pensões, enquanto se mantém um nível de tributação opressivo sobre os salários ao mesmo tempo que se alivia a tributação dos lucros. Temos igualmente uma "reforma do Estado", que funciona como um mero chavão para o corte da despesa social assente, nomeadamente, nos despedimentos e na redução de salários e pensões. No médio e longo prazo, temos uma perspectiva de estagnação económica e um cenário de "austeridade permanente".

    O país não tem saída no quadro das presentes políticas. A dívida pública não é sustentável; sem investimento não haverá criação de emprego com direitos; sem valorização salarial os jovens e os trabalhadores qualificados abandonarão o país; sem uma política de desenvolvimento económico e social, acentuar-se-ão as desigualdades e o empobrecimento. Uma mudança de política que foi recentemente preconizada pela OIT [1] defende uma estratégia baseada: na criação de emprego e no investimento produtivo; na manutenção do emprego e no apoio aos desempregados e aos grupos vulneráveis; na melhoria da qualidade do emprego; na protecção social; no aumento dos salários, incluindo o Salário Mínimo Nacional (SMN); na dinamização e valorização da contratação colectiva e do diálogo social.

    A CGTP-IN, que desde o início alertou para as desastrosas consequências do memorando da troica, tem uma legitimidade acrescida para reclamar uma estratégia que responda às necessidades de desenvolvimento, não apenas económico mas abrangendo todas as suas dimensões relevantes.

    1. PROFUNDA DETERIORAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO

    1.1 A análise global da situação do mercado de trabalho indica a manutenção de uma deterioração profunda:

    Principais indicadores
     
    2010
    2011
    2012
    2013
    Emprego (Variação, %) -1,5 -2,8 -4,3 -3,9
    Taxa de emprego (20-64 anos), % 70,5 69,1 66,5  
    Taxa de desemprego (%) 10,8 12,7 15,7 17,7
    Inactivos disponíveis que não procuram emprego (mil)   147,7 217,4 271,7
    Desemprego de longa duração (% do total) 54,3 53,1 54,1 60,3
    Contratos não permanentes no total (%) 23,0 22,2 20,7 21,6
    Fontes: 2010-2012: INE excepto taxa de emprego (Eurostat);
    2013: Governo para emprego e taxa de desemprego; INE para restantes: inactivos disponíveis referem-se ao 2º trimestre de cada ano; desemprego de longa duração e contratos não permanentes referem-se à média dos 3 primeiros trimestres

    1.2 A quebra do emprego constitui o indicador mais determinante na situação do mercado de trabalho. A recessão ou estagnação, aliada à facilitação dos despedimentos devido às alterações ao Código de Trabalho, tem provocado uma impressionante destruição de emprego como jamais foi verificada. Se considerarmos o nível de emprego existente em 2008 (5198 milhares) e o que se perspectiva em 2014 (4427,2 mil), supondo-se no próximo ano uma diminuição de 0,4%, obtém-se uma quebra de 772 mil empregos, o que representa 15% do valor de 2008. Trata-se de uma verdadeira catástrofe.

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    1.3 A taxa de desemprego não reflecte necessariamente esta destruição de emprego já que os desempregados podem emigrar ou deixar de procurar emprego (o chamado desencorajamento). Estes dois factores estão a ocorrer: a emigração disparou e há uma redução da taxa de actividade e da taxa de emprego. Refira-se, quanto a esta, o forte declínio verificado em apenas três anos (4 pontos percentuais). A taxa de desemprego jovem (36% no 3º trimestre) teve uma diminuição que é influenciada pela emigração e por medidas de política activa de emprego assentes, sobretudo, na aposta na precariedade quase absoluta (caso dos desempregados inseridos em contratos emprego inserção, estágios e formação profissional que cresceram mais 56 mil desde Outubro de 2012).

    1.4 O desemprego, tal como é medido, representa uma forma extrema de não utilização de pessoas na economia. Os sistemas estatísticos divulgam informação que, de um modo mais abrangente, permite analisar o grau de subutilização da força de trabalho na economia. Estes indicadores mostram que, a par do aumento do desemprego, houve um fortíssimo aumento do número de inactivos disponíveis para trabalhar mas que não procuram emprego (ver quadro no ponto 1.1).

