Posição da CGTP-IN sobre a 10ª avaliação da
troica
Os programas de empobrecimento e exploração (Programas de
Assistência Económica e Financeira, na linguagem oficial)
apresentam três objectivos principais assumidos: a redução
de desequilíbrios orçamentais; a melhoria da competitividade; e o
apoio aos bancos. Decorridos dois anos e meio da sua aplicação
cabe fazer um balanço, procurando saber se foram alcançados e
qual o verdadeiro estado do país:
A política de consolidação orçamental conduziu
à recessão e limitou a capacidade do Estado de obter receitas, o
que levou à reorientação da política fiscal em
2013: o agravamento da carga fiscal visa os que dela não podem fugir (os
assalariados). Porém, os resultados na redução do
défice público são escassos (em 2014 não
andará longe do de 2011), houve uma colossal acumulação de
dívida pública, enfraqueceram-se as funções sociais
do Estado e a segurança social está a ser conduzida para uma
situação de ruptura;
A competitividade anunciada, assente nas chamadas "reformas
estruturais" promoveu a desregulação do trabalho, a
redução brutal dos salários dos trabalhadores e o
empobrecimento generalizado da população e do país. A
contracção da procura interna terá como consequência
uma diminuição, sem precedentes, de 772 mil empregos no
período de 2008 a 2014, enquanto a conjugação da
redução salarial com o desemprego fez retomar a
emigração para valores comparáveis aos verificados na
década de 60 do século passado. Um país que é
abandonado pelos seus jovens, na maioria com elevadas
habilitações, e por trabalhadores qualificados não
é seguramente mais competitivo. O défice da balança
corrente foi absorvido mas à custa da redução brutal das
importações;
Qual o futuro que temos pela frente? No curto prazo, o Orçamento de
Estado para 2014 (OE2014) significa uma intensificação da
"austeridade" que tem um efeito equivalente a 2,3% do PIB e
está toda centrada na despesa, através do corte dos
salários e das pensões, enquanto se mantém um nível
de tributação opressivo sobre os salários ao mesmo tempo
que se alivia a tributação dos lucros. Temos igualmente uma
"reforma do Estado", que funciona como um mero chavão para o
corte da despesa social assente, nomeadamente, nos despedimentos e na
redução de salários e pensões. No médio e
longo prazo, temos uma perspectiva de estagnação económica
e um cenário de "austeridade permanente".
O país não tem saída no quadro das presentes
políticas. A dívida pública não é
sustentável; sem investimento não haverá
criação de emprego com direitos; sem valorização
salarial os jovens e os trabalhadores qualificados abandonarão o
país; sem uma política de desenvolvimento económico e
social, acentuar-se-ão as desigualdades e o empobrecimento. Uma
mudança de política que foi recentemente preconizada pela OIT
[1]
defende uma estratégia baseada: na criação de emprego e no
investimento produtivo; na manutenção do emprego e no apoio aos
desempregados e aos grupos vulneráveis; na melhoria da qualidade do
emprego; na protecção social; no aumento dos salários,
incluindo o Salário Mínimo Nacional (SMN); na
dinamização e valorização da
contratação colectiva e do diálogo social.
A CGTP-IN, que desde o início alertou para as desastrosas
consequências do memorando da troica, tem uma legitimidade acrescida para
reclamar uma estratégia que responda às necessidades de
desenvolvimento, não apenas económico mas abrangendo todas as
suas dimensões relevantes.
1. PROFUNDA DETERIORAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO
1.1 A análise global da situação do mercado de trabalho
indica a manutenção de uma deterioração profunda:
Principais indicadores
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
Emprego (Variação, %)
|
-1,5
|
-2,8
|
-4,3
|
-3,9
|
Taxa de emprego (20-64 anos), %
|
70,5
|
69,1
|
66,5
|
|
Taxa de desemprego (%)
|
10,8
|
12,7
|
15,7
|
17,7
|
Inactivos disponíveis que não procuram emprego (mil)
|
|
147,7
|
217,4
|
271,7
|
Desemprego de longa duração (% do total)
|
54,3
|
53,1
|
54,1
|
60,3
|
Contratos não permanentes no total (%)
|
23,0
|
22,2
|
20,7
|
21,6
|
Fontes: 2010-2012: INE excepto taxa de emprego (Eurostat);
2013: Governo para emprego e taxa de desemprego; INE para restantes: inactivos
disponíveis referem-se ao 2º trimestre de cada ano; desemprego de
longa duração e contratos não permanentes referem-se
à média dos 3 primeiros trimestres
1.2 A quebra do emprego constitui o indicador mais determinante na
situação do mercado de trabalho. A recessão ou
estagnação, aliada à facilitação dos
despedimentos devido às alterações ao Código de
Trabalho, tem provocado uma impressionante destruição de emprego
como jamais foi verificada. Se considerarmos o nível de emprego
existente em 2008 (5198 milhares) e o que se perspectiva em 2014 (4427,2 mil),
supondo-se no próximo ano uma diminuição de 0,4%,
obtém-se uma quebra de 772 mil empregos, o que representa 15% do valor
de 2008. Trata-se de uma verdadeira catástrofe.
