A arte negra da "administração de notícias"
"Os mestres do ilusionismo, que concebem a propaganda negra e arranjam
falsos pretextos para a chicana política e para guerras e atrocidades,
tais como o Iraque e o assalto israelense à flotilha da paz de Gaza"
por John Pilger
Como começam as guerras? Com um "ilusionista mestre", segundo
Ralph McGehee, um dos pioneiros da CIA em "propaganda negra", hoje
conhecida como "administração de notícias". Em
1983, ele descreveu-me como a CIA havia forjado um "incidente" que se
tornou a "prova conclusiva da agressão do Vietname do Norte".
Isto seguia-se a uma afirmação, também forjada, de que
navios com torpedos haviam atacado um vaso de guerra americano no Golfo de
Tonquim em Agosto de 1964.
"A CIA", disse ele, "carregou um junco, um junco
norte-vietnamita, com armas comunistas a Agência mantém
arsenais comunistas nos Estados Unidos e por todo o mundo. Eles rebocaram este
junco ao longo da costa do Vietname central. Então dispararam sobre ele
e fizeram aparentar que tinha havido um incêndio, e levaram isto à
imprensa americana. Com base nesta evidência, duas equipes de Marines
aterraram em Danang e uma semana depois disso a força aérea
americana começou o bombardeio regular do Vietname do Norte". Uma
invasão que ia custar três milhões de vida estava a iniciar.
Os israelenses têm jogado este jogo assassino desde 1948. O massacre de
activistas da paz em águas internacionais a 31 de Maio foi uma
"pirueta" para o público israelense durante a semana passada,
preparando-o para ainda mais assassínios por parte do seu governo, com a
flotilha desarmada de trabalhadores humanitários a serem descritos como
terroristas ou enganados por terroristas. A BBC ficou tão intimidada que
relatou a atrocidade basicamente como um "potencial desastre de
relações públicas para Israel", a perspectiva dos
assassinos, e uma desgraça para o jornalismo.
Um ilusionismo semelhante preocupa actualmente os governos asiáticos. Em
20 de Maio a Coreia do Sul anunciou que tinha "prova esmagadora" de
que um dos seus navios de guerra, o Cheonan, fora afundado em Março por
um torpedo disparado por um submarino norte-coreano com a perda de 46
marinheiros. Os Estados Unidos mantêm 28 mil soldados na Coreia do Sul,
onde o sentimento popular há muito apoia uma distensão com
Pyongyang.
A 26 de Maio, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, foi a
Seul e afirmou que a "comunidade internacional deve responder" ao
"ultraje da Coreia do Norte". Ela viajou a seguir ao Japão,
onde a nova "ameaça" da Coreia Norte convenientemente eclipsou
a breve política externa independente do primeiro-ministro japonês
Yukio Hatoyama, eleito no ano passado com a popular oposição
à ocupação militar permanente do Japão pelos
Estados Unidos. A "prova esmagadora" é uma hélice de
torpedo que "tem estado a corroer-se durante pelo menos vários
meses", informou o
Korea Times.
Em Abril, o director da inteligência nacional da Coreia do Sul, Won
See-hoon, disse a um comité parlamentar que não havia prova
ligando o afundamento do Cheonan à Coreia do Norte. O ministro da Defesa
concordou. O chefe de operações militares da marinha da Coreia do
Sul disse: "Nenhum vaso de guerra norte coreano foi detectado nas
águas em que o acidente se verificou". A referência a
"acidente" sugere que o navio abalroou um recife e partiu-se em dois.
Para os media americanos, a culpa da Coreia da Norte é
indubitável, assim como não havia dúvida da culpa do
Vietname do Norte, nem de que Saddam Hussein dispunha de armas de
destruição em massa, nem de que Israel pode aterrorizar com
impunidade. Contudo, ao contrário do Vietname e do Iraque, a Coreia do
Norte tem armas nucleares, as quais ajudam a explicar porque não foi
atacada, ainda não: uma lição saudável para outros
países, tais como o Irão, actualmente no centro das
atenções.
Na Grã-Bretanha, temos os nossos próprios ilusionistas mestres.
Imagine alguém no estado apanhado a beneficiar-se de £40 mil
[45,4 mil] de dinheiro dos contribuintes numa fraude com uma segunda
casa. Seguir-se-ia quase certamente uma sentença de prisão. David
Laws, secretário chefe do Tesouro, fez o mesmo e é assim descrito:
"Sempre admirei a sua inteligência, seu sentido do dever
público e sua integridade pessoal" (Nick Clegg,
vice-primeiro-ministro). "O sr. é um homem bom e honrado. Estou
certo de que foi sempre motivado pelo desejo de proteger a sua privacidade ao
invés de qualquer outra coisa". (David Cameron, primeiro-ministro).
Laws é "um homem de nobreza bastante excepcional" (Julian
Grover,
Guardian
). Uma "mente brilhante" (BBC).
O Clube Oxbridge e seus membros associados à política e aos media
tentaram ligar o "erro de julgamento" e a "ingenuidade" de
Laws ao seu "direito à privacidade" como gay, uma
irrelevância. A "mente brilhante" é um rico banqueiro de
investimento cultivado em Cambridge e corrector de ouro dedicdo à nobre
tarefa de cortar os serviços públicos da maior parte das pessoas
pobres e honestas.
Agora imagine outro responsável público, um dos grandes
criminosos e mentirosos de guerra. Este responsável
"articulou" a invasão ilegal de um país indefeso que
resultou na morte de pelo menos um milhão de pessoas e o despojamento de
muitos mais: com efeito, o esmagamento de uma sociedade humana. Se isto fosse
nos Balcãs na África, ele muito provavelmente teria sido
processado pelo Tribunal Penal Internacional.
Mas o crime compensa para os membros do clube. Em sintonia com o caso Laws,
esta verdade foi demonstrada pela contínua celebração de
Alastair Campbell, cujas frequentes aparições nos media
proporcionam uma emoção indirecta para a intelligensia liberal.
Para o
Guardian,
Campbell é "obstinado, por vezes mal direccionado, mas sem medo de
pressionar onde outros podiam ter hesitado". O interesse imediato do
Guardian
é a publicação "exclusiva" dos diários
"politicamente explosivos" e "não censurados" de
Campbell. Aqui está uma amostra: "Sábado 14 de Maio.
Telefonei a Peter [Mandelson] e perguntei porque ele não respondeu aos
meus telefonemas de ontem. 'Você sabe porque'. "Não,
não sei'. Ele disse que estava em brasa com a minha entrevista ao
Newsnight".
Numa entrevista promocional ao Guardian, Campbell dispensou deste incesto
datado, referindo-se assim ao banho de sangue de que foi o principal
apologista: "Fez-nos o Iraque perder apoio em 2005?", perguntou
retoricamente. "Sem dúvida..." Portanto, uma tragédia
criminosa de escala igual à do genocídio de Rwanda foi minimizada
como uma "perda" para o New Labour: um ilusionista mestre de
notável brutalidade.
03/Junho/2010
O original encontra-se em
http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=578
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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