    Verifica-se também a progressão quer do número de empregados que deseja trabalhar mais horas quer do trabalho a tempo parcial involuntário.

    1.5 Um dos aspectos mais preocupantes da situação actual é o forte aumento do desemprego de longa duração (DLD) ao longo de 2013, o qual representava 64% do total no terceiro trimestre. O DLD aparece fortemente associado à taxa de desemprego. Com a elevada queda do emprego, a parte dos desempregados de longa duração no total estabiliza, mas depois, não se conseguindo o regresso ao trabalho, torna a subir. É o que hoje acontece, o que é ampliado pela emigração porque os desempregados mais jovens e (teoricamente) com mais possibilidades de encontrar emprego saem do país. Estes dados demonstram que o desemprego, em particular o de longa duração, não diminui por via de uma menor protecção no desemprego, como se fez, através do corte no valor e no montante das prestações de desemprego (a maioria dos desempregados não tem hoje acesso às prestações). Esta situação é profundamente grave se atendermos às características dominantes do desemprego no país: 61% dos desempregados têm habilitações que não excedem o nível básico (até ao 3º ciclo) e um terço tem 45 e mais anos.

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    1.6 Apesar do baixo nível salarial do país, está em curso um processo de redução dos salários que afecta tanto o sector público como o sector privado. O sector público tem sido particularmente afectado, sendo de referir, entre outras medidas: os salários foram congelados em 2010 e diminuíram 5% em 2011 devido a um corte nos salários acima dos 1500 euros; o congelamento das remunerações e a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal conduziu a uma diminuição ainda mais acentuada em 2012; o aumento do período normal de trabalho de 35 para 40 horas em 2013 significa igualmente uma desvalorização salarial (diminuição do salário-hora). Porém, a redução salarial ocorre também no sector privado, por diversas vias incluindo a alteração da legislação de trabalho, a não actualização do salário mínimo e o bloqueamento da contratação colectiva. E incluindo também a diminuição do salário em termos líquidos devido ao forte agravamento do IRS em 2013.

    1.7 O congelamento do SMN desde 2011 tem um grande impacto laboral e social devido ao baixo nível salarial e à existência de um volume elevado e em crescimento de trabalhadores com baixos salários. Em 2012 o número de trabalhadores a receber o salário mínimo representa 12,8% do total (16,4% no que respeita às mulheres). Esta percentagem aponta para mais de 460 mil trabalhadores abrangidos pois o total de assalariados foi de 3 milhões e 628 mil nesse ano.

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    1.8 Com a aprovação do Orçamento de Estado para 2014 pretende-se reforçar esta política, com, designadamente, um novo corte nos salários do sector público (acima dos 675 euros) e a manutenção do agravamento do IRS verificado este ano, abrangendo-se neste caso todos os trabalhadores.

    1.9 A baixa dos salários, aliada ao desemprego, está a ter um efeito desastroso em termos de saída do país de jovens com elevadas habilitações e de trabalhadores qualificados. A emigração abrangeu mais de 220 mil pessoas em 2011-2012, dos quais 43% a título permanente, o que amorteceu os efeitos da perda de empregos na taxa de desemprego. Trata-se de uma situação preocupante porque afecta a capacidade produtiva do país, contribui para o envelhecimento da população e debilita a base de financiamento do sistema social.

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    1.10 A crise é também demográfica: a população está a baixar desde 2011; a natalidade a baixar; Portugal está no grupo de países europeus onde a fertilidade é das mais baixas, em conjunto com a Letónia, a Polónia, a Roménia e a Hungria; os "custos financeiros associados a ter filhos" (referido por 67% das mulheres e por 68% dos homens) e a "dificuldade para conseguir emprego" (referido por 48% das mulheres e por 59% dos homens) são os motivos mais invocados para a decisão de não ter filhos; "aumentar os rendimentos das famílias com filhos" foi a medida considerada como o mais importante incentivo à natalidade [2] . A elevada precariedade de emprego é um factor condicionante (ver quadro no ponto 1.1): a segurança de rendimento é um factor essencial para a estabilidade pessoal e familiar e para a confiança no futuro.

