Como a elite anglo-americana partilha os seus 'valores'

por John Pilger

Quando o primeiro-ministro Gordon Brown referiu-se recentemente à devoção do seu governo para com os Estados Unidos, "fundamentada nos valores que partilhamos", estava a reflectir o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Kim Howells, o qual preparava-se para dar as boas vindas ao ditador saudita na Grã-Bretanha com efusões de "valores partilhados". O significado foi o mesmo, em ambos os casos. Os valores partilhados são os do poder e da riqueza predatória, ignorando democracia e direitos humanos, como confirmam o banho de sangue no Iraque e o sofrimento dos palestinos, para mencionar apenas dois exemplos.

Os "valores que partilhamos" são celebrados por uma sombria organização que acaba de efectuar a sua conferência anual. É o British-American Project for the Successor Generation (BAP), estabelecido em 1985 com dinheiro de um trust de Filadelfia com um longo historial de apoio a causas da extrema-direita. Embora o BAP não reconheça publicamente a sua origem, a fonte da sua inspiração foi um apelo do presidente Reagan em 1983 para que as "próximas gerações" em ambos os lados do Atlântico "trabalhassem juntas no futuro em assuntos de defesa e segurança". Ele fazia numerosas referências a "valores partilhados". Compareceram a esta cerimónia na Sala de Situação da Casa Branca estavam os ideólogos Rupert Murdoch e o finado James Goldsmith.

Como esclareceu Reagan, a necessidade do BAP surgiu da ansiedade de Washington acerca da crescente oposição britânica às armas nucleares, especialmente quanto ao estacionamento de mísseis de cruzeiro na Europa. "Uma preocupação especial", disse ele, "serão as próximas gerações, quando estas pessoas mais jovens tiverem de trabalhar juntas no futuro sobre questões de defesa e segurança". Uma nova, preferivelmente jovem, elite – jornalistas, académicos, economistas, "sociedade civil" e líderes liberais da comunidade de um tipo ou de outro – compensariam o crescente "anti-americanismo".

Os objectivos desta rede moderna, segundo David Willetts, o antigo director de estudos do Centre for Policy Studies, de extrema-direita, agora membro do gabinete sombra Tory, são simplesmente "ajudar a reforçar ligações anglo-americanas, especialmente se alguns membros já ocuparam ou ocuparão posições de influência". O antigo embaixador britânico em Washington, sir John Kerr, foi mais directo. Num discurso a membros do BAP, ele afirmou que "a poderosa combinação de pessoas eminentes e de estreitas ligações atlânticas" desta organização "ameaçavam deixar a embaixada sem tarefas". Um organizador americano do BAP descreve a rede como comprometida com a "preparação de líderes" ao mesmo tempo que promove a "o papel de liderança global que [os EUA e a Grã-Bretanha] continuam a desempenhar".

Os alunos britânicos do BAP são retirados em grande parte do novo Labour e da sua corte. Não menos de quatro "companheiros" do BAP e um conselheiro tornaram-se ministro no primeiro governo Blair. Os nome do novo Labour incluem Peter Mandelson, George Robertson, Baronesa Symons, Jonathan Powell (chefe de gabinete de Blair), Baronesa Scotland, Douglas Alexander, Geoff Mulgan, Matthew Taylor e David Miliband. Alguns são membros da Sociedade Fabiana e descrevem-se a si próprios como sendo "de esquerda". Trevor Philips, presidente da Comissão de Igualdade e Direitos Humanos, é outro membro. Eles objectam quanto aos boatos de "uma conspiração". A origem (mutuality) de classe ou de aspirações é simplesmente assegurada, sem ser mencionada, e o abraço cálido do poder faz o resto.

A conferências BAP são realizadas alternadamente nos EUA e na Grã-Bretanha. A deste ano foi em Newcastle, com o tema "Fé e Justiça". Na direcção estado-unidense está Diana Negroponte, a esposa de John Negroponte, o antigo chefe da segurança nacional de Bush notório pela sua associação com a política dos esquadrões da morte na América Central. Ele seguiu outro destacado neocon, Paul Wolfowitz, o arquitecto da invasão do Iraque e desacreditado responsável do Banco Mundial. Desde 1985, "alunos" e "veteranos" do BAP tem sido reunidos por cortesia da Coca-Cola, Monsanto, Saatchi & Saatchi, Philip Morris e British Airways, dentre outras multinacionais. Nick Butler, ex-líder da BP, tem sido a luz condudora.

Para muitos, as conferências contem prazeres revivalistas afinados por técnicas americanas de RP, com jogos de administração, apresentações pessoais e uma linda revista de encerramento para aliviar dos negócios sérios. O relatório da conferência de 2002 observou: "Muitos graduados do BAP estão envolvidos directamente com instituições militares e de defesa dos EUA e do Reino Unido".

O BAP raramente recebe publicidade, o que pode ter algo a ver com a alta proporção de jornalistas que são graduados. Destacados jornalistas do BAP são David Lipsey, Yasmin Alibhai-Brown e um conjunto sortido de murdochistas. A BBC está bem representada. No popular programa Today, James Naughtie, cujas emissões reflectem os seus próprios interesses transatlânticos, foi aluno desde 1989. A nova voz do Today, Evan Davis, anteriormente o cuidadoso editor de economia da BBC, é membro. E no topo do sítio web do BAP está uma fotografia do famoso locutor da BBC Jeremy Paxman, com o seu endosso. "Um meio maravilhoso de reunir uma amostragem variada de amigos transatlânticos", diz ele.

13/Dezembro/2007

O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=466

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