1.3 A taxa de desemprego não reflecte necessariamente esta
destruição de emprego já que os desempregados podem
emigrar ou deixar de procurar emprego (o chamado desencorajamento). Estes dois
factores estão a ocorrer: a emigração disparou e há
uma redução da taxa de actividade e da taxa de emprego.
Refira-se, quanto a esta, o forte declínio verificado em apenas
três anos (4 pontos percentuais). A taxa de desemprego jovem (36% no
3º trimestre) teve uma diminuição que é influenciada
pela emigração e por medidas de política activa de emprego
assentes, sobretudo, na aposta na precariedade quase absoluta (caso dos
desempregados inseridos em contratos emprego inserção,
estágios e formação profissional que cresceram mais 56 mil
desde Outubro de 2012).
1.4 O desemprego, tal como é medido, representa uma forma extrema de
não utilização de pessoas na economia. Os sistemas
estatísticos divulgam informação que, de um modo mais
abrangente, permite analisar o grau de subutilização da
força de trabalho na economia. Estes indicadores mostram que, a par do
aumento do desemprego, houve um fortíssimo aumento do número de
inactivos disponíveis para trabalhar mas que não procuram emprego
(ver quadro no ponto 1.1).
Verifica-se também a progressão quer do número de
empregados que deseja trabalhar mais horas quer do trabalho a tempo parcial
involuntário.
1.5 Um dos aspectos mais preocupantes da situação actual é
o forte aumento do desemprego de longa duração (DLD) ao longo de
2013, o qual representava 64% do total no terceiro trimestre. O DLD aparece
fortemente associado à taxa de desemprego. Com a elevada queda do
emprego, a parte dos desempregados de longa duração no total
estabiliza, mas depois, não se conseguindo o regresso ao trabalho, torna
a subir. É o que hoje acontece, o que é ampliado pela
emigração porque os desempregados mais jovens e (teoricamente)
com mais possibilidades de encontrar emprego saem do país. Estes dados
demonstram que o desemprego, em particular o de longa duração,
não diminui por via de uma menor protecção no desemprego,
como se fez, através do corte no valor e no montante das
prestações de desemprego (a maioria dos desempregados não
tem hoje acesso às prestações). Esta
situação é profundamente grave se atendermos às
características dominantes do desemprego no país: 61% dos
desempregados têm habilitações que não excedem o
nível básico (até ao 3º ciclo) e um terço tem
45 e mais anos.
1.6 Apesar do baixo nível salarial do país, está em curso
um processo de redução dos salários que afecta tanto o
sector público como o sector privado. O sector público tem sido
particularmente afectado, sendo de referir, entre outras medidas: os
salários foram congelados em 2010 e diminuíram 5% em 2011 devido
a um corte nos salários acima dos 1500 euros; o congelamento das
remunerações e a suspensão do pagamento dos
subsídios de férias e de Natal conduziu a uma
diminuição ainda mais acentuada em 2012; o aumento do
período normal de trabalho de 35 para 40 horas em 2013 significa
igualmente uma desvalorização salarial (diminuição
do salário-hora). Porém, a redução salarial ocorre
também no sector privado, por diversas vias incluindo a
alteração da legislação de trabalho, a não
actualização do salário mínimo e o bloqueamento da
contratação colectiva. E incluindo também a
diminuição do salário em termos líquidos devido ao
forte agravamento do IRS em 2013.
1.7 O congelamento do SMN desde 2011 tem um grande impacto laboral e social
devido ao baixo nível salarial e à existência de um volume
elevado e em crescimento de trabalhadores com baixos salários. Em 2012 o
número de trabalhadores a receber o salário mínimo
representa 12,8% do total (16,4% no que respeita às mulheres). Esta
percentagem aponta para mais de 460 mil trabalhadores abrangidos pois o total
de assalariados foi de 3 milhões e 628 mil nesse ano.