    1.11 No domínio das relações de trabalho, o aspecto essencial é o boicote da contratação colectiva, registando-se um pequeno número de convenções colectivas publicadas. A cobertura dos trabalhadores por convenção colectiva é ainda menor do que estes números podem fazer supor porque declinou o número de convenções sectoriais e porque quase deixaram de ser publicadas portarias de extensão (9 este ano face a 116 em 2010). Esta queda é tão acentuada que a Comissão Europeia a considera "problemática" [3] . Este é o resultado de uma política de bloqueio e destruição da contratação colectiva imposta pela troica e o Governo, a qual nomeadamente inclui o congelamento do salário mínimo, a descentralização da contratação colectiva e a restrição à publicação de portarias de extensão.

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    1.12 Esta situação não é aceitável representando uma violação de um direito fundamental que a Constituição atribui aos sindicatos. A intervenção da troica representa uma intromissão intolerável e ilegítima, que não pode, em nome dos direitos dos credores, justificar um ataque a direitos fundamentais e à autonomia e liberdade das organizações sindicais e patronais. A extensão de convenções colectivas justifica-se não só em termos laborais mas também económicos, enquanto instrumento de concorrência leal entre as empresas. Por sua vez, a descentralização da contratação colectiva, ou seja a negociação ao nível de empresa, não é adequada a uma estrutura empresarial dominada por micro e pequenas empresas. Este desajustamento é maior nos países com mais elevada participação no emprego destas empresas, como é o caso de Portugal.

    2. ECONOMIA: NÃO HÁ INVERSÃO DO CICLO ECONÓMICO

    2.1 A melhoria conjuntural da economia no segundo e no terceiro trimestre deste ano não significa a inversão do ciclo económico. Mesmo que o país passe de uma recessão para a estagnação, o que pode não se materializar devido à natureza do Orçamento do Estado (OE) para 2014, as principais dificuldades não serão ultrapassadas. Basta observar que estamos muito longe do nível do PIB quando este começou a baixar. Ele começou a cair no 3º trimestre de 2008, teve depois um período de crescimento mas que não assegurou a recuperação completa, a que se seguiu uma quebra acentuada desde o 4º trimestre de 2010:

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    2.2 A evolução verificada no 2º e no 3º trimestre (crescimento de 1,1% e 0,2% em comparação com os trimestres anteriores) reflecte, de um lado, factores de carácter temporário e, de outro, um contributo menos negativo da procura interna. No primeiro caso, estão por exemplo a compra de aeronaves (o que influencia o investimento, mas também as importações) e a modernização do sector de refinação de petróleo (o que aumenta as exportações mas este efeito diluir-se-á em 2014). O factor que mais pesou na evolução conjuntural foi a procura interna, que caiu a um ritmo menos acentuado, sobretudo no consumo. A decisão do Tribunal Constitucional que repôs a atribuição dos subsídios aos trabalhadores pôs em evidência que a procura interna é determinante para o crescimento da economia. Este facto evidencia que não haverá retoma económica sustentada sem um relançamento da procura interna.

    Contributo para a variação homóloga do PIB (p.p.)
     
    3º T 12
    4º T 12
    1º T 13
    2º T 13
    3º T 13
    Procura interna -7,3 -4,5 -6,1 -2,9 -1,6
    Procura externa líquida 3,7 0,7 1,9 0,8 0,6
    PIB -3,6 -3,8 -4,1 -2,0 -1,0
    Fonte: INE; Procura externa líquida = exportações líquidas de importações

    2.3 O contributo da procura externa diminui devido ao crescimento das importações, tendo em conta que as exportações tiveram um crescimento de 5,8% de Janeiro a Setembro mas o crescimento é menor se lhe for retirado as que se referem a combustíveis e lubrificantes. Num plano mais alargado e global, constata-se ter sido alcançado o reequilíbrio da balança corrente (o que também está a ocorrer nos países do "grupo da troica"), mas à custa da enorme queda do poder de compra da população bem como do investimento, ou seja, o resultado da recessão e não da reestruturação da estrutura produtiva.

