Tony Blair deve ser processado
por John Pilger
Tony Blair deve ser processado, não perdoado como o seu mentor Peter
Mandelson. Ambos produziram memórias auto-justificadoras pelas quais
lhes foram pagas fortunas. A de Blair aparecerá no próximo
mês e ele ganhou com ela £4,6 milhões [5,2
milhões]. Agora considere a Lei das Receitas de Crime (Proceeds of Crime
Act) britânica. Blair concebeu e executou uma guerra de agressão
não provocada contra um país indefeso, o que em 1946 os
juízes de Nuremberg descreveram como o "supremo crime de
guerra". Isto provocou, de acordo com estudos académicos, as mortes
de mais de um milhão de pessoas, um número que excede a
estimativa das mortes no genocídio de Ruanda elaborada pela Fordham University.
Além disso, quatro milhões de iraquianos foram forçados a
fugir dos seus lares e a maioria das crianças caiu na
desnutrição e no trauma. As taxas de cancro perto das cidades de
Faluja, Najaf e Bassorá (esta última "libertada" pelos
britânicos) revelam-se agora mais elevadas do que aquelas em Hiroshima.
"Forças do Reino Unido utilizaram cerca de 1,9 toneladas
métricas de munições de urânio empobrecido na guerra
do Iraque em 2003", disse em 22 de Julho o secretário da Defesa
Liam Fox no parlamento. Um conjunto de armas "anti-pessoais"
tóxicas, tais como bombas de estilhaçamento, foi empregue pelas
forças britânicas e americanas.
Tal carnificina foi justificada com mentiras que foram reiteradamente
denunciadas. Em 29 de Janeiro de 2003 Blair disse ao parlamento: "Sabemos
de ligações entre a al-Qaida e o Iraque...". No mês
passado, o antigo chefe do serviço de inteligência, MI5, Eliza
Manningham-Buller, declarou no inquérito Chilcot: "Não
há inteligência crível a sugerir aquela conexão ...
[foi a invasão] que deu a Osama bin Laden a sua jihad no Iraque".
Perguntada em que medida a invasão exacerbou a ameaça de
terrorismo para a Grã-Bretanha, ela respondeu:
"Substancialmente". As bombas em Londres a 7 de Julho de 2005 foram
uma consequência directa das acções de Blair".
Documentos divulgados pelo Supremo Tribunal mostram que Blair permitiu que
cidadãos britânicos fossem sequestrados e torturados. O
então secretário do Exterior, Jack Straw, decidiu em Janeiro de
2002 que Guantanamo era o "melhor meio" para assegurar que
cidadãos do Reino Unidos fossem "mantidos em segurança".
Ao invés de remorso, Blair tem demonstrado uma cobiça voraz e
secreta. Desde a sua demissão como primeiro-ministro em 2007, ele
acumulou uma quantia estimada em £20 milhões [ 22,7
milhões], grande parte dela em resultado dos seus laços com a
administração Bush. O Comité Consultivo sobre
Nomeações de Negócios da Casa dos Comuns, o qual verifica
empregos assumidos por antigos ministros, foi pressionado a não tornar
pública a "consulta" de Blair sobre acordos com a
família real do Kuwait e a gigante petrolífera sul coreana UI
Energy Corporation. Ele obtém £2 milhões [2,27
milhões] por ano a "aconselhar" o banco de investimento
americano J. P. Morgan e somas não reveladas de companhias de
serviços financeiros. Ele ganha milhões com discursos, incluindo
confirmadamente £200 mil [227 mil] por um feito na China.
No seu papel não pago mas rico de despesas como "enviado de
paz" do Ocidente no Médio Oriente, Blair é, com efeito, um
porta-voz de Israel, o qual lhe concedeu um "prémio da paz" de
US$ 1 milhão [ 700 mil]. Por outras palavras, a sua riqueza
cresceu rapidamente desde que lançou, com George W. Bush, o banho de
sangue no Iraque.
Os seus colaboradores são numerosos. Em Março de 2003 o Gabinete
ficou a saber bastante acerca da conspiração atacar o Iraque.
Jack Straw, posteriormente nomeado "secretário da
justiça", suprimiu as minutas relevantes do Gabinete em desafio a
uma ordem do Comissário da Informação para
divulgá-las. A maior parte daqueles agora a concorrerem pela
liderança do Partido Trabalhista apoiaram o crime impressionante de
Blair, levantando-se todos em conjunto para saudar a sua aparição
final nos Comuns. Quando era secretário do Exterior, David Miliband
procurou encobrir a cumplicidade britânica na tortura e promoveu o
Irão como a "ameaça" seguinte.
Jornalistas que antes bajulavam Blair como "místico" e
amplificaram seus ditos arrogantes agora pretendem que foram críticos
seus desde o princípio. Quanto à burla dos media em
relação ao público, só David Rose do
Observer,
para honra sua, pediu desculpas. As revelações do Wikileaks,
divulgadas com o objectivo moral da verdade com justiça, têm sido
estimulantes para um público alimentado à força para a
cumplicidade, o jornalismo de lobby. Prolixos historiadores célebres
como Niall Ferguson, que se regozijou com o rejuvenescimento de Blair do
imperialismo "iluminado", permanecem silenciosos sobre a
"evasão moral", como escreveu Pankaj Mishra, "daqueles
pagos para interpretar inteligentemente o mundo contemporâneo".
Será lavagem cerebral pensar que Blair será agarrado pelo
colarinho? Assim como o governo Cameron entende a "ameaça" de
uma lei que torna a Grã-Bretanha uma paragem arriscada para criminosos
de guerra israelenses, um risco semelhante aguarda Blair num certo
número de países e jurisdições, pelo menos de ser
detido e interrogado. Ele agora é o Kissinger da Grã-Bretanha,
que há muito tem de planear as suas viagens para fora dos Estados Unidos
com os cuidados de um fugitivo.
Dois eventos recentes dão mais peso a isto. Em 15 de Junho, o Tribunal
Penal Internacional tomou a decisão memorável de acrescentar a
agressão à sua lista de crimes de guerra a serem processados.
Esta é definida como um "crime cometido por um líder
político ou militar o qual pelo seu carácter, gravidade e escala
constitui uma violação manifesta da Carta [das
Nações Unidas]". Juristas internacionais descrevem isto como
um "salto gigantesco". A Grã-Bretanha é
signatária do estatuto de Roma que criou o tribunal e está
obrigada a cumprir as suas decisões.
Em 21 de Julho, o vice-primeiro-ministro Nick Clegg, nos Comuns, declarou
ilegal a invasão do Iraque. Apesar da
"clarificação" posterior de que estava a falar
pessoalmente, ele fez "uma declaração em que o tribunal
internacional estaria interessado", disse Philippe Sands, professor de
direito internacional no University College London.
Tony Blair veio das classes médias-altas britânicas as quais,
tendo-se regozijado na sua untuosa ascendência, pode agora reflectir
sobre os princípios de certo e errado que exigem dos seus
próprios filhos. O sofrimento das crianças do Iraque
permanecerá um espectro a assombrar a Grã-Bretanha enquanto Blair
permanecer livre para lucrar.
05/Agosto/2010
O original encontra-se em
http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=583
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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