1.8 Com a aprovação do Orçamento de Estado para 2014
pretende-se reforçar esta política, com, designadamente, um novo
corte nos salários do sector público (acima dos 675 euros) e a
manutenção do agravamento do IRS verificado este ano,
abrangendo-se neste caso todos os trabalhadores.
1.9 A baixa dos salários, aliada ao desemprego, está a ter um
efeito desastroso em termos de saída do país de jovens com
elevadas habilitações e de trabalhadores qualificados. A
emigração abrangeu mais de 220 mil pessoas em 2011-2012, dos
quais 43% a título permanente, o que amorteceu os efeitos da perda de
empregos na taxa de desemprego. Trata-se de uma situação
preocupante porque afecta a capacidade produtiva do país, contribui para
o envelhecimento da população e debilita a base de financiamento
do sistema social.
1.10 A crise é também demográfica: a
população está a baixar desde 2011; a natalidade a baixar;
Portugal está no grupo de países europeus onde a fertilidade
é das mais baixas, em conjunto com a Letónia, a Polónia, a
Roménia e a Hungria; os "custos financeiros associados a ter
filhos" (referido por 67% das mulheres e por 68% dos homens) e a
"dificuldade para conseguir emprego" (referido por 48% das mulheres e
por 59% dos homens) são os motivos mais invocados para a decisão
de não ter filhos; "aumentar os rendimentos das famílias com
filhos" foi a medida considerada como o mais importante incentivo à
natalidade
[2]
. A elevada precariedade de emprego é um factor condicionante (ver
quadro no ponto 1.1): a segurança de rendimento é um factor
essencial para a estabilidade pessoal e familiar e para a confiança no
futuro.
1.11 No domínio das relações de trabalho, o aspecto
essencial é o boicote da contratação colectiva,
registando-se um pequeno número de convenções colectivas
publicadas. A cobertura dos trabalhadores por convenção colectiva
é ainda menor do que estes números podem fazer supor porque
declinou o número de convenções sectoriais e porque quase
deixaram de ser publicadas portarias de extensão (9 este ano face a 116
em 2010). Esta queda é tão acentuada que a Comissão
Europeia a considera "problemática"
[3]
. Este é o resultado de uma política de bloqueio e
destruição da contratação colectiva imposta pela
troica e o Governo, a qual nomeadamente inclui o congelamento do salário
mínimo, a descentralização da contratação
colectiva e a restrição à publicação de
portarias de extensão.
1.12 Esta situação não é aceitável
representando uma violação de um direito fundamental que a
Constituição atribui aos sindicatos. A intervenção
da troica representa uma intromissão intolerável e
ilegítima, que não pode, em nome dos direitos dos credores,
justificar um ataque a direitos fundamentais e à autonomia e liberdade
das organizações sindicais e patronais. A extensão de
convenções colectivas justifica-se não só em termos
laborais mas também económicos, enquanto instrumento de
concorrência leal entre as empresas. Por sua vez, a
descentralização da contratação colectiva, ou seja
a negociação ao nível de empresa, não é
adequada a uma estrutura empresarial dominada por micro e pequenas empresas.
Este desajustamento é maior nos países com mais elevada
participação no emprego destas empresas, como é o caso de
Portugal.
2. ECONOMIA: NÃO HÁ INVERSÃO DO CICLO ECONÓMICO
2.1 A melhoria conjuntural da economia no segundo e no terceiro trimestre deste
ano não significa a inversão do ciclo económico. Mesmo que
o país passe de uma recessão para a estagnação, o
que pode não se materializar devido à natureza do
Orçamento do Estado (OE) para 2014, as principais dificuldades
não serão ultrapassadas. Basta observar que estamos muito longe
do nível do PIB quando este começou a baixar. Ele começou
a cair no 3º trimestre de 2008, teve depois um período de
crescimento mas que não assegurou a recuperação completa,
a que se seguiu uma quebra acentuada desde o 4º trimestre de 2010:
2.2 A evolução verificada no 2º e no 3º trimestre
(crescimento de 1,1% e 0,2% em comparação com os trimestres
anteriores) reflecte, de um lado, factores de carácter temporário
e, de outro, um contributo menos negativo da procura interna. No primeiro caso,
estão por exemplo a compra de aeronaves (o que influencia o
investimento, mas também as importações) e a
modernização do sector de refinação de
petróleo (o que aumenta as exportações mas este efeito
diluir-se-á em 2014). O factor que mais pesou na evolução
conjuntural foi a procura interna, que caiu a um ritmo menos acentuado,
sobretudo no consumo. A decisão do Tribunal Constitucional que
repôs a atribuição dos subsídios aos trabalhadores
pôs em evidência que a procura interna é determinante para o
crescimento da economia. Este facto evidencia que não haverá
retoma económica sustentada sem um relançamento da procura
interna.