    2.4 A informação disponível não permite, no entanto, acalentar a ilusão do fim de um ciclo económico – marcado por uma brutal destruição da riqueza e por um empobrecimento generalizado (mas os mais ricos vêem a sua riqueza aumentar! [4] ) da população – e a passagem a um ciclo em que a economia cresce e, em consequência, o rendimento aumenta. Esta informação aponta mais para uma estagnação do que para um crescimento. O que significa que não haverá claras melhorias na situação do país, considerando nomeadamente o nível de desemprego (a menos que a população continue a emigrar) e o peso da dívida no PIB.

    2.5 Mesmo este horizonte de estagnação será agravado com as medidas previstas no âmbito do OE2014. A austeridade terá um efeito equivalente a 2,3% do PIB, através do corte dos salários e das pensões, o que terá efeitos recessivos em toda a economia e dificilmente será compensado pelas exportações.

    2.6 Para além da evolução conjuntural, a questão que se coloca é se o país está a ganhar competitividade. O argumento da desvalorização interna, de que substituiria uma desvalorização cambial – que Portugal, pelo facto de estar na UE, não pode fazer –, é simplista e enganador. A ideia de que se ganha competitividade com trabalhadores com salários mais baixos e com menores direitos e com desempregados com menos segurança social alimenta a regressão social mas não o crescimento sustentado das exportações. Não foi devido à redução salarial que estas cresceram. Em 2013, perto de metade do crescimento foi devido à exportação de combustíveis, o que nada tem a ver com a redução salarial. As razões do agravamento do défice comercial na década de 2000 não foram devidas ao crescimento dos salários. O nível salarial é muito mais baixo em Portugal e os custos unitários do trabalho (um indicador que tem em conta a variação dos salários e da produtividade) tiveram uma evolução inferior à verificada para os principais parceiros comerciais. Segundo o Banco de Portugal houve, no período de 1999 a 2009, um "crescimento do índice cambial efectivo real inferior ao da área do euro" [5] . A evolução mais recente indica uma forte diminuição dos custos unitários do trabalho devido às políticas de austeridade.

    2.7 Os problemas de competitividade resultam de outros factores, nos quais assumem relevo a entrada no euro com uma taxa de câmbio sobrevalorizada e a apreciação do euro. O país tem dificuldade em competir num quadro de uma zona monetária nas condições em que foi construída. As exportações estão centradas em produtos de baixa ou média-baixa intensidade tecnológica, nas quais sofre uma maior concorrência das chamadas economias emergentes. A parte destes produtos no total dos que são exportados tem mesmo vindo a diminuir.

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    2.8 Para ultrapassar estes problemas será necessário investir fortemente nos factores mais determinantes para a exportação de produtos de maior qualidade, incluindo a qualificação dos trabalhadores. Será necessário ter uma visão mais abrangente da competitividade, que não se focalize somente nos custos e tenha em conta dimensões como a produtividade, a inovação, a tecnologia e a qualidade das instituições. As políticas de austeridade têm pesados custos nesta perspectiva: verifica-se uma forte diminuição do stock de capital por trabalhador, devido à quebra do investimento; o desemprego e a redução salarial leva os jovens e os trabalhadores com maiores níveis de habilitações e de qualificações a emigrarem; há menor investimento na educação; existe desmotivação dos trabalhadores. Estes custos não têm sido considerados pelo Governo e pela troica, apesar de ser óbvio que contribuem para a diminuição da capacidade produtiva (ou seja, para a diminuição do chamado PIB potencial).

    3. INSUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA PÚBLICA E EFEITOS DRAMÁTICOS DA AUSTERIDADE NAS CONTAS DA SEGURANÇA SOCIAL

    3.1. A política de austeridade seguida tem sido contraproducente. A imposição de metas para o défice público demasiado apertadas – baseadas essencialmente na despesa com os salários e as prestações sociais e, no ano de 2013, num forte aumento do IRS (o que na prática penalizou os trabalhadores e pensionistas) – conduz à diminuição acentuada do rendimento disponível com efeitos na actividade económica e, portanto, na capacidade do Estado de obter receita. Daqui resulta a dificuldade de reduzir o défice do Estado.

