Lockerbie: Megrahi foi tramado
por John Pilger
No seu último artigo para o
New Statesman.
John Pilger descreve a supressão dos factos por detrás do furor
sobre a libertação "misericordiosa" do líbio
Abdelbaset Ali Mohmed al-Megrahi, o chamado bombista de Lockerbie. Escreve que
Megrahi foi "de facto chantageado pelos governos da Escócia e da
Inglaterra" para que no seu apelo não viesse a ser revelado que
tinha sido tramado por um crime que não cometeu.
A histeria sobre a libertação do chamado bombista de Lockerbie
revela muito sobre a classe política e os meios de
comunicação de ambos os lados do Atlântico, em especial da
Grã-Bretanha. Desde a "repulsa" de Gordon Brown até ao
"escândalo" de Barack Obama, o teatro de mentiras e hipocrisias
foi obedientemente encenado pelos que se intitulam jornalistas. "E se
Megrahi viver mais do que três meses?" queixa-se um repórter
da BBC diante do primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, "O que
é que depois vai dizer aos seus eleitores?"
Horror dos horrores, o de um moribundo poder viver mais do que o previsto antes
de "pagar" pelo seu "crime hediondo": a
descrição do ministro da Justiça escocês, Kenny
MacAskill, cuja "compaixão" permitiu que Abdelbaset Ali Mohmed
al-Megrahi regressasse à Líbia para "enfrentar a
justiça de um poder supremo". Ámen.
Larry David, o sarcástico escritor americano, descreveu uma vez um
colega volúvel como "uma cascata de disparates". Esta
eloquência resume o circo da libertação de Megrahi.
Ninguém no poder teve a coragem de denunciar a verdade quanto à
explosão do Voo 103 da Pan Am por cima da aldeia escocesa de Lockerbie
em 21 de Dezembro de 1988 em que morreram 270 pessoas. Com efeito, os governos
da Inglaterra e da Escócia chantagearam Megrahi para desistir do seu
apelo em troca da sua libertação imediata. Claro que, entretanto,
estavam em negociação acordos com a Líbia quanto a
petróleo e armamento; mas se Megrahi avançasse com o seu apelo,
umas 600 páginas de provas novas e deliberadamente suprimidas teriam
confirmado a sua inocência e ter-nos-iam dado mais uma oportunidade de
perceber como e porquê ele fora escolhido para benefício de
"interesses estratégicos".
"O fim do jogo representa fundamentalmente uma limitação dos
prejuízos", disse Robert Baer, ex-funcionário da CIA, que
fez parte da investigação inicial, "porque as provas
acumuladas no apelo [de Megrahi] são explosivas e extremamente
prejudiciais para o sistema da justiça". Novos testemunhos
demonstrariam que era impossível que Megrahi tivesse comprado as roupas
que foram encontradas nos destroços do avião da Pan Am foi
condenado pelo depoimento de um maltês, dono da loja, que afirmou ter-lhe
vendido essas roupas, depois fez uma errada descrição dele em 19
depoimentos separados e nem sequer conseguiu reconhecê-lo na sala do
tribunal.
As novas provas teriam demonstrado que os fragmentos de uma placa de circuito
electrónico e de um temporizador de bomba, "descobertos" na
área rural escocesa e que foram descritos como provenientes da mala de
Megrahi, provavelmente eram falsos. Um perito forense não encontrou
neles vestígios de explosão. As novas provas teriam demonstrado a
impossibilidade de a bomba ter embarcado em Malta antes de ser
"transferida" para o Voo 103, em dois aeroportos sem ser detectada.
Uma "testemunha secreta fundamental" no julgamento inicial, que
afirmou ter visto Megrahi e al-Alim Khalifa Fahimah, acusado juntamente com ele
(e que foi absolvido) a carregar a bomba no avião para Frankfurt, foi
subornada pelas entidades americanas que a detiveram como "testemunha
protegida". A defesa denunciou-o como informador da CIA sujeito a uma
recompensa de mais de 4 milhões de dólares, decretada pela
Líbia.