Contributo para a variação homóloga do PIB (p.p.)
|
3º T 12
|
4º T 12
|
1º T 13
|
2º T 13
|
3º T 13
|
Procura interna
|
-7,3
|
-4,5
|
-6,1
|
-2,9
|
-1,6
|
Procura externa líquida
|
3,7
|
0,7
|
1,9
|
0,8
|
0,6
|
PIB
|
-3,6
|
-3,8
|
-4,1
|
-2,0
|
-1,0
|
Fonte: INE; Procura externa líquida = exportações
líquidas de importações
2.3 O contributo da procura externa diminui devido ao crescimento das
importações, tendo em conta que as exportações
tiveram um crescimento de 5,8% de Janeiro a Setembro mas o crescimento é
menor se lhe for retirado as que se referem a combustíveis e
lubrificantes. Num plano mais alargado e global, constata-se ter sido
alcançado o reequilíbrio da balança corrente (o que
também está a ocorrer nos países do "grupo da
troica"), mas à custa da enorme queda do poder de compra da
população bem como do investimento, ou seja, o resultado da
recessão e não da reestruturação da estrutura
produtiva.
2.4 A informação disponível não permite, no
entanto, acalentar a ilusão do fim de um ciclo económico
marcado por uma brutal destruição da riqueza e por um
empobrecimento generalizado (mas os mais ricos vêem a sua riqueza
aumentar!
[4]
) da população e a passagem a um ciclo em que a economia
cresce e, em consequência, o rendimento aumenta. Esta
informação aponta mais para uma estagnação do que
para um crescimento. O que significa que não haverá claras
melhorias na situação do país, considerando nomeadamente o
nível de desemprego (a menos que a população continue a
emigrar) e o peso da dívida no PIB.
2.5 Mesmo este horizonte de estagnação será agravado com
as medidas previstas no âmbito do OE2014. A austeridade terá um
efeito equivalente a 2,3% do PIB, através do corte dos salários e
das pensões, o que terá efeitos recessivos em toda a economia e
dificilmente será compensado pelas exportações.
2.6 Para além da evolução conjuntural, a questão
que se coloca é se o país está a ganhar competitividade. O
argumento da desvalorização interna, de que substituiria uma
desvalorização cambial que Portugal, pelo facto de estar
na UE, não pode fazer , é simplista e enganador. A ideia de
que se ganha competitividade com trabalhadores com salários mais baixos
e com menores direitos e com desempregados com menos segurança social
alimenta a regressão social mas não o crescimento sustentado das
exportações. Não foi devido à redução
salarial que estas cresceram. Em 2013, perto de metade do crescimento foi
devido à exportação de combustíveis, o que nada tem
a ver com a redução salarial. As razões do agravamento do
défice comercial na década de 2000 não foram devidas ao
crescimento dos salários. O nível salarial é muito mais
baixo em Portugal e os custos unitários do trabalho (um indicador que
tem em conta a variação dos salários e da produtividade)
tiveram uma evolução inferior à verificada para os
principais parceiros comerciais. Segundo o Banco de Portugal houve, no
período de 1999 a 2009, um "crescimento do índice cambial
efectivo real inferior ao da área do euro"
[5]
. A evolução mais recente indica uma forte
diminuição dos custos unitários do trabalho devido
às políticas de austeridade.
2.7 Os problemas de competitividade resultam de outros factores, nos quais
assumem relevo a entrada no euro com uma taxa de câmbio sobrevalorizada e
a apreciação do euro. O país tem dificuldade em competir
num quadro de uma zona monetária nas condições em que foi
construída. As exportações estão centradas em
produtos de baixa ou média-baixa intensidade tecnológica, nas
quais sofre uma maior concorrência das chamadas economias emergentes. A
parte destes produtos no total dos que são exportados tem mesmo vindo a
diminuir.
2.8 Para ultrapassar estes problemas será necessário investir
fortemente nos factores mais determinantes para a exportação de
produtos de maior qualidade, incluindo a qualificação dos
trabalhadores. Será necessário ter uma visão mais
abrangente da competitividade, que não se focalize somente nos custos e
tenha em conta dimensões como a produtividade, a inovação,
a tecnologia e a qualidade das instituições. As políticas
de austeridade têm pesados custos nesta perspectiva: verifica-se uma
forte diminuição do
stock
de capital por trabalhador, devido à quebra do investimento; o
desemprego e a redução salarial leva os jovens e os trabalhadores
com maiores níveis de habilitações e de
qualificações a emigrarem; há menor investimento na
educação; existe desmotivação dos trabalhadores.