    3.2 A execução orçamental do lado da receita tem sido com frequência apelidada de "robusta". Mas se a analisarmos de modo detalhado concluímos que o bom desempenho da receita do Estado (compreendendo nesta noção os impostos e também as contribuições) se baseia exclusivamente nos impostos directos. Ou, mais exactamente, no IRS já que o aumento do IRC é muito menor. Estamos de facto perante uma forma de "redução salarial" já que o rendimento disponível, sobretudo dos trabalhadores por conta de outrem, desce significativamente.

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    3.3 A política de consolidação orçamental tem, para além dos impactos já referidos na actividade, no emprego e na capacidade de arrecadação de receita fiscal, consequências dramáticas nas contas da segurança social, provocadas pela perda de contribuições, pelo aumento do desemprego, por uma integração ruinosa para o sistema dos trabalhadores da banca e pelo corte das transferências do OE para o financiamento da Lei de Bases da Segurança Social (LBSS). A situação é tão grave que exigiu que o OE fizesse transferências extraordinárias desde 2012 para evitar a ruptura do sistema. Em 2014 a transferência prevista é de 1,4 mil milhões de euros, um valor próximo do de 2013. A diminuição do nível de segurança social (corte nas prestações, aumento da idade da reforma, etc.), para além de pôr em causa os direitos dos beneficiários, com impactos no bem-estar, na pobreza e nas desigualdades, não pode resolver problemas que radicam no crescimento, no emprego e nos salários.

    Evolução das receitas da segurança social

    A segurança social sofre um duplo choque do lado das receitas num momento em que por via dos chamados estabilizadores automáticos tem maior despesa, particularmente com as prestações de desemprego:

  • Menos transferências do OE para cumprimento dos objectivos decorrentes do cumprimento da LBSS. Esta diminuição afecta sobretudo o subsistema de Protecção Social de Cidadania, o qual visa garantir direitos básicos dos cidadãos incluindo o rendimento mínimo, o apoio às famílias e a prevenção e erradicação da pobreza e da exclusão (artigo 26º da Lei nº 4/2007);

  • Menos contribuições, devido à queda no emprego e aos cortes salariais, a qual quase atinge 5% em 2012. A variação positiva em 2013 é ilusória pois é devida à contabilização nas contribuições da receita da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e das contribuições sobre as prestações de desemprego e de doença; se as retiramos obtemos uma diminuição de 1,2%. Para 2014, o OE2014 prevê uma nova diminuição das contribuições.

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  • 3.4 O nível da dívida, total e pública, atingiu valores que são insustentáveis. A dívida pública deverá atingir 128% do PIB este ano, o que compara com 83% em 2009 e 94% em 2010. Houve assim, com a política de austeridade, uma colossal acumulação de dívida pública. Por sua vez, a dívida privada, das empresas e das famílias, também aumentou, passando de 203% do PIB em 2007 para 224% em 2012 [6] . A dívida pública, que absorve recursos próximos da transferência do Estado para o Serviço Nacional de Saúde, é alimentada pela regressão do PIB e por um elevado nível de juros (da ordem dos 4,3%).

    3.5 O Governo admite que haverá uma inversão da trajectória de crescimento da dívida pública em 2014, mas com estagnação económica é pouco provável que tal aconteça. A diminuição do peso da dívida é muito sensível ao crescimento económico e ao peso dos juros. É de referir que a OCDE prevê que a dívida continue a aumentar em 2014.

    3.6 A recente troca de títulos da dívida pública com o objectivo de alargar o prazo em que os montantes devem ser pagos aos credores (de 2014-15 para 2016-17) representa na prática uma forma envergonhada de reestruturação da dívida, mas sem o impacto positivo que uma verdadeira reestruturação pode ter. Significa três coisas: a insustentabilidade da dívida; a transferência para o futuro, embora próximo (2017-2018), de problemas de hoje; e o aumento da despesa com os juros, já que esta operação envolve o pagamento de uma taxa de juro superior (as projecções feitas pelo FMI, sem esta operação, indicam que o peso dos juros no PIB não descerá dos 4,4% do PIB nos próximos anos).