Megrahi foi condenado por três juízes escoceses num tribunal na
Holanda "neutral". Não houve jurados. Um dos poucos
repórteres a assistir aos longos e frequentemente ridículos
procedimentos foi o falecido Paul Foot, cuja investigação de
referência ao
Private Eye
[1]
o denunciou como uma cacofonia de erros crassos, burlas e mentiras: um
branqueamento. Os juízes escoceses, embora reconhecendo uma "grande
quantidade de indícios contraditórios" e rejeitando as
fantasias do informador da CIA, consideraram Megrahi culpado com base em provas
de boatos e de circunstâncias não comprovadas. Foot escreveu que a
"opinião" deles, com 90 páginas, "é um
documento notável que exige um lugar de honra na história dos
erros judiciais na Grã-Bretanha". (
Lockerbie the Flight from Justice
de Paul Foot pode ser consultado no endereço do
Private Eye
por £5 [5,68]).
Foot relatou que a maior parte do pessoal da embaixada dos EUA em Moscovo, que
tinham lugares reservados nos voos da Pan Am a partir de Frankfurt, cancelaram
as suas reservas depois de avisados pelos serviços secretos americanos
de que estava planeado um ataque terrorista. Mencionou o nome de Margaret
Thatcher como a "arquitecta" do encobrimento depois de revelar que
ela cancelou o inquérito independente que a sua secretária, Cecil
Parkinson, tinha prometido às famílias de Lockerbie; e num
telefonema para o presidente George Bush filho, em 11 de Janeiro de 1990,
concordou em "manter reservado" o desastre depois de os
serviços de informações britânicos terem considerado
"para além de qualquer dúvida" que a bomba de Lockerbie
fora colocada por um grupo palestino contratado por Teerão como
represália pelo abate de um avião comercial iraniano feito por um
navio de guerra americano em águas territoriais iranianas. Entre os 290
mortos havia 66 crianças. Em 1990, o capitão do navio foi
condecorado com a Legião de Mérito por Bush filho, "por
conduta excepcionalmente meritória no desempenho de excelente
serviço enquanto oficial comandante".
Perversamente, quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em 1991, Bush precisou do
apoio do Irão quando montou uma "coligação" para
expulsar o seu impertinente cliente duma colónia petrolífera
americana. O único país que desafiou Bush e apoiou o Iraque foi a
Líbia. "Como um peixe preguiçoso e super alimentado",
escreveu Foot, "os meios de comunicação britânicos
morderam a isca. Num coro quase unânime, entregaram-se a uma
difamação furiosa e desataram a instigar a guerra contra a
Líbia". Era inevitável tramar a Líbia no caso do
crime de Lockerbie. Logo a seguir, um relatório de uma agência
americana de serviços de informações de defesa, obtido ao
abrigo da Liberdade de Informação, confirmou essas verdades e
identificou o presumível bombista; esse relatório iria ser a
peça central da defesa de Megrahi.
Em 2007, a Comissão Escocesa de Revisão de Processos Criminais
designou o processo de Megrahi para recurso. "A comissão é
da opinião", disse o presidente Dr. Graham Forbes, "de que,
com base nas nossas investigações continuadas, as novas provas
que encontrámos e outras provas que não foram apresentadas a
tribunal, o requerente pode ter sido vítima de um erro judicial".
Estas palavras "erro judicial" estão totalmente ausentes do
actual furor, em que Kenny MacAskill volta a afirmar à multidão
em fúria que o bode expiatório em breve enfrentará a
justiça desse "poder supremo". Que vergonha.
03/Setembro/2009
[1]
Private Eye
: revista inglesa, de notícias e actualidades, número um em
vendas; oferece uma mistura única de comentários
humorísticos, sociais e políticos e jornalismo de
investigação [N.T.].
O original encontra-se em
http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=547
. Tradução de Margarida Ferreira
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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