Estes custos não têm sido considerados pelo Governo e pela troica,
apesar de ser óbvio que contribuem para a diminuição da
capacidade produtiva (ou seja, para a diminuição do chamado PIB
potencial).
3. INSUSTENTABILIDADE DA DÍVIDA PÚBLICA E EFEITOS
DRAMÁTICOS DA AUSTERIDADE NAS CONTAS DA SEGURANÇA SOCIAL
3.1. A política de austeridade seguida tem sido contraproducente. A
imposição de metas para o défice público demasiado
apertadas baseadas essencialmente na despesa com os salários e as
prestações sociais e, no ano de 2013, num forte aumento do IRS (o
que na prática penalizou os trabalhadores e pensionistas) conduz
à diminuição acentuada do rendimento disponível com
efeitos na actividade económica e, portanto, na capacidade do Estado de
obter receita. Daqui resulta a dificuldade de reduzir o défice do Estado.
3.2 A execução orçamental do lado da receita tem sido com
frequência apelidada de "robusta". Mas se a analisarmos de modo
detalhado concluímos que o bom desempenho da receita do Estado
(compreendendo nesta noção os impostos e também as
contribuições) se baseia exclusivamente nos impostos directos.
Ou, mais exactamente, no IRS já que o aumento do IRC é muito
menor. Estamos de facto perante uma forma de "redução
salarial" já que o rendimento disponível, sobretudo dos
trabalhadores por conta de outrem, desce significativamente.
3.3 A política de consolidação orçamental tem, para
além dos impactos já referidos na actividade, no emprego e na
capacidade de arrecadação de receita fiscal, consequências
dramáticas nas contas da segurança social, provocadas pela perda
de contribuições, pelo aumento do desemprego, por uma
integração ruinosa para o sistema dos trabalhadores da banca e
pelo corte das transferências do OE para o financiamento da Lei de Bases
da Segurança Social (LBSS). A situação é tão
grave que exigiu que o OE fizesse transferências extraordinárias
desde 2012 para evitar a ruptura do sistema. Em 2014 a transferência
prevista é de 1,4 mil milhões de euros, um valor próximo
do de 2013. A diminuição do nível de segurança
social (corte nas prestações, aumento da idade da reforma, etc.),
para além de pôr em causa os direitos dos beneficiários,
com impactos no bem-estar, na pobreza e nas desigualdades, não pode
resolver problemas que radicam no crescimento, no emprego e nos salários.
Evolução das receitas da segurança social
A segurança social sofre um duplo choque do lado das receitas num
momento em que por via dos chamados estabilizadores automáticos tem
maior despesa, particularmente com as prestações de desemprego:
Menos transferências do OE para cumprimento dos objectivos decorrentes
do cumprimento da LBSS. Esta diminuição afecta sobretudo o
subsistema de Protecção Social de Cidadania, o qual visa garantir
direitos básicos dos cidadãos incluindo o rendimento
mínimo, o apoio às famílias e a prevenção e
erradicação da pobreza e da exclusão (artigo 26º da
Lei nº 4/2007);
Menos contribuições, devido à queda no emprego e aos
cortes salariais, a qual quase atinge 5% em 2012. A variação
positiva em 2013 é ilusória pois é devida à
contabilização nas contribuições da receita da
Contribuição Extraordinária de Solidariedade e das
contribuições sobre as prestações de desemprego e
de doença; se as retiramos obtemos uma diminuição de 1,2%.
Para 2014, o OE2014 prevê uma nova diminuição das
contribuições.
|
3.4 O nível da dívida, total e pública, atingiu valores
que são insustentáveis. A dívida pública
deverá atingir 128% do PIB este ano, o que compara com 83% em 2009 e 94%
em 2010. Houve assim, com a política de austeridade, uma colossal
acumulação de dívida pública. Por sua vez, a
dívida privada, das empresas e das famílias, também
aumentou, passando de 203% do PIB em 2007 para 224% em 2012
[6]
. A dívida pública, que absorve recursos próximos da
transferência do Estado para o Serviço Nacional de Saúde,
é alimentada pela regressão do PIB e por um elevado nível
de juros (da ordem dos 4,3%).