    4. A "REFORMA DO ESTADO" E A DESPESA SOCIAL

    4.1. A "reforma do Estado" passou a ser um tema obsidiante da parte do Governo e da opinião económica dominante. Na sua forma mais simples, mas que corresponde à prática governativa, trata-se simplesmente de reduzir a despesa social do Estado.

    4.2 De facto, analisando as medidas tomadas nos últimos anos, constatamos que, no essencial, não se trata nem de cortar despesa feita em proveito de interesses económicos instalados nem de melhorar o funcionamento das instituições. O grosso dos cortes efectuados incide sobre a despesa social, sendo de destacar: a diminuição da despesa com a educação, a saúde e a segurança social; a quebra na cobertura das prestações de desemprego (a maioria dos desempregados não é abrangida); a diminuição do número de beneficiários do sistema de Protecção Social de Cidadania: mais de 600 mil crianças e jovens deixaram de ter abono de família e os beneficiários do rendimento social de inserção (RSI) reduziram-se a quase metade.

    Indicadores relativos a despesa social e a beneficiários
        2010 2011 2012 2013 2014
    Despesa com educação % do PIB 5,0 4,6 4,1 4,3 3,9
    Saúde: transferência para SNS % do PIB 5,0 4,8 4,7 4,8 4,5
    Segurança social: transferência LBSS % do PIB 4,3 3,9 3,8 3,8 3,7
       - Cobertura prestações de desemprego* % 60,8 43,0 44,2 45,7  
       - Beneficiários abono de família Mil 1822 1358 1188 1188**  
       - Beneficiários RSI Mil 528 448 282 268**  
    Fonte: Diversas fontes oficiais (segurança social, Governo, INE e M.Economia–GEE)
    Notas: Saúde: transferências para o Serviço Nacional de Saúde; Segurança social: transferências para cumprimento da LBSS;
    * Valores referentes ao 2º trimestre de cada ano com base em valores publicados pelo INE e pelo M. Economia-GEE;
    **Média de Janeiro a Outubro com base em valores publicados pelo M. Economia-GEE)

    4.3 O OE2014 aprofunda a política de austeridade com um corte na despesa de 3,3 MM€ (2% do PIB). São de novo reduzidas as transferências para funções sociais do Estado (por exemplo, - 300 milhões de euros nas respeitantes ao Serviço Nacional de Saúde). Pretende-se uma reforma das pensões, na Administração Pública e no sector privado, com implicações profundas. Na Administração Pública, um corte retroactivo das pensões, tendo sido pedida pela Presidência da República a verificação da constitucionalidade. No sector privado, a alteração da Lei de Bases da Segurança Social a qual visa introduzir cláusulas abertas que permitiriam aos Governos invocar a evolução da esperança média de vida, a situação demográfica e/ou a sustentabilidade do sistema de segurança social, para modificar elementos essenciais do cálculo da pensão de velhice. Foi entretanto divulgado pelo Governo um projecto de diploma legal que pretende aumentar a idade legal de reforma de 65 para 66 anos em 2014 e o seu aumento sucessivo depois desta data.

    4.4. A redução de efectivos na Administração Pública não pode ser separada do papel do Estado na sociedade, pois não há serviços públicos sem trabalhadores que os assegurem. O que está hoje em jogo é acelerar mais a perda contínua de emprego que já se vem a verificar desde meados da década passada e que foi agravada com a aplicação dos programas de austeridade. O país tem já uma percentagem do emprego público inferior à verificada na média dos países da OCDE e é visível em vários sectores a falta de efectivos, com consequência na qualidade dos serviços prestados.

    Excesso de despesa ou falta de desenvolvimento do país?

    O Governo argumenta com o excesso de despesa pública na década passada responsabilizando-o pelos males do país. Esta despesa: teria crescido em demasia; seria excessiva face ao nosso nível de desenvolvimento; teria causado a crise da dívida. Vejamos sinteticamente estes argumentos.

