Uma greve postal na Grã-Bretanha é guerra interna
por John Pilger
A luta dos trabalhadores dos correios é tão vital para a
democracia quanto qualquer outro acontecimento nacional dos últimos
anos. A campanha contra eles faz parte de uma mutação
histórica dos últimos vestígios de democracia
política na Grã-Bretanha para um mundo corporativo de
insegurança e guerra. Se os corsários privatizadores que agora
dirigem o Post Office puderem vencer, a regressão que hoje afecta as
vidas de todos acelerará o seu ritmo. Um terço das
crianças britânicas vive agora em famílias de baixo
rendimento ou empobrecidas. A um em cada cinco jovens é negada a
esperança de um emprego decente ou educação.
E agora o governo Brown está a uma montar uma
"liquidação" de activos e serviços
públicos no valor de £16 mil milhões [18,16 mil
milhões]. Não igualada desde a transferência da riqueza
pública de Margaret Thatcher para uma nova elite brutal, a venda, ou
roubo, incluirá a ligação ferroviária do
Túnel sob o Canal, pontes, o banco de empréstimos a estudantes,
campos de jogos escolares, bibliotecas e conjuntos habitacionais
públicos. A pilhagem do Serviço Nacional de Saúde e da
educação pública já estão a caminho.
O ponto em comum é a adesão às exigências de uma
minoria opulenta e criminosa revelada pelo colapso de 2008 da Wall Street e da
City de Londres, agora resgatada com centenas de milhares de milhões em
dinheiro público e ainda não controlada nem com uma única
condição restritiva imposta pelo governo. A Goldman Sachs, que
desfruta de uma ligação pessoal com o primeiro-ministro,
está para dar aos empregados um recorde de pagamento individual
médio e pacotes de bónus de £500 mil [567.568]. O
Financial Times
agora apresenta um serviço chamado "Como gastá-lo"
Nada disto tem de prestar contar ao público, cujo ponto de vista foi
expresso na última eleição de 2005. O New Labour venceu
com um apoio que mal chegou a um quinto da população adulta
britânica. Para cada cinco pessoas que votaram Trabalhista, oito
não votaram de todo. Isto não foi apatia, como pretenderam os
media, mas uma greve por parte do público tal como os
trabalhadores postais que estão hoje em greve. As questões
são em linhas gerais as mesmas: a intimidação e hipocrisia
do poder, contagiosas e não democráticas.
Desde que chegou ao gabinete, o New Labour tem feito o seu melhor para destruir
os Correios como uma instituição pública altamente
produtiva e avaliada com afeição pelo povo britânico.
Não muito tempo atrás, postava-se uma carta em qualquer lugar do
país e ela chegava ao seu destino na manhã seguinte. Havia duas
entregas por dia e colectas aos domingos. O melhor da Grã-Bretanha, que
é a vida comum assumida num sentido de comunidade, podia ser encontrado
na agência de correios local, desde as Terras Altas até às
montanhas Pennines e as áreas pobres dos centros das cidades, onde
pensões, complementos de rendimento, benefícios para a
infância e benefícios de incapacidade eram retirados, e os idosos,
os inaptos, os incapazes de exprimir-se e os perturbados eram tratados
humanamente.
Na minha agência local dos correios, no Sul de Londres, se uma pessoa
idosa deixasse de aparecer no dia da pensão, ele ou ela teria uma visita
da administradora da agência, Smita Patel, muitas vezes com
géneros alimentícios. Ela fez isto durante quase 20 anos
até que o governo encerrou esta "tábua de
salvação do contacto humano", como a denominou o deputado
local do Labour, juntamente com mais de 150 outras agências locais
londrinas. Os executivos dos Correios que confrontaram a ira da nossa
comunidade numa igreja local não sabíamos que a
decisão já fora tomada não estavam sequer
conscientes de que as Patels faziam um lucro. O que importava era a ideologia,
a agência tinha de ir-se. A menção de serviço
público trazia confusão às suas caras.
Os trabalhadores postais, tendo este ano duplicado os lucros anuais para
£321 milhões [364 milhões], tiveram de ouvir as
lições enganosas de Peter Mandelson, uma figura duplamente
desgraçada surgida das trevas do New Labour, acerca da
"modernização urgente". A verdade é que o Royal
Mail oferece um serviço de qualidade à metade do preço dos
seus rivais privatizados, o Deutsche Post e a TNT. Ao lidar com nova
tecnologia, os trabalhadores postais têm procurado apenas serem
consultados acerca do seu trabalho e o direito de não serem abusados
como o trabalhador postal que foi agredido pelo seu administrado, a
seguir demitido enquanto era promovido; e o carteiro com 17 anos de
serviço e sem uma única queixa em seu nome que foi despedido
sumariamente por deixar de usar o seu capacete de ciclista. Observe o frenesi
com que o seu carteiro agora faz as entregas. Um homem de meia-idade tem de
correr grande parte do seu caminho a fim de manter um tempo
pré-estabelecido e irrealista. Se ele falhar, ele é castigado e
mantido no seu lugar pelo medo de que milhares de empregos dependem do capricho
de administradores.
Os negociadores do Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação
(Communication Workers Union, CWU)
definem os executivos como intransigentes e com uma agenda oculta assim
como o Conselho Nacional do Carvão
(National Coal Board)
mascarou o objectivo estritamente político da Thatcher de destruir o
sindicato dos mineiros. O papel de jornalistas colaborativos também
permanece o mesmo. Mark Lawson, que pontifica acerca de assuntos
pseudo-intelectuais para a BBC e o
Guardian
e recebe muitas vezes mais do que a remuneração de um
trabalhador postal, vociferou uma diatribe estilo
Sun
em 10 de Outubro. Palrando acerca do triunfo do email e de como o
serviço postal era um "espectador" da Internet quando, de
facto, ele demonstrou-se como beneficiário comercial, Lawson escreveu:
"O resultado [da greve] decidirá se Billy Hayes da CWU será,
como [Arthur] Scargill, recordado como alguém que presidiu a
destruição da indústria que ele tinha
intenção de representar".
O registo histórico torna claro que Scargill e os mineiros estavam a
combater contra a destruição maciça de uma
indústria que fora planeada há muito por razões
ideológicas. Os inimigos dos mineiros incluíam as forças
mais subversivas, brutais e sinistras do estado britânico, ajudadas por
jornalistas como o colega de Lawson no
Guardian,
Seumas Milne, documenta no seu trabalho memorável,
O inimigo interno (The Enemy Within).
Os trabalhadores postais merecem o apoio de todas as pessoas honestas e
decentes, às quais se recorda que podem ser as próximas na lista
se permanecerem silenciosas.
22/Outubro/2009
O original encontra-se em
http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=552
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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