3.5 O Governo admite que haverá uma inversão da
trajectória de crescimento da dívida pública em 2014, mas
com estagnação económica é pouco provável
que tal aconteça. A diminuição do peso da dívida
é muito sensível ao crescimento económico e ao peso dos
juros. É de referir que a OCDE prevê que a dívida continue
a aumentar em 2014.
3.6 A recente troca de títulos da dívida pública com o
objectivo de alargar o prazo em que os montantes devem ser pagos aos credores
(de 2014-15 para 2016-17) representa na prática uma forma envergonhada
de reestruturação da dívida, mas sem o impacto positivo
que uma verdadeira reestruturação pode ter. Significa três
coisas: a insustentabilidade da dívida; a transferência para o
futuro, embora próximo (2017-2018), de problemas de hoje; e o aumento da
despesa com os juros, já que esta operação envolve o
pagamento de uma taxa de juro superior (as projecções feitas pelo
FMI, sem esta operação, indicam que o peso dos juros no PIB
não descerá dos 4,4% do PIB nos próximos anos).
4. A "REFORMA DO ESTADO" E A DESPESA SOCIAL
4.1. A "reforma do Estado" passou a ser um tema obsidiante da parte
do Governo e da opinião económica dominante. Na sua forma mais
simples, mas que corresponde à prática governativa, trata-se
simplesmente de reduzir a despesa social do Estado.
4.2 De facto, analisando as medidas tomadas nos últimos anos,
constatamos que, no essencial, não se trata nem de cortar despesa feita
em proveito de interesses económicos instalados nem de melhorar o
funcionamento das instituições. O grosso dos cortes efectuados
incide sobre a despesa social, sendo de destacar: a diminuição da
despesa com a educação, a saúde e a segurança
social; a quebra na cobertura das prestações de desemprego (a
maioria dos desempregados não é abrangida); a
diminuição do número de beneficiários do sistema de
Protecção Social de Cidadania: mais de 600 mil crianças e
jovens deixaram de ter abono de família e os beneficiários do
rendimento social de inserção (RSI) reduziram-se a quase metade.
Indicadores relativos a despesa social e a beneficiários
|
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
Despesa com educação
|
% do PIB
|
5,0
|
4,6
|
4,1
|
4,3
|
3,9
|
Saúde: transferência para SNS
|
% do PIB
|
5,0
|
4,8
|
4,7
|
4,8
|
4,5
|
Segurança social: transferência LBSS
|
% do PIB
|
4,3
|
3,9
|
3,8
|
3,8
|
3,7
|
- Cobertura prestações de desemprego*
|
%
|
60,8
|
43,0
|
44,2
|
45,7
|
|
- Beneficiários abono de família
|
Mil
|
1822
|
1358
|
1188
|
1188**
|
|
- Beneficiários RSI
|
Mil
|
528
|
448
|
282
|
268**
|
|
Fonte: Diversas fontes oficiais (segurança social, Governo, INE e
M.EconomiaGEE)
Notas: Saúde: transferências para o Serviço Nacional de
Saúde; Segurança social: transferências para cumprimento da
LBSS;
* Valores referentes ao 2º trimestre de cada ano com base em valores
publicados pelo INE e pelo M. Economia-GEE;
**Média de Janeiro a Outubro com base em valores publicados pelo M.
Economia-GEE)
4.3 O OE2014 aprofunda a política de austeridade com um corte na despesa
de 3,3 MM (2% do PIB). São de novo reduzidas as
transferências para funções sociais do Estado (por exemplo,
- 300 milhões de euros nas respeitantes ao Serviço Nacional de
Saúde). Pretende-se uma reforma das pensões, na
Administração Pública e no sector privado, com
implicações profundas. Na Administração
Pública, um corte retroactivo das pensões, tendo sido pedida pela
Presidência da República a verificação da
constitucionalidade. No sector privado, a alteração da Lei de
Bases da Segurança Social a qual visa introduzir cláusulas
abertas que permitiriam aos Governos invocar a evolução da
esperança média de vida, a situação
demográfica e/ou a sustentabilidade do sistema de segurança
social, para modificar elementos essenciais do cálculo da pensão
de velhice. Foi entretanto divulgado pelo Governo um projecto de diploma legal
que pretende aumentar a idade legal de reforma de 65 para 66 anos em 2014 e o
seu aumento sucessivo depois desta data.
4.4. A redução de efectivos na Administração
Pública não pode ser separada do papel do Estado na sociedade,
pois não há serviços públicos sem trabalhadores que
os assegurem. O que está hoje em jogo é acelerar mais a perda
contínua de emprego que já se vem a verificar desde meados da
década passada e que foi agravada com a aplicação dos
programas de austeridade. O país tem já uma percentagem do
emprego público inferior à verificada na média dos
países da OCDE e é visível em vários sectores a
falta de efectivos, com consequência na qualidade dos serviços
prestados.