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    A despesa cresceu em demasia? A informação estatística disponível, sintetizada no gráfico, indica que a despesa pública cresceu de 42% do PIB em 2000 para 44% em 2007 (ou seja mais 2 pontos percentuais até à emergência da crise internacional de 2009-2009). Em 2008 era ainda de 45% mas em 2009-2010 saltou para valor de 50 a 51%. Ou seja, foi a crise que levou ao aumento da despesa, por via de estímulos à economia, já que se temia então que a crise internacional fosse mais profunda e prolongada. Estímulos, diga-se, de que beneficiaram sobretudo as empresas.

    A despesa pública era em 2011 de 49,3% do PIB face a 49,5% na Zona Euro e de 57,7% na Dinamarca (Eurostat), apesar de termos um mais baixo nível de vida e um desemprego bastante superior. Por sua vez, a despesa de protecção social era de 26,5% do PIB face a 29,1% na média da UE28; esta despesa expressa em paridades de poder de compra por pessoa era de 69% do valor médio da UE28 [7] .

    Houve um acréscimo excessivo face ao desenvolvimento do país? Não só o aumento não foi elevado até à emergência da crise, primeiro internacional e depois da dívida, como esteve relacionado com o aumento das prestações sociais, em particular com a valorização das pensões mínimas na primeira metade da década de 2000. Deve ser referido que houve a este respeito um verdadeiro consenso nacional. Também pesou nesta evolução o aumento da despesa com o desemprego, embora a maioria seja financiada por contribuições e não por impostos.

    Porém, sendo este indicador um quociente tem de se olhar quer para o numerador (nível da despesa) quer para o denominador (PIB). Ora a economia não cresceu em quase todo este período: de 2001 a 2013 o crescimento médio foi nulo; e foi negativo na média de 2007 a 2013. O peso do indicador desceria naturalmente se a economia crescesse.

    Foi o excesso de despesa que causou a crise da dívida? Não, pelas razões já apontadas. Mas também não o é por outros motivos. Devemos recordar que em 2007, ou seja antes da crise internacional, o défice público era de 3,1% e a dívida pública era de 68,3%, valores que não estavam distantes dos impostos pelas regras de Maastricht (e próximos dos verificados na Alemanha).

    A crise da dívida tem a ver com outros motivos, internos e externos. No lado interno, saliente-se o debilitamento da estrutura produtiva, a desindustrialização e a ideia de que era possível continuar a acumular défices significativos e persistentes da Balança Corrente, sem a emergência de crises de financiamento externo. No lado externo, as regras da moeda única e a resposta europeias à crise, entre outras.

    5. PROPOSTAS DA CGTP-IN

    As propostas que a CGTP-IN apresenta mostram que é possível equilibrar as contas públicas, aumentar o crescimento económico e melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo.

    No âmbito do desenvolvimento económico e social, a CGTP-IN propõe:
    - O aumento da produção nacional, o que implica o relançamento do investimento, nomeadamente nos sectores de bens e serviços transaccionáveis, que tenha especial incidência na substituição de importações;
    - Uma política de rendimentos, que ao melhorar o rendimento disponível por via dos salários (incluindo da revisão do salário mínimo) e das prestações sociais, permitirá também melhorar a procura interna, dinamizar a actividade económica e criar mais e melhor emprego;
    - A dinamização da contratação colectiva, enquanto garantia fundamental do equilíbrio das relações laborais e pilar do funcionamento da própria democracia, em simultâneo com a publicação das Portarias de Extensão;
    - A revogação das normas gravosas da legislação laboral dos sectores privado e público, nomeadamente as que se relacionam com a facilitação dos despedimentos e a redução das indemnizações, a redução do pagamento do trabalho extraordinário, os bancos de horas e o aumento do horário de trabalho, a "requalificação" / despedimentos;
    - A melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, nomeadamente da educação, da saúde;

    No âmbito da redução da despesa, a CGTP-IN propõe:
    - A renegociação da dívida (montantes, prazos e juros) e alteração das condições de financiamento do Estado, quer no longo prazo quer no curto prazo;
    - A recuperação de encargos com o BPN/SLN;
    - A redução imediata dos encargos com as parcerias público-privadas, com a diminuição da taxa accionista, promovendo os esforços necessários de renegociação dos contratos com este objectivo.

    No âmbito do aumento da receita, a CGTP-IN propõe:
    - A recuperação de dívidas à autoridade tributária, o que implica o reforço dos meios humanos e materiais e a definição anual de metas quantificadas e avaliação semestral dos resultados;
    - O combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço de meios, da alteração do quadro penal e processual de forma a penalizar a fraude e evasão de grandes contribuintes, e do combate ao planeamento fiscal abusivo;
    - O alargamento da base fiscal em sede de IRC, nomeadamente eliminando a dedução sobre os dividendos, criando uma sobretaxa de 10% sobre os lucros distribuídos aos accionistas com mais de 0,5% do capital;
    - A criação de uma taxa de 0,25% sobre as transacções financeiras;
    - A introdução de progressividade no IRC e contribuição extraordinária das grandes empresas.

    No âmbito do desagravamento da carga fiscal dos trabalhadores e pensionistas, a CGTP-IN propõe:
    - A revogação da sobretaxa de IRS de 3,5%
    - Uma tabela de IRS mais progressiva, com o aumento 5 para 9 escalões e a redução das taxas de imposto, bem como a introdução de progressividade nas deduções à colecta em despesas de saúde, educação, habitação, beneficiando os agregados de menor rendimento, entre outras;
    - O englobamento obrigatório de todos os rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos, independentemente da sua fonte, para efeitos de IRS;
    - A descida do IVA para os bens e serviços essenciais, sobre os quais incidirá uma taxa de 6%, e reposição da taxa de IVA a 13% para o sector da restauração;
    - O alargamento da isenção do IMI para habitação própria e permanente dos contribuintes de baixos rendimentos (até ao 2º escalão do IRS) e criação de uma taxa de imposto extraordinária progressiva (entre 0,1% e 0,25%) para património imobiliário de valor consolidado superior a meio milhão de euros.

    No âmbito da Segurança Social, a CGTP-IN defende:
    - Medidas de emergência destinadas a aliviar no imediato a situação dos desempregados e das famílias em situação de maior necessidade, incluindo o alargamento do subsídio social de desemprego, sem prejuízo da luta pela revisão das alterações legais que, no âmbito dos programas de austeridade, reduziram o direito à segurança social;
    - A melhoria da segurança social direccionada para o acesso às prestações, contributivas e não contributivas, e à actualização das prestações, incluindo a revisão de todas as pensões e a actualização do Indexante dos Apoios Sociais (IAS);
    - A reavaliação periódica do regime de transferência para o Estado das responsabilidades relativas às pensões da banca;
    - O alargamento da base de incidência contributiva considerando não só os salários mas também outras componentes da formação do rendimento, aprofundando o princípio da diversificação das fontes de financiamento na linha do que se preconiza no Acordo de Modernização da Segurança Social de 2001;
    - A recuperação das dívidas à Segurança Social;
    - A retirada da proposta de aumento da idade de reforma e da penalização do factor de sustentabilidade.

    Lisboa, 11/Dezembro/2013

    Notas
    1- ILO, Tackling the job crisis in Portugal , Novembro de 2013
    2- INE, Inquérito à Fecundidade 2013 (primeiros Resultados), 27.11.2013
    Fonte: Calculado pela CGTP-IN com base em dados do INE
    3- European Commission, The economic adjustment programme for Portugal. Eight and ninth review , Novembro 2013
    4- A fortuna das 25 famílias mais ricas em Portugal equivale a 10% do PIB, segundo informação recente.
    5- Banco de Portugal, Boletim de Verão , 2010.
    6- Trata-se aqui da dívida privada divulgada pelo Eurostat no quadro do procedimento dos desequilíbrios macroeconómicos excessivos.
    7- Eurostat, EU28 spent 29,1% of GDP on social protection in 2011 , News release, 21.11.13.


    O original encontra-se em www.cgtp.pt/...

    Este documento encontra-se em http://resistir.info/ .
    13/Dez/13