Excesso de despesa ou falta de desenvolvimento do país?
O Governo argumenta com o excesso de despesa pública na década
passada responsabilizando-o pelos males do país. Esta despesa: teria
crescido em demasia; seria excessiva face ao nosso nível de
desenvolvimento; teria causado a crise da dívida. Vejamos sinteticamente
estes argumentos.
A despesa cresceu em demasia?
A informação estatística disponível, sintetizada no
gráfico, indica que a despesa pública cresceu de 42% do PIB em
2000 para 44% em 2007 (ou seja mais 2 pontos percentuais até à
emergência da crise internacional de 2009-2009). Em 2008 era ainda de 45%
mas em 2009-2010 saltou para valor de 50 a 51%. Ou seja, foi a crise que levou
ao aumento da despesa, por via de estímulos à economia, já
que se temia então que a crise internacional fosse mais profunda e
prolongada. Estímulos, diga-se, de que beneficiaram sobretudo as
empresas.
A despesa pública era em 2011 de 49,3% do PIB face a 49,5% na Zona Euro
e de 57,7% na Dinamarca (Eurostat), apesar de termos um mais baixo nível
de vida e um desemprego bastante superior. Por sua vez, a despesa de
protecção social era de 26,5% do PIB face a 29,1% na média
da UE28; esta despesa expressa em paridades de poder de compra por pessoa era
de 69% do valor médio da UE28
[7]
.
Houve um acréscimo excessivo face ao desenvolvimento do país?
Não só o aumento não foi elevado até à
emergência da crise, primeiro internacional e depois da dívida,
como esteve relacionado com o aumento das prestações sociais, em
particular com a valorização das pensões mínimas na
primeira metade da década de 2000. Deve ser referido que houve a este
respeito um verdadeiro consenso nacional. Também pesou nesta
evolução o aumento da despesa com o desemprego, embora a maioria
seja financiada por contribuições e não por impostos.
Porém, sendo este indicador um quociente tem de se olhar quer para o
numerador (nível da despesa) quer para o denominador (PIB). Ora a
economia não cresceu em quase todo este período: de 2001 a 2013 o
crescimento médio foi nulo; e foi negativo na média de 2007 a
2013. O peso do indicador desceria naturalmente se a economia crescesse.
Foi o excesso de despesa que causou a crise da dívida?
Não, pelas razões já apontadas. Mas também
não o é por outros motivos. Devemos recordar que em 2007, ou seja
antes da crise internacional, o défice público era de 3,1% e a
dívida pública era de 68,3%, valores que não estavam
distantes dos impostos pelas regras de Maastricht (e próximos dos
verificados na Alemanha).
A crise da dívida tem a ver com outros motivos, internos e externos. No
lado interno, saliente-se o debilitamento da estrutura produtiva, a
desindustrialização e a ideia de que era possível
continuar a acumular défices significativos e persistentes da
Balança Corrente, sem a emergência de crises de financiamento
externo. No lado externo, as regras da moeda única e a resposta
europeias à crise, entre outras.
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5. PROPOSTAS DA CGTP-IN
As propostas que a CGTP-IN apresenta mostram que é possível
equilibrar as contas públicas, aumentar o crescimento económico e
melhorar as condições de vida dos trabalhadores e do povo.
No âmbito do desenvolvimento económico e social, a CGTP-IN
propõe:
- O aumento da produção nacional, o que implica o
relançamento do investimento, nomeadamente nos sectores de bens e
serviços transaccionáveis, que tenha especial incidência na
substituição de importações;
- Uma política de rendimentos, que ao melhorar o rendimento
disponível por via dos salários (incluindo da revisão do
salário mínimo) e das prestações sociais,
permitirá também melhorar a procura interna, dinamizar a
actividade económica e criar mais e melhor emprego;
- A dinamização da contratação colectiva, enquanto
garantia fundamental do equilíbrio das relações laborais e
pilar do funcionamento da própria democracia, em simultâneo com a
publicação das Portarias de Extensão;
- A revogação das normas gravosas da legislação
laboral dos sectores privado e público, nomeadamente as que se
relacionam com a facilitação dos despedimentos e a
redução das indemnizações, a redução
do pagamento do trabalho extraordinário, os bancos de horas e o aumento
do horário de trabalho, a "requalificação" /
despedimentos;
- A melhoria dos serviços públicos e das funções
sociais do Estado, nomeadamente da educação, da saúde;
No âmbito da redução da despesa, a CGTP-IN propõe:
- A renegociação da dívida (montantes, prazos e juros) e
alteração das condições de financiamento do Estado,
quer no longo prazo quer no curto prazo;
- A recuperação de encargos com o BPN/SLN;
- A redução imediata dos encargos com as parcerias
público-privadas, com a diminuição da taxa accionista,
promovendo os esforços necessários de renegociação
dos contratos com este objectivo.
No âmbito do aumento da receita, a CGTP-IN propõe:
- A recuperação de dívidas à autoridade
tributária, o que implica o reforço dos meios humanos e materiais
e a definição anual de metas quantificadas e
avaliação semestral dos resultados;
- O combate à fraude e evasão fiscal, através do
reforço de meios, da alteração do quadro penal e
processual de forma a penalizar a fraude e evasão de grandes
contribuintes, e do combate ao planeamento fiscal abusivo;
- O alargamento da base fiscal em sede de IRC, nomeadamente eliminando a
dedução sobre os dividendos, criando uma sobretaxa de 10% sobre
os lucros distribuídos aos accionistas com mais de 0,5% do capital;
- A criação de uma taxa de 0,25% sobre as
transacções financeiras;
- A introdução de progressividade no IRC e
contribuição extraordinária das grandes empresas.
No âmbito do desagravamento da carga fiscal dos trabalhadores e
pensionistas, a CGTP-IN propõe:
- A revogação da sobretaxa de IRS de 3,5%
- Uma tabela de IRS mais progressiva, com o aumento 5 para 9 escalões e
a redução das taxas de imposto, bem como a
introdução de progressividade nas deduções à
colecta em despesas de saúde, educação,
habitação, beneficiando os agregados de menor rendimento, entre
outras;
- O englobamento obrigatório de todos os rendimentos auferidos pelos
sujeitos passivos, independentemente da sua fonte, para efeitos de IRS;
- A descida do IVA para os bens e serviços essenciais, sobre os quais
incidirá uma taxa de 6%, e reposição da taxa de IVA a 13%
para o sector da restauração;
- O alargamento da isenção do IMI para habitação
própria e permanente dos contribuintes de baixos rendimentos (até
ao 2º escalão do IRS) e criação de uma taxa de
imposto extraordinária progressiva (entre 0,1% e 0,25%) para
património imobiliário de valor consolidado superior a meio
milhão de euros.
No âmbito da Segurança Social, a CGTP-IN defende:
- Medidas de emergência destinadas a aliviar no imediato a
situação dos desempregados e das famílias em
situação de maior necessidade, incluindo o alargamento do
subsídio social de desemprego, sem prejuízo da luta pela
revisão das alterações legais que, no âmbito dos
programas de austeridade, reduziram o direito à segurança social;
- A melhoria da segurança social direccionada para o acesso às
prestações, contributivas e não contributivas, e à
actualização das prestações, incluindo a
revisão de todas as pensões e a actualização do
Indexante dos Apoios Sociais (IAS);
- A reavaliação periódica do regime de transferência
para o Estado das responsabilidades relativas às pensões da banca;
- O alargamento da base de incidência contributiva considerando
não só os salários mas também outras componentes da
formação do rendimento, aprofundando o princípio da
diversificação das fontes de financiamento na linha do que se
preconiza no Acordo de Modernização da Segurança Social de
2001;
- A recuperação das dívidas à Segurança
Social;
- A retirada da proposta de aumento da idade de reforma e da
penalização do factor de sustentabilidade.
Lisboa, 11/Dezembro/2013
Notas
1-
ILO,
Tackling the job crisis in Portugal
, Novembro de 2013
2-
INE,
Inquérito à Fecundidade 2013 (primeiros Resultados),
27.11.2013
Fonte: Calculado pela CGTP-IN com base em dados do INE
3-
European Commission,
The economic adjustment programme for Portugal. Eight and ninth review
, Novembro 2013
4-
A fortuna das 25 famílias mais ricas em Portugal equivale a 10% do PIB,
segundo informação recente.
5-
Banco de Portugal,
Boletim de Verão
, 2010.
6-
Trata-se aqui da dívida privada divulgada pelo Eurostat no quadro do
procedimento dos desequilíbrios macroeconómicos excessivos.
7-
Eurostat,
EU28 spent 29,1% of GDP on social protection in 2011
, News release, 21.11.13.
O original encontra-se em
www.cgtp.pt/...
Este documento encontra-se em
http://resistir.info/
.
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